Tag: Armie Hammer

  • Crítica | Contato Visceral

    Crítica | Contato Visceral

    Contato Visceral é mais uma das várias recentes produções da Netflix. Juntamente com outros filmes da gigante de streaming como Fratura, Eli, Campo do Medo e Cascavel, o filme é um terror psicológico, focado mais no suspense do que na parte gráfica de outras produções.

    Logo no início, na cidade de New Orleans, somos apresentados a seu protagonista, Will, vivido por Armie Hammer. O rapaz trabalha num bar local e parece não querer muito mais de sua vida fútil, a não ser trabalhar no bar e beber de graça junto de sua amiga Alicia (Zazie Beetz), por quem tem certa queda. Will namora Carrie (Dakota Johnson), mas parece que o relacionamento dos dois está próximo do fim. O bar é frequentado por pessoas bastante conhecidas por Will (algumas muito excêntricas) e sua vida começa a mudar quando um grupo de jovens menores de idade decide ir ao bar. Mesmo sabendo que o grupo é menor de idade, Will faz vista grossa e permite que o grupo beba no bar. Acontece que o grupo acaba se envolvendo em uma briga entre velhos frequentadores do local, sendo que um dos amigos de Will fica gravemente ferido. O grupo vai embora, mas acaba esquecendo um aparelho celular que fica com o Will. A partir daí, o filme abre espaço para o terror psicológico mencionado no início deste texto, uma vez que Will passa a receber sinistras mensagens pelo aparelho, colocando em risco sua vida e de todos que estão ao seu redor.

    Dirigido pelo jovem talento, o britânico Babak Anvari que foi contratado após o bom À Sombra do Medo, seu primeiro longa, o filme até tenta se espelhar em ótimos clássicos do cinema, como Bug ou em escritores, como H. P. Lovecraft. Fã de Cronenberg, o diretor tenta emular o clima retratado em A Mosca, adiciona uma “pitada” de David Lynch e um “aconchego” de Roman Polanski, como ele mesmo diz. Mas por algum motivo, ele falha. Anvari também assina o roteiro do filme, que na verdade é uma adaptação do livro The Visible Filth, escrito por Nathan Ballingrud e o fato dele querer ser um cineasta que dirige e assina a história, foi uma decisão bastante ousada logo em sua primeira experiência em Hollywood. O elenco tem um certo peso, mas todos eles soam apáticos em tela. Johnson parece que está ali somente porque pagaram suas despesas de viagem e alimentação, assim como a personagem de Beetz, que é boa, mas falta consistência no roteiro para aprofundar ainda mais sua trama. Aquele que foi melhor explorado foi Will, sendo que, Hammer sabe muito bem fazer esse tipo de papel. Contudo, como dito, o filme poderia explorar muito mais os arcos de seus coadjuvantes, mas o tempo de fita (pouco mais de uma hora e meia) impede esse desenvolvimento. Então podemos dizer que talvez tenha faltado o dedo de Anvari para extrair um pouco mais do seu elenco, assim como um roteirista mais gabaritado e obviamente, pelo menos quarenta minutos a mais de filme.

    Ainda assim, o que salva é a atuação de Hammer, aliada à algumas poucas situações que envolvem o grupo de amigos, o bar, Carrie e Alicia. As partes de suspense são realmente bem feitas e é possível perceber facilmente a transformação de Will no transcorrer da fita, o que é de fato ponto positivo. De qualquer forma, se você é fã desse gênero de filme, vale a pena conferir.

    Texto de autoria de David Matheus Nunes.

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  • Crítica | Me Chame Pelo Seu Nome

    Crítica | Me Chame Pelo Seu Nome

    Há beleza no novo, na epifania da descoberta é que nos sentimos vivos e desse curto espaço de tempo que o próprio tempo se revela um inimigo. Me Chame Pelo Seu Nome fala disso, fala do novo e também da experiência, do tempo e de distância, temáticas brotam como um romance de verão no novo longa do italiano Luca Guadagnino, ovacionado em festivais do mundo todo desde o início de 2017 o filme é simples como seus temas e tão profundo e sensível quanto, soa como poesia e resgata o valor de se contar uma história de amor.

