Tag: Martin Scorsese

  • VortCast 71 | Diários de Quarentena I

    VortCast 71 | Diários de Quarentena I

    Bem-vindos a bordo. Flávio Vieira (@flaviopvieira), Filipe PereiraJackson Good (@jacksgood) e Rafael Moreira (@_rmc) se reúnem para comentar sobre os seus dias na quarentena em um bate-papo descompromissado sobre reality shows, lives e muito mais.

    Duração: 110 min.
    Edição: Julio Assano Júnior
    Trilha Sonora: Julio Assano Júnior
    Arte do Banner:
     Bruno Gaspar

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  • VortCast 70 | Todo Mundo Gosta… Menos Eu!

    VortCast 70 | Todo Mundo Gosta… Menos Eu!

    Bem-vindos a bordo. Flávio Vieira (@flaviopvieira), Bernardo Mazzei, David Matheus Nunes (@david_matheus), Jackson Good (@jacksgood), Julio Assano Júnior (@Julio_Edita) e Filipe Pereira abrem o coração e revelam os filmes que são amados pelo público e crítica, menos por nós. Venha conosco nessa polêmica e compartilhe sua lista de filmes.

    Duração: 117 min.
    Edição: Julio Assano Júnior
    Trilha Sonora: Julio Assano Júnior
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  • Crítica | Conversando Sobre O Irlandês

    Crítica | Conversando Sobre O Irlandês

    Lançado junto ao O Irlandês do cineasta ítalo-americano Martin Scorsese, o serviço de streaming Netflix resolveu lançar junto um especial, de pouco mais de vinte minutos envolvendo o próprio realizador e três membros do seu elenco: Robert DeNiro, Al Pacino e Joe Pesci. O resultado em Conversando Sobre o Irlandês é sui generis, uma conversa direta, franca e até meio intima, mesmo que se saiba que não há tanto improviso nesse que é um especial diante das câmeras.

    O papo é direto, começa com Pacino perguntando ao diretor e aos seu muso DeNiro como se conheceram e a resposta é de que moravam bem próximos, com o segundo visitando sempre o bairro do primeiro, pois era muito próximo. O ultimo trabalho dos dois coincidiu exatamente com a ultima vez que trabalharam com Pesci, em Cassino que foi há 22 anos

    Especialmente depois de ver o filme, que muda a configuração do rosto dos personagens, é curioso ver o grande bigode que Joe Pesci ostenta, branco, bem diferente do que geralmente usava em seus antigos personagens. Durante o especial ele vive relembrando o quão agradecido ele é a Martin e Robert por terem tirado ele da aposentadoria maisde uma vez.

    Além de falar sobre o livro I Heard You Paint Houses de Charles Brandt, que aliás, é muito elogiado por Pacino, eles também discorrem sobre a dificuldade em se fazer um filme sobre o mundo e sobre a America. pois além de remontar a época, seria preciso também falar para plateias mais atuais. É preciso ter atenção no que é discutido, em especial em determinado momento, onde  Scorsese fala sobre o tamanho de seu filme, que ultrapassa as três horas. O cineasta diz se preocupar com o tamanho, mas também afirma que  mesmo que o formato não seja tão atual, quem parar para assistir quieto e repousado, passará boas horas assistindo uma boa historia.

    A franqueza com que o realizador fala de sua própria obra impressiona, não se vê arrogância ou altivez, ao contrario, seu tom de voz é tranquilo, quase embala o sono não fosse obviamente o conteúdo de sua fala algo que realmente desperta interesse em quem assiste. De todas as pechas recentes atribuídas a Martin, a de que ele é um sujeito turrão e de difícil diálogo é a mais mentirosa, ainda que obviamente ele esteja ali com os seus paisanos.

    Uma das partes mais divertidas, sem dúvida, é quando se fala sobre o rejuvenescer digital do elenco. Ora, isso era algo comum em Star Wars ou filmes de herói, mas não era em obras como O Irlandês, e treinar um ator jovem seria difícil, pois ele teria de emular todo o gestual e até o modo de sentar de Pesci e DeNiro. A decisão pelo digital foi boa por isso, embora não seja perfeita sempre, e o modo como se driblou toda a pintura facial e os pontos digitais foi impressionante, há demonstrações das cenas como foram gravadas e como ocorreram após o tratamento é impressiona mesmo, além é claro de um misto entre CGI e maquiagem forte, sem fazer perder o contato visual que tanto ajuda esses monstros da dramaturgia.

    Conversando Sobre O Irlandês tem um clima descontraído, que dá detalhes da intimidade do set, e reforça ainda mais o desejo dos fãs do cinema de Scorsese para que ele e Pacino retomem a parceria antes que ambos ou que um deles já não possa mais trabalhar, dado o brilhantismo como a parceria ocorreu, e ainda entre algumas anedotas bem divertidas, como quando a equipe de produção sugeriu a Martin a Pacino não agia como um Jimmy Hoffa de 49 anos, ao passo que o diretor deu a essa mesma pessoa a autorização para repreender o interprete, demonstrando que o caráter irrepreensível é comum a Al, a O Irlandês e a exploração que mistura realidade e drama que o diretor ítalo-americano traz aos suas obras sobre gangsters.

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  • Crítica | Depois de Horas

    Crítica | Depois de Horas

    O capitalismo tenta moldar o homem vinte e quatro horas por dia, e não consegue. No fundo, nada muda. Nossa essência é aquela que conviveu com muito daquilo que até já esquecemos, mas que não deixamos pra trás no curso da nossa “evolução”. Quando pode, essa essência reaparece, aflora em qualquer profissão, condição de ambiente ou situação humanamente possível e sai por ai, saltitante e livre, não a procura de dinheiro. Nem de poder. Muito menos caçando amor, ou aceitação.

    Fato é que, assistindo Depois de Horas, a resposta sobre aonde aponta a bússola do que somos parece tão nítida e tão bem-humorada, ao mesmo tempo, que a irreverência que Martin Scorsese embutiu na busca caótica (e quase surrealista) de um homem por “algo”, um reles escapismo numa Nova York sem fim e umbralina, parece suavizar com a ajuda do neon e da correria a verdade contida nos impulsos humanos, em prol duma diversão metafórica e reflexiva que conquistou o festival de Cannes, em 85.

    Os tipos da megalópole saltam das portas, dos becos e dos táxis quando a noite cai. Civilizados, ou nem tanto, seguem seus próprios instintos da mesma forma que Paul Hackett também segue. Dono de uma postura qualquer, Paul decide encontrar uma garota qualquer numa noite qualquer, e logo após o seu emprego num prédio comercial qualquer. Segue confiante até o prédio da menina, bem vestido e carregando as melhores intenções que cabem nas ruas traiçoeiras de uma Nova York 100% impiedosa.

    Tudo, absolutamente tudo dá errado na sua ex-noite perfeita, do táxi que pega até o alvo romantizado de um solteirão, até o retorno ao seu emprego lugar-comum que, por mais rotineiro que seja, oferece a segurança e a paz que o cachorro precisa depois da maior noitada da sua vida. Isso remete aliás a um grande trunfo do filme: Nos aproximar com facilidade ao drama de um peixe fora d’água, à medida que Paul, o perseguido, corre e segue aprendendo suas lições na sua ridícula aventura até o sol raiar, por mil e uma noites reduzidas em longas e breves doze horas.

    Também é óbvio que essa premissa de “tudo o que pode dar errado, vai dar errado com certeza” acaba dialogando prontamente com a própria profissão de cineasta – Francis Ford Coppola, que o diga –, desde os primeiros storyboards até o imprevisível corte final do filme. Assim, e sempre autoral, Scorsese transforma a jornada infernal (beira o inacreditável) do pobre Paul, guiado no começo por sexo e no final por medo, num quadro jocoso da própria experiência intensa que o diretor tem com sua visão de mundo, seus personagens e um ritmo sempre dependente da inquietude, do acaso, e dos tipos de violência que pode nos assolar.

    Na cadência de eventos satírica e tragicômica que movem a noite interminável de um bicho diurno que ousa passear pela noite, nada melhor que apelar para o surrealismo que pode se extrair das desventuras do destino. Numa das melhores cenas, talvez a que melhor resume o filme, Paul (Griffin Dunne, papel da carreira) entra num banheiro e acima da privada, a ilustração é clara: Um tubarão morde o pênis de um cara. Ele observa o desenho, como se desse pra ficar ainda mais aterrorizado na mesma noite, e subentende a mensagem: Se voltar inteiro pra casa, caso volte, a sua sorte é maior que a sua ousadia.

    Mas a moral de Depois de Horas é inesperadamente ambígua. Talvez apenas aponte, do começo ao fim, o lugar que o proletariado nasceu mesmo para viver: Numa empresa, obediente e durante o dia, com a noite fadada para ser habitada por quem vive melhor longe da claridade do mundo. Ou porventura, que nem todos conseguem se adaptar a uma realidade que não estão acostumados, sendo essa uma moral um tanto ingênua e que não combina com as reflexões acerca do papel do destino nas nossas vidas. Como se o humor negro para Scorsese fosse em vão. Uma das grandes comédias dos últimos quarenta anos.

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  • Crítica | O Irlandês

    Crítica | O Irlandês

    Após muitos anos prometendo adaptar o livro de Charles Brandt, finalmente Martin Scorsese consegue realizar seu O Irlandês, que acima até da pecha de “filme de máfia”, resulta em um grande épico, dos que lembram o cinema clássico de David Lean. O roteiro de Steve Zaillian (de O Gangster e O Homem Que Mudou o Jogo) adapta a historia do matador da máfia Frank Sheeran, o matador de origem irlandesa que auxiliava um grupo de mafiosos reais que ficou bem famoso por ter suas memorias publicadas.

    A historia resulta em um longo e belo filme, que só foi possível de ser adaptado por conta da forma como a parceira Netflix transmite suas obras, sem restrições de tempo para exibição, fato que no cinema, certamente seria um impeditivo (muito injusto, já que a obra de Scorsese não é gordurosa). O retorno do diretor ítalo americano ao filão que lhe fez consagrar obras como Os Bons Companheiros, Cassino e Caminhos Perigosos não poderia ser mais emblemático, violento e profundo, e seu início se dar em um asilo é além de emblemático, muito simbólico, e faz refletir não só sobre a velhice e a solidão e carência que normalmente vem com essa fase da vida, mas também há uma reflexão sobre a santificação que por vezes ocorre com pessoas que morrem ou que envelhecem.

    Tal qual as outras obras já citadas aqui de Scorsese, esse também se usa do artifício de quebrar a quarta parede, e de falar com o espectador, em uma mistura de estilos entre Taxi Driver, por conta do intimismo e de a maior parte dos contos ser feito pelo protagonista, e um pouco como O Lobo de Wall Street, por evocar muitos absurdos e infortúnios.

    A historia de Frank se confunde com o avanço da criminalidade  mafiosa oriunda da Itália e escrutina seu crescimento como caminhoneiro e negociante de carne com a associação que foi fazendo com os ditos homens feitos, inclusive colocando nessa origem uma pitada de teoria da conspiração. Aos poucos é mostrado como sindicalismo, política e fraudes andam lado a lado nesse cenário mafioso, isso tudo com uma música que faz lembrar demais os acordes de Nino Rota a frente de O Poderoso Chefão.

