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  • Crítica | Encontrando Forrester

    Crítica | Encontrando Forrester

    Encontrando Forrester, longa dirigido por Gus Van Sant e lançado no ano 2000, começa com o registro das ruas, com uma pessoa batendo claquete para um jovem, que começa a declamar a poesia das ruas em forma de rap. Aos poucos, o filme vai mostrando o cenário urbano nova iorquino, com as ruas, as salas de aula e os refeitórios de escolas cheios de jovens negros interagindo ou simplesmente estudando enquanto vivem a rotina de tentar estudar e viver.

    O roteiro de Mike Rich acompanha Jamal Wallace, feito por Rob Brown (a época, usava a alcunha de Robert Brown), um estudante que busca conseguir a oportunidade de estudar numa universidade, se valendo do seu talento como jogador de basquetebol no High School. Suas notas chamam atenção de um colégio particular, e ele ganha uma bolsa para, basicamente, desempenhar o bom papel que já vinha fazendo no basquete.

    Van Sant é bem econômico aqui, desenvolve a jornada do rapaz vagarosamente, mostrando-o andando sempre com uma bola embaixo do braço, assim como anda com os papéis onde costuma escrever. O caminho do jovem se cruza com o de William Forrester (personagem de Sean Connery), um homem recluso e anti social que se recusa até mesmo a vê-lo. Os dois têm em comum o prazer pela escrita, embora o veterano escritor não dê muita abertura para qualquer conversa nesse sentido, no começo da interação entre eles.

    A fotografia do longa, assinada por Harris Savides (Zodíaco e Bling Ring), faz predominar cores bem diferentes nos cenários que o protagonista passa. Na Mailor, escola para onde ele vai, se percebe os tons de marrom, que miram a formalidade daquele local. A casa de Forrester também tem muito marrom, em especial nos velhos móveis de madeira, mas aqui se misturam com o cinza, e que com uma tonalidade mais escura, que reflete a personalidade do velho homem, que já não parece mais propenso a viver em sociedade.

    É curioso como esse foi um dos últimos filmes de Connery antes de se aposentar, sendo obviamente mais bem aceito que o seu último de fato, A Liga Extraordinária, onde ele também se utiliza de uma peruca para emular mais cabelo do que tem. Por mais que o longa de Van Sant contenha fragilidades, nada justifica uma comparação com o outro produto.

    As partes onde mostram o basquete são bem feitas. O diretor encontra bons ângulos, seja nos treinos em que Jamal disputa contra Hartwell (Matthew Noah Word) ou nas partidas de fato. O jogo de pés do rapaz é bom, a câmera registra a cintura e coxas dele se movimentando em quadra muito bem, assim como dá fluidez ao seu movimento rumo a cesta. As bandejas executadas ganham um tom quase poético, assim como o mergulho do rapaz na intimidade do escritor que é seu vizinho. Em comum, os dois personagens tem a casca grossa, que dificulta uma real aproximação – embora cada um aja temperamentalmente diferente a novas investidas de estranhos – e claro, a melancolia proveniente de morarem em um mundo que está longe de ser o ideal para os seus talentos e anseios.

    O estudante e o escritor vêem um cenário em que o passado os machuca e o presente é só de cinzas, como se o pretérito tivesse sido um incêndio que não deixou vivo nada do que já foi bonito. Van Sant já demonstra aqui boa parte dos elementos narrativos que utilizaria em Elefante, em especial a dificuldade do jovem americano em lidar com a pressão constante de ter que vencer, de ter que ser alguém. Toda a jornada de Jamal passa por isso, desde a rivalidade e carência dele em relação ao seu colega Hartwell, até a aproximação da bela Claire (Anna Paquin), que simboliza a garota dos sonhos que dificilmente teria contato com um rapaz como ele fora do cenário de Mailor.

    Não há muita sutileza no que tange ao personagem do professor Crawford, de F. Murray Abraham. Seu arquétipo é o do anti mentor, quase o de um vilão, um homem branco e velho que não consegue acreditar que o jovem é capaz de escrever o que escreve, e por mais que o tema seja caro e toque em um clichê bem rasteiro do pensamento racista – de que o negro é capaz de feitos físicos e não intelectuais – o que se vê aqui ultrapassa a linha da normalidade. Os personagens são postos em pólos antagônicos, mas de uma forma tão forte e visceral que soa até irreal a perseguição do homem velho ao jovem

    Por mais que não seja perfeito, e tenha um bocado de maniqueísmo em sua performance, Procurando Forrester compõe uma boa saída de cena de Connery, sendo também um bom retorno de Van Sant aos bons tempos, inclusive com referencias claras aos seus sucessos do passado, como Gênio Indomável. Além disso, seus créditos finais ocorrem enquanto meninos jogam um rachão, a beira da janela onde acontece o ato final, mirando uma abordagem poética do apreço desses jovens ao esporte, mostrando a face da inocência também por meio dos hobbies da juventude.

  • Crítica | O Irlandês

    Crítica | O Irlandês

    Após muitos anos prometendo adaptar o livro de Charles Brandt, finalmente Martin Scorsese consegue realizar seu O Irlandês, que acima até da pecha de “filme de máfia”, resulta em um grande épico, dos que lembram o cinema clássico de David Lean. O roteiro de Steve Zaillian (de O Gangster e O Homem Que Mudou o Jogo) adapta a historia do matador da máfia Frank Sheeran, o matador de origem irlandesa que auxiliava um grupo de mafiosos reais que ficou bem famoso por ter suas memorias publicadas.

    A historia resulta em um longo e belo filme, que só foi possível de ser adaptado por conta da forma como a parceira Netflix transmite suas obras, sem restrições de tempo para exibição, fato que no cinema, certamente seria um impeditivo (muito injusto, já que a obra de Scorsese não é gordurosa). O retorno do diretor ítalo americano ao filão que lhe fez consagrar obras como Os Bons Companheiros, Cassino e Caminhos Perigosos não poderia ser mais emblemático, violento e profundo, e seu início se dar em um asilo é além de emblemático, muito simbólico, e faz refletir não só sobre a velhice e a solidão e carência que normalmente vem com essa fase da vida, mas também há uma reflexão sobre a santificação que por vezes ocorre com pessoas que morrem ou que envelhecem.

    Tal qual as outras obras já citadas aqui de Scorsese, esse também se usa do artifício de quebrar a quarta parede, e de falar com o espectador, em uma mistura de estilos entre Taxi Driver, por conta do intimismo e de a maior parte dos contos ser feito pelo protagonista, e um pouco como O Lobo de Wall Street, por evocar muitos absurdos e infortúnios.

