Tag: Anthony Hopkins

  • Crítica | O Grinch (2000)

    Crítica | O Grinch (2000)

    O Grinch é um longa natalino dos anos 2000, protagonizado por Jim Carrey e dirigido pelo boa praça Ron Howard. A trama se desenrola mostrando passado e presente do famoso personagem que odeia o Natal, por um motivo que no original era um mistério, mas que seria descoberto pela pequena Cindy Lou (Taylor Momsen).

    Lendo a sinopse, o longa parece mais uma história comum que retrata a data festiva, mas o roteiro trata de uma adaptação do escritor Dr. Seuss, famoso na literatura infantil por trazer histórias cínicas, que não tratam crianças como pessoas ingênuas e tolas. Suas mensagens divergem bastante do status quo e do conservadorismo de sua época.

    A preocupação dos estúdios era apresentar uma história sobre como o consumismo arruína o sentimento natalino, quando a história é mais que isso, dado que mostra uma personagem cuja raiz de maldade é desconhecida, e esse é um dos charmes dele, diferente desta versão.

    Mas nem tudo é negativo. Cindy representa uma variação da ideia de Seuss a respeito da perversão dos valores mais puros da sociedade. Ela questiona sua família e amigos do quanto eles se entregam para o consumismo e o quão supérfluo pode ser essa linha de pensamento, e perceber que existe outra figura que também não simpatiza com a data, no caso, o Grinch, faz ela seguir na direção dele.

    Há uma dificuldade de Hollywood em lidar com a mitologia de Seuss, em O Gato, lançado em 2003, o resultado foi tão negativo que a viúva do escritor entrou na justiça para que não houvesse mais filmes live actions baseado nesses livros infantis. A Illumination atualmente tem os direitos das histórias, e dribla essa condição fazendo filmes animados baseados nos livros do escritor, todas vazias de significado feitas unicamente para vender brinquedos e afins.

    Se o leitor estiver realmente curioso para ver obras sobre a carreira e personagens do autir, nos anos sessenta foi lançada uma série de animações para a televisão, entre elas Como o Grinch Roubou o Natal, comandada pelo mestre em animações Chuck Jones, o mesmo que ajudou a imortalizar a figura sacana de Pernalonga e outras personagens Looney Tunes na segunda metade do século XX.

    A produção é peculiar especialmente pela caracterização dos Quem. Ao passo que a direção de arte acerta na figura do Grinch e no cenário de sua casa — suja, bagunçada e cavernosa, como o interior do “monstro” — toda a arquitetura da Quemlândia é caricata, parecendo mais um parque de diversões de baixo investimento do que o lar de uma raça humanoide estranha. Não há também um equilíbrio entre os momentos mais lúdicos e o humor mais  físico. Há muitos piadas de flatulência, e elas parecem estranhas ao dividir espaço com a narração prosaica de  Anthony Hopkins.

    Ao menos a atmosfera da obra denuncia a falsa moralidade de autoridades políticas e do povo em geral, mas o preço para isso é uma abordagem que chega a irritar de tão doce que é a mentalidade dos Quem ou ao que eles pregam, já que praticamente todas as pessoas do vilarejo escondem algo. É fácil entender o Grinch, odiar essas pessoas é obrigação para qualquer sujeito honesto.

    Dr. Seuss escrevia de maneira sucinta, então para ter uma história de mais de noventa minutos foi preciso inventar muita coisa. Aqui se dá um passado trágico ao personagem, que visa explicar sua rejeição ao natal. A motivação soa banal e piora quando divide tela com as desnecessárias referências a cultura pop. A ideia de transformar o vilão em alguém que se autoflagela não era ruim, e visto a qualidade das produções posteriores das adaptações do autor, essa é a mais bem sucedida nos cinemas, especialmente por não demonizar o incompreendido, embora o Grinch não necessite de redenção ou de explicação para a raiz de seus problemas. Se isso não fosse o bastante, infelizmente, o personagem ainda fica marcado demais pelo desempenho físico de Carrey, que mesmo estando bem, ajuda a descaracterizar o personagem clássico transformando-o em outra coisa.

  • Crítica | O Silêncio dos Inocentes

    Crítica | O Silêncio dos Inocentes

    O Silêncio dos Inocentes começa enigmático, mostrando a Clarice de Jodie Foster percorrendo uma cinzenta floresta em Quantico, na Virgínia. Pouco tempo depois a expectativa de perigo é substituída pela percepção de que ela está se preparando, como agente em treinamento. A personagem é uma mulher vista como alguém pequena, ainda mais em comparação com os homens altos que habitam aqueles cenários cinzas da academia do FBI. Essa questão dos tamanhos seria usada por Jonathan Demme como um prenúncio da historia, ainda que não estabeleça a gravidade e a tragédia de assassinatos de inocentes, sobretudo mulheres, que concentram os momentos mais emocionantes do roteiro.

    A atmosfera de suspense e thriller é pontuada pela música de Howard Shore que, em sua discrição, consegue sutilmente injetar ainda mais mistério nas cenas pensadas. Cenas desenvolvidas de maneira lenta, mesmo o passado de Clarice Starling é discutido de maneira paciente. Mas desde a gênese, é tratada como uma mulher forte e bem resolvida,  como aliás é bem comum nas obras de Thomas Harris, o autor do livro homônimo que Ted Daily usou como base para seu roteiro. Mirando entrar para um departamento novo que estuda a Ciência de Comportamento, ela é designada para dialogar e pedir ajuda a um serial killer, o doutor psiquiatra Hannibal Lecter.

    Nas conversas iniciais que a protagonista tem com o personagem de Anthony Hopkins é estabelecido com clareza o fascínio e curiosidade da protagonista que, aliás, reflete a curiosidade do espectador que se questiona como um renomado médico perdeu sua carreira e conseguiu ser pego por crimes tão bizarros quanto os que cometeu. Ainda que no início fique a sensação de que talvez o que se fala seu a respeito seja boato.

    Demme usa muito bem o misancene, tanto com Clarice, que tenta se manter durona mas demonstra momentos de fragilidade, como uma criança prester a entrar em um mundo adulto e feio, como também na insanidade e sujeira que leva até o psicoterapeuta forçadamente aposentado por seus crimes. Na cela de Hannibal os tons de marrom predominam (essa aliás, é uma cor muito utilizada dentro do filme). Mais parece uma gruta, uma caverna, onde um bárbaro ou animal predatório vive. Então, por mais que ele pareça educado e cordato, é fácil perceber sua frieza.

    A personificação de Hopkins, aliás, é outro fator diferenciado. Lecter é carismático, quase dócil ao expressar seus desejos e exigências para o grupo de investigadores. Seu sotaque característico e o cabelo ralo e bem penteado mostram o quão meticuloso é com a própria aparência, sendo esse mais uma amostra dos seus métodos bem executados como assassino serial. Mas é no olhar vazio, acompanhado da íris azul, que se percebe sua personalidade pouco dócil, ainda que não seja nem de longe um anúncio do quão destrutivo é o homem encarcerado. Por mais que ele esteja preso como outros criminosos, faz questão de se diferenciar pela elegância.

    Hannibal e Clarice estabelecem uma relação de interdependência grande, tão tangível que quase justifica alguns momentos bem irreais, como a cela meticulosamente pensada para comportar o psicopata enquanto ele está ajudando a encontrar a filha de uma senadora. A influência dele sobre a agente em treinamento é natural pela inexperiência de Clarice. Mesmo que seu caráter e índole sejam bastante fortes, ela ainda é uma agente em estado probatório, portanto, não está completa. Seu passado como órfã, por conta de uma ação policial, compromete sua mente e o compromisso em ser fria.

    Por mais que o antagonista procurado pelos agentes da lei seja Bufalo Bill/Jame Gumb (Ted Levine) que faz um papel bastante inspirado, o brilho de vilão recai sobre o conselheiro de Clarice. Demme trabalha bem o desenrolar das duas tramas, do matador baseado no real caso de Ed Gein, e no médico que serve de conselheiro para a protagonista.  Ao menos, há mais em comum entre Hannibal e Bill, eles tem uma ligação que faz o espectador entender que há certa intenção de seguir um legado.