    Frank era um veterano da segunda guerra mundial, foi lá que ele matou pela primeira vez e naturalizou aquilo afinal, era uma guerra. Não demoram a aparecer as entidades criminosas, como Russell Bufalino, do recém tirado da aposentadoria Joe Pesci (que aliás, faz um papel bem diferente do que produziu nas parcerias com o diretor). A chegada dele aliás parece causada pelo acaso, como se o destino quisesse entrelaçar as duas linhas de vida, como se fosse inexorável aquela amizade e parceria.

    A intimidade de Russ e Frank é desenvolvida aos poucos, de maneira gradual e natural, de forma bem silenciosa e sorrateira, emulando de certa forma o método que Frank tinha em executar seus trabalhos. Por mais truculento que ele fosse ao reagir emocionalmente aos problemas pessoais – e ele passional, e muito – ao executar seus atos criminosos ele era cuidadoso, exceto claro no inicio de sua jornada. Com o tempo a banalização da vida e de assassinatos é tomada como regra de  comportamento, uma clara evolução do quadro de frieza quando o até então jovem executava inimigos de Guerra na Sicilia, Catânia e no interior da Itália. Matar os filhos do país da bota era algo impessoal desde o início de sua vida adulta, nada mais natural que prosseguisse assim, repetindo os feitos de guerra.

    Jimmy Hoffa, um dos personagens centrais dessa historia real só aparece com quarenta minutos de filme, e traz um Al Pacino de volta a velha forma. Curiosamente a maquiagem e o CGI de rejuvenescimento funciona melhor com esse personagem – com Robert DeNiro e Pesci não funciona tanto, principalmente nas cenas diurnas. Toda a mitologia criada em volta do presidente sindical é muito bem fortificada, ele é um sujeito sui generis de fato, causa espanto por conta de suas manias e de seu carisma. É impossível não se apaixonar ou não odiar sua figura dentro de tela e fora dela também, Hoffa é irresistível não só para quem o cerca mas também para quem assiste.

    Já se esperava isso, mas Scorsese faz de seu filme um show de participações especiais. Quase todo elenco de Família Soprano, Boardwalk Empire e filmes relacionados a Cosa Nostra, Omerta e outras facções e ligações mafiosas tem sua vez, e nenhuma é gratuita, ao contrario, há um cuidado para que cada papel seja executado de forma certeira e emocional, aumentando o aspecto de opera que o filme tem.

    Frank é sobretudo um homem falho. Seu relato é bem sincero, em especial nesse aspecto. Ele não tem boa relação com a filha Peggy – aspecto que norteia toda a emoção do filme, e que dá a Anna Paquin e a pequena Luccy  Gallina um ótimo papel, apesar de ambas estarem quase sempre caladas. A diferença cabal entre ele o Hoffa é o fato do segundo ser sempre bem quisto por todos, inclusive pelos de Frank, afinal, ele não pisoteia mãos de opositores, nem os espanca, não suja as mãos, seus crimes são escondidos pelo verniz elegante e social

    O duo de Pesci e DeNiro é ótimo, mas o que se executa entre Hoffa e Frank é ainda mais soberbo e recompensa todas  as péssimas uniões de DeNiro e Pacino até aqui, fazendo finalmente justiça a interação que sempre prometia ocorrer mas que decepcionava ou por ser muito curta, ou por ser em uma obra sofrível. Os rompantes temperamentais de Jimmy casam demais com o estilo discreto e conciliador do encarregado de executar os homens que a máfia mandava, e a relação dos dois vai muito além da simples cisma de que os opostos se atraem, eles parecem de fato amigos, parece mesmo que aquele era um pacto sanguíneo e eterno, e isso enriquece demais o drama e as consequências dali para frente na trama.

    As três linhas temporais servem bem ao serviço de recontar uma historia, que mesmo com todos os absurdos, retrata  uma realidade. O propósito parece não ser só o de biografar a vida de Sheeran, mas uma boa parte da historia criminal da America do Norte, incluindo ai um coração partido, e a sensação clara de que diante da Lei da Omerta, dos juramentos e do todo, só quem importam são os italianos e os membros da família, por mais glamour que seja atribuído aos “associados”.

    As intenções de silenciar os adversários e a não crença (arrogante diga-se) de que os criminosos poderosos estavam acima do bem e do mal levou o grupo de criminosos italianos para um fim bastante merecido e melancólico, com direito a um envelhecimento sem qualquer dignidade. Scorsese avança em sua desglamourização da mafia em seu esforço anti O Poderoso Chefão,  traduzindo bem as memorias de Frank especialmente no quesito melancolia. O matador arrependido tem o infortúnio de não ter morrido cedo, de envelhecer e ter que encarar seus pecados e toda a emoção que é empregada nesses últimos momentos tornam ele um sujeito muito humanizado, mas não livre das máculas que cometeu durante a vida, e só por isso O Irlandês já seria um filme soberbo, mas é mais que isso, é um belo retrato da vida cotidiana dos imigrantes e de seus filhos que tentaram uma melhor alternativa na America e só encontraram a marginalidade como alternativa.

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  • Crítica | Rolling Thunder Revue: Uma História de Bob Dylan

    Crítica | Rolling Thunder Revue: Uma História de Bob Dylan

    Os documentários de Martin Scorsese já fizeram história – sendo O Último Concerto de Rock o melhor deles. Fossem essas vastas pesquisas a respeito de cinema italiano e americano, sejam sobre grandes nomes da música como os Rolling Stones e a vida e obra de George Harrison, o guitarrista dos Beatles, Scorsese sempre manteve um interesse especial com uma figura, no mínimo, controversa e enigmática. Estamos falando do cantor e compositor mais premiado de todos, cuja fortíssima verve política nunca deixou de pulsar em suas letras épicas. Bob Dylan é um profeta, e canta como tal. A ser descoberto, ainda, pela geração pop dos anos 2000 que não liga muito para o rock, ou a poesia que pode ser usada para analisar e criticar a realidade de uma época (recurso este que rendeu a Dylan um inesperado Nobel de literatura, o único para um músico nos 118 anos do prêmio), fato é que o cara da guitarra e sua gaita inseparáveis já meditou sobre tudo e todos, como se o palco para ele fosse o livro para o escritor.

    Agora está um pouco mais fácil entender porque Scorsese dedica a Dylan uma atenção mais especial, que para outros. A arte e a pessoa de Bob Dylan atraem como só, e os filmes de Scorsese vibram de uma forma muito parecida com as verdades e a genialidade das letras do autor de Blonde on Blonde, ou o soberbo álbum Highway 61 Revisited. Aos que nunca ouviram ambas as obras, fica o dever da lição de casa, pois nela está o motivo real do cineasta de Touro Indomável e Taxi Driver se interessar tanto pelo baixinho com voz de cantor sertanejo. É porque o que saiu da sua boca teve um valor que serviu para parar uma nação inteira, e o ouvir, e questionar um contexto histórico que vai além: Bob Dylan refletiu sobre o status quo norte-americano num momento culturalmente caótico em que apenas um grande orador poderia decifrá-lo, e se fazer entender. Enquanto os EUA estavam de ressaca da Segunda Guerra Mundial, invadiam o Vietnã e dançavam no festival de Woodstock, Dylan olhava para a loucura e a inquietação generalizadas e compreendia tudo, em inesquecíveis palavras de reflexão.

    É justamente nessa época que acontece a turnê Rolling Thunder Revue, em 1975, quando Dylan já era famoso o suficiente para convidar vários músicos da cena folk a viajar pelos Estados Unidos, revisitando a realidade das coisas com muita liberdade e um espírito itinerante de pé na estrada, vamos cantar!. Numa das entrevistas do documentário de 2019, o próprio cantor admite que não lembra mais nada dessa turnê, nem o porquê dela chamar assim, e aparenta não dar a mínima para qualquer coisa relacionada a ela – o momento é hilário que mostra o quanto Dylan é desprendido do passado, por mais glorioso que ele seja, e para ele tenha sido, mas não é mais. Scorsese reúne várias belas imagens de shows com grandes estrelas do momento, em especial a belíssima companheira inseparável do homem, Joan Baez (provavelmente a cantora que dividiu o palco com Dylan que melhor entendia sua mentalidade), cantando palavras mágicas como se proferir esses feitiços musicais, e irradiar seu encanto, fosse sua obrigação na Terra.

    A bem da verdade, falar do impacto de No Direction Home, o primeiro e espetacular retrato de Scorsese a respeito da lendária figura do cara estranho que nunca perdoou perguntas idiotas de jornalistas, e sempre ousou questionar a realidade vigente no mundo ocidental do século XX, é ser injusto com as propriedades desse Rolling Thunder Revue. Ao focar na turnê para falar do cantor, o documentário mais recente perde muito de sua força por mais lindas que sejam algumas cenas – e são, de fato. Se antes falava-se do cantor, sua importância histórica e o peso de sua obra no mundo das artes, indo fundo no DNA dylanesco e na razão dele e das suas letras nunca serem esquecidos até o fim dos tempos, aqui Scorsese nos faz olhar para um encantador e libertador período de 1975, mas que, vez ou outra, parece confuso e longo demais para nos fazer ter a certeza de que isso vale a pena ser lembrado. O poder aqui então parece estar mais nas imagens, do que no significado delas, em mais de duas horas de material restaurado. Eis uma obra que não vai muito longe, mais para a curiosidade dos fãs de Bob Dylan, sendo que No Direction Home é de longe o melhor guia para começar a entender esse gênio que ninguém viu sair da lâmpada mágica, até porque ele nunca se deixaria prender a alguma coisa – exceto a música. Mas ai é uma questão de alma, são outros quinhentos.

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  • Crítica | O Aviador

    Crítica | O Aviador

    “Quando eu crescer, vou voar nos aviões mais rápidos, fazer os maiores filmes de todos, e ser o homem mais rico do mundo.”

    Howard Hughes pagou caro por ousar transformar esses seus sonhos infantis em realidade. Pagou caro duas vezes, ou mais, porque a história nos mostra que, em Hollywood, o preço nunca é convencional. O gênio criativo que só queria voar, literal e cinematograficamente, é o perfeito mito de Ícaro, mas num contexto americano de celebridades, e muito showbusiness. Hughes foi um dos primeiros grandes gênios da história do Cinema, um dos seus cidadãos Kane num período ainda jurássico do ‘fazer filmes’, mas ele não teve a sorte de um Orson Welles de, logo de cara, dar certo. Fez história, também, mas lutou muito para isso, pois quem não tem sorte, caça com o que tem. E, no caso de Hughes, toda a coragem e ousadia que um homem pode reunir em si.

    O Aviador é um projeto que combina com Martin Scorsese, pois fala de ambição, violência do destino contra um homem que tenta agir pelos métodos certos para atingir seus meios, desilusões ao longo do caminho, e a ironia natural das coisas. Vemos aqui a parceria entre mestre e o ator Leonardo DiCaprio funcionando em grande sintonia, como se DiCaprio fosse o porta-voz perfeito dos maneirismos e intenções fundamentais de Scorsese, logo após o bem-sucedido Gangues de Nova York. Em sua melhor colaboração até hoje com o galã de Titanic, ainda em 2004 procurando papéis que exigissem mais de um rostinho bonito, Scorsese faz o que mais gosta: barriga. O cineasta não conta uma história, e sim a esparrama, seja por vaidade, seja por amor ao Cinema, e desenvolve o show quase antes de bater nas três horas de duração.