    Elio – interpretado brilhantemente por Timothée Chalamet – está passando as férias de verão de 1983 no norte da Itália com seus pais, até um dos alunos do seu pai, sete anos mais velho, chegar para semanas de estudos na casa, interpretado por Armie Hammer, o recém-chegado Oliver desperta em Elio desejo e admiração, fazendo com que os dois se conheçam aos poucos envoltos numa rotina calma e calorosa. Sem três atos pontualmente divididos, o filme passa bom tempo mostrando as investidas silenciosas dos dois rapazes entre jogos de vôlei, passeios de bicicleta e leituras a beira de piscinas, a atração deles é construída a passos lentos e está longe de ser puramente física, os dois se provocam culturalmente em cenas belíssimas, e é nesse começo longo e rotineiro que Guadagnino nos fazer perceber que Me Chame Pelo Seu Nome não está enraizado em padrões, fórmulas ou filtros.

    Entre essas cenas uma história coming of age vai brotando entrelaçada ao romance eminente, acompanhamos um Elio maduro e talentoso, mas que ao mesmo tempo se julga não saber das coisas que importam, ele lê, faz a barba, reflete grandes questões, explora sua bissexualidade – sensivelmente trabalhada na narrativa, algo raro de se ver no cinema –, experimenta seus sentidos, e seu intérprete Chalamet não deixa de ser impecável, o jovem ator entende seu Elio nos mais sinceros olhares e gestos, transmite os desejos e anseios de seu personagem em movimentos travados e ferventes, o Elio de Timothée é palpável e a atuação masculina mais sensível do último ano. Hammer também faz do seu Oliver um personagem de olhares, e é um deleite acompanhar todos os escudos do mesmo serem desmanchados ao decorrer da história, mostrando brechas de um Oliver desconsertado e inseguro em milésimos de cena, um trabalho muito bem feito, mas nada maior do que ver os dois juntos em tela, é como pegar fogo, a química é tão forte quanto ambígua, é calmaria e sensualidade caminhando de mãos dadas. Os beijos são cheios de paixão, os toques são fortes, sente-se os dois atores entregues a história e a seus personagens, o que faz do longa um filme tão verdadeiro.

    O diretor sabe muito bem criar essa atmosfera crível, um dos motivos de algumas cenas tratarem tão bem de certo erotismo e sensualidade é a escolha dele em dar grande destaque aos sons, a trilha musical desaparece e dá lugar a sons de respiração, um personagem engolindo seco, o roçar da pele na roupa, o suspiro de prazer, o som de pele tocando na pele, os sons das árvores lá fora… o diretor encabeça uma deliciosa atmosfera sonora durante todo o longa, que também se destaca pela inspirada trilha musical, principalmente as canções performadas por Sufjan Stevens, umas das melhores músicas originais em anos. A cinematografia é baseada em composições inspiradas e entrega imagens significativas, tanto quando enquadra os dois personagens principais, quando observa de longe em longos planos, tanto quando caminha por paisagens e olhares.

    O final do filme traz um monólogo magnífico nas palavras de Michael Stuhlbarg na pele do pai do Elio, que deve ser lembrado ainda por muitos anos, por ser muito bem escrito e por concretizar o longa como um filme único, ele mais uma vez se mostra muito mais do que aparenta, novas temáticas desabrocham e é difícil não se relacionar. O longa é bonito em todas as significâncias da palavra, consegue ser simples e natural como a rotina enquanto conta a história de um amor gigante, conta a história do novo, da descoberta e da experiência, ousa em mostrar da forma mais crível possível o tiro certeiro do nosso inimigo tempo, ou a falta de dele, ou o que não fizemos dele. Me Chame Pelo Seu Nome é altamente sensível e já nasce importante, desabrocha no coração de uma geração sem amarras, como “filme queer” representa muitos, mas quando fala de ser humano, de amor, fala de todo mundo.