    A historia de Frank se confunde com o avanço da criminalidade  mafiosa oriunda da Itália e escrutina seu crescimento como caminhoneiro e negociante de carne com a associação que foi fazendo com os ditos homens feitos, inclusive colocando nessa origem uma pitada de teoria da conspiração. Aos poucos é mostrado como sindicalismo, política e fraudes andam lado a lado nesse cenário mafioso, isso tudo com uma música que faz lembrar demais os acordes de Nino Rota a frente de O Poderoso Chefão.

    Frank era um veterano da segunda guerra mundial, foi lá que ele matou pela primeira vez e naturalizou aquilo afinal, era uma guerra. Não demoram a aparecer as entidades criminosas, como Russell Bufalino, do recém tirado da aposentadoria Joe Pesci (que aliás, faz um papel bem diferente do que produziu nas parcerias com o diretor). A chegada dele aliás parece causada pelo acaso, como se o destino quisesse entrelaçar as duas linhas de vida, como se fosse inexorável aquela amizade e parceria.

    A intimidade de Russ e Frank é desenvolvida aos poucos, de maneira gradual e natural, de forma bem silenciosa e sorrateira, emulando de certa forma o método que Frank tinha em executar seus trabalhos. Por mais truculento que ele fosse ao reagir emocionalmente aos problemas pessoais – e ele passional, e muito – ao executar seus atos criminosos ele era cuidadoso, exceto claro no inicio de sua jornada. Com o tempo a banalização da vida e de assassinatos é tomada como regra de  comportamento, uma clara evolução do quadro de frieza quando o até então jovem executava inimigos de Guerra na Sicilia, Catânia e no interior da Itália. Matar os filhos do país da bota era algo impessoal desde o início de sua vida adulta, nada mais natural que prosseguisse assim, repetindo os feitos de guerra.

    Jimmy Hoffa, um dos personagens centrais dessa historia real só aparece com quarenta minutos de filme, e traz um Al Pacino de volta a velha forma. Curiosamente a maquiagem e o CGI de rejuvenescimento funciona melhor com esse personagem – com Robert DeNiro e Pesci não funciona tanto, principalmente nas cenas diurnas. Toda a mitologia criada em volta do presidente sindical é muito bem fortificada, ele é um sujeito sui generis de fato, causa espanto por conta de suas manias e de seu carisma. É impossível não se apaixonar ou não odiar sua figura dentro de tela e fora dela também, Hoffa é irresistível não só para quem o cerca mas também para quem assiste.

    Já se esperava isso, mas Scorsese faz de seu filme um show de participações especiais. Quase todo elenco de Família Soprano, Boardwalk Empire e filmes relacionados a Cosa Nostra, Omerta e outras facções e ligações mafiosas tem sua vez, e nenhuma é gratuita, ao contrario, há um cuidado para que cada papel seja executado de forma certeira e emocional, aumentando o aspecto de opera que o filme tem.

    Frank é sobretudo um homem falho. Seu relato é bem sincero, em especial nesse aspecto. Ele não tem boa relação com a filha Peggy – aspecto que norteia toda a emoção do filme, e que dá a Anna Paquin e a pequena Luccy  Gallina um ótimo papel, apesar de ambas estarem quase sempre caladas. A diferença cabal entre ele o Hoffa é o fato do segundo ser sempre bem quisto por todos, inclusive pelos de Frank, afinal, ele não pisoteia mãos de opositores, nem os espanca, não suja as mãos, seus crimes são escondidos pelo verniz elegante e social

    O duo de Pesci e DeNiro é ótimo, mas o que se executa entre Hoffa e Frank é ainda mais soberbo e recompensa todas  as péssimas uniões de DeNiro e Pacino até aqui, fazendo finalmente justiça a interação que sempre prometia ocorrer mas que decepcionava ou por ser muito curta, ou por ser em uma obra sofrível. Os rompantes temperamentais de Jimmy casam demais com o estilo discreto e conciliador do encarregado de executar os homens que a máfia mandava, e a relação dos dois vai muito além da simples cisma de que os opostos se atraem, eles parecem de fato amigos, parece mesmo que aquele era um pacto sanguíneo e eterno, e isso enriquece demais o drama e as consequências dali para frente na trama.

    As três linhas temporais servem bem ao serviço de recontar uma historia, que mesmo com todos os absurdos, retrata  uma realidade. O propósito parece não ser só o de biografar a vida de Sheeran, mas uma boa parte da historia criminal da America do Norte, incluindo ai um coração partido, e a sensação clara de que diante da Lei da Omerta, dos juramentos e do todo, só quem importam são os italianos e os membros da família, por mais glamour que seja atribuído aos “associados”.

    As intenções de silenciar os adversários e a não crença (arrogante diga-se) de que os criminosos poderosos estavam acima do bem e do mal levou o grupo de criminosos italianos para um fim bastante merecido e melancólico, com direito a um envelhecimento sem qualquer dignidade. Scorsese avança em sua desglamourização da mafia em seu esforço anti O Poderoso Chefão,  traduzindo bem as memorias de Frank especialmente no quesito melancolia. O matador arrependido tem o infortúnio de não ter morrido cedo, de envelhecer e ter que encarar seus pecados e toda a emoção que é empregada nesses últimos momentos tornam ele um sujeito muito humanizado, mas não livre das máculas que cometeu durante a vida, e só por isso O Irlandês já seria um filme soberbo, mas é mais que isso, é um belo retrato da vida cotidiana dos imigrantes e de seus filhos que tentaram uma melhor alternativa na America e só encontraram a marginalidade como alternativa.

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  • Crítica | X-Men: O Confronto Final

    Crítica | X-Men: O Confronto Final

    O terceiro capítulo da franquia X-Men começa no passado, mostrando duas crianças que faziam parte do quinteto inicial de mutantes treinados por Charles Xavier e Magneto, em uma versão rejuvenescida Patrick Stewart e Ian McKellen terrivelmente animados e artificiais de um modo assustador. Sem saber, Brett Rattner condenaria seu filme e seria mais lembrado por esses erros crassos do que pela boa ação que em alguns momentos apresenta.

    X-Men: O Confronto Final parece a receita de um bolo que não deu certo, apela para uma questão densa em seu início, depois tem momentos de ação bem filmados em uma luta com Sentinelas, mas que não vale de nada, pois ocorria numa simulação dentro da Sala de Perigo – que mais parecia o holodech de Jornada nas Estrelas: A Nova Geração, série que também tinha Stewart como líder dos heróis – e por mais infame que soe a insinuação de roubo de tecnologia do Capitão Picard para seu grupo de mutantes, certamente é algo menos desequilibrada do que a construção feita no começo deste filme.

