Bem-vindos a bordo. Flávio Vieira (Twitter | Instagram), Filipe Pereira (Twitter | Instagram), Bernardo Mazzei (Twitter | Instagram) e Jackson Good (Twitter) se reúnem para comentar sobre as últimas notícias envolvendo o universo cinemático da DC, desde o malfadado Snyderverso ao futuro imprevisível envolvendo James Gunn e Peter Safran.
Duração: 65 min.
Edição: Flávio Vieira Trilha Sonora: Flávio Vieira
Arte do Banner: Bruno Gaspar
Nas últimas décadas tem ficado cada vez mais natural, ao citar determinada obra, especificar exatamente qual a versão e a plataforma você procura referenciar. Praticamente tudo que ainda não é, vai acabar virando transmídia se tiver a oportunidade. Todo livro vira um filme, todo jogo vira série, toda série vira camiseta e filtro do Instagram. Todo filme vira um outro filme e depois se transforma em jogo e quadrinho, e por aí vai… Se, por um lado, a humanidade parece ter atingido um bloqueio criativo, por outro, boas obras de cultura pop tem atingido um público cada vez maior graças a este efeito de reciclagem. Um dos bons exemplos de uma obra reenergizada por esse reaproveitamento é The Witcher.
Em um mundo povoado por seres mágicos, monstros repugnantes e bestas selvagens, a humanidade certamente não ocupa a posição mais alta na cadeia alimentar. Quando o império belicoso de Nilfgaard rompe o acordo de paz e marcha para devastar o reino vizinho de Cindra, a rainha Calanthe ordena a evacuação de sua neta, Cirilla. Refugiada, sem poder confiar em ninguém e seguindo as orientações de sua avó, Cirilla procura por Geralt de Rivia, um dos poucos bruxos ainda existentes e que é seu tutor por juramento. Geralt, um tipo de mutante guerreiro especializado em caçar monstros e remover maldições, precisará enfrentar uma série de desafios para se reencontrar com a princesa e acabará por descobrir que os piores monstros que existem, muitas vezes, não têm origem sobrenatural.
The Witcher, série americana original da Netflix, é uma adaptação dos livros escritos pelo polonês Andrzej Sapkowski. A produção, dividia em 8 episódios, estreou em 20 de dezembro de 2019 na plataforma vermelha com Henry Cavill no papel do personagem principal. As histórias de Geralt ficaram famosas para o grande público através dos jogos produzidos pela também polonesa CD Projekt Red, que tiveram boas avaliações e recentemente, graças à serie, voltaram a apresentar números expressivos de vendas. Os livros de Sapkowski, bastante populares na Polônia, constantemente baseiam as aventuras do bruxo em lendas existentes no folclore local e por isso parecem tão originais para o restante do mundo.
Antes de enaltecer todos os pontos positivos (que não são poucos) da série, é importante esclarecer um ponto que sempre foi falho na franquia graças à tradução do polonês para o inglês que baseia as demais versões. O termo polonês que designa aqueles que, como Geralt, treinaram e sofreram mutações para enfrentar monstros é “wiedźmin“. O termo é um neologismo criado por Sapkowski baseado na palavra “wiedzma” que quer dizer, esta sim, bruxa (em inglês, “witch“). Assim como “wiedźmin“, a palavra “witcher” não aparece em dicionários de língua inglesa mas, tal qual a original, sua raiz aponta para alguém que pratica bruxaria, o que não é o caso de Geralt. Em português, o jornalismo de games trata a laia do riviano, na brincadeira, como os “bruxeiros” e essa palavra realmente parece expressar melhor a essência desse tipo de personagem. Ele possui alguns poderes que, a princípio, podem parecer bruxaria mas ele não é um bruxo stricto sensu.
Apesar de ser bastante popular na Polônia, a coletânea de contos que narram as aventuras ficaram famosas mundo afora apenas depois do lançamento dos jogos produzidos pela CDPR (produtora do recente fiasco Cyberpunk 2077). Como informado pela própria Netflix, antes mesmo da estreia do primeiro trailer, os roteiros desenvolvidos pela equipe de Lauren Schmidt basearam-se nos livros e não no roteiro dos jogos mas isso não parece inteiramente verdadeiro. Levando em consideração o que acontece durante os episódios é possível afirmar, no mínimo, que os jogos parecem adaptar bem os livros originais, dados os claríssimos paralelos entre os dois produtos que o jogador vai conseguir estabelecer com facilidade enquanto assiste a série.
A relação de Geralt com seus interesses amorosos e com o cavalo que o acompanha são bastante semelhantes nas duas adaptações. Todo o cenário de xenofobia e racismo também é bastante comparável em ambas as obras e o irritante e encrenqueiro Jeskier também vive interferindo nas decisões de Geralt e colocando-o em situações delicadas no jogo. O personagem, como o caçador especializado que é na série e nos games, procura sempre investigar o inimigo e se preparar para a batalha, traçando um plano antes de cada luta com um monstro diferente, e eles não são poucos. As cenas em que Geralt utiliza seus poderes mutantes e que ele tenta renegociar a recompensa por um contrato também aparecem como gratas referências que, se não estão presentes no original, destacam-se como bons tapinhas nas costas dos gamers que estiverem assistindo a série.
Todo o figurino e cenários da série são, estes sim, claramente baseados nos designs da CD Projekt Red e a fotografia da série é lindíssima. Os personagens reconhecíveis nesse intercâmbio série/jogo também são extremamente parecidos, com uma única alteração que não parece ter causado o alvoroço que outros casos protagonizaram na internet (como a Dominó negra de Deadpool 2, por exemplo). Exceção ao pingente no colar de Geralt, que traz o lobo de Kaer Morhen em um design completamente diferente do mostrado no terceiro jogo, toda a equipe de figurino da Netflix parece ter feito laboratório com os designers da CD Projekt e isso é mais um ponto positivo para a série.
Além da fotografia lindíssima (que remete a O Senhor do Anéis), The Witcher ainda apresenta uma trilha sonora bem trabalhada. Os temas de fantasia (que também lembram os do épico de Peter Jackson) são bem posicionados e embalam a viagem por paisagens ora belíssimas, ora nefastas e empolgam durante as batalhas. A trilha ainda dá direito à um tema que enaltece, da forma que apenas um bardo medieval poderia fazer, as façanhas do Lobo Branco. Dê o play abaixo e corra o risco de cantarolar o tema por, pelo menos, o resto da semana.
Apesar de ter sido baseada em uma coleção de livros pouco populares por aqui, a série parece exigir um certo conhecimento prévio sobre, pelo menos, o personagem principal. Essa é, na verdade, a única crítica principal ao roteiro: ele explica muito mal o que é um bruxo e porque ele é diferente dos outros seres humanos. Durante os episódios, vemos Geralt lançar mão de suas famosas poções de bruxo e utilizar sinais que alguns podem confundir com um “force push” (e até um “force influence”, em um episódio) dos cavaleiros jedi de Star Wars. Sem explicar, exatamente, como o treinamento desse tipo de guerreiro acontece e o que ele engloba, fica parecendo que Geralt e os outros bruxos nasceram desta forma e isso não é verdade. Um “witcher” adulto só chega à maioridade através de muito treino e uma porção de sorte, mas a série parte do princípio de que o espectador já sabe disso ou que isso não é relevante. A evolução da guilda de magos e de como a verdadeira magia de Sapkowski funciona no universo de The Witcher ocupa uma parte considerável dessa primeira temporada e apesar do que a série tenta deixar aparente, a magia das guildas não possui nenhuma relação com os poderes do protagonista.
