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  • Crítica | O Silêncio dos Inocentes

    Crítica | O Silêncio dos Inocentes

    O Silêncio dos Inocentes começa enigmático, mostrando a Clarice de Jodie Foster percorrendo uma cinzenta floresta em Quantico, na Virgínia. Pouco tempo depois a expectativa de perigo é substituída pela percepção de que ela está se preparando, como agente em treinamento. A personagem é uma mulher vista como alguém pequena, ainda mais em comparação com os homens altos que habitam aqueles cenários cinzas da academia do FBI. Essa questão dos tamanhos seria usada por Jonathan Demme como um prenúncio da historia, ainda que não estabeleça a gravidade e a tragédia de assassinatos de inocentes, sobretudo mulheres, que concentram os momentos mais emocionantes do roteiro.

    A atmosfera de suspense e thriller é pontuada pela música de Howard Shore que, em sua discrição, consegue sutilmente injetar ainda mais mistério nas cenas pensadas. Cenas desenvolvidas de maneira lenta, mesmo o passado de Clarice Starling é discutido de maneira paciente. Mas desde a gênese, é tratada como uma mulher forte e bem resolvida,  como aliás é bem comum nas obras de Thomas Harris, o autor do livro homônimo que Ted Daily usou como base para seu roteiro. Mirando entrar para um departamento novo que estuda a Ciência de Comportamento, ela é designada para dialogar e pedir ajuda a um serial killer, o doutor psiquiatra Hannibal Lecter.

    Nas conversas iniciais que a protagonista tem com o personagem de Anthony Hopkins é estabelecido com clareza o fascínio e curiosidade da protagonista que, aliás, reflete a curiosidade do espectador que se questiona como um renomado médico perdeu sua carreira e conseguiu ser pego por crimes tão bizarros quanto os que cometeu. Ainda que no início fique a sensação de que talvez o que se fala seu a respeito seja boato.

    Demme usa muito bem o misancene, tanto com Clarice, que tenta se manter durona mas demonstra momentos de fragilidade, como uma criança prester a entrar em um mundo adulto e feio, como também na insanidade e sujeira que leva até o psicoterapeuta forçadamente aposentado por seus crimes. Na cela de Hannibal os tons de marrom predominam (essa aliás, é uma cor muito utilizada dentro do filme). Mais parece uma gruta, uma caverna, onde um bárbaro ou animal predatório vive. Então, por mais que ele pareça educado e cordato, é fácil perceber sua frieza.

    A personificação de Hopkins, aliás, é outro fator diferenciado. Lecter é carismático, quase dócil ao expressar seus desejos e exigências para o grupo de investigadores. Seu sotaque característico e o cabelo ralo e bem penteado mostram o quão meticuloso é com a própria aparência, sendo esse mais uma amostra dos seus métodos bem executados como assassino serial. Mas é no olhar vazio, acompanhado da íris azul, que se percebe sua personalidade pouco dócil, ainda que não seja nem de longe um anúncio do quão destrutivo é o homem encarcerado. Por mais que ele esteja preso como outros criminosos, faz questão de se diferenciar pela elegância.

    Hannibal e Clarice estabelecem uma relação de interdependência grande, tão tangível que quase justifica alguns momentos bem irreais, como a cela meticulosamente pensada para comportar o psicopata enquanto ele está ajudando a encontrar a filha de uma senadora. A influência dele sobre a agente em treinamento é natural pela inexperiência de Clarice. Mesmo que seu caráter e índole sejam bastante fortes, ela ainda é uma agente em estado probatório, portanto, não está completa. Seu passado como órfã, por conta de uma ação policial, compromete sua mente e o compromisso em ser fria.

    Por mais que o antagonista procurado pelos agentes da lei seja Bufalo Bill/Jame Gumb (Ted Levine) que faz um papel bastante inspirado, o brilho de vilão recai sobre o conselheiro de Clarice. Demme trabalha bem o desenrolar das duas tramas, do matador baseado no real caso de Ed Gein, e no médico que serve de conselheiro para a protagonista.  Ao menos, há mais em comum entre Hannibal e Bill, eles tem uma ligação que faz o espectador entender que há certa intenção de seguir um legado.

    Ao longo dos anos, filmes de assassinos em série entraram e saíram da moda devido a essa produção. Se7en  é bem visto, mas A Cela, Rios Sangrentos e até Jogos Mortais foram sub produtos de qualidade questionável. Silêncio dos Inocentes é a fonte de inspiração para todos eles e para as sequencias e prequels baseadas no mesmo personagem. Mas as sutilezas desta versão não foram replicadas tão bem em outras histórias.