    Uma versão de Hank McCoy é apresentada, e coitado de Kelsey Grammer, seu intérprete, que tem que agir como um macaco de circo, que lida com as questões do governo relacionadas aos mutantes, como secretário dessa pasta específica. Se as autoridades agem de modo bizarro, o núcleo escolar também, Scott (James Marsden) não superou o luto, mas Marie (Anna Paquin) não, ela age como uma adolescente em fúria, que involuiu de X-Men 2 para este. Mesmo a líder tática Tempestade é desequilibrada, parecendo mais uma criança, para desgosto de Halle Berry, que acreditava que teria um melhor papel nesse.

    Nada justifica a saída de Noturno do elenco (nem a presença de Fera) ou a participação de Ciclope, basicamente porque Marsden aceitou um papel no Superman: O Retorno de Bryan Singer e teve um conflito de agenda. No caso do primeiro, o motivo oficial dado era que Alan Cumming faria uma pequena participação, mas o processo de maquiagem era caro e demorado demais para utilizar em uma cena tão curta, mas o que mais se falou na época é que o público o confundiria com McCoy. No game oficial do filme, se afirma que Wagner abandonou os X-Men por não querer uma vida tão pouco pacífica quanto a de um X-Man. Se houvessem gasto algumas palavras nisso, certamente faria mais sentido.

    Há outra grave adaptação, os Morlocks são reduzidos a um grupo de mutantes que usam roupas da moda, tatuados e que adora fazer amostras gratuitas de seus poderes. O visual neo punk não combina sequer com Callisto (Dania Ramirez), mas piora demais com o restante. Todo o retorno ao Lago Alkali, onde ocorreu a ação do filme anterior é equivocada, primeiro pelo retorno de Jean, que traz uma Famke Janssem com cabelos maiores e mais bela, com uma crueldade primária e inexplicada. Dito assim esses momentos soam patéticos, mas certamente não chegam nem perto da vergonha alheia que a cena em si provoca no espectador mais atento. É tudo muito mal construído, mal orquestrado e ofende até o bom desempenho da personagem no outro episódio da franquia.

    O terceiro longa da série de mutantes não sabe que história contar, e erra em todos os campos que atua. A ideia da cura mutante deveria ser melhor trabalhada, de preferência por um diretor que não fosse especialista apenas em filmes de ação. Não há profundidade, drama ou qualquer grau de complexidade, apenas simplismo. A ideia do doutor Worthington é tão frágil que nem seu filho acredita nela, e aparentemente não é definitiva, visto a cena do xadrez que envolve Magneto no final, além disso, o máximo que se discute a respeito da controvérsia e da opinião pública mutante é que alguns são a favor e outros contra, nada mais é desenvolvido.

    A redução de personagens inclui até Magneto, que em troca de ter mais capangas capazes de falar frases de efeito, abre mão de sua companheira Mística após salvá-lo. O vilão está longe de ser um personagem bidimensional capaz de abandonar sua antiga e mais fiel amiga à toa. Rattner não parece ter conhecimento disso. Tudo que envolve o retorno dos amigos mutantes a casa da pequena Jean é de fato a parte mais podre desse bolo azedo. O fim do Professor X, a transmutação que faz com que Janssen pareça um boneco zumbi, o acolhimento de Magneto, as falas do Fanático, é tudo muito digno de risos, assim como Wolverine ajoelhado, chorando, consolado por Ororo, tudo pífio de um jeito que é impossível não se irritar.

    Lady Letal, Groxo e Dentes de Sabre são três exemplos de personagens introduzidos nos filmes de mutantes para protagonizar bons momentos de ação, mas cada um deles é bem justificado ao menos, ao contrário da montanha de mutantes vistos aqui. É uma sucessão de equívocos, que faz deste filme uma desconstrução de todo o legado que os filmes anteriores tinham, não havia mesmo como continuar a partir desse ponto e a solução que Matt Vaughn encontrou em X-Men: Primeira Classe foi criativa e inteligente.

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  • Crítica | X-Men: O Filme

    Crítica | X-Men: O Filme

    O filme que ajudou a inaugurar o exploitation de heróis recentes começa com um monologo, acompanhado de uma abertura em CGI que explora a sinapse cerebral de uma pessoa com gene x. Enquanto emula o início de Clube da Luta, Patrick Stewart empresta sua voz para explicar uma das razões pelos quais ele e os seus são discriminados. Os próximos momentos de X-Men: O Filme de Bryan Singer mostram dois cenários, e a origem de dois mutantes, Erik Lensher e Anna Marie, Magneto e Vampira, e tanto para o vilão quanto para a futura heroína, o mesmo destino, pessoas comuns olhando para eles com olhos vis, claro, em momentos da historia bem distintos, um nos campos de concentração durante o holocausto e outro nos anos 2000.

    A cena imediatamente posterior é pouco sutil, há uma apresentação de Jean Grey (Famke Janssen), no senado, interrompida por Robert Kelly (Bruce Davison), um político que usa sua influência para denegrir os mutante. O conteúdo do debate e da discussão entre os antigos amigos, Erik e Charles Xavier é bem explicito, fruto claramente da falta de investimento da Fox que não contratou um roteirista mais gabaritado e não permitiu que esse filme lançasse mão de obviedades para compor seu quadro. Tal qual foi com Star Wars, não se acreditava no potencial deste. O roteiro de David Hayter (baseado no argumento de Tom DeSanto e Singer) é apressado, com dez minutos a maioria dos personagens clássicos já aparecem e dão o ar de sua graça.

    Hoje, discutir Hugh Jackman no papel de Wolverine parece loucura, mas na época houve muita discussão, pelo fato de Logan ser baixo e Jackman ter pouco menos de dois metro de altura, mas fora toda a artificialidade da apresentação e no cenário que ele usa para conseguir alguns trocados em lutas clandestinas de arena, seu desempenho faz lembrar sim os quadrinhos clássicos de Frank Miller. Essa estranheza gritante até faz sentido, esse é um mundo preconceituoso, e Singer como diretor judeus e homossexual tenta passar o espectador um pouco das sensações que tinha ao perceber como as pessoas comuns o viam. A mão é um pouco pesada, mas a mensagem é passada de maneira inteligente.