    Exagero, claro, mas não tanto como em outras vezes na carreira – Kundun é o pior exemplo. Quem viu Hugo e acha que aquela foi a melhor representação de época de um Scorsese, pense de novo: é um deleite extremo ao cinéfilo, ou ao mero espectador casual de filmes, passear pela Los Angeles dos anos 20, e 30, com suas cores, seu glamour quase faraônico, assombrosamente recriado para o filme. Era o nascimento da sociedade do espetáculo, quase um século antes do Instagram, e muito antes dos Beatles e de Elvis Presley. Tudo ainda era novidade, e para Hughes também, inocente ainda. Pássaro livre num céu novinho em folha e que só queria esquecer de andar; voar ainda era gostoso nos anos 20, e não tanto nos anos 30.

    A realidade chega ao sonhador, e O Aviador evidencia os efeitos desse impacto ao pássaro desacostumado a gravidade. Entre acusações em tribunais envolvendo-o a escândalos de corrupção na Força Aérea dos EUA, e uma crescente instabilidade psicológica devido a uma severa desordem obsessivo-compulsiva, Hughes viu seu sonho de menino sofrer grandes colapsos que poderiam ter tornado sua trajetória uma longa novela-mexicana, se não fosse o tamanho dos seus sonhos impedindo-o de afundar no chão, sob seus pés. Tão incapaz de tecer relacionamentos sólidos com as mulheres de sua vida, quanto de abandonar suas motivações mais básicas, Hughes tem sua vida e obra contada por um Scorsese mais preocupado com o espetáculo visual, que com o drama em si, o que torna o ritmo e o saldo geral de O Aviador mais leve, e divertido, mas também menos reflexivo e amplamente marcante do que poderia ser.

    Katharine Hepburn, diva da Era de Ouro e aqui interpretada divinamente por uma Cate Blanchett a todo vapor (seu primeiro Oscar de dois, e um dos vários que deveria ter ganho), já declara após conhecer mais a fundo o homem incontrolável por quem se apaixonou: “Tem muito Howard Hughes no Howard Hughes; esse é o problema.” Ela não estava errada. Ao cair por encostar demais no sol, o garoto que cresceu não se livrou de suas asas ao desabar no chão. Continuou a reforçá-las, em forma de avião, em forma de imaginação. Eis a bela e tortuosa cinebiografia de um magnata da aviação e de Hollywood, que conheceu os dois lados da mesma moeda, e não se deixou abalar pela visão epifânica (e assustadora) de como a vida pode ser injusta, principalmente aos que a encaram como um céu sem limites durante a vida adulta.

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  • Crítica | A Invenção de Hugo Cabret

    Crítica | A Invenção de Hugo Cabret

    É chegada a fatídica hora na qual todo diretor de Cinema alcança seu ápice, por inúmeras razões pessoais, artísticas ou mútuas, e ele se vê obrigado a seguir dois caminhos, por natureza: ou retorna e refaz tudo o que experimentou ao longo da carreira, agora mais hábil, ou apela para novas e ainda inseguras formas de se contar uma história. Essas são as consequências inevitáveis da escalada até o topo que todo profissional almeja, desde o início. Martin Scorsese já deve se sentir um vitorioso por fazer parte da história do Cinema, e ter a nos oferecer obras do calibre de um Touro Indomável. Mesmo assim, ainda em 2011, o velho mestre resolveu, no ápice de sua maturidade artística, nos brindar com uma homenagem a própria linguagem do cinema em si, junto da mais bela das metalinguagens – uma ironia que, quando as belas artes descobriram ser acessível, não pararam e não pararão de usar.

    Logo na primeira cena de A Invenção de Hugo Cabret, é possível denotar uma nítida resolução: esse é um filme de Martin Scorsese, por mais que não pareça ser durante toda a projeção (onde estava o submundo violento do crime?). Apenas não é o filme que Scorsese gostaria que nós fossemos ver, até ali. Ele já havia demonstrado essa vontade por certa imprevisibilidade em Ilha do Medo, e culminou nessa história dinâmica e graciosa que ninguém, realmente, esperava vir de um diretor conhecido por outras características bastante adversas. Se valeu à pena? Logo na primeira cena, é possível denotar que sim. Quando a câmera dá um rasante em direção do interior de uma estação de trem parisiense, nós sabemos estar diante do projeto mais ambicioso de um cineasta, num plano-sequência inesquecível nos apresentando o ambiente extremamente charmoso onde o órfão Hugo, curioso e solitário, irá viver a grande aventura de sua vida.

    Lembro-me de me deslumbrar completamente na sessão, em 2011, tamanho apuro técnico e encantamento que a Paris de Scorsese, no começo do século XX, parecia exalar. James Cameron e o seu 3D revolucionário de Avatar, há dois anos, de fato influenciaram Scorsese para expandir (literalmente) todo o espanto e impacto visuais que o longa poderia causar – e causa. Na trama, o garotinho que mora escondido na estação francesa vive cercado de relógios, e um pequeno androide que o pai, já morto, deixou de herança. Sem saber o que fazer com a máquina, e entre um pequeno roubo e outro para comer, e beber, Hugo encontra a jovem e doce Isabelle. Fica-se sabendo que a garota tem a chave dourada para o autômato funcionar, e inspirados pelos desenhos que o pequeno androide começa a fazer, em sua mão metálica, começa-se uma viagem fantástica pela história do Cinema.

    Ao longo de toda uma narrativa que explora o mundo mágico e ilusório dos filmes, tudo amparado por uma qualidade técnica impecável (A Invenção de Hugo Cabret ganhou cinco merecidos Oscars técnicos), é possível então fazer um paralelo com essa curiosidade infantil dos personagens principais com o próprio deslumbramento de Scorsese com as possibilidades da tecnologia 3D quando usada não para substituir uma boa história, mas para melhorar ainda mais a experiência cinematográfica. Assim, o filme faz questão de evidenciar a magia imortal do cinema do passado, o que fez com que a arte chegasse ao ponto de fazer com que a plateia pudesse quase tocar o que acontece dentro da tela. Nomes e até frames de clássicos imbatíveis de outrora são apresentados para uma geração acostumada a comprar algo sem se interessar como aquilo foi feito.

    O longa é, portanto, uma verdadeira e linda carta de imagens e sons dedicada a algo que até pouco tempo atrás fez os espectadores do filme A Chegada do Trem na Estação, de 1895, se abaixarem com medo do trem sair da tela. E, hoje, faz os espectadores também se abaixarem com medo do trem sair da tela, de tão realista e sofisticado que andam os efeitos 3D. Ademais, ainda em 2011, foi absolutamente prazeroso assistir, na tela do cinema, a versão colorida e remasterizada de Viagem à Lua, clássico jurássico do homenageado e assim finalmente imortalizado cineasta George Méliès, e também alguns frames de O Gabinete do Dr. Caligari, verdadeira joia do expressionismo alemão, e vários outros diamantes de uma arte que tanto amamos. A Invenção de Hugo Cabret é algo feito para engolir quem o assiste, em todos os sentidos, seja por sua beleza, seja por sua nostalgia; ambas arrebatadoras.

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  • Crítica | Vivendo no Limite

    Crítica | Vivendo no Limite

    “Cala a boca, você vai morrer, mas ele não, entendeu?!”

    A dona morte sempre rondou os filmes de Martin Scorsese, espectro onipresente e visível nas ações de todos, e por trás de tudo que faz parte do cosmos urbano e violento que o cineasta naturalmente adotou, para si. Aqui, é possível notar uma certa redenção para esse espírito de decadência física e moral que os filmes do diretor de Cabo do Medo e Depois das Horas tanto debateram. É como se, pela primeira e possivelmente única vez, Scorsese fosse investigar os efeitos de um anjo vindo salvar as almas perdidas de Nova York, transitando incólume (ou nem tanto, assim) numa exígua viatura paramédica entre a podridão, a escuridão, e a danação que existe nas ruas e esquinas da maior selva de pedra desse mundo.

    Vivendo no Limite é sobre uma espécie de salvação religiosa que pode ou não resistir, bravamente, fora de um âmbito católico. Jogados ao mundo, as esquinas encardidas e a pessoas que carregam “problema” escrito nas suas testas, pergunta-se: é possível salvar alguém? Essa dúvida é personificada nos olhos de Nicolas Cage, numa das suas melhores atuações da carreira do famoso ator, e aqui metaforizada na sua profissão: salvar vidas dentro e fora de uma ambulância, na fornalha nova iorquina do começo dos anos 90. Desta vez, em meio as andanças da viatura que só avança pela noite, entre vivos e mortos, a cidade é retratada como uma versão mais fria e menos perturbada que a metrópole sem leis e prostituída dos anos 70. Scorsese parece entender as diferenças e as abraça, então, sem nenhuma nostalgia aparente.

    Sofrendo com a pressão do trabalho, e deixando-se impactar por ele em sua vida pessoal, Frank Pierce faz a ronda noturna enquanto se pergunta a finalidade do seu trabalho. O divino está na sua visão, não como esperança para o homem do desfibrilador, mas como algo que está à espreita das almas perdidas que vagam pelas ruas, e que não se mostra devido o véu da perdição que assola as áreas violentas de Nova York. Logo, logo, eles vão precisar de Frank para checar seus batimentos, quando a vida se provar frágil e não mais imbatível para drogados, e prostitutas. Eles só andam, gente da comunidade, gente de uma noite comum; almas penadas que Scorsese filma como contraponto a missão altruísta de Frank: salvar. Quem, ele não sabe, mas lembra-se de todos – principalmente daqueles que não conseguiu resgatar dos mortos.

    Por 48 horas, na trama, ele e seu amigo de ambulância Larry Verber (John Goodman, sempre um prazer) compartilham das dores e loucuras do projeto sarcástico e dramático de Cinema de Scorsese, mas desta vez com a garantia de que as mortes violentas de uma história serão combatidas não apenas pelo dever de uma equipe médica, mas pela nobreza de uma vida que precisa ser lembrada, principalmente numa selva impiedosa com os seus animais. Se Frank atendesse Travis Bickle após o tiroteio final em Táxi Driver, por exemplo, Frank deixaria o motorista punk falecer, engasgado no próprio sangue? E se a ambulância chegasse ao clímax de Os Infiltrados, logo após a chacina do filme de 2006, suas vidas seriam salvas? Se dependesse dele, sim, pois esse é o certo, o humano, o justo, independentemente dessa ser uma moral cristã, ou não.

    Do primeiro ao último atendimento, geralmente frenéticos e bem-humorados, a fotografia de Vivendo no Limite deixa seus tons brilhantes explodirem na tela, sendo o branco a cor mais presente nesse mural explícito e objetivo sobre o sentido da vida urbana, e a fragilidade dela quando encarada pela ceifa da morte. Num hospital que parece um purgatório em que almas, várias, chegam e retornam em desespero, rebeldes e errantes como só, com novos casos rolando a cada dia, ou melhor, a cada noite, ninguém garante que o cenário existe numa outra dimensão, espiritual talvez, ou mesmo na nossa, aonde a realidade das ruas dá licença a preservação da vida; aonde o som de um tiro, dá lugar ao bipe de um batimento cardíaco. E não se engane: Nicolas Cage é o cara, sempre foi, e junto de Scorsese realizaram aqui um dos melhores filmes americanos dos anos 90. Peça rara e que só melhora ao passar dos anos.

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  • Crítica | Gangues de Nova York

    Crítica | Gangues de Nova York

    “Não era uma cidade. Estava mais para uma fornalha.”