    Demme conduziu um filme simples, que não faz rodeios e que mostra o pior da alma do homem. Apesar de toda a qualidade do filme, há um conjunto de caracterizações delicadas em sua composição, ainda mais na associações fálicas da condição transexual com psicopatia, fruto dos preconceitos de sua época. Mas a produção é mais que uma peça presa ao seu tempo. É o exemplo maior dos filmes de psicopatas, que ditou tendência e moda e que se vale de dois personagens ricos, que compõem uma dupla complementar de pessoas desajustadas e incompreendidas, mas que ainda assim são geniais.

  • Crítica | Be Natural: A História Não Contada da Primeira Cineasta do Mundo

    Crítica | Be Natural: A História Não Contada da Primeira Cineasta do Mundo

    O filme começa com uma montagem cheia de clichês hollywoodianos, tendo início com os blockbusters recentes, depois dos anos 90 e 80 até chegar em Charles Chaplin, aludindo a toda a trajetória que o cinema teve do começo com os Irmãos Lumiere até hoje. O documentário conta a história de Alice Guy Blaché e se inicia na França, no começo dos experimentos dos Lumière, narrado por Jodie Foster.

    A especialidade da cineasta Pamela B. Green é o trabalho na áreas de design gráfico, animação e pesquisa de filmagens de arquivo, e seu esforço documental começa pela árvore genealógica da sua biografada, mostrando o parentesco das pessoas ainda vivas e que prestaram ajuda a Green para montar esse quadro. Não demora a mostrar uma de suas primeiras obras, A Fada do Repolho (La Fée aux choux), de 1889, que por sua vez era uma refilmagem do mesmo filme rodado três anos antes e aqui já se nota uma diferença básica de seu trabalho em relação aos Lumière, pois ela investia em ficção enquanto os irmão faziam mais documentários.

    Guy Blaché aparece no filme basicamente em duas entrevistas em vídeo, uma de 1957 e outra de 1964 que são diluídas e passam conforme a trajetória e jornada pessoal e de trabalho avançam. Bizarramente, a maioria das pessoas famosas que depõem, entre elas Peter Bogdanovich, Geena Davis, Patty Jenkins, entre outros, não fazem a menor ideia de quem seja a diretora e o maior trabalho do filme certamente é tentar entender o motivo dela ter sido apagada da história.

    Alice sempre sonhou em ser atriz, mas foi proibida pelo pai de fazer teatro, e isso faz com que haja suspeita de que a mulher que protagoniza a maior parte dos seus filmes seja a própria. Segundo uma perícia feita para o documentário, há uma chance grande disso, ainda que o método utilizado não seja totalmente preciso. Além disso, o modo como ela gravava era bastante sofisticado para a época, por meio de uma pré-gravação dos sons de seus filmes.

    Nos estudos de Sergei Eisenstein nota-se que ela influenciou o diretor soviético em seu modo de registrar. O termo Be Natural que dá nome ao filme era utilizado como lema nos sets, ela pedia que o elenco agisse de maneira realista. Entre os filmes estudados, há destaque para Esmeralda (La Esméralda, 1905), filme que adaptava O Corcunda de Notre Dame de Victor Hugo e que demorou a ser associado ao nome da diretora (os registros apontavam para um assistente de direção como realizador), há também uma versão da Paixão de Cristo (The Birth, the Life and the Death of Christ, 1906), um filme grandioso e o primeiro a ter mais de trinta minutos de tela. Um Tolo e Seu Dinheiro (A Fool and His Money, 1912), com Jamie Russell tinha o elenco totalmente formado por negros, em uma época em que geralmente brancos faziam black face e representavam os negros como seres caricatos e involuídos.

    O documentário é longo e carece de um ritmo dinâmico, mas as razões que levaram a diretora a ser descreditada são muito bem explicitadas, em especial pela ignorância dos historiadores e autores de livros sobre a pré-história do cinema. O trabalho de Green é muito acertado ao buscar respostas sobre o que aconteceu com a figura da diretora.

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  • Crítica | Táxi Driver

    Crítica | Táxi Driver

    É engraçado, sempre que revejo Táxi Driver, clássico de Martin Scorsese cuja graça já foi discutida e exalada por tantos artigos, cada vez mais parece ser um conto de horror que o notório vagabundo alemão Charles Bukowski dedilhou em alguma guia de calçada, de madrugada, num acesso elegante de um fôlego só. É um tour desavergonhado pela marginalidade mais urbana e orgulhosa do mundo. Na figura de um taxista, e seu carro, onde não se sabe onde começa um e termina o outro, Nova York explode, se escancara num strip-tease de consciência e culpa mundanas, sem jamais ressoar ou fazer sentir-se superficial.