    Mesmo Anna Paquin não tendo um desempenho espetacular, a condição de orelha não é totalmente descartável, de todas as caracterizações forçadas, a dela é uma das mais tranquilas, e é difícil não achar no mínimo engraçados alguns pontos, como o esconderijo da irmandade de mutantes, que é estiloso, feito por Magneto com um arquitetura terrível e nada prática- com bolinhas de bater que rodam sem cordas e que caem quando o mestre de magnetismo sai – ou a base dos heróis, com letras X por todo lado, exposição das roupas pretas dos mesmos, e acesso livre para Wolverine. Há também de se lembrar que ainda não havia sido lançado Homem Aranha de Sam Raimi e Batman Begins de Chris Nolan, filmes de herói eram comuns na Dc com Superman 22 anos antes e a recém acabada franquia do Morcego, onde Batman & Robin tinha encerrado mal a saga 3 anos antes. Ha muitas criticas injustas ao que Singer fez, mas esse ajudaria a pavimentar o caminho da Marvel, a partir de 2008 e de todo o campo de super heróis, que resolvia misturar a fantasia com algo mais realista. Mais do que isso, universo Ultimate da Marvel, lançado em 2001 bebia muita da fonte aberta por este filme, retribuindo assim as referências aos quadrinhos invertendo a lógica de inspiração e inspirado.

    É louvável que o ponto de partida do filme já tenha em mente a maioria dos aspectos básicos de revistas de heróis. Mesmo Vampira fazendo as vezes de menina desprotegida que Kitty Pride e Jubileu foram nas HQs, mesmo com Wolverine sofrendo explicações sobre o colégio de super dotados, a gênese da luta dos alunos de Xavier já é totalmente explicada com menos de 30 minutos, e a duração de 104 minutos é bem utilizada. Os momentos de ação também são eletrizantes, a Mistica de Rebecca Romijin é deslumbrante não só por conta das curvas da atriz e da forte maquiagem, o efeito usado na sua transformação é sensacional e o uso que ela faz dos pés é algo seminal também.

    O que se nota é que os conceitos e ideais estavam em estágio embrionário, fazendo assim justificado até o livre uso de arquétipos  nos personagens principais. Por mais que não tenham tanto espaço de tela quando Wolverine, são os dois mentores os melhor apresentados personagens. Enquanto Patrick Stewart inspira confiança, Ian McKellen é carismático e exibicionista. Toda a questão expositiva e exibicionista que apresenta tem sentido só por conta de seu desempenho, mesmo quando da show off de suas ideias, personalidade, poderes e habilidades de seus capangas. Ele precisa justificar isso, pois a exibição não é para o público, e sim para seu opositor politico, no caso, Kelly, que é seu prisioneiro. Essa exposição até conflita com alguns conceitos do filme, e claramente eles não são amadurecidos quanto deveriam, mas ainda assim há uma justificativa.

    O exemplo maior dessa fragilidade se vê na invasão fácil que Mística faz a escola, não há nenhuma segurança nem nesses tempos de paranoia e mesmo que isso já tenha ocorrido nos quadrinhos (aliás, o tempo todo), um filme que pretende ser realista precisa identificar isso como prioridade. Isso, unido a questão dos efeitos especiais serem fracos, faz a obra envelhecer mal. É absurdo como quando Singer era prolifico, não havia dinheiro, e hoje com ele em desgraça pessoal, há investimento em detrimento de péssimas historias.

    Falta em Hayter um trabalho mais acurado na adaptação dos roteiros dos quadrinhos, ainda que haja da parte do diretor claramente uma insistência em alguns momentos mais expositivos, no entanto o senso de urgência é grande, e até bem trabalhado, se não fosse tão acompanhado de conversas óbvias e não trabalhasse tanto mal os papeis de James Marsden e principalmente Halle Berry, que é completamente desperdiçada, certamente haveria maior êxito. Tal qual eram as reclamações de Chris Claremont quando roteirista dos Fabulosos X-Men, Tempestade não tem o destaque que merece, enquanto Logan é o centro das atenções, não surpreenderia se esse longa chama-se Wolverine e seus amigos.

    Alguns pequenos absurdos são bem charmosos, como o fato da pista de pouso e lançamento do jato Pássaro Negro ficar embaixo da quadra de basquete, mas dado a pouca verba, esse acaba mesmo sendo um evento engraçado. Dos aspectos técnicos, a música de Michael Kamen é bem icônica(ele aliás, também compôs a música tema do desenho de 1993), e a fotografia trabalha bem os elementos fantasiosos e o uso indiscriminado de CGI. É realmente uma pena o pouco orçamento, que influiu muito nos últimos atos, que careceram de una luta mais elaborada, sobrando apenas a breve batalha de Mistica e Wolverine como algo realmente bom.

    Cabe a Logan a pecha de heroi em sacrifício, o que vai para o combate final com o vilão e o que tenta resgatar a vida da mocinha, dando a Vampira seu poder, mas para cada um dos quatro X-Men há seu momento de brilho na Batalha de Manhattan, mesmo considerando estranho alguns pontos, como a batalha ser na Estátua da Liberdade. X-Men: O Filme está longe de ser perfeito, mas a despeito de todos os infortúnios que passou, certamente é uma bela obra, pavimenta bem a saga para mais filmes e para se tornar uma franquia, mas é auto contido ao ponto de soar bem como adaptação solo, capturando bem o espírito do grupo de alunos de Xavier, além de ter feito historia nos filmes de ação.

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  • True Blood: O Amargo Regresso aos Bons Tempos

    True Blood: O Amargo Regresso aos Bons Tempos

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    Após as interessantíssimas primeiras temporadas, que faziam um belo e renovado comentário social a respeito do racismo e de como o sul dos Estados Unidos  no estado da Luisiana, na fictícia cidade de Bon Temps  lida com tais questões, True Blood deveria chegar ao seu final. O remate foi muito devido à necessidade de coisas novas, de novos embates e discussões, e a quantidade de temas diversificados já havia se esgotado lá pelo quarto ano – os mais puristas dirão que foi no terceiro.

    Toda vez que uma nova temporada se aproximava, o criador Allan Ball tinha que sentar e falar qual seria o plot que viria a seguir, baseando-se nos dramas mostrados nos livros da série de Charlaine Harris, mas sem se apegar muito ao texto original. No entanto, a narrativa de Ball bateu em um muro sólido de concreto, inegavelmente; o momento de parar era clamado, já que não dava mais para evitar o estrago em que o show se instaurou. O padrão televisivo do canal HBO tinha um nome a zelar, e há uma tradição em dar mais atenção à produção de um grande número de indicações a premiações do que à quantidade de pessoas capazes de digerir suas histórias.