    Ao longo dos anos, filmes de assassinos em série entraram e saíram da moda devido a essa produção. Se7en  é bem visto, mas A Cela, Rios Sangrentos e até Jogos Mortais foram sub produtos de qualidade questionável. Silêncio dos Inocentes é a fonte de inspiração para todos eles e para as sequencias e prequels baseadas no mesmo personagem. Mas as sutilezas desta versão não foram replicadas tão bem em outras histórias.

    Demme conduziu um filme simples, que não faz rodeios e que mostra o pior da alma do homem. Apesar de toda a qualidade do filme, há um conjunto de caracterizações delicadas em sua composição, ainda mais na associações fálicas da condição transexual com psicopatia, fruto dos preconceitos de sua época. Mas a produção é mais que uma peça presa ao seu tempo. É o exemplo maior dos filmes de psicopatas, que ditou tendência e moda e que se vale de dois personagens ricos, que compõem uma dupla complementar de pessoas desajustadas e incompreendidas, mas que ainda assim são geniais.

  • Crítica | Meu Pai

    Crítica | Meu Pai

    Logo, logo, Anthony não vai mais lembrar quem é. Nem seu nome, nem seu endereço, muito menos sua família, ou a história da própria vida. Meu Pai é a adaptação da peça homônima que nos convida à verdade: a pior dor, vem a conta-gotas. Perder o pai, aos poucos, dia após dia, acaba com sua filha Anne, que precisa viver sua vida (mulher casada e prestes a viajar a trabalho) numa Londres ensolarada, que convida ao progresso, a ser feliz. Sem enxergar o pai como âncora, Anne faz o seu melhor, contrata cuidadoras, mas às vezes chora na cozinha, na cama com seu marido que não aguenta mais ser “vítima” dos problemas de demência do velho sogro. Todo dia, um absurdo diferente, “roubaram meu relógio”, grita o idoso. “Eu quero minha mãe.”, “Quem é essa mulher?”, e enquanto isso, Anthony definha a olho nu. Um bebê de oitenta anos.

    Mas Anthony não quer ser um problema para ninguém, não admite ser vítima do próprio transtorno. Entre as várias possibilidades de interpretação, Meu Pai explora o caminho para o fim numa contagem regressiva hipnótica, graças também à sua ótima e discreta edição. A questão, portanto, é clara desde o início, e nosso subconsciente percebe isso desde os primeiros cinco minutos do filme: até que ponto vale a pena tornar menos doloridos os nossos dias, e achar caminhos para isso, já que o pesar não é uma escolha para uma situação familiar tão difícil, como essa? Se enganar é uma boa opção, ou seria melhor aceitar o desafio, e se preparar, ao invés de fugir, ou pior: fingir que tudo irá melhorar? Anthony só vai piorar, mas Anne mente a si mesma, chegando a ponto de imaginar a morte do patriarca, até que chega uma hora que a demência do pai não tem mais volta, e é preciso ser adulto em relação a vida. Seja lá o que isso signifique.

    É de Florian Zeller a peça original, e o filme de 2020 também, sendo que grande parte do sucesso indiscutível de Meu Pai deve-se ao fato de Zeller não transformar seu filme, em teatro filmado – como é o caso de A Voz Suprema do Blues, infelizmente. Produto cinematográfico de altíssimo nível, Meu Pai torna-se graças a astúcia de Zeller um legítimo representante do cinema francês (europeu, mas especialmente francês) falado em inglês, aprofundando o drama humano sem exageros, orgulhosamente elegante em cada plano, mas repleto de pequenos grandes momentos pontuais, coerentes a trama como um todo. Mas o clímax do show são dois titãs em cena: um monstro sagrado de Hollywood, e uma rainha em ascensão. Anthony Hopkins faz, aqui, apenas a atuação da sua carreira, e Olivia Colman volta a interpretar uma mulher simples, bem longe do luxo monarca, com absoluto brilhantismo. De se rasgar elogios, e não apenas lágrimas e espanto, para suas atuações que contribuem, e muito, para tornar a obra uma experiência devastadora.

  • Crítica | Em Má Companhia

    Crítica | Em Má Companhia

    Em Má Companhia é um filme de Joel Schumacher de 2002, que mirava as fitas de super espiões que faziam sucesso naquela época, em especial os da franquia Missão: Impossível e a duologia As Panteras. Sua trama começa em um lugar suntuoso, num cenário no estrangeiro onde são colocados frente a frente Anthony Hopkins, Peter Stormare e Chris Rock, que fazem respectivamente o mentor Oakes, o bandido Adrik Vas e o suposto herói Kevin Pope.

    O filme não perde tempo, já começa com a ação em alta, ocorrendo até a morte de um dos personagens centrais. A música animada de Trevor Rabin ajuda o filme a manter uma tônica mais otimista, mesmo com a tragédia que aparece ali. Todo o roteiro tenta apresentar de maneira séria uma ideia esdrúxula, com a CIA, que deveria ser uma  agência que prima pela inteligência, procurando em Jacob Jake Heyes, o irmão gêmeo perdido de Kevin, o substituto para ele, basicamente por ser um esperto malandro de rua, que fala gírias e parece ser maroto o suficiente para lidar com criminosos graúdos do cenário mundial.

    Ao menos há o artifício positivo de Jacob ser um sujeito engraçado. Rock está solto, e entre os momentos mais malucos estão o fato de ele, ao começar a aprender uma nova língua, se focar em traduzir frases sobre infecções que jamais teria, como como complicações vaginais e ausência se menstruação. O humorista tem liberdade para fazer toda graça que lhe cabe e esse talvez seja o filme mais caro onde ele tem espaço, muito mais do que normalmente fazia nos filmes da Happy Madison com Adam Sandler e seus capangas. No entanto, o fracasso na bilheteria freou certamente a carreira dele como frontman em filmes de ação ou produtos mais caros, o que de certa forma, é uma lástima, já que filmes muito piores conseguiam êxito (como a franquia A Hora do Rush), enquanto o longa de Schumacher mal se pagou.

    Por mais genérica que seja a historia – e é muito! – há um número grande de situações tensas e cenas de ação absurdamente bem conduzidas. A fotografia de Darius A. Wolscki ajuda a estabelecer essa atmosfera de super espionagem e, mesmo tendo inúmeros problemas narrativos contando até com um final adocicado, há um  certo charme na interação de Rock e Hopkins. Ambos possuíam uma química inesperada juntos, fazendo desse Em Má Companhia não um filme subestimado, mas certamente muito competente dentro de seu filão, mesmo com todas as críticas negativas a seu respeito.

  • Crítica | Dois Papas

    Crítica | Dois Papas

    Podemos dizer que a quase década que perdurou do ano de 2005 até 2013 foi bastante agitada para a Igreja Católica. Com o falecimento de Karol Wojtyla, mais conhecido como João Paulo II, um dos maiores papas da história, deu-se início ao conclave, que consistia na busca por um novo papa. O conclave é como se fosse uma eleição, porém, ultrassecreta, onde os cardeais se reúnem para eleger um novo líder de Roma, do Vaticano e consequentemente, da Igreja Católica. João Paulo II foi um papa extremamente carismático, sendo que morte e a consequente escolha de um novo pontífice foram recebidas pelo mundo com muita tristeza e ansiedade. Foi então que após quatro fumaças pretas, os cardeais escolheram o alemão Joseph Ratzinger como novo papa, que adotou o nome de Bento XVI. O papado de Bento XVI foi muito difícil. Logo no início, as acusações de que ele havia sido um soldado durante o regime de Adolf Hitler começaram a pipocar pelo globo. Mas, obviamente, a mensagem compartilhada por milhares de pessoas eram recheadas de maldade e principalmente falta de um mínimo de conhecimento, além disso, o Vaticano foi exposto a uma série de sérios escândalos que envolviam corrupção e pedofilia, o chamado Vatileaks, onde o secretário do próprio papa vazou as informações. É quase certo que os escândalos foram responsáveis pela renúncia de Bento XVI em 2013, um fato inédito na Igreja. Assim, um novo conclave foi realizado e o argentino Jorge Bergoglio que passou a adotar o nome de Francisco, foi eleito o novo papa.