    Scorsese, sem querer (querendo), cria a própria mitologia de sua carreira: O neon das noites, o amargo das relações, a escuridão rachada pelas luzes, a violência sem propósito definido… Sintomas de uma selva nunca tão colorida e tão vasculhada assim por Travis Bickle, o motorista que já viu de tudo e não se importa com mais nada, banhado pela danação existencial dos arredores conflitantes. Só que Táxi Driver nunca se desarma, empacotando o personagem da revolta sobre tudo e todos, uma figura unilateral para muitos, só para esconder os chamados de um artista às inúmeras reflexões muito além da sua era, sua realidade, sua (falta de) moral.

    Nisso, pode-se constar a genialidade do Scorsese dos anos 70. Não que o mesmo esteja mais óbvio (e está mesmo, desde Gangues de Nova York), mas o caso não é esse: Seus confrontos eram mais fundamentados na ética que na dialética objetiva do ser e seus locais; no interior sobreposto a qualquer interesse pelo exterior, diferente de um Fellini (ídolo do diretor) que sabia trabalhar todas as vertentes de uma forma ainda mais eloquente, e épica mesmo, porque não. Por isso que fica difícil acreditar que o cara de Touro Indomável tenha se submetido a estudos técnicos tão dessemelhantes ao seu passado, de 2004, pra cá, flertando com um Cinema mais aceitável, mais dócil e menos filosoficamente sofisticado, por assim dizer…

    Mas como será que Táxi Driver seria imaginado hoje, haveria espaço em 2018 para as andanças e a revolta crescente de um taxista na América decadente de Trump? Provavelmente sim, e de uma forma ainda mais frontal que a mostrada no clássico de 76, algo que talvez retirasse a elegância encenada em tempos mais propícios a romanização do todo. Contudo, algo indica que não valeria a pena, vide todo o charme temporal e o espírito tão característico (e conveniente) do pós-guerra americano que dificilmente seria reconstruído sob o mesmo fascínio conjectural, mais uma vez.

    Isso porque a psicologia dostoievskiana que rege o espírito de Bickle na busca por explicações, de rua em rua, para uma vida cheia de conflitos inexplicáveis justamente por estarem cruzados com os caminhos das outras pessoas, incontroláveis como a cidade que constroem dia e noite, ela se expande na tela como se girasse em torno da poluição mental que verte dos bueiros, resultando em absolutamente todas as ações e reações de uma trama tão New Hollywood que chega a doer. Quando o personagem de Robert de Niro, este presente no Top 3 do ator, começa a se relacionar com a jovem prostituta interpretada por uma divina Jodie Foster, assistimos uma tormenta tentando lavar toda a maldade do mundo, mesmo que com sangue. Há ingenuidade no caos.

    Há limites para o inferno na Terra. Terror, romance, drama… Agora, acredito mais ainda que nas circunstâncias e peculiaridades culturais e sociopolíticas dos anos 70, para que a história se contextualizasse ao máximo, Bukowski estava sentado naquela guia evocando um dos mais famosos estudos de personagem com a ajuda d’outro cara, tão louco quanto, um tal de Paul Schrader na tentativa de um manifesto tão franco quanto atencioso ao lugar de um cidadão num mundo que ele não entende mais, não se vê íntegro nele e tampouco assim o deseja, tampouco desejado. Scorsese, nisso, resolve filmar um peixe amarelo se debatendo no meio do deserto cujo oásis ele caça, sem saber, de bica em bica, e o resto é mitologia. Um grande filme, contemporâneo como poucos, e que não deve ser inteiramente desbravado, mata virgem que é e merece continuar sendo na posterioridade das artes.

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  • Crítica | Jogo do Dinheiro

    Crítica | Jogo do Dinheiro

    Jogo do Dinheiro

    Jogo do Dinheiro é um produto que se vale de paralelos com a realidade, pervertendo ligeiramente os acontecimentos verossímeis, ainda fazendo um comentário sóbrio sobre paranoia, comunicação e manipulação. O longa foca no programa televisivo Money Monster, o mesmo que dá nome ao filme, um programa sensacionalista e pseudo jornalístico que faz um show de avisos sonoros e atrações teatrais, enquanto discute os rumos da bolsa de valores e demais espectros da economia americana.