    Costuma-se dizer que só dois cineastas conseguiriam fazer o filme definitivo sobre Nova York, e esses filhos da Big Apple com certeza já tentaram fazê-lo, uma porção de vezes: Woody Allen e Martin Scorsese. O primeiro só com Manhattan e Annie Hall já resumiria com todo humor e irreverência possíveis os conflitos que seres-humanos, adoravelmente imperfeitos, conseguem enfrentar em suas estripulias e pequenas aventuras cômicas num caos urbano sempre ironizado nas paranoias de Allen. Já o caos de Scorsese é visto pelos olhos da noite dos becos e ruas perigosas onde o bom-humor nem sempre dá o tom. Conhecido pela sua violência e realismo dramáticos, a Nova York de Scorsese só pode ser embalada pelo jazz (como de fato é, mas só em Nova York, Nova York) quando se propõe a tirar os pés do chão, e viver seus sonhos que só acontecem mesmo na Broadway.

    E nós já sabemos disso. Gangues de Nova York é o resultado frenético da progressão de Scorsese sobre os olhares da megalópole em que nasceu. Se essa ótica começou com grande propriedade em Caminhos Perigosos, evoluiu ao longo de décadas de filmes sempre a mostrar uma cidade ou no auge dos seus problemas, ou que merece ser homenageada por uma época que já virou um passado recente. No caso do épico de 2002, filme rodado na Itália e dependente, em absoluto, da sua ambiciosa e grandiloquente ambientação, uma iconografia decadente e ao mesmo tempo atraente, como se a Nova York do filme fosse um cenário primitivo ainda a ser explorado, Scorsese quis mostrar as raízes da sua cidade e seus habitantes pra aqueles que rejeitam ideais romantizados.

    Para isso, faz questão de lavar nos primeiros minutos seu chão de sangue, e é nele que as pessoas vão se banhar, e os prédios irão se erguer – com o povo já “civilizado” de Se Meu Apartamento Falasse substituindo a barbárie do séc. XIX. Logo em seguida, após o massacre que iria mudar para sempre a vida de Amsterdan Vallon, o garoto volta para NY, já homem, e antes de pisar na cidade, joga fora a bíblia que levava consigo. Não há mais lugar para o divino. Numa trama de vingança de Amsterdan com Bill – o Açougueiro, homem poderoso e influente que assassinou seu pai a sangue frio naquela tarde em que a neve das ruas ficou vermelha, o filme acaba sendo mais longo do que poderia ser, uma questão (e muitas vezes um problema) recorrente dos filmes de Scorsese, um eterno apaixonado por Cinema e pela arte e as artimanhas de fazê-lo.

    E é nessa duração excessiva que o cara por trás de Touro Indomável deita e rola, agora com Leonardo DiCaprio sendo seu novo pupilo e não mais Robert de Niro, nos entregando uma versão ainda inédita sobre uma cidade sem glamour algum. Suja, nojenta, e que só não nos lembra uma Londres vitoriana no auge da peste negra devido os tons mais quentes do visual, e a falta de sotaque britânico nos personagens. Gangues de Nova York evidencia a promessa amaldiçoada que a cidade foi, por muito tempo, muito por causa da violência do seu povo. A violência mora na alma predadora dos americanos, diz Scorsese em cenas chocantes como a do teatro, em que Bill percebe o plano de Amsterdan e combate sua vingança com grande fúria, mostrando em público o motivo de ser respeitado, e chamado de O Açougueiro.

    A edição brilha, os cenários mais ainda, mas os atores ainda mais. Daniel Day-Lewis é um titã, mestre irrefreável que desaparece nos seus personagens de forma assombrosa, sujando e chupando o sangue do rosto do seu Açougueiro como se ambos tomassem banho nele toda noite – e não duvidamos disso. Se Lewis é um monstro, tendo aprendido a usar facas e machados igual sua nova persona agressiva, DiCaprio e Cameron Diaz não deixam o nível da atuação ser inferior. Um apenas quer vingança, e a outra alguém a quem confiar para ganhar a vida em meio a uma selvageria masculina e uma brutalidade sem fim. Scorsese sempre extrai o melhor das atrizes e atores sob sua demanda, e Gangues de Nova York é mais um ótimo exemplo disso. A adaptação do livro de Herbert Asbury ganhou as telas pelas mãos certas, porém de forma um tanto excessiva, refletindo a cobiça do cineasta que tomou conta da história. Um tratado inconsistente, ainda que absurdamente expressivo sobre as raízes da América.

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  • Crítica | Kundun

    Crítica | Kundun

    Quando Martin Scorsese, no distante 1988 veio com A Última Tentação de Cristo, tínhamos um nova yorkino da gema saindo da sua zona de conforto em busca de Jesus. Ficou de costas para os prédios, becos e táxis, e voltou-se as montanhas, fogueiras, ritos e rios. Fora da maior megalópole americana, e sua sinfonia inconfundível, Scorsese pareceu um patinho fora da lagoa onde cresceu e se firmou como homem, e cineasta, cuja visão cronicamente urbana custou a sua autonomia em âmbitos distintos. Somos o nosso meio ambiente, em muitos aspectos, em especial quando nele nos deixamos enraizar, e o filme com Willem Dafoe nunca consegue ignorar, ou muito menos subverter a fortíssima sensação de ser uma realidade (ainda que anistórica a vida de Cristo) filmada pelo viés de um turista curioso.

    E com Kundun temos a mesma impressão, tão latente quanto – muitos críticos aliás consideram-no o menos scorseseano da produção do mestre. Discordo, em partes: Kundun é uma experiência mística não revelada em toda a sua glória para o público através de suas imagens, e aposta qualquer traço de intensidade e profundidade que essas imagens poderiam ter na simples, e por vezes barata admiração com a cultura, os valores e a sociedade tibetana, ao norte da cordilheira do Himalaia. Scorsese tenta ao máximo viver e conectar suas imagens quentes e vibrantes à sintonia das cores, do vento e da beleza asiática ao redor, com seus monges, sinos e folclores extraordinários, ainda que tudo continue a se integrar, principal e insistentemente, numa perspectiva de admiração estrangeira.

    Aqui, Scorsese mostra demais porque não sabe no que focar, e amplia sua observação tal um turista passageiro, cuja estadia ainda vai durar um longo tempo naquelas bandas, sem pressa alguma. Um tanto perdido na cultura local, mas que a saboreia com a elegância de um sommelier atento na sua performance, o diretor de Táxi Driver narra, com uma belíssima fotografia do gênio Roger Deakins, a trajetória de um menino considerado a reencarnação do décimo terceiro Dalai Lama, e a sua consagração, já aos dois anos de idade, como o novo Buda, tendo que enfrentar o governo chinês contra à apropriação das terras sagradas do Tibete. Uma vez crescido, a guerra vem, e o pequeno país faz resistir como pode. O vermelho púrpuro e empoeirado dos trajes dos monges já alerta o que vem por ai, enquanto a paz parece descer, dia após dia, pelo vão de uma ampulheta.

    Resta ao jovem Buda, então, ser a figura do equilíbrio necessário, mas que o filme não torna, jamais, interessante. “Religião é veneno”, diz um general chinês ao encarar, com um falso sorriso diplomático, o exato oposto para o seu militarismo predatório de sempre. Kundun é inseguro, por vezes frágil, tanto no roteiro original de Melissa Mathison quanto na direção de Scorsese, após o ótimo Cassino, em expandir as suas possibilidades interpretativas, mantendo sempre o mesmo nível de calmaria e tranquilidade que impedem a biografia sobre o décimo-terceiro Dalai Lama, e de um notável período histórico da Ásia, de alçar voos maiores. Na tensão da iminência de um conflito bélico inevitável, o filme, que apela para um naturalismo agradável em sua concepção artística, se desenrola por longas duas horas em busca, ao final, de um lugar-comum que nunca realmente tentou abandonar.

    Obra inconvincente, ao todo, uma vez que, de tão vastas que são suas possibilidades cinematográficas, estas são renegadas como que por vergonha de assumi-las, e não pelo certo conformismo que a maturidade traz às coisas. Com o simbolismo aqui sendo parcialmente despretensioso, Kundun é quase que medíocre, no melhor uso da palavra – rascunho de luxo de um quadro mais potente, e que por pouco não tivemos acesso. Não por isso, o filme de 97 contém cenas belíssimas de grande impacto, como a clássica sequência de Dalai, jovem e sensível como o orvalho, de pé entre centenas, senão milhares de corpos de monges massacrados. Nisso, o doutrinador se pergunta o que fazer diante desse imperialismo selvagem e desumano, enquanto um cineasta, fora da sua zona de conforto, indaga-se como extrair o melhor de um universo tão rico de mensagens, e propósitos sem iguais. Valeu a tentativa.

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  • Crítica | Cassino

    Crítica | Cassino

    Foi como transferir as sensações de ‘Money’, a sexta faixa do The Dark Side of the Moon, do Pink Floyd, em forma de filme, uma vez que, assim como as melhores músicas dos Beatles, Bob Dylan e outros ícones, há muito a se extrair de poucos minutos carregados de vastas mensagens. Se na música a ganância, as contradições, a lógica do mundo capitalista em eterna translação em torno do seu principal valor, o dinheiro, é toda embalada pelo ritmo de guitarra, e sintetizadores, em Cassino as imagens expandem o escopo e tudo explode, do começo ao fim, na intensidade e no sangue que suja o dinheiro podre dos encardidos piratas, cujos ternos italianos e charutos cubanos parecem impecáveis sob a luz quente das suas basílicas de consumo.

    A expectativa em torno de Martin Scorsese na década de 1990 era gigante. Após Os Bons Companheiros e sua absurda recepção de público, e crítica, o cineasta foi eleito o novo às na manga dos filmes policiais de Hollywood, com uma produção menos glamourizada que a de Francis Ford Coppola, nos anos 70, e muito mais atualizada a um contexto social mais desmoralizado, já no pré-anos 2000. Seus dois filmes aqui citados são coqueluches de um Cinema ‘violento’ e frontal, e que ao se banhar na sua própria truculência, mostra a face mais asquerosa e verdadeira de um mundo cão e absurdamente antiético. Cassino é ultra real, retrato de uma época, e necessita de um mise em-scène um tanto surreal para não parecer um documentário com grandes atores em conflitos barbaramente encenados. Verdadeiros gladiadores, na tela.

    Já não existia mais a confiança cega na família, aquela que dava o tom nos três O Poderoso Chefão. Se o terceiro capítulo da saga dos Corleone falhou, miseravelmente, em 1990, os filmes de Scorsese brilharam porque os tempos já eram outros, mais cínicos, hipócritas, individualistas. Quando os indivíduos da sociedade do espetáculo não confiam mais uns nos outros, o próprio espetáculo precisa refletir isso da maneira mais divertida e apropriada possível, e Coppola, o saudosista, não entendeu isso. Resultado: naufragou. Scorsese já via as coisas dessa forma desde o catártico Táxi Driver, ou melhor, desde Caminhos Perigosos, seu primeiro e antigo grande filme, tendo nesse verdadeiro épico de 1995 sobre a ambição humana a consagração dessa visão um tanto pessimista, com todo o brilho, literalmente, que ela poderia vir a irradiar.

    Na trama, os magnatas Sam Rothstein e Nicky Santoro são amigos de longa data, sobrevivendo no topo da cadeia alimentar de Las Vegas enquanto administram seus cassinos, verdadeiros quartéis de jogatina sob seus punhos de ferro, entre crimes e esquemas terríveis para ambos se manterem no topo – ‘se chegar aqui foi difícil, continuar é mais ainda’, seria o lema de Cassino. Robert de Niro e Joe Pesci dão mais um show de atuação, reprisando com mais pompa a alma violenta e diabólica dos gângsteres de Os Bons Companheiros, sujando novamente suas mãos – se for preciso. A desfaçatez de Sam (De Niro) impressiona, mas é a vilania de Nicky (Pesci), quase que vulgar mesmo, que mais nos assusta. Os donos da selva onde ninguém vale o que deve, e que fazem o que for preciso para se manterem no trono conquistado.