    Texto de autoria de Felipe Freitas.

  • Crítica | Animais Noturnos

    Crítica | Animais Noturnos

    Existe um provérbio antigo que diz que a vingança é um prato que se come frio. Um ditado que não possui uma origem exata, mas que se popularizou e ainda serve como uma expressão metafórica servido, por exemplo, como introdução ao clássico recente de Quentin Tarantino, Kill Bill. O novo filme de Tom Ford, Animais Noturnos se vale de uma história em tons mais frios, apontados tanto nos figurinos da protagonista Susan Morrow (Amy Adams), quanto nas relações que ela tem ao longo do filme.

    A carreira da mulher como expositora de arte está em franca decadência, bem como seu casamento com Hutton (Armie Hammer). A relação dos dois é fria, sem espontaneidade ou qualquer emoção além do trivial, fato que a faz ser presa fácil para um sentimento depressivo. Sem muitas ações, ela recebe uma encomenda, que é o original de um livro, nominado igual ao filme, e que seria de autoria de Edward Sheffield (Jake Gylenhaal), um antigo amor seu. O título do romance é igual o apelido que o ex-amante deu para seu antigo par e a leitura daquele thriller mexe com a psique dela.

    A dicotomia entre o visual luxuoso e fashionista da personagem principal, com o interesse em uma literatura pulp mostra o desejo de Ford de mexer com extremos de do consumo da personagem, e essa condição é importada a história também, mostrando que a condução varia entre momentos austeros e pitorescos. Há três linhas narrativas, uma mostrando Edward e Susan no inicio da vida adulta, se relacionando e terminando, a atual e a metalinguagem do livro, que mostra Tony Hastings (Gylenhaal também) e sua esposa e filha viajando e sendo atacado por um grupo de malfeitores. Nesse interim é que moram as melhores atuações, se destacando o policial de poucas facetas Bobby Andes (Michael Shannon) e o asqueroso agressor Ray Marcus (Aaron Taylor-Johnson), que faz um sujeito que consegue fugir o tempo todo das garras da lei.

    Os diálogos no passado mostram um casal jovem, que discute trivialidades. As críticas que relacionam tais conversas a um vazio de conteúdo e sentido talvez não levem em conta de que são esses personagens imaturos, comuns e sem grandes diferenciais em comparação com o resto da humanidade apesar do discurso de Edward e Susan não combinar com isso. A diferença entre vivência e discurso está no abismo entre o pragmatismo hiper realista e o idílico sonho de ser alguém poderoso, e por isso toda a trama entre o antigo casal funciona, ao menos na tentativa de fazer a relação dar certo.

    Da parte do roteiro, é curioso como se acerta muito na tentativa de fazer uma história com pessoas tão medíocres soar tão grandiloquente, apontando em especial para o luxo do vestuário feminino, e ainda mais surpreendente o quanto o argumento escorrega em suas próprias armadilhas, sendo didático em momentos em que seria muito melhor só sugerir as teorias.

    A construção da revanche pelos eventos do passado é curiosamente bem urdida pelo personagem que enviou o original, pondo dentro da sua narrativa escrita todos os detalhes sórdidos da relação antiga, tocando em temas como repetição de ciclo familiar, melodrama barato e erros de expectativas. Os personagens chave possuem olhos claros, e a câmera de Ford faz questão de dar detalhes dessas cores, mergulhando nas tonalidades e nas almas magoadas de praticamente todos os personagens, que em suma, variam entre o egoísmo extremo e a frustração de não acreditar no potencial de seus pares. Desse crime, todos os personagens de linha temporal mais atual padecem.