    O âncora do programa é o canastrão decadente Lee Gates (George Clooney), que logo percebe que sua parceira de trabalho, Patty Fenn (Julia Roberts) está de saída da direção de seu programa, deixando-o em uma posição ainda mais degradante do que a já vista neste início de trama. No último programa que a dupla comandaria acontece um evento entrópico, com a entrada de um homem revoltado no estúdio de posse de uma arma de fogo e uma bomba. O personagem é interpretado por Jack O’Connell, e suas motivações são expostas aos poucos, inclusive incorrendo a identidade do atirador (chamado de Kyle Budwell), os motivos que o fizeram ameaçar a vida dos membros da produção e instaurar o caos ao vivo e em rede nacional.

    Jodie Foster consegue harmonizar dois estilos de direção diferentes, primeiro dando vazão a um cinema de protesto, que desdenha do american way of life, semelhante ao executado pelo cinema alternativo europeu com o cunho político de desconstrução do capitalismo clássico como meio de vida e economia ideal, ao mesmo tempo que remete à economia tanto orçamentária quanto de exploração sensacionalista, típica dos filmes mais politizados de Clint Eastwood e Robert Redford, especialmente Leões e Cordeiros e Poder Absoluto, emulando também a estética do cinema clássico norte-americano.

    Em seu quarto filme dirigido, Foster consegue reunir uma adrenalina avassaladora com uma discrição assustadora, o que facilita e muito no brilho tanto de Clooney, que está inspiradíssimo, quanto de Roberts, que consegue reunir um conjunto de nuances enormes mesmo em um papel muito comedido. A direção de atores da realizadora já havia sido posta à prova em Um Novo Despertar e segue firme, sem permitir qualquer vacilo na apreensão causada no espectador.

    O roteiro de Jamie Linden, Alan DiFiori e Jim Kouf ainda possui dois pontos de absurda inteligência, que é a desconstrução da solidariedade gratuita, normalmente apontada pelos veículos comunicacionais mais conservadores, mostrando que mesmo a audiência de Gates pouco se importa com a vida do showman, assim como traça paralelos no comportamento de Kyle com a faceta do Justiceiro recentemente trazido para o audiovisual com a série do Demolidor e com a história do Anjo Exterminador. O personagem é tão rico que mesmo ele reconfigurando as noções de poder, ainda há espaço para mostrar uma impotência crônica com os seus conhecidos, em especial com sua noiva, que faz desconstruir sua moral de assassino assim que ganha voz, o que faz salientar ainda mais a fragilidade do sistema.

    Jogo do Dinheiro consegue fugir dos clichês dos termos técnicos e ser ácido, mostrando a crueza da alma humana e como os ditames econômicos servem aos poderosos e oneram a classe trabalhadora comum, construindo um arquétipo invertido visto no clássico de Gillo Pontecorvo Queimada!, ainda se valendo do método socrático maiêutico, além de ironizar os chavões típicos de filmes sobre televisão, como a presença de uma equipe fiel independente das adversidades. E, claro, alfinetar os finais adocicados, com um pouco de esperança mesmo para os personagens que não merecem redenção moral. Ainda assim, os últimos momentos soam realistas e pragmáticos. Mesmo com todo o rebuliço, a rotina continuará privilegiando os que já detêm o poder, tanto político quanto monetário.

  • Crítica | O Quarto do Pânico

    Crítica | O Quarto do Pânico

    O início da década de 2000 não foi muito generoso com alguns dos maiores cineastas da modernidade. Os irmãos Coen patinavam com produções como O Amor Custa Caro e Matadores de Velhinhas; Terrence Malick trazia o bom, mas cansativo, O Novo Mundo; Martin Scorsese sofria com duras críticas ao filmes Gangues de Nova York e O Aviador, dentre outros exemplos. Nesse contexto, David Fincher não conseguiu escapar da curva com seu quinto filme como diretor: O Quarto do Pânico.

    O filme abre-se de maneira bem interessante, com tomadas externas de pontos específicos de Nova York, enquanto os seus componentes, como os prédios e seus vidros espelhados, se misturam, refletem e interagem com as letras dos créditos, causando um belo efeito visual. Após termos contato com toda a amplitude da cidade, o foco se volta aos personagens principais, Meg Altman (Jodie Foster) e Sarah Altman (Kristen Stewart), que visitam uma bela e enorme casa, incomum em Manhattan.

    Por estar se divorciando do rico marido, Meg procura uma nova casa para ela e sua filha, e dinheiro não é problema. Porém, a casa pertencia a um investidor paranoico que construiu em seu lar uma verdadeira fortaleza para resistir a tudo, especialmente invasores, transformando seu quarto em um “quarto do pânico” revestido de aço, concreto e com linha telefônica separada, sistema interno de TV, além de um estoque de água e outros itens de sobrevivência. Ao adentrar o quarto fechado, Meg se vê sofrendo os sintomas da claustrofobia, que estranhamente irá passar conforme o filme avança. Mas, mesmo assim, fecha o negócio e se muda para a casa.