    Sookie Stackhouse (Anna Paquin) era uma menina jovem, com toda a vida pela frente, mas que tinha uma habilidade especial: desde pequena conseguia ler a mente das pessoas. Um sujeito mal encarado, mas de aparência bela, se aproxima da moça, escondendo uma intenção escusa, mas que é diluída pela paixão. Seu nome é Bill Compton (Stephen Moyer), um vampiro secular, que, além de ser o primeiro amor da protagonista, ainda abre uma gama de polêmicas e controvérsias, já que, neste universo, os vampiros “saíram do armário” graças à fabricação do Tru Blod, uma bebida quente que contém os nutrientes necessários para a sobrevivência desses seres. O modo como a sociedade “humana” vê os vampiros mostra paralelos interessantes, que vão desde referências à discriminação racial até a questão da orientação sexual e afins. A sexualidade, aliás, é um tema perene, que obriga a audiência a assistir a diversas manifestações e interações lascivas e libertinas sem qualquer pudor.

    Só por isso, True Blood já seria interessante, mas algo se perdeu no caminho. Na penúltima temporada, a trama da Deusa Lilith é explorada, mostrando que Bill bebeu o seu sangue e estaria embevecido pela vontade de trucidar tudo e todos. A dignidade dentro do roteiro é completamente deixada de lado; as sequências de ação são tão toscas que fica difícil associá-las com os primeiros três anos do seriado. Mesmo ignorando os efeitos especiais, dignos de clássicos da Asylum e as tramas estilo Power Rangers, ainda sobram um milhão de motivos para achincalhar o show.

    Uma pena que a trama inicial de exploração dos preconceitos que habitava Luisiana seja deixada de lado para explorar a Autoridade, a instituição que está no topo da hierarquia dos vampiros. Tudo ruiu, e todo o quadro político dos sugadores de sangue, desconfigurado. Isto poderia obviamente ser bem explorado, já que emularia os momentos serenos de outrora, mas não é isto que ocorre.

    O uso excessivo de histórias paralelas apenas servem para enfraquecer a trama principal – não que isso não ocorresse anteriormente –  e também para mascarar a total falta de substância do argumento. Nem mesmo a dor dos personagens, que perderam entes queridos, é sentida: o roteiro não deixa espaço para o luto e para a superação das ausências. Tudo é muito rápido em relação às reações, e, curiosamente, o desenrolar dos plots é arrastado, como se houvesse pouco (ou nada) a contar. As boas ideias são esticadas para durarem doze episódios.

    As armadilhas soam falsas. As ameaças só acontecem quando são facilmente revertidas. Nenhuma ação amorosa que envolva o triângulo Bill, Sookie e Eric Northman (Alexander Skarsgård) é feito sem que haja tempo e espaço para tudo se reverter. Até os movimentos vaginais da fada são previsíveis, anunciados eras antes de ocorrerem. A eterna saída do estranho triângulo amoroso ganha mais um par, como já era de se esperar. Seria ele uma fada-macho. O estratagema piora quando é revelado que a loirinha é, na verdade, uma descendente direta da Fada-Rei – e por isso um vampiro milenar estaria atrás do sangue dela, e, por consequência, havia matado os seus pais anos antes. Sookie é a Escolhida, o arquétipo mais pobre da literatura moderna e que, de tão importante para toda a trama, é simplesmente ignorado após este ano.

    Paralelo a isto, Bill vai ganhando mais e mais poderes, podendo até prever o futuro. Logo, o governador da Luisiana declara guerra aos vampiros, retirando deles os deus direitos. Mesmo o que antes funcionava, agora é motivo para chacota. Os níveis de sutileza, que já eram baixos, praticamente inexistem neste momento. Mas nem essa questão de Lilith/Bill consegue influenciar nos outros dramas pessoais.

    Mesmo diante do iminente fim do mundo, ainda há espaço para as porcas batalhas pessoais de transmorfos, lobisomens, fadas, bruxas, macacos falantes, elfos, ogros, orcs, meta-humanos etc. Em determinado momento, até as regras básicas, inclusive até a mais rasa delas, das raças mágicas são deturpadas, sem qualquer cerimônia ou justificativa. É como se a inteligência do espectador não fosse realmente importante, como se qualquer balela pudesse ser engolida facilmente unicamente pela exibição de corpos belos e sarados.

    Em meio à temporada, levanta-se uma possibilidade de extinção dos vampiros através da disseminação de uma doença nova, que se vincularia à fórmula de Tru Blod e que seria comercializada, é claro. A ideia seria a de matá-los, num plano parecido com uma teoria da conspiração. Em dado momento, parece que tudo é permitido, e, após uma série de horríveis mortes, os vampiros conseguem, através de um retcon absurdo, andar à luz do dia. No momento de descanso, os seres noturnos jogam vôlei despreocupadamente, como se todo o apocalipse que os envolveu horas antes não tivesse existido.

    Um semestre inteiro se passa, e, após mais uma batalha entre bem e mal, uma nova cidade surge com configurações políticas das mais toscas, numa pretensa e utópica reunião politicamente correta – entre humanos, vampiros e demais criaturas mágicas  que visa estabelecer benefícios mútuos, combatendo os malvados sugadores de sangue contaminados pela Hepatite V. Como num final de novela, todas as pontas soltas de cunho emocional são amarradas. Tara (Rutina Wesley) faz as pazes com sua mãe; Bill escreve um livro sobre sua vida; Sam Merlotte (Sam Trammel) vira o prefeito da cidade e se une às duas igrejas para abraçar o povo; e Sookie passa a namorar Alcide (Joe Manganiello). Essa paz torna irrelevantes as motivações do fim do quinto ano e  o começo deste e transforma a boa premissa dos livros de Charlaine Harris em algo infantilizado.

    Em contraponto, a faceira paz é logo interrompida no primeiro episódio do ano sete, com um ataque voraz de vampiros infectados, com baixas enormes.  Logo de cara, personagens longevos morrem sem qualquer cerimônia e raptam tantos outros. Os vampiros que atacam Bon Temps já haviam feito o mesmo em outras cidades, drenando tudo delas, exterminando os humanos como se nada fossem. O estado de sítio se instala. Os humanos começam a agir desesperadamente, passando por cima de suas autoridades para se armarem, traçando um paralelo que pode ser interpretado como uma crítica a um povo que não tem governo, que age por instinto por não ter ninguém para instruí-lo, vociferando de modo anárquico, invalidando sua luta por direitos igualando os seus atos aos de um simples bárbaro.

    Incrível como mesmo em meio a toda essa problemática, permanece fácil notar o quão mal construídos foram alguns dos alicerces da trama. Como exemplo máximo está a relação de Sookie e Alcide. O tempo todo, o romance deles parece falso, já que não houve quase tempo nenhum em ambientar o par dentro do episódio.