No quesito atuações, a série entrega um excelente produto. Cavill (o Superman das mais recentes adaptações de Zack Snyder) entrega um Geralt de Rivia bastante fiel à sua contraparte nos jogos. Tal qual o personagem que interpreta, Cavill possui apenas resquícios de sentimentos humanos e mais parece um androide. Nesse sentido, graças a sua falta de habilidade para interpretar um ser humano complexo, eu diria que o britânico nasceu para este papel. As cenas de luta envolvendo Cavill e outros personagens (humanos ou não) são, em sua maioria, bem coreografadas com especial destaque para a luta no final do primeiro episódio. A inglesa, de ascendência indiana, Anya Chalotra fica encarregada de dar vida a Yennefer de Vengerberg, e também toma de assalto suas cenas do meio para o final da série. Yennefer é uma poderosa e vingativa maga, que tem um papel central na trama e acaba se tornando um agente condutor que baliza toda a sequência de eventos na série. A transformação, não apenas física, que acontece com Yennefer é conduzia com maestria por Chalotra que também sai deste review como um dos pontos positivos da série. A jovem Freya Allan, que vive a princesa Cirilla de Cindra, entrega pouco durante a primeira parte e tem algumas atuações típicas de séries juvenis em momentos de carga emocional mais elevada e, portanto, não conta como um destaque positivo no casting da série. O mesmo pode-se dizer de Joey Batey, que interpreta o encrenqueiro bardo Jeskier. Como alívio cômico, o personagem não funciona na maioria das vezes, apesar de compensar interpretando as canções de forma bastante afinada.
Geralt, Yennefer, Cirilla e Triss: Casting e design completamente inspirados em suas versões no terceiro jogo da CDPR.
Com efeitos visuais por vezes impactantes mas, num geral, nada extraordinários, a série se destaca como uma excelente adaptação das aventuras de Geralt de Rivia. De fotografia e trilha sonora impecáveis, com atuações dentro da média do que geralmente é entregue pelas séries originais da Netflix e um roteiro elaborado de forma inteligente e corajosa, The Witcher desponta como uma excelente alternativa de binge-watch. Com segunda temporada já confirmada pela produtora, a série é fortemente recomendada para quem já leu/jogou e, ainda mais, para quem nunca ouviu nada sobre os feitos extraordinários do Lobo Branco de Kaer Morhen.
Parece que uma eternidade se passou entre o Liga da Justiça lançado nos cinemas e a Liga da Justiça de Zack Snyder veiculado pela HBO Max. Bem mais que o tempo cronológico entre 2017 e 2021. Houve clamor dos fãs, de gente da indústria e, finalmente, algo próximo do que seria a visão real de Zack Snyder chegou ao público: o tão falado Snydercut, que já começa bem diferente da outra versão, com uso largo de CGI e slow motion já nas primeiras cenas e em momentos estendidos nas sequências de ação.
Esta versão se assemelha ao monstro de Frankenstein. É um ajuntamento de vários elementos que estariam no filme da Liga, outros que poderiam estar na parte 2 de uma saga, e ainda momentos que claramente foram pensados e amadurecidos depois, como partes mortas formando um ser vivo. É curioso como boa parte dos que defendem esta versão falam a mesma coisa: que esse não é um filme de cinema, basicamente para tentar blindar a obra e a própria carreira do diretor, sempre criticado por ter dificuldades em conectar as partes diferentes de suas histórias. Isso não exime o produto de parecer gorduroso, nem justifica o início arrastado, mesmo quando remonta o final de Batman vs Superman e boa parte do universo compartilhado. Se a ideia ao lançar esse corte em formato de minissérie fosse para frente, certamente seria uma opção mais inteligente.
Snyder mira na versão estendida da trilogia Senhor dos Anéis, mas esses são produtos bem diferentes entre si. Os filmes de Peter Jackson são obviamente voltados para os fãs, mas o espectador comum certamente apreciaria tais versões de forma mais palatável que este novo Liga da Justiça. Um filme de orçamento tão grandioso não poderia ser tão voltado para nicho.
Em questões musicais, a trilha sonora é mal encaixada principalmente nos momentos em que não há tanta ação. O uso é piegas, e casa muito mal com os momentos explicativos. O filme parece uma tentativa de transformar um produto heroico em uma ópera. As batalhas são artificiais, as frases de efeito não convencem, os conflitos empolgam menos que as lutas pseudo-realistas da trilogia Batman de Christopher Nolan, e tem a qualidade dramática do pior dos seriados CW da DC, fora a fotografia e o uso excessivo de câmera lenta. Mal parece que as gravações seriam destinadas a tela grande.
O visual do Lobo da Estepe é arrojado, mas funciona de jeitos distintos quando o personagem está em ação ou apenas parado em cena. Ao menos a razão de entrar na Terra atrás das caixas maternas faz mais sentido, como um filho rebelde que busca a aprovação do pai, Darkseid. Já a participação dos vilões do Quarto Mundo é fraca. A batalha antiga entre a humanidade e os asseclas de Apokolips é cheia de bonecos digitais que fazem de 300 um filme ultra realista. Os atores rejuvenescidos parecem retirados de cutscenes de jogos de 64 bits e não casam bem com o clima proposto.
A partir daqui, a análise conterá spoilers
Toda a segunda parte do filme é bem melhor desenvolvida. A historia é mais fluida, há mais inserção de material inédito e não meras variantes do antigo. Se há algo positivo nesta nova visão do diretor é o tom heroico, após muitos tropeços, ele entendeu que não há motivo para deixar todos os personagens como versões sisudas e obscuras deles mesmos. Mesmo o Superman tem uma abordagem diferente, que claramente não combina com Homem de Aço, e sim com um resgate às origens do herói. Henry Cavill parece mais uma versão do desenho antigo do DCAU ou do seriado de cinema dos irmãos Fleischer, não é exatamente o Supermande Christopher Reeve, mas possui boa parte do espírito, e sua experiência de pós morte pode ser uma boa explicação para encontrar essa persona. Não há motivo para reclamar de um retorno ao correto estilo da personagem, mesmo que seja tardio.
Outra conclusão difícil de analisar é saber se foi essa versão que a Warner recusou anos atrás. Até porque o valor para a gravação de novas cenas foi aumentando ao longo da produção, claramente não influenciou só cenas de CGI (até porque esses efeitos são ruins, na maioria do filme). Mas como faltavam cenas, foram feitas refilmagens mesmo que Snyder e a produção negasse a princípio. Além disso, a culpa sobre o corte cinematográfico de Joss Wheddon é incalculável também, uma vez que não se sabe em detalhes qual foi o pedido do estúdio para ele. Seu crédito oficial foi de roteirista, mas sabe-se que ele dirigiu cenas extras, incluiu momentos diferentes do conceito de Snyder, adicionou humor e cenas como a do Flash em seu primeiro salvamento e Aquaman confessando a realidade de seus pensamentos por conta do laço da verdade que, obviamente, não estão aqui. Para além de cenas machistas conduzidas por Wheddon em Liga ou Vingadores: Era de Ultron, há de se lembrar que essa visão já foi abordada por Snyder, autor do filme autoral Sucker Punch em que moças andam de espartilho em cenários nerds fetichistas. Além, é claro, de cenas da Mulher Maravilha em poses exageradas ao laçar o Apocalipse em BvS.
Além do arco do Cyborg, o de Superman é bem diferenciado, para além da mudança da cor de sua roupa. Mesmo que brevemente, Snyder remete ao melhor que seu filme de 2013 teve: as origens alienígenas do herói onipotente. Surpreendentemente, o diretor opta por um uso de cores mais variado fugindo da velha piada de filtros do Instagram que fazia com seu cinema. As sequencias de batalha no final tem bons momentos, com uso de veículos, gadgets e tudo que um filme de ação super heroica precisa para agradar crianças e vender brinquedos. Ao contrário do que supunha, as lutas não são super violentas, nesse ponto, entram no patamar dos filmes da Marvel de Kevin Feige.