    Na noite da mudança, três homens invadem a casa para roubar o cofre que se encontra justamente dentro do quarto secreto. Títulos ao portador que valiam milhões. Os invasores Burnham (Forest Whitaker), Raoul (Dwight Yoakam) e Junior (Jared Leto) não sabiam que teriam moradores na casa porque Junior se confunde com as datas: por meio de uma desculpa muito preguiçosa do filme de tornar tudo um simples “acaso”, Junior acha que 14 dias são três semanas, acreditando que só seriam contados os dias úteis. Raoul, o desconhecido que Junior traz sem avisá-lo do assalto, já se mostra desde o início portador de uma estranha e violenta personalidade, que assusta o pacato Burnham, funcionário de uma empresa em que trabalha instalando equipamentos de segurança, como os do quarto da casa.

    Os três decidem realizar o trabalho mesmo assim, mas ao descobrir que existem invasores no domicílio, Meg e Sarah se escondem no quarto do pânico, e aí que começam os problemas para ambos os grupos. A tensão é bem estabelecida e mantida durante o segundo ato, pois se dentro do quarto mãe e filha estão seguras, não houve tempo de ligarem todos os equipamentos de segurança, como o telefone, além de Sarah ser diabética e não ter levado sua injeção de insulina.

    Enquanto Junior e Raoul tentam de forma brutal achar um jeito de entrar no quarto, Bunham tenta tirar de lá as duas moradoras de várias formas, uma engenhosidade dos personagens, especialmente de Meg, que soa um pouco estranha, como se qualquer cidadão normal pudesse tê-la, ainda mais sob tamanho stress.

    A relação entre os próprios bandidos começa a mudar quando suas divergências sobre os métodos de como lidar com a situação começam a ir por caminhos muito diferentes. Bunham não quer machucar ninguém, e Raoul não se importa com isso, tanto que Junior é morto por este, agravando a tensão entre ambos.

    Após Meg conseguir fazer um contato mínimo com seu ex-marido, este aparece e é usado como refém pelos bandidos, o que força Meg a sair novamente do quarto. Porém, Sarah lá permanece e Meg consegue jogar para ela o estojo com a insulina.

    Bunham abre o cofre e pega os papéis, que eram muito mais valiosos do que pensavam. Mas Raoul, fazendo o claro clichê papel do bandido mau, tenta matar Meg, e Bunham acaba salvando-a, fazendo o papel do bandido bom, e é preso por isso. As sequências finais, com imenso potencial, acabam se perdendo em meio a tantas reviravoltas que abusam de clichês.

    Esse emaranhado de acontecimentos no terceiro ato são um exemplo claro do principal problema do filme. Apesar de ficarmos tensos ao acompanhar o desenrolar da trama, ela não tem uma base para se sustentar e não consegue cativar profundamente o espectador, já que trabalha sempre em cima de superficialidades. O filme se torna esquecível a partir do momento que acaba

    O Quarto do Pânico tem vários elementos que funcionam bem. A casa escura, grande e solitária, totalmente vigiada, ajuda a contar a história através de suas câmeras. Porém, o que acaba prejudicando a obra é justamente o fato da trama não ter muitos atrativos além do quarto e como várias coincidências são necessárias para se estabelecerem as tensões que a fazem andar. Dentro daquele universo, fica difícil saber se haveria algo mais a ser feito, mas o fato é que a produção falha em pisar fora do lugar comum das obras do gênero, tornando sua experiência quase que descartável após assisti-la, algo que deixa muito a desejar frente a uma filmografia tão grande e importante quanto a de Fincher. Felizmente, os outros filmes compensam.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | Elysium

    Crítica | Elysium

    elysium

    Neil Blomkamp parece não querer sair do gueto. O cineasta utiliza uma ambientação bastante parecida com a de Distrito 9, especialmente no aspecto de favela, só que de uma forma mais “globalizada”, pois a comunidade carente em Elysium não se restringe somente a periferia de Joanesburgo, mas sim ao mundo todo, transformando a “aldeia global” num autêntico puxadinho sem reboco.