    Dois Papas busca retratar exatamente esse período tão turbulento tratado como um claro pano de fundo, focando, mais precisamente, na relação entre Bento XVI e Francisco (ainda como cardeal Jorge Bergoglio), dois seres extremamente cultos, estudiosos e conhecedores de suas doutrinas, mas com uma única diferença: cada um tinha sua própria maneira de interpretar a Bíblia e os ensinamentos de Jesus Cristo. O que começou com embates intelectuais entre os dois seres, terminou com uma bonita relação de amizade, o que não é escondido de ninguém.

    Dirigido pelo brasileiro Fernando Meirelles, que tem no currículo filmes como Cidade de Deus, O Jardineiro Fiel e Ensaio Sobre a Cegueira, e escrito por Anthony McCarten, que emendou a trinca A Teoria de Tudo, O Destino de Uma Nação e Bohemian Rhapsody, a produção da Netflix é bastante leve, focada principalmente nos diálogos e na humanidade dos dois personagens, ainda que Bento XVI (Anthony Hopkins) seja um pouco mais seco e Bergoglio (Jonathan Pryce) mais bem humorado, piadista e até sarcástico. Apesar de o filme retratar a relação dos dois, fica mais que evidente, que, na verdade, o foco é no argentino, já que podemos observar por meios de flashbacks toda sua trajetória, desde o curioso (e bastante bacana) momento decisivo que fez com que ele decidisse optar por entrar já adulto no seminário, bem como um momento onde muitos enxergam como uma mancha em sua história, durante o período da ditadura militar argentina. Acredita-se que Bergoglio se aliou ao ditador Jorge Rafael Videla, e muitos o culpam pelo sequestro, tortura e morte de algumas pessoas. Obviamente, esse trecho da fita retrata o ponto de vista do futuro pontífice sobre o fato. Falando em fatos, o filme é baseado em fatos reais. Portanto, nem tudo que vimos em tela pode ter realmente acontecido. Obviamente, a simplicidade do cardeal é algo muito bem retratado, já que ele compra suas passagens com o próprio dinheiro, não aceita que carreguem sua bagagem, além de usar uma pasta e um par de sapatos velhos.

    A direção de Meirelles é característica. Com seu braço direito, o diretor de fotografia César Charlone, a dupla usa e abusa de técnicas que hoje são suas marcas registradas: muita câmera na mão e o chamado ângulo holandês, onde a câmera é levemente inclinada deixando a imagem “torta”. Mas o destaque fica por conta da interpretação da dupla de protagonistas. Anthony Hopkins é um estudante metódico do texto. Segundo Meirelles, o ator pediu que o roteiro fosse entregue cerca de cinco meses antes do início das filmagens e pediu que o texto não fosse alterado, o que é muito difícil. Já Jonathan Pryce, buscou observar mais o jeito de Bergoglio, estudando seu jeito de falar, seus movimentos, como gestos, postura, modo de andar e o resultado disso tudo é uma aula de interpretação dos dois atores que são mundialmente respeitados.

    Como dito, Dois Papas é um filme bem leve e bastante equilibrado no quesito drama/humor e traz uma trilha sonora bastante ousada, porém, diferente do que se espera de um filme dessa natureza. Obrigatório para os católicos, o filme também agradará os amantes de bastidores, já que procura mostrar aquilo que, de certa forma, não chega sempre ao conhecimento do grande público. Ainda que seja uma obra de ficção baseada em fatos reais, é algo que vale a pena.

    Texto de autoria de David Matheus Nunes.

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  • Crítica | Red 2: Aposentados e Ainda Mais Perigosos

    Crítica | Red 2: Aposentados e Ainda Mais Perigosos

    Red 2: Aposentados e Ainda Mais Perigosos também começa com os créditos iniciais referenciando a revista da DC Comics, com o traço característico, mostrando Frank Moses (Bruce Willis) lidando com seu par, Sarah (Mary Louise Parker) um mercado mega store, despreocupadamente, quando é interrompido por seu velho amigo Marvin (John Malkovich), para que retornasse a agencia de super espiões. Eis que o antigo amigo do protagonista sofre com a explosão do carro e o  chamado a aventura passa a ser algo impossível de ignorar. A forma como o roteiro de Jon Hoeber e Erich Hoeber lida com a recusa do protagonista é inteligente, ainda mais em se tratando de uma adaptação de quadrinhos.

    A ação que se segue após a sequencia inicial é frenética, e Willis se mostra muito bem fisicamente para esse tipo de historia, que não exige dele mais do que ser um sujeito forte mas que entende as limitações que a idade lhe impõe. 2013, o ano de lançamento desta continuação é o mesmo de Duro de Matar:  Um Bom Dia Para Morrer, e nesse capitulo cinco da saga de John McLane claramente não há o mesmo nível de comprometimento do interprete e nem de veracidade e fidelidade com o personagem, apesar de que a adaptação dos quadrinhos de Warren Ellis e Cully Hammer seja caricata e irreal também, mas dentro dessa proposta, funciona.

    O modo que Dean Parisot conduz o filme é baseado demais em um caráter super estiloso, que põe os personagens que são preparados ou não para o trabalho de super espiões para fazer proezas mil e para serem heróis de ação custe o que custar. Isso evidentemente tem um preço, a suspensão de descrença é completamente abdicada, mas em um produto que mira ser um pastiche das historias em quadrinhos isso não é exatamente um problema.

    Mesmo a exploração de clichês baixos, como a ressurreição de personagens e crises de ciúmes de outros é bem justificada, pelo fato do texto final não se levar a sério. Red 2 usa e abusa do escapismo e de algumas breguices, mas isso em nada denigre o resultado final, e apesar de esse não ser superior a Red: Aposentados e Perigosos, as cenas de ação são muito boas e o conteúdo é divertido e entretém sem dúvida nenhuma.

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  • VortCast 54 | Piores Filmes de 2017

    VortCast 54 | Piores Filmes de 2017

    Bem-vindos a bordo. Flávio Vieira (@flaviopvieira), Filipe Pereira (@filipepereiral), Bernardo Mazzei, Bruno GasparCaio Amorim Rafael Moreira (@_rmc) se reúnem para comentar sobre a lista publicada no site sobre os piores filmes lançados em 2017 no Brasil.

    Duração: 110 min.
    Edição: Caio Amorim
    Trilha Sonora: Flávio Vieira
    Arte do Banner: 
    Bruno Gaspar

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    Brisa de Cultura

    Piores Filmes de 2017

    Lista Completa dos Piores Filmes de 2017
    Crítica Rei Arthur: A Lenda da Espada
    Crítica Boneco de Neve
    Crítica Internet: O Filme
    Crítica Death Note
    Crítica Transformers: O Último Cavaleiro
    Crítica A Torre Negra
    Crítica Emoji: O Filme
    Crítica Alien: Covenant
    Crítica Assassin’s Creed
    Crítica A Múmia

    Menções Honrosas

    Crítica Liga da Justiça
    Crítica Mulher-Maravilha
    Crítica Bright
    Crítica Homem-Aranha: De Volta ao Lar
    Crítica A Vigilante do Amanhã: Ghost in the Shell
    Crítica O Jardim das Aflições
    Crítica Policia Federal: A Lei é Para Todos
    Crítica O Círculo

    Comentados na Edição

    VortCast 49 | Liga da Justiça
    VortCast 48 | O Que Estamos Lendo?
    VortCast 47 | Homem-Aranha e o Cinema
    VortCast 46 | Melhores Filmes de 2016
    VortCast 44 | Piores Filmes de 2016
    VortCast 30 | Steve McQueen, Diretor
    VortCast 19 | Ghost In The Shell
    Estrelas não garantem mais a venda de ingressos de filmes de Hollywood

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  • Crítica | Thor: Ragnarok

    Crítica | Thor: Ragnarok

    O mito de fim da existência é tema comum entre várias culturas. A maior parte das mitologias conta o findar dos tempos de maneira semelhante e dentro desse estereótipo de histórias o Ragnarok está entre os mais ricos, com mais detalhes do que o Apocalipse cristão judaico, por exemplo. É sobre esse fim que o filme de Taika Waititi tenta falar, ainda que esse caráter seja discutível em Thor: Ragnarok, quinto filme que traz Chris Hemsworth como o deus do trovão e que segue os fatos imediatamente após Thor: O Mundo Sombrio e Vingadores: 2 A Era de Ultron.

