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  • Crítica | Encontrando Forrester

    Crítica | Encontrando Forrester

    Encontrando Forrester, longa dirigido por Gus Van Sant e lançado no ano 2000, começa com o registro das ruas, com uma pessoa batendo claquete para um jovem, que começa a declamar a poesia das ruas em forma de rap. Aos poucos, o filme vai mostrando o cenário urbano nova iorquino, com as ruas, as salas de aula e os refeitórios de escolas cheios de jovens negros interagindo ou simplesmente estudando enquanto vivem a rotina de tentar estudar e viver.

    O roteiro de Mike Rich acompanha Jamal Wallace, feito por Rob Brown (a época, usava a alcunha de Robert Brown), um estudante que busca conseguir a oportunidade de estudar numa universidade, se valendo do seu talento como jogador de basquetebol no High School. Suas notas chamam atenção de um colégio particular, e ele ganha uma bolsa para, basicamente, desempenhar o bom papel que já vinha fazendo no basquete.

    Van Sant é bem econômico aqui, desenvolve a jornada do rapaz vagarosamente, mostrando-o andando sempre com uma bola embaixo do braço, assim como anda com os papéis onde costuma escrever. O caminho do jovem se cruza com o de William Forrester (personagem de Sean Connery), um homem recluso e anti social que se recusa até mesmo a vê-lo. Os dois têm em comum o prazer pela escrita, embora o veterano escritor não dê muita abertura para qualquer conversa nesse sentido, no começo da interação entre eles.

    A fotografia do longa, assinada por Harris Savides (Zodíaco e Bling Ring), faz predominar cores bem diferentes nos cenários que o protagonista passa. Na Mailor, escola para onde ele vai, se percebe os tons de marrom, que miram a formalidade daquele local. A casa de Forrester também tem muito marrom, em especial nos velhos móveis de madeira, mas aqui se misturam com o cinza, e que com uma tonalidade mais escura, que reflete a personalidade do velho homem, que já não parece mais propenso a viver em sociedade.

    É curioso como esse foi um dos últimos filmes de Connery antes de se aposentar, sendo obviamente mais bem aceito que o seu último de fato, A Liga Extraordinária, onde ele também se utiliza de uma peruca para emular mais cabelo do que tem. Por mais que o longa de Van Sant contenha fragilidades, nada justifica uma comparação com o outro produto.

    As partes onde mostram o basquete são bem feitas. O diretor encontra bons ângulos, seja nos treinos em que Jamal disputa contra Hartwell (Matthew Noah Word) ou nas partidas de fato. O jogo de pés do rapaz é bom, a câmera registra a cintura e coxas dele se movimentando em quadra muito bem, assim como dá fluidez ao seu movimento rumo a cesta. As bandejas executadas ganham um tom quase poético, assim como o mergulho do rapaz na intimidade do escritor que é seu vizinho. Em comum, os dois personagens tem a casca grossa, que dificulta uma real aproximação – embora cada um aja temperamentalmente diferente a novas investidas de estranhos – e claro, a melancolia proveniente de morarem em um mundo que está longe de ser o ideal para os seus talentos e anseios.

    O estudante e o escritor vêem um cenário em que o passado os machuca e o presente é só de cinzas, como se o pretérito tivesse sido um incêndio que não deixou vivo nada do que já foi bonito. Van Sant já demonstra aqui boa parte dos elementos narrativos que utilizaria em Elefante, em especial a dificuldade do jovem americano em lidar com a pressão constante de ter que vencer, de ter que ser alguém. Toda a jornada de Jamal passa por isso, desde a rivalidade e carência dele em relação ao seu colega Hartwell, até a aproximação da bela Claire (Anna Paquin), que simboliza a garota dos sonhos que dificilmente teria contato com um rapaz como ele fora do cenário de Mailor.