    A premissa tem em sua base um conceito bastante semelhante ao mostrado por Phillip K. Dick em Caçador de Androides – e que foi suprimido no filme de Ridley Scott. Como no conto, os ricos e aptos vivem fora da Terra, por esta não comportar mais a capacidade de estabelecer-se uma vida plena e saudável. A trama se passa em 2154 num futuro sujo e pessimista. A comparação visual com Mad Max, e seus filhotes bastardos, é inevitável, cenários desertos em meio ao que antes eram grandes metrópoles – e tal característica até ajuda a gerar empatia pela história contada.

    Polícia automatizada, agente da condicional robótico e repressor, sarcasmo como ato digno de punição, tudo isso para demonstrar a decadência da humanidade e também a inexistente compreensão às necessidades do próximo. A empatia está fora de cogitação, há uma valorização enorme do bem-estar puramente egoísta, sem importar com o social. A sociedade retratada sofre um controle coercitivo e de mão de ferro, que protege os ricos e estabelece normas rígidas aos pobres, punindo severamente os que não as cumprem. Temas como o combate à imigração, trabalho em regime semi-escravo e sem as mínimas condições de saneamento também são ventilados.

    O roteiro de Blomkamp é sem rodeios, pontual e preciso, isso é bom até certo ponto, até que as resoluções tornem-se coisas rápidas e fáceis de resolver, algumas até piegas. A construção dos personagens deixa a desejar. A atuação de Matt Damon é equivocada, mal dá para acreditar em seu drama e seu esforço dentro do emprego para fugir da marginalidade. Max, seu personagem, não parece o bandido arrependido que o script exige, e a ligação dele com Frey – Alice Braga na atuação mais lúcida do filme – soa forçada, assim como o laço afetivo automático de Max pela filha doente de seu antigo amor. Wagner Moura está histriônico e caricato, mas não compromete. Jodie Foster faz a encarnação da mulher autoritária, fria e insensível, mas que ao final parece resgatar um pouco de sua humanidade, recusando a ajuda da enfermeira, como que se punindo por seus atos errados. O filme trabalha com arquétipos demais, e o tema exigia algo mais profundo. O destaque vai mesmo para Kruger – Sharlto Copley – que faz um Chuck Norris rejuvenescido, que é até carismático, mas em momento justifica a virada que ele deu no final.

    Da terça parte para o final, o roteiro passa a apresentar um sem número de coincidências desnecessárias. Lembra muito os erros de Prometheus, com um ótimo início e um final aquém das expectativas, mas não tão desastroso quanto o primeiro. Elysium tem um amontoado de coisas boas, mas que  peca pela alta previsibilidade, problema que passa longe do excelente trabalho anterior do realizador.

  • Crítica | Deus da Carnificina

    Crítica | Deus da Carnificina

    carnage - poster

    Dois casais, Penelope e Michael Longstreet (Jodie Foster e John C. Reilly) e Nancy e Alan Cowan (Kate Winslet e Christoph Waltz) encontram-se no apartamento dos Longstreet para conversar a respeito de uma briga em que os respectivos filhos se envolveram. E o encontro, comprovando o princípio entrópico, avança e degenera rumo ao caos, transformando-se na carnificina do título.

    A exemplo de Who’s Afraid of Virginia Woolf?, o filme é adaptado de uma peça de teatro em que dois casais estão confinados num único ambiente – casa ou apartamento. Contudo, diferente deste, em que os recém-casados Nick e Honey (George Segal e Sandy Dennis) presenciam a lavação de roupa suja do casal “mais veterano”, Martha e George (Elizabeth Taylor e Richard Burton), em Deus da carnificina os casais parecem ter mais ou menos o mesmo tempo de vida em comum e as batalhas verbais ocorrem entre todos. Mesmo assim, é difícil não traçar um paralelo, já que em ambos os casais usam o conhecimento advindo da intimidade para que suas palavras causem o maior dano possível. A ironia, o sarcasmo, a acidez de algumas falas revelam que cada um conhece o ponto fraco do outro e mira ali propositalmente. Contudo, o diferencial do filme de Roman Polanski é que as discussões vão além do relacionamento entre os casais – por exemplo, o capitalismo despudorado de Alan versus o idealismo esquerdista de Penelope.

    O fato de ser uma adaptação de uma peça poderia se tornar um complicômetro. Porém, o diretor soube usar a técnica cinematográfica a seu favor, fazendo algo que no teatro não seria possível e, assim, direcionando o olhar do espectador a seu bel-prazer. Os atores surgem em planos e contraplanos, aos pares, trio, quarteto, acompanhando, como num passo de dança, a intensidade dos diálogos. E, assim como Sidney Lumet em 12 Homens e uma Sentença (também baseado numa peça), Polanski usa a câmera para controlar o ponto de vista do público e intensificar sua reação ao que acontece em cena. É interessante notar que o confinamento dos casais nesse ambiente deve-se totalmente ao acaso – o café oferecido na hora de ir embora, o sinal do celular que falha a caminho do elevador, entre outros pequenos eventos que fazem o casal Cowan sempre voltar ao interior do apartamento.