    O filho de Odin começa acorrentado, como em um dos seus primeiros materiais de divulgação. Tal ato serve para simbolizar os eternos arcos de repetição do filme, uma vez que o roteiro de Eric Pearson, Craig Kyle e Christopher Yost é permeado por essas reincidências, fato que deixa o argumento didático e esquemático. Logo, o herói luta com Surtur (voz de Clancy Brown) e supostamente impede o fim dos tempos. Depois disso, ele trata de desmascarar seu irmão Loki (Tom Huddlestone) e decide enfim ir em direção a Midgard – Terra – para encontrar o verdadeiro entronado de Asgard, Odin (Anthony Hopkins). Depois de encontros com personagens do universo compartilhado da Marvel nos cinemas com direito a uma lição de moral, o protagonista se depara com a vilã da vez, Hela (Cate Blanchett), basicamente para cair, perdendo uma batalha e ir na direção de outro cenário, Sakaar um planeta arena psicodélico governado por um tirano excêntrico e cômico, o Grão Mestre de Jeff Goldblum.

    O filme proposto por Waititi é uma comédia rasgada com alguns elementos de ação, como normalmente são seus filmes. Em O Que Fazemos nas Sombras o pano de fundo eram os filmes de terror com vampiros e aqui é o exploitation de heróis. O grave problema é que há dois tipos de cenários muito distintos dentro desse terceiro Thor, e um deles causa muito mais apreço no público do que o outro. A plateia claramente se afeiçoa mais por Sakaar do que por Asgard, mesmo que a segunda esteja em vias de ser extinta. Afinal, é mais interessante as desventuras do mitológico caso de O Médico e o Monstro visto na persona dupla de Bruce Banner e Hulk de Mark Ruffalo – que parou no planeta por motivos tão psicodélicos quanto as razões que fizeram o personagem título estar lá – bem como a questão moral que move Valkyrie (Tessa Thompson), personagem calada e auto suficiente que seduz a audiência com seu charme e boa construção de drama e passado. Mas, como era prometido, o novo grupo de justiceiros precisariam cruzar a ponte do arco-íris, a fim de salvar o povo de Odin.

    Há uma importância maior para o personagem de Idris Elba, seu Heindall é mais do que o guardião das chaves do reino, tornando-se a vanguarda de um povo rebelde, mas esse crescimento de é inserido parcialmente na trama, já que ele não possui tempo de tela ou aprofundamento suficiente para arranhar mais que a superfície de personagem secundário. Ainda assim, Heindall tem mais sorte que seus companheiros, os Três Guerreiros, que basicamente fazem a mesma figuração que fizeram no Thor de Kenneth Branagh e nas continuações.

    Há uma necessidade exagerada em fazer do roteiro uma história engraçada. Quase todos os personagens que aparecem em cena possuí seu momento piada, seja o gigante esmeralda, que mais uma vez é o alívio cômico deixando de lado o drama de viver como um monstro, ou o personagem de Waititi, Korg, um alienígena com corpo de pedra e extremamente burro. Além disso, nem mesmo as pretensões de Hela são levadas a sério, e o destinos de Asgard parece desimportante, apesar de inferir uma suposta urgência. Os unícos sacrifícios que fazem sentido são os de Valkyrie e dos flagelados de Sakaam.

    Após abusar de muitos McGuffins, Taika Waititi estabelece nesse Thor Ragnarok um misto de filme de autor e episódio de meio de saga. Apesar do prato servido possuir um gosto agradável e menos problemático que os roteiros de Homem de Ferro, Homem Formiga, Dr Estranho e Homem Aranha de Volta ao Lar, o que resta é um produto que tenciona uma identidade dupla que não é totalmente alcançada, ainda que tenha muita personalidade e marcas dos trabalhos anteriores do diretor.

    Waititi parece conduzir sua película de modo bem parecido com o de James Gunn no primeiro Guardiões da Galáxia a procura de um estilo próprio dentro das histórias da Marvel Studios. Ainda que não se tenha garantia de que o diretor também será responsável pelos próximos filmes do Deus do trovão, uma vez que ainda não há planos para mais filmes solos do personagem. De qualquer forma, a produção produz curiosidade pela procura de um formato um tanto inovador para o universo heroico da Marvel, muitas vezes, repetindo narrativas semelhantes.

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  • Crítica | Transformers: O Último Cavaleiro

    Crítica | Transformers: O Último Cavaleiro

    Existem franquias que conseguem o feito de dividir quase que perfeitamente a opinião do público. Velozes e Furiosos, por exemplo, é odiada por muitos que criticam a falta de originalidade do enredo, que reflete em personagens mal construídos e arcos dramáticos muito frágeis. Ao mesmo tempo, os números estrondosos de bilheteria não deixam dúvidas de que os filmes de Vin Diesel e companhia respiram muito bem obrigado e não têm previsão (e pretensão) alguma de chegar a um final definitivo.

    A mesma coisa acontece com Transformers. A série de filmes chega ao seu quinto episódio ainda deficiente em seus pontos mais criticados. A ausência de uma história a ser contada é tão notória que, em determinado momento já no segundo ato do longa, nos perguntamos o que de fato está acontecendo com os personagens. Na trama, Optimus Prime é dominado por uma força mística oriunda de Cybertron, seu planeta natal. O robô esquece então de sua lealdade aos humanos e dá início a uma empreitada em busca do cajado de Merlin (sim, Merlin!), que seria a chave para fazer com que a humanidade pereça e Cybertron ressurja no lugar do planeta Terra.

    Se não bastasse uma sinopse extremamente fraca, já habitual dos filmes da franquia, desta vez os roteiristas decidiram enterrar o pouco de credibilidade que ainda restava a história dos robôs trazendo para ela um contexto mágico medieval que simplesmente não dialoga de maneira alguma com tudo o que já foi mostrado até hoje para os espectadores de Transformers. Nomes como Merlin, Rei Arthur, e a famosa távola redonda, são repetidos diversas vezes ao longo do filme e o estranhamento com a falta de conexão entre os temas é garantido. Péssima ideia da equipe de roteiristas.

    Mark Wahlberg retorna ao papel do “inventor” Cade. Longe da filha desde os últimos acontecimentos de “A Era da Extinção”, ele se esconde em um ferro-velho junto com os robôs aliados e também os dinobots (que aliás, pouquíssimo aparecem em cena). São apresentados ao público dois novos personagens bastante carismáticos. Jimmy, interpretado por Jarrod Carmichael e Izabella, vivida por Isabela Moner. A última, lembra imediatamente a personagem Laura (X-23), de Logan. A menina é de longe a melhor personagem em cena e renderia excelentes momentos, caso o roteiro soubesse o que fazer com ela. Subaproveitada, em diversos momentos esquecemos da existência da personagem e fica aquela vontade de conhecer mais sobre ela.

    Por outro lado, se existe uma coisa que a saga sabe fazer bem é o trabalho técnico. Dificilmente este filme saíra com as mãos abanando da próxima temporada de premiações. É de cair o queixo a qualidade de som, mixagem, efeitos especiais e design de produção. Em determinados momentos, é preciso extrema atenção para depreender todos os itens que compõem as cenas. Aliás, aí está algo que funciona na direção de Michael Bay. Muitas soluções são meramente visuais e passam ilesas no roteiro. Seu cinema construído sobre múltiplos cortes pode gerar incômodo em boa parte da crítica e público, mas está longe de ser sofrível. É uma pena que o texto não acompanhe o ritmo da edição.

    A trilha sonora de Steve Jablonsky não empolga. O maestro faz uso excessivo do já clássico “baum”, aquele som de suspense que ficou famoso em A Origem e depois foi repetido inúmeras vezes no cinema de ação. Por mais que o sim dialogue com a trama, é praticamente impossível ouvir este som e não relembrar ao menos uma dúzia de filmes que fazem uso do mesmo recurso. Transformes: O Último Cavaleiro conta ainda com a participação de Anthony Hopkins, no papel do excêntrico Edmund Burton.

    Texto de autoria Marlon Eduardo Faria.

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  • Review | Westworld – 1ª Temporada

    Review | Westworld – 1ª Temporada

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    Remake do filme setentista Westworld: Onde Ninguém tem Alma, a produção da HBO era cercada de expectativas positivas, principalmente graças a produção executiva do trio J.J. Abrams, Jonathan Nolan e Lisa Joy, com esses dois últimos trabalhando também nos roteiros. O exploitation que mistura elementos do velho-oeste e alta ficção-científica tem seu piloto dirigido por Nolan, que já havia feito um trabalho nos roteiros ao lado de seu irmão, Christopher Nolan, em filmes como Batman: O Cavaleiro das Trevas e O Grande Truque.