O diretor pôde amadurecer seu tom, que realmente só é estragado pela música que foi uma constante negativa do filme, assim como o cenário de Apokolips que aparece timidamente, mesmo que esse tenha um aspecto visual estranho. Assim como o epílogo que parece um amontoado de cenas excluídas e desconexas que lembram os sonhos do Batman. A maioria delas é despropositada, servem com teasers de arcos futuros que dificilmente serão filmadas. O Snydercut é uma realidade.
Parte da mitologia que Arthur Conan Doyle empregou no seu personagem mais famoso Sherlock Holmes mora na fraternidade dele com Mycroft, o talentoso e inteligente primogênito, que segundo teorias, trabalharia para o serviço e inteligência britânica. A curiosidade sobre a natureza deste irmão sempre causou furor nos leitores da Strand Magazine. Segundo o filme de Harry Bradbeer, os dois teriam uma irmã de dezesseis anos, a bela e jovem Enola Holmes, executada aqui pela atriz em ascensão Millie Bobby Brown, a mesma que brilhou em Stranger Things.
Já nas primeiras falas há uma quebra da quarta parede, com a personagem-título narrando sua história, diferente de Sherlock que tinha sempre John Watson para explicar os seus feitos em forma de literatura. Enola é uma menina esperta e audaz, desde cedo incentivada por sua mãe Eudoria (Helena Bonham Carter), buscava por aventuras e não conseguia se encaixar dentro do conservadorismo relegado as mulheres na Era Vitoriana.
O mote da história é bem simples, a matriarca Holmes desaparece, e a menina é enviada para buscar seus irmãos, que se assustam com sua falta de modos e comportamento rebelde. Como bons filhos de seu tempo, eles decidem enviá-la a uma escola de etiqueta. De fato, a misoginia era uma característica muito vista no Detetive dentro dos contos e novelas de Doyle, e por mais que não se cite é natural imaginar que Mycroft também compartilhasse dessa ideia.
A versão que Henry Cavill e Sam Caflin fazem são retratos tão próximos da realidade e pragmatismo que não há qualquer traço de heroísmo neles, Cavill mesmo lembra pouco o personagem, tanto na escrita quanto nas versões em carne e osso. O roteiro se baseia no livro de Nancy Springer, O Caso do Marquês Desaparecido e de fato no material original essa personalidade e o apreço pela irmã são melhor trabalhados, ainda assim se nota a frieza e crueza do personagem. Talvez fosse preciso um ator com mais capacidade dramática para lidar com um papel tão complexo.
Bradbeer pega emprestado alguns elementos da série que dirigiu (Fleabag), como por exemplo, o modo mais incisivo de metalinguagem e a coincidência óbvia do protagonismo feminino. Os predicados positivos da direção param por aí. A trama de mistério envolvendo o personagem que Enola conhece no meio do filme é bem menos interessante que o jogo que sua mãe estabeleceu consigo, e a edição super moderna ajuda a deixar o filme como algo genérico, até em comparação com o estilístico Sherlock Holmes e sua continuação Sherlock Holmes: O Jogo das Sombras, ambos de Guy Ritchie.
A jornada de emancipação de Enola ganha contornos épicos graças a Millie Bobby Brown, que se dedica bastante ao papel, e que apesar do forçado sotaque britânico, consegue representar uma jovem audaz e que não se encaixa no conservadorismo de seu tempo. Possivelmente, sua história renderia ainda mais elogios se não fosse atrelada a um ícone pop e literário como é Sherlock, mas dentre as combalidas adaptações recentes do personagem, essa não é tão problemática, mesmo com o pouco apego ao material original.
Tom Cruise deixou de ser um sujeito que só por estar em um filme é sinônimo de sucesso. A Múmia, Feito na América e Jack Reacher: Sem Retorno sofreram, seja com as duras críticas ou com um público aquém daquilo que o astro estava acostumado. Missão: Impossível talvez ainda seja exceção à regra, já que contém filmes de qualidade ímpar, e claro, uma boa aceitação por parte dos espectadores. O sexto volume, Missão: Impossível – Efeito Fallout consegue ser um objeto divertido, emocionante e com muitos predicados positivos.
O filme tem ação e ritmo bastante frenéticos. O suspense é acertado demais e isso é muito mérito de Christopher McQuarrie, diretor e roteirista que já havia feito um trabalho sensacional em Missão: Impossível – Nação Secreta e também trabalhado com Cruise em Jack Reacher: Um Tiro, dois dos melhores filmes recentes do ator. A afinidade de McQuarrie e Cruise vêm de muito tempo, em 2008 com Operação Valquíria, quando o cineasta havia escrito o roteiro para o filme de Bryan Singer.
O roteiro primoroso apresenta uma trama de espiões cheias de reviravoltas que faz lembrar muito os livros de Tom Clancy, como Caçada Ao Outubro Vermelho, ou ainda os romances de espionagem de John Le Carré. Apesar de ser bem mais sério e inteligente que os filmes recentes de ação, ele não se descuida da ação só porque tem seu texto bem trabalhado, ao contrário, as cenas de luta são muito bem coreografadas e a sagacidade de McQuarrie em filmá-las em detalhes é enorme.
O aprofundamento dos sentimentos e preocupações de Ethan Hunt é igualmente bem feito. Os laços de lealdade fraternal com a sua equipe, como também seus enlaces românticos são explorados de uma maneira muito íntima e terna. Há tempo suficiente para desenvolver cada um desses aspectos. Além disso, este é um filme onde a equipe de salvamento é fundamental, e não só uma história de um homem perfeito que não precisa de ninguém para sobreviver, seguindo a linha do que já tem acontecido nos filmes mais recentes da série. Simon Pegg volta bem; Rebecca Ferguson, que atua num papel parecido com o último, desenvolvendo outras camadas; assim como o personagem de Alec Baldwin ganha maior importância nesta sequência. Até os personagens que aparecem pouco, como o Luther (Ving Rhames), aparecem bem.
Henry Cavill também está muito bem no filme e convence como um agente que rivaliza com o herói, inclusive se mostrando melhor que ele em alguns momentos. O roteiro não exime o protagonista de ser mostrado como um homem falho, que sofre com o tempo que já se passou, aliás esse detalhe de torná-lo mais vulnerável o torna um personagem ainda mais crível, além de aproximá-lo do público, portanto, é ainda mais fácil ter empatia por ele.
A saga Missão: Impossível ainda parece ter fôlego, e claramente, depende de seu astro para sobreviver, mas não faz sucesso só por isso, evidentemente, já que tem inúmeros aspectos técnicos positivos, desde a fotografia de Rob Hardy como a trilha sonora. Conseguir equilibrar bem as exigências comuns a uma produção grande como essa com a responsabilidade de fazer um filme minimamente autoral é extremamente difícil, e McQuarrie consegue de maneira magistral.
Um agradável retorno a esperança e ao conceito do herói clássico, dessa vez de verdade, e pela primeira vez em muito tempo, levando em conta obviamente a exceção de Mulher-Maravilha. Esse é o resumo das sensações pós apreciação de Liga da Justiça, filme de Zack Snyder que sofreu algumas alterações de Joss Whedon, que aqui, é creditado como corroteirista junto à Chris Terrio. É um esforço fútil tentar descobrir de qual dos dois diretores é o mérito pelos pontos positivos do longa, mas certamente esse é um dos produtos mais redondos dentro da filmografia de Snyder.
A história começa quase que imediatamente após os eventos de Batman vs Superman: A Origem da Justiça, com a queda de Superman (Henry Cavill). A primeira cena do longa é uma gravação amadora, de crianças registrando uma ação do herói antes de sua morte, numa clara alusão a necessidade que o mundo tem de encontrar nos heróis os avatares da esperança. A mensagem é clara, direta e até um pouco pueril e óbvia, ainda mais por se tratar de um filme de herói de quadrinhos, mas que era absolutamente necessária, em se tratando desse universo cinematográfico construído por Snyder e David S. Goyer.