    Nisso, ambos acabam se envolvendo com a perigosa femme fatale descontrolada Ginger (Sharon Stone), e veem tanto sua “amizade” como seus negócios virarem de pernas para o ar. Ginger é a desconstrução em forma de gente, sendo aqui o elemento que desestabiliza tudo por onde passa. É a peste, o furacão que tira os leões da toca, e os abate feito gatinhos. Pela primeira vez, Sam e Nicky não podem corromper seu problema, ou matá-lo e enterrá-lo no deserto de Vegas – Ginger e seu salto-alto chegaram para ficar, têm poder e são intocáveis até para os reis Midas que tocam, e comandam tudo. Não há dinheiro no mundo que controle um tornado, diz a sua presença. Stone rouba suas cenas de forma impressionante, e tanto seus embates com De Niro e Joe Pesci, quanto suas consequências, devastadoras, geram algumas das melhores e mais chocantes cenas da filmografia de Scorsese. Apenas.

    Cassino apresenta o diretor no auge de sua melhor fase como realizador, ainda com muita fome e sede de Cinema, e uma intensidade gigantesca mas que não deixa o filme pesado, ou excessivo. Uma obra bárbara, com elementos muito bem reciclados de outrora no contexto geral da trama, e com um inesquecível terceiro ato, simplesmente arrebatador. Sua força está nas mensagens e na sua encenação, na ótica vivida sobre um cosmos regido por agentes de um sistema desumano, e essencialmente competitivo, e nos embates entre jogadores que almejam a mesma coisa: sucesso, para si mesmo. Num ambiente de pura jogatina, há coisas que o dinheiro não compra, e na iminência disso ser verdade, eis então o maior pesadelo dos donos do mundo.

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  • Especial | Martin Scorsese

    Especial | Martin Scorsese

    “Estava pensando no personagem de John Wayne no filme Rastros de Ódio… Ele não parece falar muito, exceto “Vai chegar o dia…” (de onde Buddy Holly se inspirou para sua música). Ele não pertence a lugar nenhum, já que lutou numa guerra que apostava tudo e mesmo assim perdeu. Ele vaga, ganha algum tipo de amor no caminho, mas na busca pela garotinha ele mata mais búfalos que o necessário só para tirar comida dos índios comanche – mesmo tendo perdido, a mágoa ainda está presente “com toda a certeza do mundo”, como ele mesmo diz.”

    – Trecho traduzido do inglês sobre Taxi Driver, do livro ‘Scorsese on Scorsese’, pág. 66.

    Eis alguém que pode ser considerado, em 2018, como o Melhor diretor de Hollywood ainda em atividade. Um fato que se fomenta não apenas por tudo o que Martin Scorsese já fez, mas pelo o que continua fazendo no alto dos seus setenta e poucos anos, muitos desses dedicados a sua mais longínqua esposa. Casado cinco vezes, é com o Cinema o matrimônio vitalício de sua vida conturbada e profundamente nova yorkina. Cria (da gema) da cidade americana mais famosa do mundo, os filmes de Martin se popularizaram justamente por contar com seu principal personagem a Big Apple de Woody Allen, outro eterno sinônimo ambulante da Grande Maçã; contudo, enquanto Allen vê o lado mais romântico e turístico da megalópole, Scorsese persegue seus personagens e delineia suas situações limítrofe por becos escuros e o lado muito vezes não-glamoroso e bem organizado da cidade dos taxis amarelos e das luzes sem fim, nas calçadas eternas dos milhares de rostos infinitos, cada um com uma história urbana mais ou menos inspiradora que a outra.

    ”Nunca me dei bem com Hollywood”, afirmou em entrevista à revista ÉPOCA.

    De uma família de classe média de origem italiana, aos 22 anos Martin Scorsese se graduou em Cinema pela Universidade de Nova York ao invés de virar padre, com boa parte de sua vida, e obra, muito bem assentadas e completas em dois livros cânones para os fãs do cineasta, ou aos fãs de Cinema como um todo: O introspectivo ‘Scorsese on Scorsese’, decupando por páginas a fio a sua vida e os seus impulsos mais primordiais, da tradicional editora Faber and Faber, e a obra mais referente a seus trabalhos e a sua forma de pensar, o ótimo ‘Conversas com Scorsese’, da Cosac Naify. Ambos se completam perfeitamente numa leitura estendida sobre a mente e o coração do eterno garoto de Little Italy (bairro pobre e violentíssimo da Nova York dos anos 40), sabendo-se também que nenhum comentário, nenhuma entrevista, é comparável a análise crítica de cada um, feita ao se viver os seus grandes filmes na melhor tela possível.

    Para ele, a violência que cresceu “assistindo” nas ruas sempre foi produto do meio, por vezes começo, meio e fim, mapeando e customizando a vitória de uns, ao custo da decadência de outros. O tempo fez Scorsese refinar seu ponto de vista tipicamente urbano, e selvagemente capitalista de sempre, tornando filmes como O Lobo de Wall Street, Cassino e o magistral e incomparável Os Bons Companheiros estatutos filmados de uma visão de mundo tão intensa nos seus fatores a fim de sempre atingir um denominador em comum. O seu trabalho é sobre a humanidade em geral, sem ela talvez nenhuma história mereça ser contada para nós, seres-humanos, e não há humanidade sem violência, sem impacto, sem fagulha ou causa e consequência prevista por milênios de evolução. Scorsese embute essa perspectiva dura e cruel, mas verdadeira, na história de alguém que só gostaria de uma boa noite com um bom sexo (Depois das Horas), ou na trajetória de uma mulher atormentada por seu marido que resolve se libertar da violência física e mental inferida sobre ela (Alice Não Mora Mais Aqui).

    Até mesmo na violência hiper-romantizada e personificada num inspetor contra um garoto órfão, numa estação de trem em Paris, Scorsese nos mostra que não há caminho sem agruras, sem uma curva, e que os impactos provenientes dessas esquinas que nos atrapalham são ou podem ser naturais e igualmente tão enriquecedores para um registro histórico como a própria história sacrificial de Cristo nos provou, dois mil e dezoito anos depois, sendo um marco temporal praticamente sem precedentes na história do homem; algo totalmente conectivo as raízes religiosas e ao ponto de vista duro sobre a vida de Scorsese, mas ascendendo uma questão absolutamente presente, de um jeito ou de outro, na filmografia do mestre: Até que ponto a humanidade abraça a violência inevitável a ela, ainda sendo humana? Scorsese nunca discute razão ou emoção na sua longa filmografia, justiça, moralidade ou a falta delas, mas aonde se aloja o limite entre o que nos faz humanos e o que nos corrompe – e quando consegue explorar o que nos corrompe, invade esse território sem dó, com o resultado quase sempre memorável numa carreira repleta de longas, curtas e documentários apaixonados que firmam a própria história moderna dos Estados Unidos, e a revitalização da cultura norte-americana logo após a segunda grande guerra mundial.

    Em meio a parceria já simbólica de dois grandes astros do cinema, Robert de Niro e Leo DiCaprio, nota-se as histórias que ambos representam com grandiosidade, ganhando a confiança de quem os dirige, de pleno sucesso, obsessão, fúria existencial e ansiedade que lideram seus arquétipos masculinos a galgar os mais altos e profundos aspectos de existências ora repletas de glória, ora de perdição, mas sempre entusiasmantes. É o fenômeno da digressão exponencial de personagens em narrativas que os mantém em foco, e imortalizado em Touro Indomável, O Aviador, O Rei da Comédia e outros que dão a cara a tapa às ironias de uma vida que se prova por um tempo generosa, e não constantemente com sua face mais impiedosa e sádica posta a tapa, tal como no clássico Taxi Driver, no premiado Os Infiltrados, no frenético clipe de Michael Jackson ‘Bad’, ou no seu ótimo debute Caminhos Perigosos (esse último sendo um retrato hiper fiel ao mundo conturbado que o diretor vivia antes de gritar “Ação!”, pela primeira vez).

    Exemplos magníficos de uma carreira multimascarada por contos urbanos diferentes, por maneiras distintas sobretudo de se conjurá-los sob a arte que Scorsese ainda domina como ninguém, mas que dialogam afinal sob o manto de um mesmo tema. Esses fatores que formam o DNA de uma humanidade, hoje e sempre, são e foram o norte de numerosos artistas que se provaram inesquecíveis, ao longo das gerações que sempre colocam em cheque a validade de suas missões – e falham. Diante dos relatos ditos e filmados de Martin Scorsese, não resta dúvida de que o diretor de Silêncio (Representante atual contra o lamento de ‘não se fazer mais filmes como antigamente.’), New York, New York e Cabo do Medo, um dos grandes suspenses da década de 90, pode ser considerado uma lenda viva por sua capacidade criativa diante de um universo dramatizado pelas mesmas forças que moldam o nosso, tão verossímil na versão de um diretor que sabe muito bem haver mais do que sangue bombeando no misterioso coração de um homem e de uma mulher – meros produtos de seus meios, como somos todos nós.

    Vide, enfim, que não cabe a um artista discutir as vicissitudes da realidade friamente imposta ao indivíduo refém das condições da vida (ou sobre quais valores frívolos o mesmo acha certo vestir e moldar as suas escolhas), mas recriá-las em forma de visão, sendo esta, afinal de contas, um compêndio antagônico de essenciais consequências do que move o lado de cá das coisas belas, e sujas. Fã inclusive do brasileiro Glauber Rocha e cinéfilo inveterado, convenhamos que Martin Scorsese alcançou essa transmutação ideológica há muito, e conserva-a com a tranquilidade de quem já não deve provar mais nada, dando-se ao luxo de realizar seu filme mais dessemelhante, Hugo, no ano de 2011, feito, segundo declaração do próprio, para que seus filhos ainda pequenos pudessem ver ao menos uma de suas dezenas de inovações. Nisso, o nova yorkino baixinho (que não sabia de jeito algum dirigir atores no começo) já se mostrou ciente do que simboliza ao mundo.