    Em seu primeiro capítulo, a série demonstra um cunho muito mais reflexivo e cerebral em comparação ao filme original. A nudez das personagens é apresentada de maneira fria, apesar da beleza de quase todos os intérpretes. A primeira personagem apresentada é Dolores, vivida por Evan Rachel Wood, que é uma das androides, que funciona como uma simples camponesa dentro do roteiro planejado a si, mas que guarda um potencial, tendo em seu comportamento de estranheza com o cenário, o primeiro dos indícios de que um dia despertará para uma clarividência de tudo aquilo que ocorre em Westworld. Em seu núcleo narrativo são mostrados em primeiro plano dois personagens, Peter Abernathy (Louis Herthum), seu pai; e Teddy (James Marsden), seu interesse romântico. Ambos tentam protege-la da hostilidade que vem de fora do parque- dos que não são tão autômatos – chamados de anfitriões – e é nesse ponto que se revela o personagem Homem de Preto, interpretado por Ed Harris, um sujeito aparentemente cruel, mas que tem uma complexidade comportamental bem maior do que aparenta ser nesses primeiros capítulos.

    Outro núcleo apresentado é o dos cientistas, comandados pelo Doutor Robert Ford (Anthony  Hopkins) e acompanhado de Bernard Lowe (Jeffrey Wright) um dos homens que trata da engenharia dos androides. A partir dali começa toda uma discussão que mistura elementos presentes nos romances e contos de Isaac Asimov, principalmente na questão da coisificação e na capacidade que seres robóticos tem de sentir e de ter atitudes humanas, e claro em Blade Runner e demais contos de Phillip K. Dick, na situação teórica de não sabedoria a respeito

    Uma das dúvidas mais presentes nos mistérios que envolvem Westwordl é até onde podem se estender os limites morais humanos caso não haja qualquer restrição culposa, de justiça ou escrúpulos. Há um mcguffin em relação a um personagem humano nesse quesito, mas a parte realmente interessante dentro dessa proposta, é o despertar da cafetina Maeve (Thandie Newton), primeiro diante daqueles que cuidam de si, depois para a situação de controle em que se encontra.

    Outra das questões entre as maiores discutidas, se não o maior é se a perversão do status quo ocorre com os revoltosos a partir de alguma programação prévia, ou como resposta sináptica não programada. A serie suscitou durante sua exibição um número infindável de teorias, semelhante ao fenômeno ocorrido com Lost, sendo quase todas essas teorias ligadas as duas personagens femininas mecânicas, com Maeve ao poucos sendo estimulada a suas lembranças antigas, por meio de um visitante mais benevolente, de nome William (Jimmi Simpson), e Maeve, que se envolve com seus cuidadores Sylvester (Ptolemy Slocum) e Félix (Leonard Nam). Ambos arcos possuem eventos interessantes e outros nem tanto, reunindo questões de sensacionalismo bastante evidente e sonegação de informação pura e simples, obviamente montada para não revelar demais tão cedo. Dentre essas, há algumas incongruências, que somente são notadas ao observar o todo, ainda que grande parte dessas lacunas possa ainda ser respondida em temporadas vindouras.

    A exploração do tema relativo as lembranças dos anfitriões ajuda a aumentar a importância do debate ético levantado, propondo a questão de que se os seres automatizados podem sentir, reter memórias e ter consciência própria, não se deveria ter o direito de coisificá-los, ao contrário, já que esses escravos de narrativa e vivência tem muitas semelhanças com o homem que os criou, feitos a imagem e semelhança de Ford e do misterioso programador Arnold. As discussões que o personagem de Hopkins e Bernard tem sobre os detalhes de programação e backgrounds dos anfitriões mostram um complexo e onipotência enorme sobre o inventor de tudo aquilo.

    Maeve transporta o comportamento indócil que tem nos laboratórios a sua rotina dentro do parque. A cooperação que recebe dos que fazem sua manutenção põe em cheque se seus auxiliadores são humanos ou construtos, fato que serviria para mais um plot twist. O cenário da Guerra Civil Americana faz lembrar visual e espiritualmente o clássico de Sergio Leone Três Homens em Conflito, com Teddy fazendo às vezes de pistoleiro sem nome com o ímpeto do Django de Franco Nero e Sergio Corbucci.

    Uma das maiores riquezas no texto do programa é o modo lírico com que ocorrem as manipulações, seja dos organizadores do parque ou com os próprios anfitriões. Ford é um sujeito controlador e astuto, não parece ter qualquer culpa em tratar suas criações como meros utensílios, ludibriando-as mesmo quando apresentam uma vontade categoricamente oposta a si. Sua contra parte contraria pode ser vista em Maeve, não só na dicotomia presente entre criador e criatura, mas também na velha guerra dos sexos, mostrando ambos usando suas armas para moldar a atitude dos que o cercam ao seu bel prazer, sem levantar a voz ou ameaçar de qualquer forma.

    O parque é um lugar onde tudo é permitido. Até então, a pecha do Onde Ninguém Tem Alma presente no subtitulo brasileiro do filme não havia feito tanto sentido como neste ponto, uma vez que a diversão e prazer dos que lá chegam é intimamente ligada a dor e sofrimento de outrem. A banalidade que habita o ideal dos visitantes é a de fazer suas próprias dores passando ao usar e abusar de seres inteligentes, que em suma, são tão humanos quanto eles mesmo, com o diferencial de que a maioria dos anfitriões é indefesa perante a programação, que por sua vez também é organizada pela raça opressora.

    Para Dolores sobra a revolta via dor, enquanto Maeve se vinga por maus tratos. A aproximação da lembrança de um amor não correspondido e transformando em terror no futuro a faz se tornar amarga e com um desejo insaciável de violência e truculência. Ao final, o desfecho das duas personagens não é mais tão diferenciado quanto foi em toda trajetória de Westworld, e apesar das múltiplas explicações do season finale – e que mataram quaisquer saudades de Interestelar e A Origem – há uma conclusão catártica e visceral, com alguns cliffhangers, mas nada absurdamente desrespeitoso com a audiência. Para o publico médio, essa temporada pode soar de difícil compreensão, mais aos olhares mais atentos, certamente a empreitada de Joy, Nolan e Abrams ainda tem muitíssimo a discutir e elucubrar, sobre os porões da alma humana e os anseios do sujeito em tornar-se igual o seu objeto de adulação, renovando as leituras sobre a mito de Prometeu e da Árvore do Bem e do Mal que Adão e Eva desfrutaram, ainda com todo um horizonte a se explorar e refletir.

  • Crítica | Presságios De Um Crime

    Crítica | Presságios De Um Crime

    Presságios de Um Crime - Poster

    Pensado inicialmente para ser uma sequência de Se7en: O Sete Crimes Capitais, Presságios de Um Crime rodou durante muito tempo nos noticiários de cinema nos últimos anos. O projeto foi atrelado a diversos diretores ao longo do tempo, com rumores fortes apontando, em meados de 2005, que Paul Verhoeven finalmente tiraria o filme do papel. Bruce Willis e Morgan Freeman chegaram a ser apontados como protagonistas, mas, como podemos ver, nada disso aconteceu. No final das contas, o roteiro foi filmado pelo brazuca Afonso Poyart – diretor de 2 Coelhos – e o elenco encabeçado por Anthony Hopkins.

    Na trama, o eterno Hannibal Lecter interpreta John Clancy, um médico com poderes psíquicos que vive em isolamento após a morte de sua filha. Ele é recrutado por seu grande amigo e agente do FBI Joe – interpretado por Jeffrey Dean Morgan – para auxiliar em uma série de mortes perpetradas por um serial killer que não parece seguir nenhum tipo de padrão para escolher suas vítimas. Ainda que relutante, Clancy aceitar ajudar seu amigo e se une a ele e a sua cética parceira Katherine, vivida por Abbie Cornish, para tentar prender o assassino.