Aliás, a saída de Goyer parece ter ajudado a simplificar muita coisa, uma vez que toda a problemático dos heróis inconsequentes é deixada de lado. Em alguns pontos, a busca por algo mais simples e maniqueísta pelo lado bondoso é tão absolutamente repetitivo que parece ser este um filme de Christopher Nolan – que aliás, ainda assina como produtor executivo. Não há a inteligência ou discussões adultas como em Batman – O Cavaleiro das Trevas ou Batman – O Cavaleiro das Trevas Ressurge, mas há um ideal por trás dessas questões, ainda que haja claramente uma influência de dois filmes da concorrente editorial da DC, em especial Vingadores e Vingadores: A Era de Ultron, não só pelo conjunto de piadas, envolvendo Barry Allen (Ezra Miller) e Aquaman (Jason Momoa), mas também por toda coordenação que o Batman de Ben Affleck faz, funcionando como um misto de Nick Fury com Amanda Waller, ainda que guarde todas as suas próprias características.
Mais uma vez Gal Gadot apresenta a personagem mais altiva e forte do filme, sendo a dona da cena na maior parte dos momentos, subvertendo qualquer possibilidade de ter o papel diminuído por ser uma mulher. Sua experiência como amazona de quem ouvia bastante sobre as lutas com os para-demônios do Lobo da Estepe (Ciarán Hinds) foi fundamental não só para a simples trama, como também para explicar aos personagens masculinos como aconteceram as batalhas mais antigas. A sequência da explicação é bastante curiosa, pela quantidade enorme de referencias ao universo DC, com bastante fan service.
Falando em agradar fãs e nostalgia, a música que Danny Elfman compôs para o filme beira a perfeição. O resgate do tema ouvido em Batmande 1989 e a utilização da versão que John Williams compôs para Superman – O Filme ajudam mais uma vez a resgatar o ideal heroico. Se ficasse apenas nessas músicas, haveria um problema, mas não, os embates físicos também funcionam, e tirando um outro problema de efeitos visuais, quase toda a interação física entre os personagens funciona, seja na tradicional luta entre eles, bem como nas investidas que dão em direção ao antagonista e a captura das caixas maternas, que é o artigo que o Lobo quer para reaver todo seu potencial.
Os personagens coadjuvantes são pouco utilizados, o que é comum, já que esse é o um filme para apresentar o quinteto em ação. A Lois Lane de Amy Adams talvez seja a mais acionada, mas do lado do Morcego tanto Alfred (Jeremy Irons) quanto Gordon (J.K. Simmons) estão bastante a vontade, em seus papeis. Da parte dos outro heróis, a Mera de Amber Head pouco aparece, e só serve para aguçar a curiosidade em torno dos atlantes, já o Dr. Silas Stone (Joe Morton) tem uma participação maior, fato que ajuda o espectador a se afeiçoar mais pelo drama de Vic Stone/Cyborg de Ray Fisher. Ele aliás é o maior expoente positivo em matéria de efeitos especiais do filme.
É incrível como o filme consegue dizer tanto em pouco mais de duas horas de filme. Há desenvolvimento dos fatos anteriores, conflito entre personagens, reaparecimento de heróis antigos, reunião dos vigilantes tudo em um ritmo que praticamente só peca no começo. Não há enormes ousadias, nem narrativamente nem dramaticamente, e como é um produto de Zack Snyder já se espera o velho uso do slow-motion, dessa vez não tão exaustivo quanto em 300ou Watchmen.
Ao final de Liga da Justiça a sensação que se tem é que esse é muito mais sóbrio e equilibrado que os episódios anteriores, e que a experiência com Mulher Maravilha finalmente colhe bons frutos, já que esse foi de fato o primeiro filme a estabelecer essa ideia do herói clássico como parâmetro básico, só assusta o quando que os produtores, em especial Geoff Johns, que veio da editoria de quadrinhos a fim de tentar consertar todos os defeitos do início da empreitada do visionário diretor e sua trupe. Agora, o esperado é que venha uma nova leva de filmes da DC, de tom mais leve, menos ambicioso e até medíocres, o que obviamente não justifica todos os graves defeitos de Homem de Aço e sua continuação. Há de se atentar para as cenas pós créditos, fato que ajuda a aproximar demais esse produto dos vistos a partir da Marvel Studios, em especial a que ocorre após o termino de todos os créditos, restando então a esperança de que esse seja um pontapé para uma nova fase de filme, como um Vingadores às avessas, já que aqui há de ser a gênese de uma fase e não fim dela.
Bem-vindos a bordo.Flávio Vieira (@flaviopvieira), Jackson Good (@jacksgood), Bruno Gaspar, Filipe Pereira, Bernardo Mazzei e Rafael Moreira (@_rmc) se reúnem para comentar sobre os piores filmes lançados em 2016 no Brasil.
Duração: 85 min. Edição: Flávio Vieira Trilha Sonora: Flávio Vieira
Arte do Banner: Bruno Gaspar
Bem-vindos a bordo.Flávio Vieira (@flaviopvieira), Filipe Pereira (@filipepereiral), Carlos Brito, Rafael Moreira (@_rmc) e Mario Abbade (@fanaticc) se reúnem para comentar sobre os novos filmes do universo expandido da DC Comics iniciado pelo “visionário” Zack Snyder.
Duração: 82 min. Edição: Victor Marçon Trilha Sonora: Victor Marçon
Arte do Banner: Bruno Gaspar
Muito se falou a respeito do fenômeno de Batman vs Superman: A Origem da Justiça, talvez tenha sido até aqui o filme mais comentado e discutido do ano. Ao passo que temos um Vortcastsobre o assunto, em que a impressão geral foi ruim, há duas críticas positivas no site, uma de autoria de Doug Olive e outra de Marcos Paulo. Só nos objetos citados nota-se uma divisão de opiniões e conclusões muito fortes, e a resposta da Warner foi enfática, de que o produto pensado pelo “visionário” Zack Snyder não teria cabido em um formato de longa-metragem para o cinema comercial e que, por isso, haveria uma versão de mais de três horas com material adicional, como já havia ocorrido de modo semelhante na versão do diretor para Watchmen, e também igualmente atrapalhada.
Discordando do slogan de uma rede de comercial de exibição da sétima arte, o cinema não é (só) diversão, mas também discussão, especialmente quando se trata de franqueza. A análise de BvS tem de se levar em conta a expectativa, que já é grande em condições normais, em torno de um filme de herói. Neste, a proporção de expectativas tornou-se enorme, com atrasos e declarações de que o filme não seria entendido pelo grande público. Curioso é que a imensa maioria de pessoas que gostaram do filme de Snyder faz parte desse grande público, enquanto a crítica fez comentários bastante pejorativos ao filme, o que foi agravado após o lançamento de uma cena inédita poucos dias após o lançamento da obra no cinema. Parecia uma medida de desespero da Warner e dos produtores, e os fatos posteriores só pioraram a situação, como a saída de Seth Grahame-Smith da direção do vindouro The Flash, situação que ajudou a fomentar o conceito, que o diretor já tinha, de executar de maneira superficial histórias que deveriam ser mais profundas.
Pelos blogs especializados em quadrinhos circulou uma demonstração, em redes sociais de fãs, de desculpas ao realizador, retirando os xingamentos mais comuns na época, ainda que não houvesse por parte desses mesmos blogs a preocupação em mapear os comentários anteriores desses fãs ardorosos, visto que poderiam ser os mesmos que idolatraram o filme e que, agora, engrossavam um coro de pseudo-justiçamento. A primeira mudança de fato ocorre após dez minutos do filme, com uma introdução mais detalhada do personagem de Jimmy Olsen (Michael Cassidy), o fotógrafo que acompanha Lois Lane (Amy Adams) no lugar de outro profissional em sua viagem. A sequência não garante ao jornalista qualquer importância maior ou mais sentido ao combalido roteiro de David S. Goyer. Os detalhes não passam de um monitoramento bobo do governo americano na situação da repórter em terras estrangeiras e cenas de lamento pelos terroristas mortos em solo africano, com direito a mais slow motion.