    O terror de Animais Noturnos reside na sensação de remorso, e esse é o aspecto mais rico do texto, sem dúvida, por destacar o quão rica e triste pode ser a complexidade da alma humana, repleta de sensações dicotômicas e difíceis de explicar. O drama que aparentava ser sobre reencontros tem coragem de mudar seu gênero e consegue se sustentar bem apesar de alguns momentos de sensacionalismo, mas que em suma, não denigrem o encerramento de seu drama.

  • Crítica | O Nascimento de Uma Nação (2016)

    Crítica | O Nascimento de Uma Nação (2016)

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    O começo do longa de estreia de Nate Parker como diretor remete ao passado ancestral africano dos escravos que embarcaram nos Estados Unidos para servir aos homens brancos que se consideravam uma espécie e raça superior. A história é contada pelo jovem Nathaniel, um menino escravo que vê seu pai ser caçado pelos escravagistas unicamente por que se atreveu a roubar comida para sua família. Após o desaparecimento do mesmo, o menino passa a trabalhar na casa dos patrões, tendo acesso a biblioteca da casa, ainda que tenha negada a leitura dos livros mais rebuscados, restando para si a Bíblia Sagrada, material que seria a base para toda a sua vida.

    O menino torna-se homem, e Nat (Parker) passa a ser um pregador em meio aos seus irmãos de servidão obrigatória. Aos poucos, o espírito arredio que o protagonista tinha dá lugar a temperança, domínio próprio, mansidão e aos demais frutos do Espírito Santo, seus passos passam a ser os que a religião determina para si e seus atos condizem com a fé que professa, inclusive levando em conta a pecha de que é melhor viver sob as linhas de amor, tolerância e pacifismo, mesmo que esteja sendo ele, sua família e companheiros escravizados.

    A busca por transcender a questão de raça inferior faz com que Nathaniel enxergue seu patrão Samuel Turner (Armie Hammer) como um homem benevolente e um sujeito que trata bem os seus criados. Os eventos tratam de mostrar que não existe qualquer boa vontade por parte do homem, só há um pequeno traço de humanidade que o faz ser um pouco menos irascível com os que prestam serviços para si. Uma vez que Sam tem a possibilidade de lucrar e de reaver o poder que sua família perdeu há tempos, não há grandes hesitações de sua parte, ainda que sua personagem carregue um conjunto de nuances que garantam a ele uma humanidade normalmente não vista em personagens antagonistas, reiterando a ideia de que não existem monstros, e sim homens que cedem ao sentimento mesquinho e mal.

    As cenas de tortura de provações dos personagens negros vão se tornando mais cruéis e viscerais gradativamente, acompanhando o rancor e arrependimento pelo qual sofre o protagonista. A medida que percebe os horrores que os donos dos escravos implicam em seus irmãos mais fica difícil manter qualquer senso de civilidade e tranquilidade.  Aos poucos, quietude e obediência se tornam atitudes teatrais, transformando-se em indignação e raiva pela crescente de flagelos amputados a Nathaniel e aos seus.

    Tudo o que o pastor não aprendeu nos livros que lhe foram proibidos em sua mocidade ele aprende na prática. A sucessão de desgraças vem por meio de uma provação de fé. Até o sorriso do pregador muda, sendo esse mais um artifício de fingimento. A trajetória do agora líder passa pelos mesmos clichês que duas outras figuras históricas, resumindo em si a fase pacifista de Martin Luther King e a ferocidade Malcolm X.

    Os derradeiros 30 minutos mostram o conflito, variando entre os planos abertos que contemplam as paisagens da Virgínia ao mesmo tempo em que mostra o embate físico e ideológico entre opressor e oprimido. Parker conduz as cenas com uma estranha harmonia entre a sanguinolência e a leveza, usando os quadros com os mortos na guerra como símbolo artístico e poético, sem banalizar a violência, criminalizando os atos dos brancos egoístas sem fazer deles demônios sem alma, e sim homens que se deixaram corromper por sua ganância extrema, ao ponto de fazer o outro de sua espécie um objeto.