    E, já que o desfecho não é inesperado (sabe-se desde o trailer para onde se encaminha a trama), o interessante é acompanhar como isso acontece. Ver a evolução dos personagens. A civilidade e as convenções sociais sendo deixadas de lado. A polidez dando lugar à sinceridade extrema. As máscaras caindo à medida que os ataques verbais se sucedem. Situações triviais deflagrando reações desmedidas e aparentemente irracionais. A conversa, que se inicia de forma trivial, evolui de tal forma que deixa o ambiente tenso. Comentários normalmente inofensivos tornam-se o estopim para uma saraivada de reclamações e observações sarcásticas. E as protagonistas das discussões vão se alternando – casal versus casal ou um contra um em todas as combinações possíveis.

    A tensão que se instaura desde o início gera até uma reação física em Nancy. É estranho lembrar-se de um filme e referenciar-se a ele por causa de uma cena de vômito. Mas a cena foi tão bem feita e encenada, tão verossímil – tem-se a impressão de sentir aquele odor acre característico – que fica difícil não citá-la. Principalmente por que é a partir daí que a situação degringola. Se o espectador fica ao mesmo tempo surpreso e chocado com a cena, o mesmo ocorre com os personagens. O vômito parece servir de gatilho para os bons modos serem abandonados enquanto todos se sentem no direito de, a partir desse momento, expressar livremente seus pensamentos.

    Kate Winslet está perfeita nesta cena. Mas não apenas nesta: destaque também para o declínio do seu grau de sobriedade após alguns goles de um ótimo scotch. Aliás, todo o elenco está acima da média. Mesmo não tendo mais nada a provar, há tempos não se via Jodie Foster tão bem num papel. Numa obra em que a trama é calcada em personagens e diálogos, a excelência das atuações é algo essencial e que garante a fluidez da narrativa. O espectador consegue acompanhar, em closes e planos-detalhe, os gestos, maneirismos, micro-expressões de cada um dos atores, nuances dos personagens que seriam impossíveis de observar num teatro.

    Não é o melhor filme de Polanski. Mas mesmo um filme menor do diretor consegue conceder ao espectador uma experiência cinematográfica gratificante, mesmo que incômoda. Afinal, enxergar-se nas atitudes dos personagens não é nada agradável.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Crítica | Contato

    Crítica | Contato

    poster do filme contato

    Contato (1997) é a adaptação, dirigido por Robert Zemeckis, do livro homônimo de Carl Sagan. É uma obra de ficção científica e um bom exemplo de uma grande produção, que tem mais a dizer que apenas um belo espetáculo visual.

    O filme nos conta a história de Ellie (Jodie Foster), uma pesquisadora de física astronômica que desde a infância, incentivada por seu pai, nutre um fascínio pelo cosmo e, depois de formada com louvores no MIT, declina o convite para ocupar uma cadeira no corpo docente de Harvard para trabalhar com rádio astronomia em um projeto de busca por inteligência extra terrestre (SETI) em Porto Rico e depois consegue financiamento para assumir o Very Large Array (VLA), no Novo México.

    Contato brinca em vários momentos com essa mistura de ficção e realidade, com observatórios reais e discursos reais do presidente dos EUA, Bill Clinton, colocados no contexto do filme (ele não atuou, foram usadas imagens pré existentes), além de âncoras reais da CNN, – esses sim trabalhando para o filme. Zemecks usaria esses mesmo recursos novamente em Forrest Gump. Em Contato, temos uma aproximação maior daquelas situações que são exploradas no filme e que, dados os fatos, seriam de certa forma plausíveis caso viessem a acontecer.

    Antes de mais nada, o filme é um espetáculo visual, apesar de não ser apenas isso. Com um início belíssimo, de uma tomada como se a câmera estivesse na estação espacial, o filme inicia se afastando da terra, do sistema solar, da via láctea e da galáxia. Belas representações, tanto do céu, quanto de galáxias inteiras são abusadas no filme, o que me lembrou dos melhores momentos da série Cosmos, do próprio Carl Sagan, porém aqui com um orçamento muito maior e, por consequência, muito mais trabalhado esteticamente.