As cenas de sonho, das quais o Bruce Wayne de Ben Affleck tira motivação para cumprir suas metas, são também estendidas, acrescentando um pouco mais de significado, mas nada que salve o nexo da questão. O mesmo pode-se dizer da discussão entre o patrão e seu mordomo, da qual finalmente o detetive mostra alguma autoridade sobre seu criado e mentor. A amplificação das cenas inclui também algumas reflexões bobas, como a do Super-Homem verificando os feridos no atentado à bomba ocorrido no tribunal, sendo rechaçado tola e gratuitamente por um bombeiro anônimo. Outro momento desnecessário é a mudança no primeiro encontro dos heróis, no embate entre o batmóvel e o kriptoniano, que possui os mesmos significados entre versões, apenas com cenas extras que também nada acrescentam.
Torna-se difícil não associar essa onda de arrependimento – se é que ocorreu por vias comuns de fato – a uma carência extrema por parte do público decenauta ou do nerd nada calejado, ou pouco acostumado a consumir as péssimas adaptações de quadrinhos antigas, e, portanto, menos exigente. A necessidade de enxergar mais textura e inteligência em um filme acéfalo também denuncia o quão míope pode ser o olhar do fã que não possui o senso crítico como norte. Não que gostar de Batman vs Superman seja parâmetro de intelectualidade ou da falta dela, mas tentar enxergar algo além nesta versão em comparação ao mostrado na grande tela é de uma miopia enorme. Isso mesmo contando com esta versão, que consegue ter um final pior do que a versão da telona, com momentos dignos dos piores episódios de Power Rangers.
Se o diretor tivesse sido realmente podado, como grande parte dos defensores do filme gostam de afirmar, simplesmente não caberia a ele a produção de Esquadrão Suicida, nem a direção dos filmes vindouros da Liga da Justiça, sendo o cineasta uma das cabeças pensantes desse universo cinemático compartilhado, quadro que mudou recentemente, sendo esta talvez a razão maior da elevação de Geoff Johns ao posto de produtor da DC Entertainment.
Zack Snyder é claramente um cineasta para produtos menores. Suas melhores empreitadas em adaptação surgiram de produtos menos verborrágicos, como 300. Até seu acerto em Madrugada dos Mortos não tem nenhuma substância semelhante ao clássico Despertar dos Mortos de George A. Romero. As discussões propostas em sua filmografia são, em sua maioria, infantis, e fatalmente isso não seria um problema em se tratando de um filme de quadrinhos, como ocorre nos produtos Marvel Studios. No entanto, o tom sombrio e a escalada que a DC Comics providenciou para seus filmes são de obras mais sérias e maduras, e não há manifestação disso até o momento, muito menos a exploração minimamente satisfatória da questão de um deus habitar entre homens, como ocorre com o Super de Henry Cavill neste universo.
Bem-vindos a bordo. Nesta edição, Flávio Vieira (@flaviopvieira), Bruno Gaspar (@HecatesGaspar), Pedro Lobato (@PedroLobato), Dan Cruz (@superdancruz), Jackson Good (@jacksgood) e André Kirano (@kiranomutsu) se reúnem para comentar sobre o novo filme do Superman… Batman vs Superman: A Origem da Justiça. As expectativas, decepções e o que esperar da Warner/DC em seus próximos filmes.
Duração: 73 min. Edição: Victor Marçon Trilha Sonora: Victor Marçon
Arte do Banner: Bruno Gaspar
“The Red Capes are Comming”. A frase de Lex Luthor (Jesse Eisenberg) que se fez famosa no trailer de Batman vs Superman: A Origem da Justiça remete ao herói da independência dos EUA, Paul Revere — que também virou música na voz de Johnny Cash — atuando como mensageiro nas batalhas de Lexington e Concord. Ele chegou a Boston em seu cavalo gritando esta frase em referência aos soldados ingleses que usavam capas vermelhas.
E é com a reação da humanidade à vinda de um força maior coberta por capa vermelha que a trama se move por boa parte do primeiro ato. O surgimento de uma espécie alienígena representa duas grandes questões da modernidade: a retirada do ser humano do pedestal de ser mais poderoso do universo, e a materialização de sua relação ambígua entre amor e temor que boa parte das religiões têm com relação às divindades. Se na Antiguidade a existência de uma força maior era um fato, hoje a fé é desmotivada e se mostra enfraquecida, como relatou Nietzsche, indicando que a fé tornou-se secundária na vida moderna, dando origem ao que ele chamou de Super-Homem (Ubermensch – Além do Homem) capaz de controlar o mundo à sua volta e não mais um joguete das fatalidades.
Ainda assim, porém, existe a ideia de que nossos erros são a raiz da raiva de forças as quais não alcançamos total controle, tal é com as forças da natureza. Essa ideia preenche a relação de crime e castigo, amor através do temor e fidelidade forçada, conceitos essenciais para entender por que a invasão de uma divindade causa reações tão paradoxais à população do filme, temendo um deus que perde a calma caso alguém não se ajoelhe para pedir perdão.
O medo, a febre que cresce nos corações são o motor de uma guerra, seja ela forjada em palavras ou com fogo, e é desta característica que Lex Luthor se aproveita para trabalhar sua megalomania caótica de quem não apenas desacredita e confronta, mas pretende ser o deus de seu tempo. Sua amargura é descrita numa citação breve do argumento da contradição dos fatos do filósofo David Hume para a inexistência de um deus. Porém sua maquinação não é racional como aquela da filosofia, mas sim solitária e apaixonada a ponto de impedi-lo de se contentar em matar apenas o deus metafórico e tornar-se senhor de si. O surgimento de um verdadeiro deus não se traduz para ele como uma afronta ou temor, mas na oportunidade de vingança que vai além das ruminações de quem espera respostas filosóficas. Tudo isso relaciona-se com sua performance física e verbal ao trazer um pouco de outras encarnações deste que é um dos maiores vilões dos quadrinhos, mostrando-se leve, sagaz e manipulador ao retratar o yuppie moderno da era da informação em toda sua vaidade.
Nenhum pecado será perdoado. E é com este mantra enraizado em seus traumas que a orfandade trouxe que Batman/Bruce Wayne (Ben Affleck) e Superman/Clark Kent (Henry Cavill) interagem para criar os dois lados de uma mesma moeda. A vontade e a necessidade de fazer algo frente ao que se entende como errado são uma arma poderosa, porém polissêmica, e por isso capazes de produzir não só grandes feitos como também grandes tragédias, tal qual religiões, em que um mesmo conceito é capaz de tanto fazer alguém dar a vida em prol de um ideal quanto é capaz de dar as armas para dizimá-la. Para ligar estes dois personagens, o truque foi usar uma coincidência dos quadrinhos para representar os amores mais profundos dos meninos (apesar de a Mulher-Maravilha representar muito bem o gilrpower e mostrar-se superior e mais saiba que qualquer outra pessoa da trama, este é um filme que fala essencialmente aos meninos) e ligá-los emocionalmente.
As duas grandes surpresas do filme ficam na performance e representação que Affleck trouxe ao Homem-Morcego, e Gal Gadot como Mulher-Maravilha, todavia o casting é irrepreensível. Como seus alteregos, a coisa funciona igualmente bem. O Batman se mostra brutal, poderoso e amedrontador em sua performance física exacerbando violência e em sua postura e fala que jamais recuam, deixando claro que sua principal gadget é o medo que provoca. Uma personificação exemplar que relaciona o figurino e o forte apelo à fantasia mostrando um Batman capaz de feitos improváveis, mas não necessariamente impossíveis.