    Na sexta temporada, cada um deles se preocupa em trepar com outras pessoas para, nos 20 minutos finais, arquitetar uma união que passaria pelo anúncio de letreiro onde está escrito “seis meses passados”. Ademais, ao menos o roteiro deste ano é um pouco mais elaborado, mais preocupado com a premissa prometida no começo da série, onde a disputa ideológica entre vampiros e humanos era a real tônica.

    Logo a hepatitve V deixa de ser um tabu que contamina somente os vampirões vilões da trama, mostrando os principais vampiros do seriado como infectados. Eric e Bill têm de conviver com a “verdadeira morte”, que finalmente se avizinha. O antigo viking vai em busca de Sarah Newlin (Anna Camp), buscando vingança pela disseminação do vírus, e em meio à investigação encontra membros da Yakuza, que também a querem morta. Para variar, a questão que a envolve mostra um novo sub-plot, que inviabiliza seu assassinato graças à possibilidade de cura para a doença. Logo um estratagema capitalista se forma, no intuito de comercializar um novo produto com a patente do soro e com a imagem de Northman estampando os comerciais.

    Diante da possibilidade de cura da hepatite, Bill prefere não lançar mão dela, penitenciando-se por seus pecados mais recentes, principalmente o de ter matado indivíduos de sua espécie. Sookie vê seus antigos pares se despedirem, primeiro o vampiro; depois Sam Merlotte, que decide se mudar de sua cidade natal, do seu antigo bar e de seu cargo político para criar sua filha que viria à luz logo. Unindo ao finado Alcide, já somavam três que se despediam dela.

    True Blood é basicamente sobre o despertar sexual de Sookie Stackhouse e o modo como a mulher se liberta. O fato de Sookie ser uma fada é uma metáfora para a feminilidade e o largo direito da mulher ser sexualmente ativa, e isso explica o motivo da personagem ter tantos parceiros sexuais ao longo dos sete anos de exibição. Porém, tanto os eventos sociais, que reúnem as diversas raças, quanto as inserções espirituais de Lafayette (Nelsan Ellis) permanecem abordadas de um modo infantil e boboca, com discursos e diálogos dignos da novela chapa branca exibida secularmente após as cinco da tarde na Vênus Platinada.

    A decisão de Bill em morrer é encarado por sua amada como um suicídio, mas na mente do vampiro é um retorno à sua antiga família, que está toda sepultada. Sua lápide vazia o incomoda, e a sensação de que a morte é certa o faz se reaproximar deles. No entanto, ele ainda pensa em Sookie, pedindo para que ela o mate com a sua energia vital, o que o livraria da condição de vivo e eximiria a moça da condição de fada, e de possível presa de outros vampiros. No último momento, o vampiro mais focado da série consegue inverter o papel de protagonista, uma vez que – finalmente – a manipulação plural de assuntos é deixada de lado para finalmente evidenciar apenas um tema. Deixa-se um espaço pequeno para todo o esquema esquizofrênico que pleiteou o seriado, a exemplo do casamento de Jéssica Hamby (Deborah Ann Woll) e Hoyt Fontenberry (Jim Parrack) que ocorre pela manhã – sim, uma das partes é um vampiro… – mas que, se comparado ao epitáfio de William Compton, não é nada. As características de folhetim novelesco prosseguem na essência do seriado.

    Nos momentos finais, Sookie Stackhouse consegue enfim se entender e aceita deu destino, seus poderes e dádivas como parte integrante de sua identidade, mas ainda assim não consegue convencer o homem que foi o seu primeiro a prosseguir vivendo. O fim dele não é melancólico. A morte é deveras grotesca e sanguinolenta, como um bom romance deve acabar.

    Claro que, logo após, acontece um epílogo com um salto grande no futuro. Eric Northman torna-se CEO da nova empresa New Blood, que explora o sangue de Sarah Newlin em ritmo industrial. Mas o vampiro ainda necessita de um clube como Fangtasia para chupar cada centavo das criaturas que querem usufruir da fonte máxima que era a ex-mulher do reverendo – curioso como a mesma Yakuza, que foi sabotada pelos vampiros, não mira seus olhos para o viking. Isso pouco importa…

    Do outro lado, mostram-se humanos que restaram da primeira temporada se reunindo, com suas famílias feitas, repletos de filhos, como um gigantesco clã – isso sem revelar quem seria o par de Sookie –, numa reunião vergonhosa e açucarada, sem dúvida um dos momentos mais patéticos da série, condizente, e muito, com todos os anos da produção.

    Infelizmente, o saldo final de True Blood está longe de ser positivo. A audiência do programa na HBO sempre foi alta, ainda que isso não seja necessariamente uma chancela de qualidade. De fato, a série de Alan Ball conseguiu em plena era Crepúsculo elevar o tema dos vampiros a algo além do aroma de virgindade e garotismo que predominava a saga de Meyer e companhia, já que a sexualidade foi a tônica do show, presente e regular em todos os seus anos de exibição.

    Entender que não haverá mais nenhuma criatura fantástica (diferente) adentrando a pequena cidade de Bon Temps, que não existirão outras orgias de cunho bi e pansexual, que não acontecerão mais qualquer bestialismo ou liberação erótica entre raças tão diversas, e que as aventuras dos personagens de Charlaine Harris não mais habitarão os domingos da emissora, que mudou o paradigma de se ver televisão, é algo ainda difícil de se acostumar. Mas para o fã mais seletivo de True Blood, o fim era necessário, antes que suas aventuras fossem mudadas a paragens mais distantes e nonsenses, como a Lua ou Marte.

    A nudez de Anna Paquin já não mais será uma constante.

  • Crítica | X-Men: Dias de Um Futuro Esquecido

    Crítica | X-Men: Dias de Um Futuro Esquecido

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    A carreira de Bryan Singer se aproximava perigosamente da de seu contemporâneo Peter Jackson. Ambos tiveram um começo bom, com primeiros filmes de sucesso relativo, e que depois encabeçaram franquias de milhares de fãs, ainda que em X-Men, Singer dispusesse-se de muito (mas MUITO) menos orçamento do que Jackson angariou na trilogia O Senhor dos Anéis. Após ambos saírem de sua zona de conforto, insucessos vieram, já que King Kong, Um Olhar no Paraíso, Operação Valquíria e Jack, o Caçador de Gigantes não foram produções ruins necessariamente, mas ficaram muito aquém das expectativas dos estúdios. Em comum entre os dois estaria o retorno às franquias que os projetaram ao estrelato, mas diferentemente de seu igual, Singer logrou êxito ao falar dos seus conhecidos personagens, até porque sua vida pessoal o credencia a falar de excluídos. A segregação que sofreu por ser judeu e homossexual certamente é semelhante ao sofrimento mostrado em tela com a raça de homo superior caçada em 2023.