    Filmografia (Diretor)

    (1966) New York City… Melting Point
    (1967) Quem Bate à Minha Porta?
    (1970) Street Scenes
    (1972) Sexy e Marginal
    (1973) Caminhos Perigosos
    (1974) Italianamerican
    (1974) Alice Não Mora Mais Aqui
    (1976) Táxi Driver
    (1977) New York, New York
    (1978) O Último Concerto de Rock
    (1978) American Boy: A Profile of: Steven Prince
    (1980) Touro Indomável
    (1982) O Rei da Comédia
    (1985) Depois de Horas
    (1986) A Cor do Dinheiro
    (1988) A Última Tentação de Cristo
    (1989) Contos de Nova York (segmento Life Lessons)
    (1990) Os Bons Companheiros
    (1991) Cabo do Medo
    (1991) The King of Ads (segmento Armani, Eau pour Homme commercial)
    (1993) A Época da Inocência
    (1995) Cassino
    (1997) Kundun
    (1999) Minha Viagem à Itália
    (1999) Vivendo no Limite
    (2002) Gangues de Nova York
    (2003) The Blues (episódio Feel Like Going Home)
    (2004) O Aviador
    (2006) Os Infiltrados
    (2008) Shine a Light
    (2010) Ilha do Medo
    (2010) A Letter to Elia
    (2010) Public Speaking
    (2011) George Harrison: Living in the Material World
    (2011) A Invenção de Hugo Cabret
    (2013) O Lobo de Wall Street
    (2014) The 50 Year Argument
    (2016) Silêncio
    (2019) Rolling Thunder Revue: A Bob Dylan Story by Martin Scorsese
    (2019) O Irlandês
    (2019) Conversando Sobre O Irlandês

    Artigos

    Dois Olhares Sobre a Metrópole no Cinema de Scorsese

  • Crítica | A Época da Inocência

    Crítica | A Época da Inocência

    O cinema pomposo e aristocrático de A Época da inocência não deixou tantas marcas no seu realizador, mas na nossa própria concepção sobre o seu talento. Ainda mais quando sabemos, de antemão, que o universo dele não é exatamente o mesmo cosmos de elegância e cascatas de white people problems que o vemos mergulhando sua maestria em prol de uma boa história adaptada de um livro de 1920, pronta então a ser narrada intrínseca e inseparavelmente às cadências de suas formas e elementos burgueses, históricos e orgulhosamente ingleses, dando vasão e embalando, assim e ao mesmo tempo, um cenário perfeito e basilar para um conto de amor no maior estilo Madame Bovary, acerca da desconstrução natural (ou talvez ante natural) do mais poderoso dos sentimentos universais. Algo trabalhado aqui na linha imperiosa e consciente de um legítimo “romance dos romances”.

    Curiosidade: Certa vez, ao ser indagado sobre Barry Lyndon, o gênio Stanley Kubrick não foi tão categórico assim, e afirmou que o Cinema oferece uma oportunidade melhor que qualquer outra forma de arte no que se refere a apresentar e emoldurar um tema histórico, seja lá qual seja este. De fato, Kubrick proporcionou essa experiência com a máxima exatidão e inserção possível nos anos 70, uma década depois de Luchino Visconti ter definido a visão acerca das aristocracias europeias em um dos maiores e melhores filmes da humanidade: O Leopardo, de 1963. Assim sendo, uma vez que o diretor de O Iluminado não conseguiu superar sua encenação ultra planejada, tornando Barry Lyndon algo belíssimo e gelado, Visconti atingiu com perfeição diamantífera uma sensação palpável de como é pertencer a um mundo de intrigas inescrutáveis, dinheiro, poder e desconfiança fartos a influenciar todas as suas relações, orgulhos e preconceitos.

    Cortando para década de 90, temos o famoso Martin Scorsese abandonado a selvageria urbana de Nova York, e aventurando-se em mares desconhecidos que tentou traduzir, e transmitir as suas verdades, do livro para a tela que esse já conhecia muito bem. O charmoso A Época da Inocência vale principalmente por isso, sendo mais uma aula de cinema hollywoodiano pelas mãos de Scorsese, constante e quase sem sobressaltos como não é de se esperar dele, mas desta vez com muito menos paixão e envolvimento genuíno por conta do nosso realizador, tentando nos convencer estar por dentro da pompa que cerca e compõe costumes majestosos, guiados por posições sociais e baseados por um luxo que atinge as arrais do existencial entre bailes, óperas e tardes ensolaradas treinando arco e flecha em parques ingleses de impecável graça aos bem nascidos.

    Enquanto o bon-vivant Newland Archer (Daniel Day-Lewis, sempre atuando com os olhos) se divide entre a segurança de sua adorável e sentimental noiva May Welland (Wynona Rider, a Joyce de Stranger Things), e a possibilidade inocente e quase irresistível de um novo amor mais maduro e mais difícil, e que faz girar o seu mundo de ponta a cabeça, como bem simboliza a linda cena do ensaio fotográfico (que o próprio cineasta faz uma ponta, atuando como o fotógrafo), o filme se revela não um estudo de inserção, mas de observação de um universo que o observador não faz parte, mas anseia por decifrar, cena após cena, conflito após conflito, e que, sob a regência de Scorsese e suas ótimas atuações (em especial a de Rider), se tornam deliciosamente reais, fortes, e calcados num drama tão quente e envolvente quanto os olhos cândidos de Newland encontrando sua amante, beijando seus pés de seda. Mais um homem refém do proibido.

    Eis um filme caprichado em sua estilização, e sem ser afetado por ela ao longo de suas duas horas, como é importante frisar. A Época da Inocência conta com um dos mais belos trabalhos de figurino e direção de arte dos anos 90, junto de Titanic e o asiático Adeus Minha Concubina. É incrível sentir toda a nobreza da história também através dos seus bordados, cenários e guarda-chuvas cor de rosa, meticulosamente elaborados num trabalho original notável até para o mais leigo e acrítico dos espectadores. Mesmo assim, nem a mais bela das alegorias escondem o desafio que foi para Scorsese trocar o sangue amargo dos seus Os Bons Companheiros, pelo chá e os pés de seda de finas damas europeias. Contudo, mesmo sem negar agir como mero observador de uma burguesia deveras distante, eis um filme seguro de si, e que ainda acha espaço para admirar também um estilo de vida que se perdeu no tempo, e que, como Kubrick afirmou, o Cinema consegue eternizar melhor que qualquer outra invenção humana até então.

     

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  • Crítica | Cabo do Medo

    Crítica | Cabo do Medo

    Remakes são um perigo. A probabilidade de atacar o material original é gigante, mas ninguém melhor que o cara que produziu o melhor remake dos anos 2000 (Os Infiltrados, pra quem tinha dúvida de qual seria) para, no auge da fama e glória que conquistou após tantos clássicos dos anos 70 e 80, rodar em 1991 a trajetória sangrenta de Max, um assassino implacável que volta da prisão para infernizar, quase que literalmente, a vida da família do advogado Sam, homem honesto mas que o faz passar 14 anos enjaulado após perder o seu caso no júri.

    O psicopata interpretado por Robert De Niro volta com tudo, sangue nos olhos e faca na boca, e levando até as últimas consequências dos seus atos, Max coloca Sam, esposa e filha numa espiral (isso sim, literalmente falando) de tormentos físicos e psicológicos que para sempre vão estar no DNA daquela família. Mas Cabo do Medo vai além de bons sustos e uma direção forte em torno de uma história de vingança; eu diria, muito além disso.

    Estamos falando sobre a exploração bem-vinda, construtiva e talhada de um gênero, um tanto desgastado nos anos 90 e revivido em especial pelo sucesso de O Sexto Sentido, de M. Night Shyamalan. Martin Scorsese, o cineasta que nunca descansa tal qual sua famosa cidade de Nova York, revive elementos nesse remake de Círculo do Medo e recicla-os com maestria e força bem típica da sua visão, adotando na película a intensidade do assassino para traduzir, da maneira mais marcante e dramática possível o assombro que a família do advogado passa a viver, todos pagando pelo erro do pai.

    Da mesma forma como Max brinca com a filha de Sam, manipulando-a num jogo de sedução e pedofilia subjetiva, Scorsese nos instiga sobre os próximos passos que o vilão irá tomar, imprevisível e visceral, bem no estilo ‘doe a quem doer’. Sem baldes de sangue ou mortes icônicas, há aqui a curiosidade de um detetive cinematográfico debruçado sobre as possibilidades que a boa e velha tensão agrega a uma história dessas, e Scorsese faz isso com um prazer gigantesco e um tesão pelo suspense irresistível – a cena do ursinho é melhor que o “universo” de Invocação do Mal inteiro.

    Difícil lembrar de algum filme que o mestre de Touro Indomável ou Táxi Driver não tenha feito com toda a paixão e zelo do mundo pelo projeto, o que explica a barriga que suas histórias ganham, muitas vezes sendo mais longas que o necessário, mas se fosse para escolher algum entre tantos, o parente de Cabo do Medo poderia ganhar o título. A Ilha do Medo, com Leonardo DiCaprio, é quase tudo o que esse ótimo filme dos anos 90 nunca foi projetado para ser, felizmente: apático, distante, e portador duma atmosfera tão frágil que, se soprar, estilhaça.

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  • Crítica | A Cor do Dinheiro

    Crítica | A Cor do Dinheiro

    A Cor do Dinheiro precisa ilustrar em todos os dicionários a palavra Charme, bem ao lado do adjetivo, nas páginas da letra ‘C’. O filme de Martin Scorsese, sendo esse injustamente um dos seus menos famosos títulos entre mais de quarenta produzidos, tem início numa conversa de bar entre o garanhão Eddie Felson, um ex-campeão de sinuca encarnado aqui pelos eternos olhos azuis de Paul Newman, uma lenda que navegou por todas as eras de Hollywood, e uma moça fadada a cair na lábia irresistível do cara, entre um jogo e outro. Pouco tempo depois desse breve encontro boêmio palco de juras e promessas, estabelece-se rapidamente e de forma brilhante por Scorsese (e uma fantástica direção de arte) o fato de A Cor do Dinheiro ser um manifesto exato sobre o que o próprio título já nos anuncia, e de antemão.

    Ambientado por um realismo constante e basilar, se a palavra oficial de O Lobo de Wall Street foi “Fuck”, a palavra-chave aqui é outra: “Money”, e qual mais seria então? O que é o dinheiro (e até aonde você iria para ganhá-lo) é bem diferente do que ele pode significar para outra pessoa, e se essas perspectivas distintas acerca de meras notas de papel, e o seu verdadeiro valor na vida de alguém em sociedade são completamente democráticas nos Estados Unidos e no mundo capitalista, eis um dos filmes mais divertidos e inteligentes a respeito do que pode mover um homem de dentro pra fora, com a trama preferindo trilhar esse caminho que debater superficialidades e outros conceitos clichê nesse tema. Scorsese, mais cool e musical do que nunca, denuncia a superficialidade das relações aqui, e critica a cultura da posse e do custo financeiro vir antes do custo pessoal de cada um, discutindo entre mil e uma situações urbanas se todos realmente possuem um preço.

    É melhor ser, ou ter? Para o jogador Eddie, que apenas quer ser o mentor de Vincent, o jovem impulsivo e inconsequente que joga sinuca com a facilidade de quem bebe um copo d’água, a pergunta é mais complexa do que aparenta. Ele deseja ensiná-lo tudo, mostrar para o jovem e a sua namoradinha o valor do esporte, da competitividade e da juventude. Tom Cruise em 1986 ainda precisava se provar aos olhos de público e crítica, e faz do seu Vincent um moleque de fogo nos olhos e rebeldia pura; quase um James Dean de taco na mão, e esse é o conflito central no filme: Como que um ex-campeão naquilo que fez e faz consegue lidar com um pupilo de outra geração, de valores éticos e morais tão diferentes dos seus? Se em Cassino Scorsese construiu um panorama mais glamoroso mesmo sobre as tragédias que o dinheiro abundante acarreta em mãos erradas, aqui é exatamente o contrário, e quase tão prazeroso e reflexivo de se assistir quanto o épico dos anos 90, em Las Vegas.