A Mulher-Maravilha é especialmente bem tratada, tanto por sua música-tema, que é mais impactante e carismática que a de seus companheiros de cena, quanto pela cinematografia (não por acaso é colocada no centro da Trindade), tratando de mostrar uma heroína inabalável e divina na essência do termo. Ela demonstra em suas linhas de diálogos já ter passado pelos sofrimentos que hoje os demais heróis passam. Mesmas dúvidas, mesmas tristezas, mesmas perdas, mas com a sabedoria de que não há recompensas em viver acima das nuvens, ciente de que a corrupção do poder sempre chega.
O roteiro é coeso, mesmo com a abertura para as loucuras temporais que a DC trabalha nos quadrinhos, e possui todas as pontas costuradas pelos sempre talentosos Chris Terrio (Argo) e David Goyer, que se utilizaram de ao menos duas grandes histórias clássicas dos heróis-título. Apesar desta competência, faltam pausas para assimilar e deixar respirar certas ideias do filme e assim algumas conclusões podem soar falsas ou apressadas. Falta a mesma contemplação para justificar a ação, que, apesar de ser intensa e poderosa, conta mais com a pose do que com movimentos ao capturar muito da estética e linguagem narrativa dos quadrinhos. O recurso que nas mãos de outro diretor poderia traduzir-se em cenários enfadonhos, é bem aproveitado por Zack Snyder, o qual entende que o que há de especial na linguagem visual dos quadrinhos é justamente o preenchimento entre um quadro e o outro exigido do público, e por isso produz cenas que, independente da apreciação do todo, funcionam por si só.
Ainda assim, o ritmo traz algumas perdas para a narrativa e à estrutura dos atos, que iniciam e terminam a ação em períodos incomuns nos demais filmes de super-heróis (tanto da Marvel quanto da Trilogia Nolan), o que afeta a noção de tempo do filme, desregulando as emoções sobre os acontecimentos e prejudicando a entrega. Ao decidir emocionar pela fantasia de se observar a trindade dos quadrinhos agora em carne e osso e pelo jogo esquemático e inteligente do roteiro, a direção acaba optando também por evitar emoções mais profundas, formando um filme rebuscado e apaixonado, mas carente de amor.
O que interessa aos heróis não é brigar entre si, mas sim lutar por um bem maior. Só que alguém fez o diretor Zack Snyder – que como cineasta é um ótimo designer de videogames, além de famoso por seus exageros – entender e aplicar isso no cenário de um filme que precisava ser épico, mas diferente deBatman – O Cavaleiro das Trevas Ressurge. Se o Superman de Henry Cavill quer na soberania de suas ações se retratar e nos fazer esquecer de O Homem de Aço, o Batman de Ben Affleck vive num mundo à parte dos filmes de Christopher Nolan, sendo o mais sisudo e inflexível dentre os exibidos no cinema. Um personagem ao mesmo tempo limítrofe às próprias fraquezas, mas que chega a acender o bat-sinal no céu de Gotham e enfrentar um Deus, tão furioso quanto ele, para subvertê-las e não ter que enfrentá-las a base de vodka ou psiquiatria contra os traumas do passado; esses sim, invencíveis. E que tudo em Batman vs Superman: A Origem da Justiça gire em torno do peso de outrora sobre o presente, para que enfim seja erguida a ponte do universo DC Comics no Cinema, da mesma forma que a Marvel já conseguiu. Passou da hora.
Um filme de responsabilidades, seguro de si para incorporar mais certezas que dúvidas sobre o futuro; dúvidas oriundas da falta de planejamento da DC e Warner – muita boataria e fato que é bom, nenhum! Todavia, quando o Morcego e o Homem de Aço dividem a tela pela primeira vez, num show de efeitos especiais de doer os olhos tamanha a complexidade visual, fica difícil não sorrir. Porque, numa analogia indireta à fazenda dos pais adotivos de Superman, o campo está arado e só falta colher os frutos, já que o próprio filme é fruto, em parte, das vaidades estéticas e sufocantes de seu diretor – dessa vez muito mais consciente do poder do material que tem em mãos do que quando rodou Watchmen-, filme após filme, pavimentando e aprimorando o mirabolante universo DC na telona, mesmo que essa seja uma atitude retumbante, mas atrasada e vacilante no êxito, até agora… Até agora, pois o terceiro ato é o grande trunfo da obra.
A produção vem lotada de surpresas, e isso não poderia ser melhor, principalmente num tempo em que qualquer easter-eggs de fenômenos pop é motivo de intermináveis fóruns, internet afora. Também por isso, o filme apresenta um bom equilíbrio entre tantos personagens dividindo a mesma história. É notável, em especial no ótimo terceiro ato, como Snyder sabe aproveitar a extremidade da tela de cinema IMAX, ampliando sem comiseração esse potencial da situação, o que faz uma lenda ser mito quando a máscara racha durante a luta, o que neste caso aprimora o espetáculo e amplia suas ilusões, mesmo que o 3D ao longo do filme seja 100% preguiçoso e inútil, o que parece demonstrar que o diretor estava preocupado demais na empolgação da coisa, para “enxergar” onde mora o razoável numa luta tridimensional como essa.
Filme frenético, moderno, cheio de fúria, fogo e barulho, mas calma, não é Mad Max, mesmo! Do começo ao fim, estudamos e sentimos o poder que move o certo e o errado, o bem e o mal que o Cinema nos ajuda a definir e validar no valor de seus símbolos e mitos.Batman vs Superman: A Origem da Justiça é um filmaço, é o desenho da Liga da Justiça com atores reais e um pouco da seriedade de Nolan (um dos produtores do filme), mas o melhor, claro, feito sobremesa, é deixado para o fim.
Ainda na esteira de remakes dos seriados sessentistas, Guy Ritchie se encarrega de apresentar uma versão em longa metragem para o show de TV homônimo, exibido entre 1964 e 68 e continuado por alguns telefilmes. A nova roupagem compreende um filme de época, filhote da Guerra Fria, sustentado a partir do charme evocado do programa protagonizado por Robert Vaughn e David McCallum, tomando por base também a tensão presente na disputa ideológica dos Estados Unidos com a União Soviética.
O mote do roteiro envolve uma cooperação entre as duas partes dissonantes, como se somente no campo imaginário de uma aventura escapista pudesse ocorrer uma interação não beligerante, semelhante demais ao modo dque Alan Moore propôs em seu Watchmen, e que Zack Snyder claramente não entendeu em sua versão para o cinema de 2009. Ritchie reprisa os mesmos maneirismo visuais de Sherlock Holmes e Revolver, ainda que não consiga imprimir neste Agente da U.N.C.L.E. o mesmo espectro sanguíneo comum a sua filmografia, tendo momentos de absoluta frigidez em tela.
O estilo de filmagem se vale de muitas tomadas escuras, que por sua vez, remetem a ausência de luz da época, gerada pela ambiguidade de seu cenário político. A Berlim Ocidental dos anos sessenta é completamente estilizada, o que se explica no produto original, pelo costume de demonizar os países socialistas. A dubiedade é manifestada até na escolha de sua musa inspiradora, a misteriosa Gaby, que tem na beleza de Alicia Vikander um deleite visual pouco expositivo, mas ainda assim, arrebatadora, semelhante a muitas mulheres fatais de filmes noir.
A tradução da rivalidade econômica entre as partes é feita através da caracterização de Napeleon Solo e Illya Kuriakin. A escolha de Henry Cavill para executar Solo, repete a fórula do realizador britânico em usar figuras de popularidade crescente para ascender a fama de seus novos produtos, como com Downey Junior em Sherlock Holmes, o que de certa forma até repete o êxito. O mesmo não se pode dizer de Armie Hammer, que nem tem no falso sotaque a falha mais gritante, já que o argumento assume os soviéticos como fruto da mesma moralidade americana, inclusive nos conceitos ligados ao matrimônio, descaracterizando completamente o abismo de ideais dos dois distintos segmentos populacionais.