    Percebe-se de início todo o senso estético de Afonso Poyart. O diretor filma com uma minuciosa atenção a todos os detalhes que compõem o ambiente onde acontece cada cena. É interessante perceber como cada cenário de crime possui uma “temperatura de cores” de acordo com o momento de cada vítima. No que diz respeito à relação dos personagens, existe uma atenção especial em demonstrar a tentativa do protagonista em se manter sempre distante, mesmo do seu amigo. Porém, ao começar a se aproximar da agente Katherine, o diretor brasileiro não consegue esconder a falta de química e sincronia entre Hopkins e Abbie Cornish. Na condução de algumas sequências de ação, o diretor também faz um bom trabalho, principalmente na primeira hora de filme. Entretanto, na sequência final Poyart acaba errando a mão, além de ser extremamente prejudicado por efeitos especiais ruins.

    O roteiro do filme começa interessante, mas ao longo do tempo vai perdendo força e passa a sucumbir a soluções fáceis ou que já foram utilizadas em películas de histórias semelhantes. A maneira como o assassino, interpretado por Colin Farrell é introduzido, é bem interessante e remete a uma cena do filmaço Fogo Contra Fogo, dirigido por Michael Mann e estrelado por Al Pacino e Robert DeNiro. Há ainda um grave problema de mudança de tom no terço final da obra. A forma como o “complexo de Deus” do assassino é apresentado por ele é bem interessante, porém poderia ser melhor trabalhada. Ele conta tudo de uma maneira parecida com o que fazem os vilões dos filmes de 007, deixando pouco espaço para a imaginação do espectador ou para uma possível surpresa. Enquanto durante todo o tempo o filme exibe um trabalho de investigação com pitadas sobrenaturais de maneira sóbria, ao se aproximar do filme tudo isso é substituído por um tom histérico que destoa completamente de tudo que gere algum tipo de apreensão, mas somente uma vontade de que o final chegue logo antes que o filme se torne constrangedor.

    Anthony Hopkins claramente atua em piloto automático, tendo pouquíssimos momentos de brilhantismo. Abbie Cornish e Jeffrey Dean Morgan, intérpretes da dupla de agentes do FBI que procura o personagem de Hopkins, defendem com dignidade seus papéis e funcionam bem quando estão juntos. Porém, somente Morgan funciona em dupla com Anthony. Quando chega a vez da lindíssima Abbie contracenar com o veterano, as coisas não funcionam tão bem assim. Colin Farrell chega a beirar a caricatura, mas é verdadeiramente o melhor do elenco em cena. Ainda que tenha pouco tempo em tela, ele consegue roubar o filme para si. Seu olhar enlouquecido e sua inquietação constante o transformam em um personagem assustador.

    Não dá pra saber se todo o tempo que demorou a ser produzido e as inúmeras vezes que o roteiro foi reescrito afetaram a qualidade do projeto, mas Presságios de Um Crime não foi a estreia dos sonhos do brasileiro Afonso Poyart. O resultado final é um filme irregular, que possui alguns poucos bons momentos.

  • Crítica | Dragão Vermelho

    Crítica | Dragão Vermelho

    Dragão Vermelho - Poster

    Um ano após o lançamento de Hannibal, a esperada continuação de Silêncio dos Inocentes, foi o tempo suficiente para que uma refilmagem de Dragão Vermelho, primeiro livro sobre o canibal de Thomas Harris, fosse anunciada e, de maneira às avessas, finalizasse a trilogia sobre a personagem.

    A obra já havia sido adaptada para as telas por Michael Mann em lançamento anterior ao filme consagrado. Embora seja uma obra elogiada, Anthony Hopkins não interpretava a enigmática personagem, o que motivou esta nova versão. Inicialmente, o ator seria substituído por um ator mais jovem, mas uma maquiagem rejuvenescedora foi o suficiente para que o ator assumisse novamente Hannibal.

    A narrativa de Dragão Vermelho possui pontos estruturais semelhantes com Silêncio dos Inocentes. O agente do FBI Will Graham pede ajuda ao renomado psiquiatra para resolver um caso de assassinato envolvendo duas famílias. Diferindo-se de Clarice, Graham possui uma relação de trabalho com Hannibal quando suspeita do psiquiatra em uma série de assassinatos e se torna responsável por levá-lo a prisão.

    No papel de Graham, Edward Norton compõe um interessante personagem que, graças à série, Hannibal, ganhou o destaque necessário na interpretação de Hugh Dancy. Até então, Graham nunca havia sido páreo para a popularidade de Clarice Starling de Jodie Foster. Inteligente e destacado por sua aptidão em compreender a mente de criminosos e interpretar com precisão cenas de crimes, o policial sente um medo aparente de Lecter, ainda que tenha sido responsável por sua prisão e, consequentemente, provado sua superioridade intelectual. A caracterização de Norton – exceto pelo estranho cabelo aloirado – é contida, mas suficiente para transmitir a insegurança diante do canibal e destreza na condução da investigação.

    Abordando tanto a investigação quanto o vilão do título, a história tem um interessante equilíbrio entre as frontes conflitantes de bem e mal. O Dragão Vermelho é composto entre o grotesco de suas ações – crimes chocantes que atraem o leitor da narrativa policial em geral – e um escopo psicológico que justifica os atos desse homem que viveu a infância com uma mãe agressiva. Desenvolvem-se tanto a batalha do policial versus assassino como a relação entre Will e Hannibal, um monstro aparente que transita entre os dois polos, ajudando a polícia ao mesmo tempo que se comunica com o vilão, um fã assumido dos feitos de Lecter.

    A direção de Brett Ratner mantém o estilo de Jonathan Demme, uma tentativa de simular a claustrófica ambientação de O Silêncio Dos Inocentes. O ponto mais fraco da trama seja talvez sua personagem de maior nome. Em cena, Anthony Hopkins não mantém uma presença bem composta como na história lançada em 1991. Sua personagem parece afetada demais, com uma prosódia mais exagerada do que a composição anterior e sem o mesmo brilho, como se sentisse desconfortável de alguma maneira além da personagem. A suposta maquiagem rejuvenescedora não funciona e parece limitar o ator, como se evitasse expressões faciais para não marcar sua idade avançada. Talvez, com a tecnologia atual – a qual rejuvenesceu Michael Douglas de maneira impressionante em Homem-Formiga –, fosse possível uma interpretação mais apurada que corrigisse posteriormente eventuais marcas de velhice em seu rosto. Ainda assim, a elegância ambígua de Lecter está intacta em sua interpretação.

    Mesmo esta interpretação estranha não é capaz de destruir o bom equilíbrio da trama e as outras boas atuações que sustentam o suspense, com uma boa versão de um dos grandes vilões do cinema. Uma produção que não se configura como a obra-prima de 1992, mas muito melhor executada do que o terceiro ato dirigido por Ridley Scott.

  • Crítica | Missão: Impossível 2

    Crítica | Missão: Impossível 2

    Missão Impossivel 2 - poster

    Após Missão: Impossível com uma narrativa de espionagem bem conduzida por Brian de Palma, Missão: Impossível 2 avança a um novo patamar com John Woo na direção, dando sequência a uma missão como base e explorando atos de ação bem realizados, um de seus grandes talentos.

    Distante de Hollywood há anos, essa produção foi a última do diretor a arrematar uma alta bilheteria e ser elogiada simultaneamente, suas produções seguintes em Hollywood, O Pagamento e Códigos de Guerra foram lançamento tímidos em relação a suas grandes obras como O Alvo e A Outra Face. Ao vermos um filme de Woo, é possível notar o quanto a indústria absorveu seu estilo. As cenas de ação filmadas com atenção, detalhes e coreografias se tornaram um produto além de seu estilo, ainda que suas cenas seja mais apuradas. Aliado a Tom Cruise, astro que sempre dispensa dublês nas cenas, o encontro foi significativo para produzir um grande filme de ação.

    A composição de Missão: Impossível formada por um grupo de inteligência cujas missões são focadas em sua dificuldade e em feitos impossíveis permitiu que cenas exageradas fossem aceitas com mais naturalidade e hoje, mesmo com o desgaste desse estilo com cenas que desafiam as leis da natureza, com introjeção do realismo brutal após Identidade Bourne, a história é funcional e coerente com a ambientação criada e a sensação de que, para a equipe, o difícil é ainda fácil de ser realizado.