    A intensidade e a violência de Scorsese sempre acham espaço no decorrer de uma história (a briga no bar, o stress na escada), nem que seja nos detalhes ou na iluminação vibrante avermelhada. Elas têm que explodir na tela, e isso não poderia ser melhor é claro, agindo não apenas como elemento de puro entretenimento. A Cor do Dinheiro, por mais charmoso e bem filmado que seja, alonga-se demais e tem aquela barriga narrativa típica dos filmes do mestre, tamanha sua paixão pelo Cinema e em contar histórias que, sobretudo, merecem ser registradas em sua longa filmografia. A já mencionada direção de arte aqui é essencial, exalando a cor verde e ressaltando conforme a necessidade o fato do dinheiro sempre estar ao redor, em pauta, nos olhos e nas veias de cada um, e o que isso causa nos caminhos de quem ostenta sua imaturidade e arrogância desmedidas na terra da ambição, do dinheiro de jogatina e dos wanna be – uma terra também chamada de Estados Unidos da América.

    https://www.youtube.com/watch?v=nkRNFatbHwE

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  • Crítica | Os Bons Companheiros

    Crítica | Os Bons Companheiros

    Os Bons Companheiros é um filme americano de 1990. Qualquer um pode afirmar com a razão de Deus, e a calma de um monge, que poucos filmes nos últimos trinta anos atingiram a diversão frenética que Martin Scorsese nos proporcionou sem dó, entre mafiosos e assassinos dos mais inescrupulosos e metidos, mandando a gente esquecer a inquebrável moral familiar de um O Poderoso Chefão, ou a visão épica de Sergio Leone em Era Uma Vez na América. Tempos passados. Aqui, o lixo é revirado, pimenta é adicionada de todas as formas e o sangue jorra com o sadismo que envergonharia os mestres que vieram antes, entregando o tom dos grandes filmes policiais da história do Cinema e que, daqui pra frente, seria fatalmente renovado. A vivacidade, a força e a coragem modernas de Os Bons Companheiros (e Pulp Fiction) ganhou o mainstream de forma inesperada, deixando muita gente de perna bamba e renovando muitos conceitos que ainda não se tornaram banais na poluída e irrefreável cultura pop do século XXI.

    Scorsese ama ficar à beira do vulgar, do sádico, e é esse elemento em abundância que torna seu Goodfellas diferente de todos os seus outros clássicos, até hoje. Sempre no limiar da sua típica astúcia cruel com uma realidade torturante, a visão do artista para com homens e mulheres de espírito fraudulento e sociopata não cansa um segundo; simplesmente arrebatadora. Uma energia que já tínhamos sentido (e tentado seguir) antes em Depois de Horas, e Touro Indomável, mas que aqui alcança um nível de plenitude invejável. Filmando a história de um garoto branco de classe baixa, que cresce incorporando a lógica de uma vida mafiosa e orgulhoso por isso, mergulhado no poder e nos privilégios reinantes que esse caminho oferece (enquanto tudo está bem), Scorsese parece já ter revirado as intempéries e lados positivos dessa trama tantas vezes que apenas nos apresenta a melhor versão possível desse conto sobre o apogeu e a desconstrução de uma vida baseada em traições, e golpes. Essa é a sensação com Os Bons Companheiros: Um triunfo infilmável oriundo da Hollywood dos anos 90.

    E quem seriam esses companheiros a prova de bala? Representações de toda a filmografia de Scorsese, é óbvio, mas acima de tudo, esses caras que fazem executar seus velhos amigos e familiares pra se dar bem são os grandes ícones da violência que o diretor aqui cresceu com eles em Little Italy, famoso e violento bairro de Nova York, e que por algum motivo enveredou para os ramos do Cinema ao invés do tráfico de drogas – o que provavelmente já teria custado a sua vida. No jogo de agressividade e truculência interpessoal que Robert De Niro e Joe Pesci participam, não há quarto para a honestidade, não há espaço para as relações saudáveis que “pessoas normais” cultivam, muito menos para o arrependimento descansar. É a quebra de valores – total. Todos são um poço de culpa, e mergulhando a fundo nesse abismo ético e moral com graça e realismo impagáveis, Scorsese criou um cânone para sua própria carreira.

    É incrível ver grandes diretores mais contemporâneos como James Gray basear suas próprias produções na perspectiva do garoto nova-iorquino crescido que, em Os Bons Companheiros, expurgou seus demônios entregando uma fábula irresistível de violência e imoralidade basilar. O poder aqui é outro, já tinha sido descentralizado, e nasce de uma América profundamente sem vergonha, sem escrúpulos e cheia de lobos dos mais sorridentes – e sem um pingo de saudosismo. “Os valores mudaram!”, exclama o filme a todo momento. “Os valores mudaram!”, e tudo bem. Rindo dessa transformação, afinal, eis a fábula para maiores que melhor abraçou a realidade dos fatos ao gargalhar na cara do tradicionalismo da família Corleone. Engraçado como Francis Ford Coppola voltou, também nos anos 90, com a terceira parte de O Poderoso Chefão, fechando a saga e o glamour mitológico que retratou no mundo do crime. Mas os tempos já eram outros, e Coppola não entendeu. A palavra Respeito já havia saído do dicionário. Desgastou. Ninguém mais sabia o que era isso, e com Cassino e O Lobo de Wall Street vindo em seguida, sabe-se que ninguém mais queria saber.

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  • Crítica | O Rei da Comédia

    Crítica | O Rei da Comédia

    Nós mesmos viramos marcas no Facebook e Instagram, oferecendo nossa imagem as curtidas do mundo virtual, tal qual músicos e animadores de auditório vivem, mesmo que com talento questionável, e cada vez mais, para a lógica do aplauso pelo aplauso. As pessoas nunca mais viram sua privacidade pessoal, e a sua reputação pública da mesma forma depois dos Beatles, depois do apreço que a fama agregava a vida das divas da sunset boulevard, em Hollywood. Uma nação, e hoje, um mundo de wanna be’s, cheio de gente sedenta pela pílula dos quinze minutos de fama e que quer ser alguma coisa, sem ao menos saber direito para quê.

    Contudo, há uma questão aqui. Fama ou riqueza? Para Rupert Pupkin (Robert de Niro), não há dúvida: mesmo correndo perigo de vida, vale tudo para ficar em frente de uma câmera afim da ovação tão sonhada, com o calor humano proveniente dessa aceitação generalizada enfim a aplacá-lo. Ainda em 1982, Martin Scorsese metaforizou no plano de Pupkin, o de sequestrar e amordaçar por uma noite o gênio da comédia americana Jerry Langford (interpretado pelo próprio Jerry Lewis) para substituí-lo ao vivo, no ar, a carência e o desespero exclamado de muitos de nós hoje, nas redes sociais, em sermos alguém. Em sermos relevantes num mar de fotos de perfis quaisquer.

    E o aspirante a comediante tampouco tem escrúpulos: Mente, engana, sequestra e ilude quem quer que seja para conseguir o Eldorado prometido. Chega a esperar horas a fio numa emissora, ciente de que outros fariam o mesmo – ou pior – pelo lugar ao sol que pertence a ele. Inconformado, e ciente de que seu trono é debaixo dos holofotes, em cenários artificiais onde o seu talento digno de torná-lo O Rei da Comédia, como julga tê-lo, pode extrapolar o superficial, e conduzir o público a emoções reais de alegria e escapismo momentâneos. Todavia, Pupkin não pensava no público, exceto com o intuito daquelas risadas o auto promoverem.

    Individualismo, bem antes dos youtubers e blogueiros(as) fazerem sucesso com importantes tutoriais diários de maquiagem. Scorsese não consegue evitar em empregar uma ironia refinada, elegante e perfeita na trajetória de outsiders do show business americano que apenas querem seu espaço no palco. Não há nada de errado nisso, deixa claro, exceto como eles chegarão lá. Satírico também, e por vezes sádico, o cineasta tira o melhor do cômico e do dramático de cenas leves e dinâmicas que emblemam profundamente bem o apreço, o preço, as consequências e o gosto contraditório aos júbilos prometidos pela utópica fama.

    Não deixa de ser uma crítica contundente a própria sanidade excêntrica da indústria cultural americana, repleta de escândalos feito esse protagonizado aqui por Pupkin, que de um cara mimado ainda morando com a mãe, passa a ser apresentador de talk show nem que seja na marra – e que assim seja. Fato é que a mão singela de Scorsese na direção dá um tom universal a própria obsessão tão contemporânea por sucesso a todo custo, expondo o fundo psicológico da obra com grande brilhantismo. O Rei da Comédia configura-se como um filmaço, com o tempo ainda por cima agindo soberano para torná-lo merecidamente mais e mais reconhecido.

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  • Crítica | Touro Indomável

    Crítica | Touro Indomável

    Era tudo, ou nada. Touro Indomável foi filmado com o tesão de um cineasta por uma arte e com a emergência que refletia o período difícil da vida pessoal dos envolvidos nesse filme. Todas as cenas no ringue, a cena da prisão quando Jake La Motta soca a parede do cárcere, tudo evidencia o quase desespero (ou talvez foi isso, mesmo) de Martin Scorsese e Robert De Niro naquele momento de problemas aparentemente insuperáveis. Disso sai um filme desses, por mais irônico que seja: Uma obra-chave que encapsula, ou melhor, resume toda a filmografia de um dos filhos mais prósperos e famosos (seria o mais popular caso a fama de O Poderoso Chefão não tivesse feito Francis Ford Coppola uma grande celebridade) da Nova Hollywood, dos anos 70 e 80.

    Enaltecer com a devida paixão e idolatria este diamante lapidado da própria condição da vida dos artistas que o esculpiram é chover no molhado, ainda mais nessa altura do campeonato. Via de regra, tudo gira em torno da realidade não apenas do boxe, suas entranhas e incongruências que podem custar tudo ao lutador, mas da vida de um cara com esposa e irmão na violentíssima Nova York pós-guerra. De acordo com relatos que saíram anos após as filmagens, o primeiro roteiro do filme mostrava coisas bem mais graves sobre esse ambiente e seus impactos em La Motta, sua relação com Joey La Motta (Joe Pesci, inesquecível) e muitas outras polêmicas que talvez iriam desequilibrar nossa relação com o filme, como por exemplo uma faceta mais tranquila do boxeador.

    Devido aos caos populacional, migratório e financeiro da época, a Big Apple era uma selva urbana sedutora aos ambiciosos onde a luta pela sobrevivência dos seus cidadãos era de fato tão grande que chega a explicar parte da gana inconsequente e até imatura de La Motta perante o seu caminho e diante de quem lhe apoia e/ou enfrenta (na grande atuação de De Niro). Um verdadeiro titã tão agressivo com os seus oponentes profissionais, e pessoais. Com extrema dificuldade de controlar seus demônios interiores, tal qual todos do seu turbulento círculo social, o lutador tem uma vida imprevisível onde não vê futuro para si longe daqueles inúmeros embates que realiza dentro, ou fora do ringue, numa guerra existencial de um homem segundamente contra tudo, e primeiramente contra o seu próprio Eu.

    Com uma trama intensa dessas, Scorsese sabia que teria de passar por cima dos seus limites como cineasta ainda em ascensão, e que qualquer regra ou fronteira teria de ser eliminada para que Touro Indomável pudesse virar o que acabou virando (apesar de críticas negativas na estreia devido ao forte teor violento) e em sua posteridade histórica, rumo ao seu aniversário de quarenta anos, já. O filme é simplesmente perturbador (“Did you fuck my wife?), deliciosamente trágico e narrativamente ultra genial e divertido, contando com o talento sem igual de Thelma Schoonmaker, a segunda montadora mais premiada de Hollywood por sua sagrada parceria lendária com Scorsese.