A filmagem possui estilos diversos em si, entre eles, um visualmente muito semelhante ao visto em Sin City, especialmente nas cenas de perseguição de carro, mostrando a preferência de Ritchie pelas cópias a Quentin Tarantino, mas na parte mais superficial das suas fitas. As brigas constantes entre Illya e Solo enfraquecem o plot,fazendo as cenas de suspense parecerem banais, soando assim artificiais até os momentos de luta e tensão sexual.
O roteiro melhora um bocado da metade para o final, a despeito até dos estereótipos forçados. A menos a trama de espionagem é bem urdida, lembrando os bons momentos de Intriga Internacional e dos filmes de Sean Connery como 007. Há um cuidado, nesse período em retirar da URSS a figura de vilã, retratando até mesmo os modos governamentais dos EUA como algo bem distante do que o discurso moralista comum aos presidentes fazia, buscando uma neutralidade que mesmo soando forçada, funciona em alguns niveis, se levar em conta as intenções do texto.
Apesar das muitas influências, o filme de Ritchie possui uma personalidade e identidade próprias, não caindo no erro de parecer uma cópia de tantos outros remakes de franquias antigas. No entanto, carece de fervor e inspiração, sobretudo por parte do elenco, que parece estar a todo momento em modo automático de atuação. Apesar de a suspensão de descrença não cair por completo, a proposta ambiciosa de apresentar uma neutralidade em meio a uma época de extrema ambiguidade carece de seriedade e de uma melhor construção ética, que era uma espécie de mea culpa dos produtores da série, e que neste, soam absolutamente anacrônicos e vergonhosos, não consertados sequer pelos remendos feitos pela ação britânica, que visa equilibrar forças.
É fato que todos conhecem a estória do Superman, nem que seja apenas em linhas gerais. Bebê chega à Terra sozinho numa espaçonave oriunda de Krypton. Criado pelo casal Kent, Clark cresce tendo que aprender a lidar com suas habilidades sobre-humanas.
Apesar de ser mais um filme da franquia Superman, este não é uma continuação dos demais, mas sim, um filme de origem. E, sendo assim, é em torno do início da estória de Clark que gira a trama do filme. Claramente superior a Superman: O Retorno de Bryan Singer ( morno demais, demasiado entediante ) , este investe suas fichas num personagem mais realista, mais sombrio e, contrariando o senso comum, mais alienígena que todos os anteriores. E por conta disso, pode-se arriscar dizer que este não é um filme do Superman – de um homem com superpoderes – mas sim de um herói ou um deus em processo de construção.
O prólogo, interessante mas excessivamente longo no meu entender, nos mostra o conflito que causou a destruição de Krypton e que levou Jor-El (Russell Crowe), um cientista do alto-escalão, a enviar seu filho recém-nascido, Kal-El – que virá a ser Clark Kent (Henry Cavill) – numa espaçonave à Terra. Não conheço os quadrinhos – aliás, o personagem em si não me agrada muito – e, portanto não faço a menor ideia de como “deveria” ser retratado o planeta. Mas a direção de arte acertou ao optar por um aspecto biomecânico, lembrando um pouco os desenhos de H.R.Giger utilizados em Alien.
E, desde o início, já começam a aparecer os típicos buracos de roteiro, quase inevitáveis nesses filmes de super-heróis. Se, conforme é esclarecido tanto por Jor-El como pelo General Zod (Michael Shannon), todos os kriptonianos já nascem com papéis pré-definidos, o espectador um pouco mais observador certamente se pergunta como Jor-El, predestinado a ser um cientista, luta tão bem quanto (ou quase melhor que) Zod, um soldado nato. Isso e mais a cena “ironman style” em que Jor-El veste sua armadura, diminuem o impacto da sequência do confronto entre eles, enfraquecendo a imersão na trama. Mas ainda assim, esse primeiro terço do filme consegue prender o público o suficiente para querer assistir ao desenrolar da estória.
A opção de retratar a infância e adolescência de Clark através de flashbacks, ao invés de seguir uma narrativa linear, deu certa leveza e dinamismo à estória. Desse modo, o espectador vai, aos poucos, sendo apresentado ao personagem, conhecendo seu passado, seu convívio com os pais adotivos – Martha (Diane Lane) e Jonathan Kent (Kevin Costner), e o modo como descobriu e aprendeu a controlar seus poderes. Algumas sequências poderiam ser mais curtas, mas não chegam a comprometer o ritmo do filme.
Aproveitando a deixa, vale ressaltar que a tentativa de reafirmar o personagem como sendo o “homem que veio do céu para salvar a humanidade” é forçada e fora de contexto. O tom messiânico incomoda bastante em vários momentos. O discurso de Jor-El sobre o destino do filho, afirmando que seu papel é ser um “guia” para os humanos atingirem a paz e a felicidade eternas – algo como um nirvana – soa piegas e até meio ingênuo. Como se já não bastasse Clark falar, sem mais nem menos, que tem 33 anos, a cena em que ele aparece numa igreja conversando com um padre, que surgiu do nada na estória, é patética, além de totalmente desconectada da estória.
O filme não é feito só de cenas intimistas e familiares, logicamente. O que todo fã espera são as sequências de ação, que são inegavelmente muito boas. O problema é que, devido à escala megalomaníaca (justificável), as cenas lembram demais Os Vingadores – principalmente o momento de embate entre Superman e Zod em Metrópolis. E, assim como o prólogo, esta sequência acaba sendo cansativa pela duração extensa e pela falta de estratégia do vilão que afinal, é um militar. E não apenas isso, tem-se a impressão de que toda a ação, a luta, a destruição está concentrada demais nesse momento da estória, quase saturando o espectador.
Interessante reparar que, apesar de não haver semelhança física, em alguns momentos Cavill lembra um pouco “O Superman”, Christopher Reeve – convenhamos que não é muito difícil ser mais expressivo que Brandon Routh – e o ator consegue dar ao personagem tanto a insegurança de quem ainda não tem certeza de que rumo irá tomar, quanto o carisma do herói que vai “salvar o dia”. Não é atuação digna de prêmio, até pela quase bidimensionalidade do personagem, mas é convincente na medida certa. Kevin Costner e DianeLane estão ok como os pais adotivos de Clark. Amy Adams consegue tirar de Lois Lane aquele ar de mocinha indefesa em perigo. Mas quem se destaca é Michael Shannon, construindo um vilão a seu modo incorruptível e ao mesmo tempo bastante ameaçador.
É natural que um reboot gere estranheza e divida opiniões, e também é natural que não agrade a gregos e troianos – isto é algo inerente aos filmes do gênero. É difícil encontrar o ponto de equilíbrio entre tornar a estória palatável aos “leigos” e agradar aos fãs de carteirinha. E, apesar de alguns defeitos, Man of Steel é um filme que cumpre sua função de entreter.
O Super-Homem é um dos personagens mais emblemáticos da DC, e do mundo dos quadrinhos em geral, e provavelmente uma das figuras mais lucrativas da indústria de entretenimento mundial. Ainda assim, recentemente a editora vinha encontrando dificuldade em emplacar o personagem no cinema, a falta de qualidade dos filmes era um problema, mas mais que isso, o Homem de Aço parecia não se comunicar com as novas gerações, seu personagem aparentemente obsoleto em uma época de heróis menos maniqueístas, mais ambíguos.
No entanto, após o sucesso estrondoso da releitura que Christopher Nolan fez do Batman e da Marvel ter vendido com relativo sucesso o Capitão América (ainda mais anacrônico que o Super-Homem) uma nova tentativa se tornou inevitável. Confesso que fiquei surpresa quando um projeto desse tamanho foi parar nas mãos de um diretor que acabava de sair de um fracasso tão absoluto (não por acaso, todo material de divulgação diz apenas “do diretor de 300 e Watchmen“) e cuja fama nunca foi das melhores, mas Zack Snyder, com supervisão de Nolan é preciso dizer, assumiu o trabalho de finalmente tornar o Super-Homem um blockbuster.