    O texto de Parker e Jean McGianni Celestin possui um sem número de riquezas, tanto na gravidade e aprofundamento da temática também levantada em 12 Anos de Escravidão, ainda que levante alternativas maiores do que a luta por direitos por caminhos sem conflito. O modo como o credo é retratado varia entre o lúdico e o pragmático, e a digestão desses sentimentos feito por Nat soa rica, pois seu ethos apesar de aparentar docilidade é bastante dúbio e metamórfico, variando de acordo com as necessidades que ele julga serem prioritárias.

    Os closes ao final de O Nascimento de Uma Nação mostram uma tragédia sacrificial, de um homem que não negou o clamor de seu povo e abraçou a sua missão, aceitando que as baixas de guerra poderiam garantir uma possibilidade de futuro minimamente justa para seus filhos, netos e a geração vindoura. A união entre imagens belas e uma trilha sonora certeira produz a sensação de empatia natural, que tem seu ápice na cena final, onde o homem que buscou a santidade em grande parte da sua vida finalmente se aproxima do paraíso que sonhou para os bravos de sua raça, tendo essa catarse espiritual como dádiva, além de gerar a gênese de uma nova briga revolucionária, que causaria a mesma abolição da escravatura que o filme de 1915 demonizava e que aqui é justamente glorificada.

  • Crítica | O Agente da U.N.C.L.E.

    Crítica | O Agente da U.N.C.L.E.

    Agenda da UNCLE 1

    Ainda na esteira de remakes dos seriados sessentistas, Guy Ritchie se encarrega de apresentar uma versão em longa metragem para o show de TV homônimo, exibido entre 1964 e 68 e continuado por alguns telefilmes. A nova roupagem compreende um filme de época, filhote da Guerra Fria, sustentado a partir do charme evocado do programa protagonizado por Robert Vaughn e David McCallum, tomando por base também a tensão presente na disputa ideológica dos Estados Unidos com a União Soviética.

    O mote do roteiro envolve uma cooperação entre as duas partes dissonantes, como se somente no campo imaginário de uma aventura escapista pudesse ocorrer uma interação não beligerante, semelhante demais ao modo dque Alan Moore propôs em seu Watchmen, e que Zack Snyder claramente não entendeu em sua versão para o cinema de 2009. Ritchie reprisa os mesmos maneirismo visuais de Sherlock Holmes e Revolver, ainda que não consiga imprimir neste Agente da U.N.C.L.E. o mesmo espectro sanguíneo comum a sua filmografia, tendo momentos de absoluta frigidez em tela.

    O estilo de filmagem se vale de muitas tomadas escuras, que por sua vez, remetem a ausência de luz da época, gerada pela ambiguidade de seu cenário político. A Berlim Ocidental dos anos sessenta é completamente estilizada, o que se explica no produto original, pelo costume de demonizar os países socialistas. A dubiedade é manifestada até na escolha de sua musa inspiradora, a misteriosa Gaby, que tem na beleza de Alicia Vikander um deleite visual pouco expositivo, mas ainda assim, arrebatadora, semelhante a muitas mulheres fatais de filmes noir.

    A tradução da rivalidade econômica entre as partes é feita através da caracterização de Napeleon Solo e Illya Kuriakin. A escolha de Henry Cavill para executar Solo, repete a fórula do realizador britânico em usar figuras de popularidade crescente para ascender a fama de seus novos produtos, como com Downey Junior em Sherlock Holmes, o que de certa forma até repete o êxito. O mesmo não se pode dizer de Armie Hammer, que nem tem no falso sotaque a falha mais gritante, já que o argumento assume os soviéticos como fruto da mesma moralidade americana, inclusive nos conceitos ligados ao matrimônio, descaracterizando completamente o abismo de ideais dos dois distintos segmentos populacionais.