    Entre flashbacks e visões do tempo presente (remetendo a lógica narrativa de Rashomon do mestre Akira Kurosawa, uma influência essencial aqui), e um incrível trabalho de mixagem sonora nos fazendo vivenciar todo tipo de tensão progressiva, a história de La Motta e seus “amigos” nos é arquitetada de maneira perturbadora, ao mesmo tempo que sublime, entre ganhos e perdas, entre murros e beijos, fúria e romance, nuances de apogeu e derrota sempre no limiar da vida e da morte de um homem comum fazendo o máximo que podia, em toda a situação que não se encontrava, mas enfrentava. Aqui, tudo é uma luta onde o abismo também contempla.

    É praticamente impossível imaginar um remake de Touro Indomável que faça jus a sua inadvertida, pontual e genial magnitude. Um dos cem melhores filmes americanos de todos os tempos – facilmente, aliás, como já se percebe desde os fabulosos créditos iniciais. Se é o melhor de Scorsese, ai a discussão é eterna… “Eu coloquei tudo que eu sabia e sentia naquele filme, pensando que seria o fim da minha carreira.”, aponta o diretor. “Acabou sendo o que eu chamo de um jeito kamikaze de fazer filmes… Colocar tudo de si num projeto, esquecer tudo e ir procurar outra coisa pra fazer.”, atestou no ótimo livro Scorsese on Scorsese, da editora britânica Faber & Faber.

    Felizmente, nas décadas após o reconhecimento da obra e a sua injustiça no Oscar, o cara conseguiu ainda mais prestígios para inúmeros outros grandes filmes (e algumas derrapadas inevitáveis), mas parece ser de consenso mais popular que outro impacto cultural tão forte assim o diretor de Táxi Driver não se permitiu (ou não conseguiu) projetar, mais. Tampouco precisava, pensando bem, depois de um tour de force bestial com gosto e cheiro inebriantes de Cinema em estado de ebulição perfeccionista, nutrindo sangue, memória e expectativas cinéfilas como poucos outros títulos conseguem, desde então e antes deles. Melhor e melhor a cada revisão, para sempre.

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  • Crítica | Alice Não Mora Mais Aqui

    Crítica | Alice Não Mora Mais Aqui

    Alice Não Mora Mais Aqui sofre de um eclipse eterno na carreira de Martin Scorsese. Isso por estar sempre nas sombras de duas gemas intocáveis do cineasta, Caminhos Perigosos e Táxi Driver, rodado entre esses dois marcos do Cinema americano na divina década de setenta, em plena ebulição da Nova Hollywood, rotulada por tantos clássicos que começavam a não depender mais dos limites dos grandes estúdios. Tampouco dos faraônicos produtores que gente como John Ford, Frank Capra e Alfred Hitchcock tiveram de lidar, sem exceção, antes de Francis Ford Coppola, Steven Spielberg, Robert Altman e Scorsese, principalmente antes desses quatro (sem esquecer de John Cassavetes e o Brian De Palma dos anos 80) ganharem as ruas e filmarem sem tabus e buscando na verdade a naturalidade e a reinvenção do irreal, a todo custo, nos elementos de um mundo cada vez mais realista, e com grande sentido de autorialidade, e liberdade, sobretudo.

    Nesse novo frescor histórico para a indústria, ou ainda, em Tubarão e O Exorcista por exemplo, durante essas típicas inserções embrionárias de ideologia e novas percepções da realidade e ficção, trazendo novas possibilidades e novas tecnologias a normatividade até então do exercício cinematográfico americano, cada vez menos quadrado e menos conservador quanto aos ex-espetáculos fullscreen dos anos 40/50/60, o poder era da criatividade, da ousadia. Scorsese e seus amigos universitários, portanto, podem-se dizer que nasceram na hora certa, e no lugar certo. Eles sabiam que a festiva América de Amor, Sublime Amor não era mais daquela forma colorida, otimista e cheia de finais felizes de antes, não em meio aos efeitos das transformações sociais após o trauma que foi a Segunda Guerra, do boom cultural e do tráfico de drogas, principalmente nos EUA que eles viviam e estavam prontos a retratar com uma câmera Panavision no ombro, mil ideias na cabeça e, principalmente, sem grandes pudores pra isso.

    A nova Hollywood adveio de uma nova América, tão bem representada em seus valores e sua vibração, seu jogo capitalista e seus vícios em Nashville e M.A.S.H., ambos de Altman, mas também em Sem Destino, Perdidos na Noite, Rocky, Essa Pequena é Uma Parada, Nos Embalos de Sábado a Noite e, claro, os dois primeiros O Poderoso Chefão de Coppola. E o que todos têm em comum? Simples: A espécie de libertação reencenada de grupos do pós-guerra em diante (homens, gente branca ou pessoas de classe média), e por não retratarem a libertação de quem nunca teve liberdade, antes ou depois das mudanças sociopolíticas que floresciam. Nisso, devem-se destacar três filmes transgressores: Alice Não Mora Mais Aqui, sem dúvida a melhor obra de Scorsese sem um protagonista masculino, algo raro na carreira do diretor, Adivinhe Quem Vem para Jantar, e Os Rapazes da Banda. Uma trindade extremamente representativa ao momento e as questões da época, que só poderia ser produzida nos anos 70 em diante, e que veio a exaltar, em respectivo, a emancipação feminina, negra e LGBT na sociedade moderna, levemente mais tolerante defronte a debates oriundos das novas literaturas, músicas e peças audiovisuais.

    Contudo, além de Alice estar entre dois filmes mais famosos de Scorsese, houve um outro fator importante que retirou parte do crédito histórico, e artístico do filme em questão, protagonizado por Ellen Burstyn e ganhadora do Oscar, aqui: O arrebatamento do prêmio de Gena Rowlands, por sua assombrosa e inesquecível atuação em Uma Mulher Sob Influência – diga-se de passagem, dois trabalhos impressionantes. Rowlands sempre será lembrada por ter entregue um dos grandes momentos mitológicos de uma mulher em qualquer filme, mas foi Burstyn que levou a melhor, algo que os críticos mais justiceiros nunca conseguiram perdoar, mesmo se tratando de um grande estudo muito franco e bem-humorado sobre a figura feminina, de uma mãe como uma sobrevivente num mundo sem quaisquer certezas, longe disso. Após perder seu marido, a doce Alice (uma referência talvez a ingenuidade da personagem literária) se envolve com um homem brutal e absolutamente tempestivo em sua violência (Harvey Keitel, excelente). Destemida, resolve com seu filho, ainda mero infante, deixar tudo para trás e partir mundo afora para se encontrar, finalmente, e tentar respirar numa realidade que talvez foi feita para uma mulher sonhar e vencer, também.

    Certamente, não é essa espécie de romance dramático que descamba num road-movie inusitado o forte de Scorsese, como também não foi em New York, New York, um musical oitentista sobre o papel da cultura naquele período da América, um dos seus grandes momentos. Porém, seu amor pela história e pela força de uma mulher diante de um presente que precisa ser mudado pode ter motivado o cineasta a fazer deste um dos seus grandes filmes, até hoje. Simboliza, em meros 90 minutos, mais ou menos, um marco absolutamente histórico, divertido e carismático a ponto de nos deleitar com a certeza que nunca é tarde para recomeçar, e de nos lembrar da saudade que certas jóias dos anos 70 nos evocam, mesmo sem muitos de nós nem termos vivido aqueles (esses) idos de som e fúria não tão distantes e que ainda ecoam, livres, em praticamente tudo o que taxamos a alcunha, pedantes como só, de contemporâneo.

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  • Crítica | Táxi Driver

    Crítica | Táxi Driver

    É engraçado, sempre que revejo Táxi Driver, clássico de Martin Scorsese cuja graça já foi discutida e exalada por tantos artigos, cada vez mais parece ser um conto de horror que o notório vagabundo alemão Charles Bukowski dedilhou em alguma guia de calçada, de madrugada, num acesso elegante de um fôlego só. É um tour desavergonhado pela marginalidade mais urbana e orgulhosa do mundo. Na figura de um taxista, e seu carro, onde não se sabe onde começa um e termina o outro, Nova York explode, se escancara num strip-tease de consciência e culpa mundanas, sem jamais ressoar ou fazer sentir-se superficial.

    Scorsese, sem querer (querendo), cria a própria mitologia de sua carreira: O neon das noites, o amargo das relações, a escuridão rachada pelas luzes, a violência sem propósito definido… Sintomas de uma selva nunca tão colorida e tão vasculhada assim por Travis Bickle, o motorista que já viu de tudo e não se importa com mais nada, banhado pela danação existencial dos arredores conflitantes. Só que Táxi Driver nunca se desarma, empacotando o personagem da revolta sobre tudo e todos, uma figura unilateral para muitos, só para esconder os chamados de um artista às inúmeras reflexões muito além da sua era, sua realidade, sua (falta de) moral.

    Nisso, pode-se constar a genialidade do Scorsese dos anos 70. Não que o mesmo esteja mais óbvio (e está mesmo, desde Gangues de Nova York), mas o caso não é esse: Seus confrontos eram mais fundamentados na ética que na dialética objetiva do ser e seus locais; no interior sobreposto a qualquer interesse pelo exterior, diferente de um Fellini (ídolo do diretor) que sabia trabalhar todas as vertentes de uma forma ainda mais eloquente, e épica mesmo, porque não. Por isso que fica difícil acreditar que o cara de Touro Indomável tenha se submetido a estudos técnicos tão dessemelhantes ao seu passado, de 2004, pra cá, flertando com um Cinema mais aceitável, mais dócil e menos filosoficamente sofisticado, por assim dizer…

    Mas como será que Táxi Driver seria imaginado hoje, haveria espaço em 2018 para as andanças e a revolta crescente de um taxista na América decadente de Trump? Provavelmente sim, e de uma forma ainda mais frontal que a mostrada no clássico de 76, algo que talvez retirasse a elegância encenada em tempos mais propícios a romanização do todo. Contudo, algo indica que não valeria a pena, vide todo o charme temporal e o espírito tão característico (e conveniente) do pós-guerra americano que dificilmente seria reconstruído sob o mesmo fascínio conjectural, mais uma vez.

    Isso porque a psicologia dostoievskiana que rege o espírito de Bickle na busca por explicações, de rua em rua, para uma vida cheia de conflitos inexplicáveis justamente por estarem cruzados com os caminhos das outras pessoas, incontroláveis como a cidade que constroem dia e noite, ela se expande na tela como se girasse em torno da poluição mental que verte dos bueiros, resultando em absolutamente todas as ações e reações de uma trama tão New Hollywood que chega a doer. Quando o personagem de Robert de Niro, este presente no Top 3 do ator, começa a se relacionar com a jovem prostituta interpretada por uma divina Jodie Foster, assistimos uma tormenta tentando lavar toda a maldade do mundo, mesmo que com sangue. Há ingenuidade no caos.

    Há limites para o inferno na Terra. Terror, romance, drama… Agora, acredito mais ainda que nas circunstâncias e peculiaridades culturais e sociopolíticas dos anos 70, para que a história se contextualizasse ao máximo, Bukowski estava sentado naquela guia evocando um dos mais famosos estudos de personagem com a ajuda d’outro cara, tão louco quanto, um tal de Paul Schrader na tentativa de um manifesto tão franco quanto atencioso ao lugar de um cidadão num mundo que ele não entende mais, não se vê íntegro nele e tampouco assim o deseja, tampouco desejado. Scorsese, nisso, resolve filmar um peixe amarelo se debatendo no meio do deserto cujo oásis ele caça, sem saber, de bica em bica, e o resto é mitologia. Um grande filme, contemporâneo como poucos, e que não deve ser inteiramente desbravado, mata virgem que é e merece continuar sendo na posterioridade das artes.

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