    Não há muita sutileza no que tange ao personagem do professor Crawford, de F. Murray Abraham. Seu arquétipo é o do anti mentor, quase o de um vilão, um homem branco e velho que não consegue acreditar que o jovem é capaz de escrever o que escreve, e por mais que o tema seja caro e toque em um clichê bem rasteiro do pensamento racista – de que o negro é capaz de feitos físicos e não intelectuais – o que se vê aqui ultrapassa a linha da normalidade. Os personagens são postos em pólos antagônicos, mas de uma forma tão forte e visceral que soa até irreal a perseguição do homem velho ao jovem

    Por mais que não seja perfeito, e tenha um bocado de maniqueísmo em sua performance, Procurando Forrester compõe uma boa saída de cena de Connery, sendo também um bom retorno de Van Sant aos bons tempos, inclusive com referencias claras aos seus sucessos do passado, como Gênio Indomável. Além disso, seus créditos finais ocorrem enquanto meninos jogam um rachão, a beira da janela onde acontece o ato final, mirando uma abordagem poética do apreço desses jovens ao esporte, mostrando a face da inocência também por meio dos hobbies da juventude.

  • Crítica | Tudo Pode Dar Certo

    Crítica | Tudo Pode Dar Certo

    Tudo Pode Dar Certo

    Woody Allen é um workaholic inveterado. Atualmente aos 74 anos, Allen não demonstra sinais de cansaço e retorna às telonas com sua mais nova sequência: Tudo Pode Dar Certo.

    O Cineasta despontou na indústria em 1965 ao ser convidado para escrever o roteiro de O que é que há, gatinha?, comédia dirigida por Clive Donner, e que além de tudo contou com a atuação de Allen. Em 1969 dirigiu seu primeiro filme, mas somente em 1977 com Noivo Neurótico, Noiva Nervosa é que teve seu devido reconhecimento. O fato é que Allen desde os anos 60 não parou mais, seja como roteirista, diretor ou ator, mantendo uma incrível média de lançamento de um filme por ano, boa parte deles de extremo bom gosto. E dessa vez não foi diferente.

    Tudo Pode Dar Certo é um retorno às origens, Allen reúne tudo aquilo que o consagrou nos anos 70 e faz uma excelente comédia. Não estou de maneira alguma menosprezando seus últimos trabalhos, longe disso, são todos belíssimos, mas Tudo Pode Dar Certo nos remete  aos seus filmes daquela década que estabeleciam elementos como pessimismo, neuroses e excentricidades como sua veia cômica mais pungente. Uma boa razão para isso, talvez seja pelo fato do roteiro ter sido escrito nessa mesma década, com adaptações para os dias de hoje.

    Para o protagonista do longa, Allen convidou ninguém menos que Larry David para interpretar Boris (alter-ego de Allen), conhecido pela seu sarcasmo habitual, David deixa sua assinatura escancarada no personagem, o que pode agradar alguns e afastar outros. O personagem de David é um físico arrogante e excêntrico, repleto de neuras e ceticismo, além de ser profundamente pessimista ao mundo e aos que nele habitam. Boris já é um senhor, separou-se da mulher e passou a morar sozinho, tendo como amigos um pequeno e seleto grupo de estudiosos onde eventualmente ele se reúne.

    Sua vida rotineira termina na noite em que encontra Melody (Evan Rachel Wood), que foge de casa para tentar a carreira de atriz em NY, sem ter onde morar, Boris aceita que ela passe a morar com ele (Após muita relutância). A partir daí a vida dos dois muda bruscamente, Boris, passa a provocar transformações na vida da garota, antes uma menina fútil, agora passa a enxergar o mundo de outra maneira, discutindo questões existencialistas, se tornando outro “Woody Allen”, mas sem perder um pouco da inocência e até mesmo do otimismo, característica inata de quase todos os jovens.

    Rachel Wood mostra um refinamento artístico por não tornar o seu personagem caricatural, pelo contrário, apesar de todas as mudanças e o espelhamento e admiração que sua personagem tem por Boris, ela ainda consegue deixar sua marca e não emular outro ator, mas também, convenhamos que ter Allen como Diretor ajuda e muito. O elenco de apoio é todo muito bom e são peças fundamentais para o tema abordado no filme.

    Boris traz com ele uma quebra da quarta parede, ao se dirigir ao público e dialogar sobre seu ponto-de-vista e manifestando mais uma vez toda sua excentricidade, tornando a narrativa extremamente direta e fluída. Durante todo o longa, somos martelados com a ideia central do longa, da auto-descoberta, da não-repressão e da liberação de uma sociedade fundada por dogmas e convenções.

    Allen retorna mais uma vez para dizer a quem queira ouvir para abrir sua visão de mundo a novas ideias, experiências, descobertas e relações. Whatever Works (título original) mescla um roteiro repleto de questões existenciais com bom humor. Diversão garantida e uma ótima deixa para refletir sobre sua vida.