    Nesta nova aventura, Ethan Hunt deve recuperar um vírus das mãos de um dissidente com o apoio de uma equipe formada por dois escolhidos e a ladra Nyah (Thandie Newton), que possui afinidade emotiva com o vilão Sean Ambrose (Dougray Scott). A ação do virus é tão devastadora que mata o hospedeiro após vinte horas, um dos motivos pelo qual ele deve ser recuperado imediatamente.

    O equilíbrio entre trama e cenas de ação é feito cuidadosamente. Mesmo que as cenas de ação se destaquem pela composição, há um bom enredo articulado na recuperação do vírus, sem parecer apenas apoio para a ação. Woo tem apuro nas filmagens das cenas de ação e demonstra porque seu estilo foi replicado por outros cineastas. Sua câmera lenta não é selecionada somente em momentos chave da luta para maior impacto. Mas sim escolhidos para destacar tanto detalhes cênicos quanto explicitar cenas em um recurso narrativo próprio. Como exemplo, o primeiro encontro de Hunt e Nyan merece destaque. Em cena situada na Espanha, em um show de dança espanhola, as personagens se observam em lados opostos do palco enquanto os dançarinos transitam em outro plano da cena. A câmera lenta registra a fluidez da dança simultaneamente aos olhares e flertes trocados um pelo outros. A sequência é retomada quando Hunt persegue a moça em uma corrida de carros que termina com uma derrapada-balé em sincronia. Mesmo beirando o impossível, a linguagem da cena demonstra a mesma intenção anterior, uma espécie de dança metálica entre carros mantendo a sincronia das personagens.

    O diretor tem habilidade para transformar cenas em signos visuais internos coerentes com seu estilo de filmagem. Faz da violência uma estética que dentro de sua brutalidade produz beleza. Não a toa, o ato final da história é o grande embate entre Hunt e Ambrose. Divido em pequenos atos, a cena atinge o ápice da história. Inicialmente, em uma excepcional fuga de motocicletas para a luta corporal. Em um breve deserto perto de um penhasco, as maquinas automotivas distantes uma da outra parecem duelar como um western contemporâneo quando avançam e, finalmente, mocinho e vilão lutam no braço. Hunt se divide entre uma luta física rápida e agil – antecipando a vertente realista – e o balé coreografado aumenta o impacto em momentos específicos ampliando a tensão e dando fluidez a luta destacando-a em pontuais momentos em câmera lenta. Diante do exagero extremo, o momento final da batalha chega no ápice do impossível, mas até este momento, sabemos que a tônica da produção é um viés misto de realidade e ficção e aceitamos o exagero.

    Com grande fôlego, Woo elevou a série ao inserir sua ação característica, expandindo-se além da narrativa de espionagem e compondo um grandioso trabalho cinematográfico de ação.

  • Crítica | Jogada de Mestre

    Crítica | Jogada de Mestre

    Jogada de Mestre - poster
    Diretor responsável pelas duas partes finais da trilogia sueca Millennium, William Brookfield retoma um fato real acontecido em 1983, quando um dos presidentes da companhia Heineken foi sequestrado por um grupo de amigos, sucedendo uma ação destacada na imprensa como um dos resgates mais caros da história.

    Jim Sturgess, Sam Worthington e Ryan Kwante estrelam Jogada de Mestre, produção que parece testar a popularidade destes atores ainda em início de carreira com apoio de Anthony Hopkins como coadjuvante, um nome de peso para dar credibilidade à trama. Vivendo um momento delicado em um empreendimento realizado em conjunto, os amigos decidem mudar de vida após um empréstimo negado pelo banco. Diante desta adversidade natural, evitam qualquer conceito moral e escolhem o sequestro de um homem rico como a maneira de lhes salvar.

    A situação crítica vivida pelo grupo se apresenta nos primeiros momentos da produção, mas sem a carga dramática necessária que justifique uma transgressão deste porte. O grupo arquiteta o sequestro com detalhes, realizando o assalto a um banco para construir, dentro de um galpão, o cativeiro no qual ficará o homem. Enquanto aguardam a resposta para o pedido de resgate, o tempo da ação se torna maior do que o esperado, e embates começam a surgir no grupo.

    O roteiro escrito por William Brookfield se baseia no livro de Peter R.  de Vries, que também assina o roteiro,  o qual é desenvolvido a partir de depoimentos que apresentam a visão de um dos sequestradores. No filme, porém, a história transcorre de maneira linear, apresentando um grupo como um todo. A ausência de um ponto específico não traz nenhuma particularidade para a narrativa. Os atores centrais, que sempre representaram personagens carismáticas em outros filmes, não desenvolvem nenhum aspecto que faça o público ao menos torcer temporariamente por eles. Assim como o veterano Hopkins faz uma interpretação no automático representando o personagem rico que parece não se importar com o sequestro, sentindo falta apenas do ambiente de conforto onde normalmente vive.

    Permanece a impressão de que a trama deseja apenas uma apresentação e dramatização dos fatos, sem nenhuma profundidade ou empatia com personagens e dramas envolvidos em um sequestro. O resultado é uma história comum e apática que nem mesmo o prestígio do nome de Hopkins faz valer a exibição.

  • Crítica | Noé

    Crítica | Noé

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    Darren Aronofsky é um cineasta jovem, conhecido por sua maneira peculiar de filmar, a de utilizar edição videoclíptica e roteiros densos com mensagens vistas tanto pela superfície da história quanto pelas camadas interiores. Outro fato notável de sua filmografia é o enorme apreço que dá ao visual, utilizando-se da acuidade das imagens para demonstrar sua visão de mundo, e, por meio desse arroubo, abre algumas dubiedades e duplicidades de interpretações. Em Cisne Negro, Requiém Para um Sonho e O Lutador ele tratava de determinados tipos de perversões, todas ligadas à obsessão. Em seu mais recente filme, de altíssimo custo, a obsessão está presente não só no roteiro, mas também concerne ao pensamento de teólogos e religiosos ao retratar a história de um personagem tão canônico quanto o capitão do Senhor.

    O título da obra é Noah — Noé no Brasil, um dos poucos nomes traduzidos com a grafia que Joaquim Ferreira de Almeida amputou na versão da Bíblia Sagrada — por capricho e distinção de gênero, pois a intenção do diretor era realizar um filme épico, que, por tradição e convenção, leva em si o nome do protagonista, acima de qualquer dado técnico. Mesmo que os assuntos discutidos sejam até maiores que a trajetória pessoal de qualquer personagem, como a questão da escravidão em Spartacus, e a trinca injustiça social, engano e vingança em Ben Hur. Talvez aí resida a maior polêmica entre os fiéis que esperavam uma história literal das “escrituras sagradas”, ainda que a história seja menos “deturpada” que muitas interpretações de sacerdotes atuais.

    O cinema de Aronofsky não é conhecido pela obviedade em relação à interpretação de suas histórias, o que abre um precedente para um sem número de discussões. Uma das possibilidades dentro do roteiro de John Logan e do próprio diretor é a preocupação não só em contar a história de Noé, mas também em resumir em uma amálgama o Gênesis — primeiro livro dos pentateucos que conta a origem da humanidade e do mundo segundo essas crenças particulares. Há uma preocupação legítima com a nomenclatura das criaturas canônicas, e termos como anjo e Deus são evitados, exceto pelo diálogo entre a parentela de Noé no qual se ressalta que ela não ouviu diretamente a voz do Criador.

    Outra questão espinhosa é a dos ditos Guardiões, comumente associados a “anjos caídos” (em outras palavras, o exército de Lúcifer) que seriam seres de luz enviados ao Éden para vigiar Adão. A associação é totalmente errônea até pela ordem dos fatos, visto que os seres não resistem e interferem na criação e, por isso, são castigados por quem antes lhe tinha dado todos os poderes — assim como aconteceu com o homem, o que mostra uma uniformidade no modus operandi do Criador.

    No decorrer da trama a imagem de “supremo punidor” do Criador é desconstruída por meio do perdão, lembrando-se, claro, que toda a maldição sobre eles e os homens é consequência do pecado de Adão: os homens foram obrigados a trabalhar para ganhar o seu sustento, consequência da perda da inocência. Quanto aos Guardiões, perderiam seus aspectos de luz e seriam compostos de terra e pedra. Eles retornam pela benevolência de Deus, o que definitivamente descaracteriza a ideia de eles serem criaturas diabólicas, até porque a raiz do mal não é determinada por um único avatar e sequer isenta o homem de tê-la; o mal é algo inerente ao homem, o que o difere dos outros animais, e como nos dizeres bíblicos, cabe ao homem dominá-lo.