    A filmagem possui estilos diversos em si, entre eles, um visualmente muito semelhante ao visto em Sin City, especialmente nas cenas de perseguição de carro, mostrando a preferência de Ritchie pelas cópias a Quentin Tarantino, mas na parte mais superficial das suas fitas. As brigas constantes entre Illya e Solo enfraquecem o plot,fazendo as cenas de suspense parecerem banais, soando assim artificiais até os momentos de luta e tensão sexual.

    O roteiro melhora um bocado da metade para o final, a despeito até dos estereótipos forçados. A menos a trama de espionagem é bem urdida, lembrando os bons momentos de Intriga  Internacional e dos filmes de Sean Connery como 007. Há um cuidado, nesse período em retirar da URSS a figura de vilã, retratando até mesmo os modos governamentais dos EUA como algo bem distante do que o discurso moralista comum aos presidentes fazia, buscando uma neutralidade que mesmo soando forçada, funciona em alguns niveis, se levar em conta as intenções do texto.

    Apesar das muitas influências, o filme de Ritchie possui uma personalidade e identidade próprias, não caindo no erro de parecer uma cópia de tantos outros remakes de franquias antigas. No entanto, carece de fervor e inspiração, sobretudo por parte do elenco, que parece estar a todo momento em modo automático de atuação. Apesar de a suspensão de descrença não cair por completo, a proposta ambiciosa de apresentar uma neutralidade em meio a uma época de extrema ambiguidade carece de seriedade e de uma melhor construção ética, que era uma espécie de mea culpa dos produtores da série, e que neste, soam absolutamente anacrônicos e vergonhosos, não consertados sequer pelos remendos feitos pela ação britânica, que visa equilibrar forças.

  • Crítica | A Rede Social

    Crítica | A Rede Social

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    Maior fenômeno da internet dos últimos anos, o Facebook sempre esteve envolto em controvérsias desde sua criação pelo estudante de Harvard Mark Zuckerberg em 2003. Atualmente, devido à dinâmica e velocidade da informação, entender a complexidade das relações que fazem algo tão grande existir, assim como as mudanças que tais eventos causam na sociedade, nunca é fácil. O Facebook caracteriza-se por essas mudanças. Alterou, junto com outras empresas, a dinâmica do empresariado jovem americano, além de ter mudado para sempre o comportamento e as formas de relacionamento de toda uma geração. É dentro do contexto de criação do Facebook que foi publicado, em 2009, o livro Bilionários por Acaso, escrito por Bem Mezrich, contando uma versão sobre o surgimento da rede social e as brigas judiciais pelos seus direitos criativos. O livro teve a consulta de Eduardo Saverin, o que impactará o resultado final do filme. Em 2010, o conhecido roteirista Aaron Sorkin e o diretor David Fincher adaptam o livro para o cinema, dando origem ao filme A Rede Social.

    O filme começa contando a história do jovem e complicado estudante Mark Zuckerberg (Jesse Eisenberg) em Harvard, com um diálogo – típico das produções de Aaron Sorkin, rápido e difícil de acompanhar – com sua namorada Erica Albright (Rooney Mara). Após ser insensível e condescendente de uma forma quase brutal com ela, o namoro termina, e, com raiva, Mark retorna a seu dormitório e resolve criar, com a ajuda dos colegas de quarto Eduardo Saverin (Andrew Garfield) e Dustin Moskowitz (Joseph Mazzello), um site com um catálogo de fotos de garotas, também estudantes de Harvard, em que as pessoas poderiam entrar e dar notas a elas. Tudo isso era feito enquanto Mark escrevia a respeito em seu blog, detalhando o processo de hackeamento dos bancos de dados das páginas das fraternidades em busca das fotos. A quantidade de acessos derruba a rede de Harvard e trará consequências para o estudante.