E Homem de Aço faz exatamente isso: ele torna o personagem palatável, viável para o público de hoje, menos patético e bom moço e entrega um filme com boas sequências de ação e altamente vendável. Não é que a direção exagerada e um tanto sem rumo de Snyder não esteja presente, ela está, mas a impressão é que o diretor foi posto na coleira e essa coleira foi entregue na mão de Nolan.
Em primeiro lugar há um prólogo em Krypton: o filme situa o planeta, apresenta os pais de Kal-El e mostra o como seu mundo desmoronou. É um mau começo. Embora visualmente impressionante, as cenas deveriam ter uma carga dramática que Snyder é completamente incapaz de segurar, os diálogos soam artificiais e tudo alterna entre vergonha alheia e novela mexicana intergalática, mas felizmente isso passa.
Mesmo quando chega na Terra, Homem de Aço é um filme de origem, contando como Clark Kent se tornou o Super-Homem. A estrutura é pouco linear e a narrativa alterna entre cenas do presente, da adolescência e da infância de Clark, poderia funcionar na mão de um diretor mais competente, embora eu ache que a narrativa linear e clássica funcionasse melhor em um filme que conta tão obviamente a jornada de um heroi, mas com Snyder tudo parece apenas confuso, ainda que o fluxo não seja seriamente comprometido. Snyder insere, como já é hábito dos filmes de super-heroi, pequenos bônus para os fãs do personagem: a presença de Pete Ross e Lana Lang, um cartaz escrito Smallville (embora o nome da cidade nunca seja mencionado), outro da Lexcorp e outras referências que são divertidas e ajudam a dar substância ao universo que ele está construindo.
O filme melhora consideravelmente nos momentos que se passam no presente. Lois Lane é a melhor personagem feminina que ja apareceu em um filme do gênero: inteligente, sexy e longe do estereótipo da donzela em perigo. As cenas de ação são bastante boas também, surpreendentemente o filme tem ritmo, tensão e ótimas explosões. A sequência final acaba sendo arrastada (na verdade, o filme todo é uns 20 minutos mais logo do que o necessário), mas não chega a ser ruim.
Se como filme de ação, Homem de Aço funciona, seus problemas estão justamente na tentativa de fazer drama. O novo Super-Homem é um ser dividido dentre duas identidades, um estrangeiro na terra, algo que potencialmente será rejeitado pelos humanos, mas as cenas de carga emocional não se sustentam, assim como o prólogo em Krypton tem diálogos terríveis e atuações forçadas, Russel Crowe conseguindo ser menos expressivo que uma Kirsten Stewart com preguiça.
Mas, ainda que muito mal conduzidas, essas cenas servem ao propósito de atualizar o Super-Homem e é preciso reconhecer o enorme mérito da DC em manter o espírito do personagem, ao invés de simplesmente repetir a fórmula que funcionou com o Batman. O Super-Homem é um herói leve, otimista, o símbolo do progresso e da esperança americanos, não é um órfão amargurado que vive nas trevas e Snyder não se esquece disso. O Super-Homem pode chorar após matar um homem mau para salvar uma família, mas ele não hesita em fazê-lo, ele pode se sentir dividido entre a Terra e Krypton, mas não pensa duas vezes quando a escolha é matar humanos para reconstruir seu planeta, ele é essencialmente “bom”, correto e esperançoso. Há um pessimismo de base, uma desconfiança em relação a natureza humana que soa como os temas de Nolan (ele é produtor do filme afinal), mas a conclusão aqui é que é preciso dar o salto de fé, que a humanidade vale a pena.
Assim, Homem de Aço consegue dar alguma substância a um herói que parecia acabado e esteticamente quase torna a capa vermelha aceitável. Não é um filme de drama e seu foco não é o conflito existencial do personagem, que aliás aparece em cenas muito mal feitas, mas usa essas ferramentas como âncora, jeitos de humanizar o Super-Homem, torna-lo mais plausível e contextualizado para que o público possa aceitar o personagem. Tudo isso, aliado a uma estética fria e um pouco suja que ameniza as pirotecnias cinematográficas de Snyder entregam um filme de ação eficiente que está muito longe de uma obra prima, mas deve conseguir uma bilheteria gigantesca, garantir continuações e assim finalmente emplacar o personagem.
Woody Allen é um workaholic inveterado. Atualmente aos 74 anos, Allen não demonstra sinais de cansaço e retorna às telonas com sua mais nova sequência: Tudo Pode Dar Certo.
O Cineasta despontou na indústria em 1965 ao ser convidado para escrever o roteiro de O que é que há, gatinha?, comédia dirigida por Clive Donner, e que além de tudo contou com a atuação de Allen. Em 1969 dirigiu seu primeiro filme, mas somente em 1977 com Noivo Neurótico, Noiva Nervosa é que teve seu devido reconhecimento. O fato é que Allen desde os anos 60 não parou mais, seja como roteirista, diretor ou ator, mantendo uma incrível média de lançamento de um filme por ano, boa parte deles de extremo bom gosto. E dessa vez não foi diferente.
Tudo Pode Dar Certo é um retorno às origens, Allen reúne tudo aquilo que o consagrou nos anos 70 e faz uma excelente comédia. Não estou de maneira alguma menosprezando seus últimos trabalhos, longe disso, são todos belíssimos, mas Tudo Pode Dar Certo nos remete aos seus filmes daquela década que estabeleciam elementos como pessimismo, neuroses e excentricidades como sua veia cômica mais pungente. Uma boa razão para isso, talvez seja pelo fato do roteiro ter sido escrito nessa mesma década, com adaptações para os dias de hoje.
Para o protagonista do longa, Allen convidou ninguém menos que Larry David para interpretar Boris (alter-ego de Allen), conhecido pela seu sarcasmo habitual, David deixa sua assinatura escancarada no personagem, o que pode agradar alguns e afastar outros. O personagem de David é um físico arrogante e excêntrico, repleto de neuras e ceticismo, além de ser profundamente pessimista ao mundo e aos que nele habitam. Boris já é um senhor, separou-se da mulher e passou a morar sozinho, tendo como amigos um pequeno e seleto grupo de estudiosos onde eventualmente ele se reúne.
Sua vida rotineira termina na noite em que encontra Melody (Evan Rachel Wood), que foge de casa para tentar a carreira de atriz em NY, sem ter onde morar, Boris aceita que ela passe a morar com ele (Após muita relutância). A partir daí a vida dos dois muda bruscamente, Boris, passa a provocar transformações na vida da garota, antes uma menina fútil, agora passa a enxergar o mundo de outra maneira, discutindo questões existencialistas, se tornando outro “Woody Allen”, mas sem perder um pouco da inocência e até mesmo do otimismo, característica inata de quase todos os jovens.
Rachel Wood mostra um refinamento artístico por não tornar o seu personagem caricatural, pelo contrário, apesar de todas as mudanças e o espelhamento e admiração que sua personagem tem por Boris, ela ainda consegue deixar sua marca e não emular outro ator, mas também, convenhamos que ter Allen como Diretor ajuda e muito. O elenco de apoio é todo muito bom e são peças fundamentais para o tema abordado no filme.
Boris traz com ele uma quebra da quarta parede, ao se dirigir ao público e dialogar sobre seu ponto-de-vista e manifestando mais uma vez toda sua excentricidade, tornando a narrativa extremamente direta e fluída. Durante todo o longa, somos martelados com a ideia central do longa, da auto-descoberta, da não-repressão e da liberação de uma sociedade fundada por dogmas e convenções.
Allen retorna mais uma vez para dizer a quem queira ouvir para abrir sua visão de mundo a novas ideias, experiências, descobertas e relações. Whatever Works (título original) mescla um roteiro repleto de questões existenciais com bom humor. Diversão garantida e uma ótima deixa para refletir sobre sua vida.