    O núcleo dos personagens “veteranos” é secundário, ainda que seja esta realidade a que origina o plot principal, pois como visto na publicação de Claremont e Byrne, o futuro dos mutantes e de seus simpatizantes é sombrio, com muitas referências visuais a Exterminador do Futuro de James Cameron  que por sua vez jamais assumiu a influência da história em sua obra. Kitty Pryde, personagem de Ellen Page, lidera um dos poucos grupos de resistência, e, por meio de uma mutação secundária (estigma adotado nas revistas X nos idos dos anos 2000), consegue transportar para um passado recente a consciência dos outros mutantes ao seu corpo. A Ninfa (ou Lince Negra), Robert Drake, o Homem de Gelo (Shawn Ashmore), e outros mutantes, vivem a fugir dos Sentinelas, até que recebem uma visita do que sobrou dos X-Men, Xavier, Magneto, Tempestade (Halle Berry) e, claro, Wolverine, interpretado por Hugh Jackman. O plano em conjunto é retornar ao passado através de Xavier para que este impeça Mística (Jennifer Lawrence) de assassinar Bolívar Trask, criador dos robôs caçadores. A saída do roteiro foi deveras inteligente, uma vez que a trama de Robert Kelly já havia sido descartada pelo próprio diretor, em 2000.

    Uma grande fonte de reclamações dos fãs relaciona-se à cronologia da franquia nos cinemas. Para todos os efeitos, o trabalho feito por Mathew Vaughn é sim um reboot que obviamente leva em consideração alguns pontos da história dos filmes de Singer. A Casa das Ideias sempre menciona que os quadrinhos Dias de Um Futuro Esquecido faz parte de uma realidade alternativa. Tais elementos podem ser encarados como problemas, mas para quem está acostumado a consumir quadrinhos mensais e tem de engolir novos recomeços a cada cinco anos, e claro, com conteúdos muito mais incongruentes, as concepções dentro do filme são de fácil digestão, até porque o foco maior é a continuação da trama inciada nos anos 60. Os dois grupos de mutantes liderados por Charles Xavier (James McAvoy) e Erik Lensher (Michael Fassbender) foram dissolvidos, e as causas dos eventos, muito ligadas ao aparentemente contido Bolívar Trask, são aos poucos mostradas em tela. Protagonizado pelo ótimo Peter Dinklage, Trask é um cientista que aparentemente busca a sobrevivência dos humanos, mas que impinge a muitos mutantes experimentos semelhantes aos que os nazistas realizavam com judeus. Obviamente, as experiências genéticas feitas por Trask causam ódio em Mística, que via seus iguais serem exterminados, o que a faz se transformar em uma autêntica máquina de matar suas cenas de ação são de um primor visual ímpar.

    O foco emocional é todo voltado à crise existencial de Xavier nos anos 70. O Professor X volta a andar graças a uma droga criada por seu então lacaio Hank McCoy (Nicholas Hoult), substância essa que reprime os poderes do Doutor, assim como seu ideal de querer mudar o status quo por meio do pacifismo. Ele é mostrado como um homem deprimido, resignado e desesperançoso, uma nuance pouco explorada nos quadrinhos, mas plenamente condizente com a época, visto que os anos 70 foram de muita decepção para os americanos, basta lembrarmos do Vietnã. Xavier quer interromper seus poderes por não aguentar mais ouvir em sua mente as vozes e as lamúrias das pessoas, além, é claro, de viver da culpa por ter perdido seus alunos e companheiros em lutas anteriores.

    Já Magneto também estava de mãos atadas, encarcerado, metros abaixo do Pentágono, acusado de um crime terrorista que não havia cometido. Sua fúria aumentou mais, a despeito até de sua postura mais calma quando reintroduzido. A ideologia presente nos primeiros discursos de Malcolm X torna-se ainda mais flagrante quando são analisadas as ações de seu passado em comparação com as de sua contraparte do futuro. Mas ambas as encarnações de Erik demonstram um poder magnânimo, algo que Singer ainda não podia mostrar antes nos filmes anteriores, talvez pela falta de verbas.

    Mesmo com tudo isso, os melhores momentos de Magneto são as discussões que envolvem Raven, Charles e ele, formando um triângulo amoroso/ideológico de cunho emocional e tocante, visto que todos se sentem traídos, até havendo razão em se sentirem assim. Dos embates o mais emocionante certamente é o primeiro encontro dos dois antigos amigos, precedendo uma sequência de ação das mais engraçadas, que, mesmo com o alívio cômico de Mercúrio (Evan Peters) — uma participação ótima —, consegue manter o tom emotivo e simbólico do que seria aquela amizade milenar e do quão ambos valorizariam um ao outro pela causa mutante.

    Pela primeira vez, em todos os filmes dos mutantes, Wolverine não é o protagonista. Porém, sua importância é obviamente gigante, fazendo a ponte para o encontro dos protagonistas, uma escada na maior parte de sua inclusões como personagem. Tal escolha não impediu que Singer registrasse o Carcaju expondo suas nádegas, dando vazão a (mais) fantasias de leitores talvez a questão esteja no contrato de Jackman com a Fox. Iniciada em X-Men – Primeira Classe, a pecha de transformar os filmes da franquia X-Men em películas em que se divide o protagonismo é cada vez mais solidificada, assim como o enfoque da questão social, deixada de lado em X-3 e nos spin-offs. Os assuntos mais interessantes retratados nas grandes histórias de mutantes são estes, o paralelo com as ideologias, a discussão a respeito do preconceito e até aonde esta guerra pode ir.

  • Crítica | X-Men: Dias de um Futuro Esquecido

    Crítica | X-Men: Dias de um Futuro Esquecido

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    Cronologia é algo divertido, mas complicado. Acompanhar os mesmos personagens ao longo de várias histórias e ver acontecimentos com consequências futuras são muito legais, mas os problemas não demoram a surgir. Além da necessidade de tudo estar amarrado e fazer sentido, o vício dos autores em revisitar o passado, recontar origens, adicionar mais detalhes ao background, invariavelmente leva aos famigerados furos da história. Nesse sentido, os X-Men são a franquia cinematográfica que melhor representa a mídia original, os quadrinhos. O mais recente longa dos mutantes chegou com a ambiciosa proposta de conectar a trilogia original, os filmes solo de Wolverine e o reboot não assumido X-Men: Primeira Classe. Se teve sucesso ou não, depende de como se avalia.