    Após enfrentar os problemas, Mark tem contato com os irmãos gêmeos Tyler e Cameron Winklevoss (Armie Hammer), este que dá a ele a ideia de criar uma rede exclusiva para alunos de Harvard. Após aceitar a proposta, Mark desaparece por semanas até o seu site thefacebook.com estar no ar, o que enfurece os irmãos. Os acessos ao site se expandem exponencialmente em várias universidades americanas, até chamar a atenção do jovem e excêntrico empreendedor Sean Parker (Justin Timberlake), criador do polêmico Napster alguns anos antes. Parker fornece a Mark uma visão nova e diferente sobre a modernidade dos negócios e das possibilidades a respeito do Facebook, causando tantos problemas entre ele e Saverin que acabarão indo para a Justiça.

    A estrutura do filme alterna momentos do passado dos jovens e momentos nos quais estão se enfrentando nos tribunais americanos a respeito dos direitos de criação do Facebook. Em um primeiro momento, essa alternância causa uma certa confusão e estranheza no espectador, mas após alguns minutos a estrutura é reconhecida e tudo fica mais claro, favorecendo o desenvolvimento da história.

    Apesar de os diálogos de Aaron Sorkin por vezes se atrapalharem na história por conta de sua rapidez e da quantidade de termos, piadas e referências, é interessante ver sua proposta de, em momento algum, rebaixar esses diálogos para um público geralmente tão acostumado a receber tudo mastigado das produções cinematográficas. O exercício de tentar acompanhar os diálogos e compreendê-los em sua totalidade é desafiador e instigante.

    A direção de David Fincher, com sua capacidade técnica recorrente, fornece uma recriação daquele momento único na história de maneira pujante. Utilizando o frio e a escuridão do inverno de Massachusetts, o (auto?) isolamento social de Mark é sempre reforçado em sua postura corporal e posicionamento da câmera. As cores escuras, azuladas e em tons pastéis também compõem o cenário rico e ao mesmo tempo frio e distante da juventude atual, onde todos estão sempre juntos, conectados, mas afastados.

    Toda essa composição das cenas é novamente auxiliada pela fantástica trilha sonora da já conhecida dupla Trent Reznor e Atticus Ross. Os músicos, que já trabalharam com Fincher em outros projetos, atingem seu nível máximo de qualidade ao inserir em cada momento os elementos certos, ajudando a compor o tom das sequências e das atuações, ajustando-os em um encaixe perfeito com a narrativa. Ela funciona tão bem que vale a pena ouvi-la separadamente.

    Jesse Eisenberg consegue compor um Mark Zuckerberg que vai além da semelhança física. Traço marcante de suas atuações, a fala rápida e a postura de “nerd” ajudam o espectador a acreditar. a todo o instante, que aquele é o criador do Facebook. Sua falta de empatia e emoção ao lidar com amigos e pessoas que eram tão queridas vão transformando-o, pouco a pouco, em um vilão semitrágico, pois sua postura moral e seus valores estão todos inseridos nas regras de utilização da rede social: ao mesmo tempo que fotos e vídeos de violência, e páginas que propagam discursos de ódio contra minorias são permitidos, fotos expondo minimamente o corpo feminino são logo retiradas do ar, assim como conteúdos políticos que possam se opor ao establishment. Todas essas características de sua personalidade estão claras na composição de seu personagem, assim como sua arrogância e falta de conhecimento e prática em lidar com a diversidade de pensamento e de pessoas.

    Portanto, o maior mérito de A Rede Social não é a discussão judicial sobre quem teve a ideia de criar o Facebook, ou mesmo que fim levou tudo isso. Esse tema é usado como pano de fundo para se discutirem as relações humanas em épocas em que a humanidade, e seu contato real, parece ter cada vez menos valor frente a um mundo dominado pelo mercado dos valores simbólicos, no qual é mais importante parecer do que ser. É mais importante mostrar o que está se fazendo do que realmente aproveitar o momento, alterando até mesmo todo o significado da experiência humana.