    Além de tudo isso, Contato é um filme corajoso pelos temas que aborda. A começar por sua protagonista, uma cientista brilhante, que é a grande responsável por uma das maiores descobertas da humanidade e que se vê em conflito em diversos momentos pelo fato de ser uma mulher enfrentando o mundo machista da própria ciência e também por seus posicionamentos políticos e religiosos. Além da própria Jodie Foster contribuir muito com a credibilidade passada para o papel.

    É corajoso também por seus temas e suas críticas, muito delas herdadas de toda a obra de Carl Sagan. Para entender um pouco melhor essa crítica, busco falar um pouco do plot, que segue com Ellie e seu projeto SETI, o qual está prestes a perder o apoio do governo. É quando eles encontram um sinal de rádio, que não parece ser um alarme falso. Não é um pulsar, uma interferência ou estática, mas sim uma inteligência tentando estabelecer contato, tentando passar uma mensagem. Primeiramente só são detectados alguns números inicias da mensagem, números primos, que segundo Ellie seriam a prova de uma inteligência alien e não algo da natureza.

    Ellie, enquanto cientista, começou a espalhar a palavra mundo afora, já o governo, através do departamento de defesa americano, começou a sentir a necessidade de manter aquilo em sigilo. E instaurou a ameaça de militarizar suas pesquisas, mesmo sendo uma atividade civil.

    O que eles descobrem, além dos números primos, é que os aliens estavam mandando a primeira transmissão televisiva que a humanidade enviou pelo ar, que foi o discurso de abertura das olimpíadas de 1936, na Alemanha, por Hitler. Neste ponto temos mais uma crítica a nossa sociedade como um todo. Hitler é um produto da nossa sociedade, onde qualquer ser pensante não se orgulha de compartilhar a mesma estrutura de cromossomos que ele, portanto, uma crítica a nossas atitudes como seres humanos, que por mais que superemos tal situação ruim, por mais que uma ideia seja derrotada, ela deixará eternamente uma marca, um risco na nossa história.

    Seguindo, havia ainda uma terceira camada de informações, essa sim que mudaria o rumo da humanidade: Um conjunto de dados, criptografados, que estabeleciam um padrão, mas ninguém conseguia encontrá-lo. A partir disso o filme tenta traduzir no momento  Eureka de Ellie o sentimento da descoberta científica. De algo que estava ali o tempo todo e que era tão simples. Só era necessário um passo a mais de compreensão, um olhar distorcido para que o avanço fosse possível.

    A partir desse momento, descobre-se que esses dados eram projetos, plantas, de uma máquina da qual ninguém sabe o real objetivo.  Apenas decidem construí-la, afinal, era possível, – mais um dos momentos de exaltação da ciência. Daqui pra frente, se continuar estragarei a experiência com o filme. O que posso dizer, é que há o envolvimento amoroso de Ellie com Palmer Joss (Matthew McConaughey), que também levará a questionamentos sobre fé e Deus, e como isso pode “justificar injustiças”, além do personagem David Drumlin (Tom Skerritt), que é uma espécie de antagonista da história, um homem sem muitos escrúpulos para atingir seus objetivos, numa representação clara da ambição e suas consequências.

    Fato é que o filme, tem seus furos de roteiro e seus clichês. Algumas situações são resolvidas rápidas demais e outras fogem um pouco do da lógica do restante do filme, como o fato de Palmer Joss ser um assessor da presidência americana para assuntos sobre religião, sendo apenas um escritor de livros que criticam a tecnologia e ciência que nos levam a uma sociedade mecanicista.

    Esses furos, porém, são muito pequenos e não atrapalham o que deve ser observado como foco principal, que são todas as críticas sociais que Contato trás consigo. Sua crítica a religião e a fé cega, juntamente com a política e os modos com que a política se conduz ou deseja conduzir a sociedade, dando crédito a grupos extremos calcados apenas em fé e descreditando aqueles baseados em pesquisa, ciência, em busca da verdade. Apenas pelo fato de que o grupo que crê, constitui uma maioria. Se voltarmos rapidamente à Hitler, este também, em dado momento foi apoiado por uma maioria.

    Contato, além de sua crítica, é um filme que exalta a ciência, o pensamento cientifico, o ceticismo e a busca pela verdade. E acima de tudo trata-se de uma homenagem a Carl Sagan, com billions and billions de suas citações adaptadas nas frases ou às situações dos personagens. Sagan, que apesar de não ter um trabalho científico tão notável, foi importantíssimo para toda uma geração, influenciada por seu trabalho de divulgação científica, não só no aspecto técnico e acadêmico – até por ter sido alguém que fugia dos padrões da academia. Mas também pelo incentivo a criatividade e seu modo de enxergar a nossa sociedade.