    A história não pode ser chamada de adaptação, pois é apenas inspirada livremente na célebre hq oitentista Dias de um Futuro Esquecido, de Chris Claremont e John Byrne. Num futuro próximo, o mundo foi devastado pelos Sentinelas, robôs criados para caçar mutantes mas que acabaram se voltando contra toda a humanidade. Revemos algumas figuras da trilogia num grupo comandado por Xavier e Magneto que basicamente foge e se esconde para sobreviver. A última tentativa desesperada é um plano de enviar a consciência de  para o corpo dele em 1973, data em que Mística assassinou Bolívar Trask, o criador dos Sentinelas, e foi capturada. O DNA da mutante foi a chave para os robôs se tornarem invencíveis. Logan precisará reunir as versões mais jovens de Erik e Charles (X-Men – Primeira Classe) para ter alguma chance de mudar o passado e salvar o futuro.

    Havia a expectativa de que Dias de um Futuro Esquecido consertasse ou ao menos tentasse explicar as discrepâncias entre os capítulos anteriores. Nesse aspecto, não se pode negar que o filme falhou miseravelmente: não só deixou de explicar os furos, como ainda adicionou mais alguns. Kitty Pride (Ellen Page) surge com outro poder além de se tornar intangível: mandar a consciência dos outros de volta no tempo (como raios alguém descobre ter um poder desses?). Muito melhor seria apresentar isso como uma evolução dos poderes do próprio Xavier, ou usar o personagem Forge construindo uma máquina. Charles recuperou seu corpo explodido em X-Men – O Confronto Final, Logan recuperou as garras de adamantium perdidas em Wolverine – Imortal, e sem nenhuma menção a esse respeito. A impressão é de que o cenário apresentado era um futuro da linha temporal de Primeira Classe, que POR ACASO continha elementos que lembravam a trilogia original, confirmando assim duas realidades distintas – algo que os produtores nunca admitiram.

    Superada essa falha, o núcleo futurista funciona muito bem. O peso dramático de um mundo pós-apocalítico é sentido perfeitamente. Estes X-Men agem como uma experiente unidade paramilitar acostumada a táticas de guerrilha. As cenas de combate contra os Sentinelas são ótimas, violentas e fazem bom uso dos poderes de todos os mutantes envolvidos. Além dos velhos conhecidos Kitty, Tempestade, Homem de Gelo e Colossus (pra variar, mudo como uma estátua), vemos pela primeira vez no cinema Bishop, Apache, Blink e o brasileiro com cara de mexicano Mancha Solar. Além disso, é sempre ótimo ver atores do calibre de Ian McKellen e Patrick Stewart, ainda que rapidamente.

    Pois a maior parte do história se desenrola no passado, confirmando que o filme é, acima de tudo, uma continuação de Primeira Classe. E o salto de 10 anos se mostra brutal: Xavier caiu numa depressão extrema, fechou a escola e debandou os X-Men, dos quais vários morreram, vítimas das experiências de Trask (Peter Dinklage, discreto e eficiente). Apenas o Fera permanece ao seu lado. Magneto foi aprisionado após seu envolvimento na morte de JFK. Mística atua como uma terrorista solitária lutando pela causa mutante. Logan cai no meio disso, e, com toda a sua finesse, terá que reuni-los. Aqui entra o gancho para a divertida e pontual participação de Mercúrio, com Evan Peters carismático como o herói nunca conseguiu ser nas hqs. Nada de muito original e revolucionário ao retratar a supervelocidade, mas as duas percepções (a do próprio velocista e a dos outros) foram mostradas de forma muito interessante.

    Numa história com tantos personagens, era fundamental ter foco em alguns e (infelizmente) sacrificar outros. Uma pena que o Fera (Nicholas Hoult) seja apenas um assistente/guarda-costas/capanga do bem de Charles, mas o roteiro de Simon Kinberg, Jane Goldman e Matthew Vaughn alcança um louvável equilíbrio ao centralizar as atenções em quatro mutantes. Hugh Jackman naturalmente tem destaque como o fio condutor da trama, mas não é nem de longe um protagonista absoluto – o que não deixa de ser uma surpresa; Jennifer Lawrence tem a chance de aparecer bastante de cara limpa (o que não é surpresa nenhuma) numa sólida atuação, aproveitando a importância colocada em sua personagem; Michael Fassbender tem uma participação sensivelmente diminuída em relação ao filme anterior, que era quase um “Origens: Magneto”. Mas o cara é tão bom que não precisaria nem de cinco minutos para mostrar isso. Sempre na linha entre vilão e anti-herói, Erik é aquele que não faz concessões, segue firme em sua convicção e mantém alianças de acordo com a conveniência.

    Mas o coração da história é inegavelmente Charles Xavier. Pela primeira vez na franquia, os holofotes se concentram nele, e o resultado é sensacional. Quase sempre retratado como uma rocha inabalável, dessa vez ele atravessa uma crise de fé, e temos a noção do quanto isso afeta os mutantes e por consequência o mundo inteiro. Não é fácil ser bom, honesto, herói e líder, e acreditar na proposta otimista (e ingênua) da coexistência pacífica entre humanos e mutantes e ainda assim continuar lutando por ela, especialmente num mundo onde isso parece impossível. Outro ponto a ser aplaudido é a ausência de maniqueísmo no filme: as retaliações de lado a lado parecem inevitáveis e justificáveis; todos estão errados. E cabe a Charles manter o fardo de ser o certo, redimir Mística, perdoar Magneto e salvar os humanos que querem aniquilar sua raça. James McAvoy faz um trabalho espetacular.

    Os méritos desse acerto devem ser dados também a Bryan Singer. Ele mostra mais uma vez o quanto entende desse universo, e consegue enxergar aquilo que realmente importa nos X-Men. Não uma fidelidade total a uniformes ou a altura de personagens (inacreditável a essa altura do campeonato ainda existir quem questione o Wolverine de Jackman), mas conteúdo moral, social e filosófico que sempre foram o cerne das melhores histórias dos mutantes. Dias de um Futuro Esquecido é o tipo de filme imperfeito, mas com acertos tão gratificantes que os erros merecem ser perdoados. Como o próprio final indica, a postura do espectador deve ser curtir a homenagem à trilogia original, mas esquecê-la. Apreciar as próximas aventuras sem esquentar tanto a cabeça com a cronologia, algo que os leitores de quadrinhos já aprenderam (ou deveriam ter aprendido) há tempos.

    Texto de autoria de Jackson Good.