    Dentro deste contexto, acompanhar a degeneração do relacionamento de Mark com todos os que o cercam é sintomático, pois vemos que alguém sem muitas noções de relacionamento com outras pessoas foi capaz de criar uma rede que une milhões de pessoas ao redor do mundo, de várias línguas e culturas. A prova definitiva de que o relacionamento virtual é um simulacro nem sempre confiável a respeito de nossa humanidade. A análise do comportamento humano é interessante, e a visão de Fincher e Sorkin sobre esse caso tão emblemático da humanidade nos auxilia não só a compreendermos um pouco mais a época e as pessoas que nela vivem, mas também ajuda a nos entendermos. Talvez um pouco mais do que gostaríamos.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | O Cavaleiro Solitário (2013)

    Crítica | O Cavaleiro Solitário (2013)

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    Mais um dos produtos Disney encabeçado por Gore Verbinski e acompanhado de Johnny Depp, este O Cavaleiro Solitário traz uma nova visão do clássico justiceiro mascarado do Velho Oeste. A história é contada por um índio ancião a uma criança fantasiada de Lone Ranger. Os fatos são contados por meio de flashbacks, recurso que parece estar cada vez mais em moda no cinema contemporâneo.

    Ao menos os cenários e figurinos condizem com o gênero Western, a Direção de Arte têm poucos erros e a atmosfera contribui para a imersão dentro da história, mesmo com a ausência de sangue nos tiroteios e execuções. O roteiro contém muitas gags hilárias e piadinhas físicas que, aos poucos, vão minando a paciência do espectador mais ranzinza.

    Depp está com todos os trejeitos típicos de seus filmes com Tim Burton e do próprio Verbinski, o que torna sua caracterização em algo completamente genérico, visto em quase todas as suas bombas recentes – quase sempre de cara pintada,  com atuações tresloucadas e caricatas. O próprio ator parece se incomodar com a repetição de estereótipos que vem fazendo, tanto que seu contrato não prevê sua participação numa possível continuação. O estilo canastra permanece irritante, principalmente quando este interage diretamente com o público, mas o fato deste filme ser voltado para o público infantil, faz relevar alguns de seus muitos defeitos de concepção.

    Armie Hammer também não acerta como Lone Rider, e é ainda mais canastrão que Tonto. Seu personagem e o índio revezam-se nos arquétipos de Mentor e Pupilo, mas a relação é tão mal construída e jogada, que não há como se importar com os percalços deles. Para colaborar ainda mais com a mediocridade da obra, é apresentada Helena Bonham Carter num papel de uma cafetina perneta, com uma prótese de marfim – objeto que gera uma cena fetichista totalmente descabida, que não é pesada, mas também não se encaixa num produto cinematográfico para crianças – não é sequer engraçada, é só de mal gosto.

    A ação empregada em Cavaleiro Solitário é muito semelhante a da série Piratas do Caribe: lotada de pirotecnias, com brigas “pouco violentas”, coisas explodindo pelo cenário,  e sem personalidade nenhuma, mais do mesmo. Verbinski se repete demais e aposta suas fichas no que sempre deu certo em sua filmografia, até nos erros o realizador tem a obsessão em se autorreferenciar, pois o romance entre John Ready e sua cunhada Rebeca Ready (Ruth Wilson) é muito fraco, e tem o desfecho parecido com o do casal de Piratas do Caribe: Fim do Mundo, onde Orlando Bloom e Keira Knightley também são impedidos por “forças maiores” de ficarem juntos. Neste, ao menos, havia um pouco de química, ao contrário da relação semi-incestuosa apresentada em Lone Ranger. Esta versão do O Cavaleiro Solitário carece de conteúdo, substância e relevância, e só não é absolutamente descartável graças a sua fotografia e direção de arte.