    A serpente é parte do homem e simboliza a selvageria inerente ao humano, por isso Noé titubeia. O melhor aspecto da história certamente é a criação do ideário do herói e a fidelidade e corrupção humanas. O Noé de Russell Crowe e Aronofsky reúne arquétipos dos principais heróis do Gênesis. Ele tem em si o óbvio pioneirismo do primeiro homem de Adão, tem o bom sacrifício de Abel, invejado pelos seus iguais, numa também óbvia referência à Caim. Talvez a figura mais inspiradora para o perfil do personagem seja a do Pai da nação semita, Abraão. As referências vão desde a culpa por não conseguir salvar os outros homens da destruição e, claro, ao sacrifício de sua descendência, com um fim parecido com o do conto bíblico, mas diferente quanto ao meio. Noé corre até a aldeia dos povos que descendem de Caim, com quem ele travava uma eterna rivalidade, e lá vê o modo como os homens vivem, onde a ganância supera até o instinto de família. Tal corrupção faz com que Noé questione a sua missão e entenda que o que corrompeu a vida na Terra foi a interferência humana. Se os filhos de Caim pecavam daquela forma, ele talvez fosse capaz de fazer aquilo, e a conclusão de que essa não deveria ser uma questão incontestada é um dos momentos mais emotivos da fita.

    Outro elemento positivo, certamente o ponto máximo do roteiro, fez com que o aspecto mais impressionante da película fosse tão valorizado. A forma como Noé se comunica com o Criador não é didática, mas feita por meio de sonhos e visões — o que gera ainda mais comparações com heróis bíblicos, como o profeta Daniel. A inundação que aparece nos sonhos é belíssima, especialmente quando dela surgem os animais que são depois embarcados. Os efeitos especiais compõem um belo recurso narrativo e  um deslumbre visual singular, com 3D comparável aos mais esperados nesse aspecto, como A Invenção de Hugo Cabret e As Aventuras de Pi, superando até os dois primeiros.

    O final é esperançoso e rearranja de forma atual os argumentos bíblicos, reapresentando seus preceitos de forma bastante fiel. Claro, tomando as necessárias liberdades e salientando aspectos comuns ao espectador comumente consumidor dos filmes de Guillermo Del Toro e Peter Jackson, sem ignorar o background antropológico dos produtos anteriores de Aronofsky.

  • Crítica | Thor: O Mundo Sombrio

    Crítica | Thor: O Mundo Sombrio

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    O sinal de alerta diminuiu bastante, mas continua ligado. Após o repleto de equívocos Homem de Ferro 3, o Marvel Studios prossegue em sua chamada Fase 2 com Thor – O Mundo Sombrio. Esta segunda (Leia nossa crítica sobre o primeiro Thor) aventura solo (e terceira aparição, na cronologia peculiar do estúdio) do Deus do Trovão sabiamente dedica-se ao universo particular do personagem e consegue encontrar espaçao para, enfim, introduzir elementos para os próximos filmes. Porém, tropeça em alguns problemas desconfortavelmente semelhantes ao citado terceiro filme do Sr. Stark.

    A trama, surpresa nenhuma, situa-se logo após Os Vingadores. Vemos Loki em prisão perpétua, e a única que parece ainda se importar com ele é sua mãe adotiva Frigga. Thor está empenhando em batalhas pelos Noves Reinos, mergulhados num caos depois da destruição da Ponte do Arco-Íris, e não consegue deixar de pensar na Terra e/ou Jane Foster. A bela doutora, por sua vez, segue pesquisando fenômenos científicos enquanto suspira pelo loirão. E é ela, graças a um acidente do destino, que desencadeia a ameça da vez: derrotados há milhares de anos por Bor, avô de Thor, os elfos negros e seu líder Malekith retornam para devolver o universo às Trevas.

    O primeiro Thor sofre duras críticas – injustiçadas – que se concentram no tempo do filme passado na Terra. Em O Mundo Sombrio, esse tempo é reduzido, mas o problema é maior. Paradoxal? Nem tanto. Antes era uma história de origem, havia a necessidade de se criar uma ligação do herói com nosso mundo, até por conta de Os Vingadores. Agora, havia todo um background específico a ser trabalhado. E o filme começa muito bem, mostrando o ancestral Bor e os outros reinos além de Asgard e Midgard. Seguir nessa linha poderia render um plot muito mais interessante: ver Thor, Lady Sif e os Três Guerreiros empenhados nas tais batalhas para pacificar os mundos, em mais do que alguns flashes. Em vez disso, o argumento escolhido privilegia os coadjuvantes terrestres, cuja utilidade é enfatizar o aspecto humorístico.

    O erro não chega no nível catastrófico de Homem de Ferro 3, aqui o timing está mais acertado, recuperando o estilo consagrado da Marvel. O melhor momento do filme, inclusive, é uma piada sensacional com a aparição inesperada de outro vingador. Mas o longa acaba pecando pelo excesso, há mais gracinhas do que seria necessário. A personagem Darcy, apesar de Kat Dennings ser puro amor, irrita porque cada uma de suas frases é irônica/engraçadinha. Somando-se a ela, um inútil novo personagem (o estagiário) e o Dr Selvig transformado num maluco nudista, um humor óbvio e fácil demais.

    Em relação aos vilões, pode ser uma apontada uma certa preguiça em desenvolver algo mais criativo. Destruir o universo durante um alinhamento de planetas (rebatizado aqui como Convergência entre os Reinos) é clichê dos mais básicos. Pelo menos os elfos negros tem um visual interessante e trazem uma tecnologia que representa um desafio para Asgard. Aliás, a “tecnomagia” estabelecida no primeiro filme ganha mais espaço, vemos mais armas e naves que reforçam o teor fantástico que Thor permite que Universo Marvel comece a explorar.

    Enquanto isso, os personagens asgardianos infelizmente tem um papel bem mais discreto do que no primeiro filme. Hogun mal aparece, Fandrall e Volstagg pouco fazem e Sif é tremendamente desperdiçada. Heimdall, então, chega a ser patético lembrar da sua anunciada “maior participação” nessa sequência. Odin é mostrado ainda mais como um rei velho e cansado, ansioso por deixar o trono, e não como o poderoso Pai de Todos. Compreensível, para dar espaço para Thor ser não apenas o guerreiro, mas o herói que ele precisa ser. De positivo, o maior destaque dado para Frigga.

    Mas o dono do filme não poderia ser outro senão Loki. Tom Hiddleston incorporou tanto o personagem, que nem precisa se esforçar para ser o mais carismático. Ele passeia, flutua pelas cenas e se diverte ao trabalhar mais uma vez com a característica mais marcante do Deus da Trapaça: a ambiguidade. E pra não dizer que não falei dos protagonistas, Chris Hemsworth e Natalie Portman estão ok, nada demais. O romance recebe um enfoque que já era esperado, porém não incomoda, ao menos não em comparação com os reais defeitos da história.

    Não que Thor – O Mundo Sombrio seja um filme ruim. O problema em analisá-lo é que os pontos positivos são os mesmos de sempre: ótimo visual, ritmo equilibrado (na maior parte do tempo) entre tensão e humor, e boas cenas de ação. Como a expectativa era mais alta, pois a liberdade era maior por não existir a necessidade apresentar personagens/ambiente, os aspectos negativos acabam se sobressaindo. Em resumo, uma aventura divertida, mas esquecível, e um grande potencial sub-aproveitado. Agora é esperar pela incógnita total chamada Guardiões da Galáxia (atenção para a cena pós-créditos) e promissor (haters gonna hate) Capitão América – O Soldado Invernal. Sem esquecer da esperança maior que é Vingadores – A Era de Ultron.

    Texto de autoria de Jackson Good.

  • Crítica | Hitchcock

    Crítica | Hitchcock

    Hitchcock-2012

    Desde a fundação da sétima arte, alguns profissionais – sejam produtores, diretores ou atores – desenvolvem uma carreira tão ímpar, muitas vezes com talento destacado, que transformam-se também em personagens para futuras histórias, de criador para criatura.

    Retratar uma personalidade em um filme biográfico, apresentando sua vida em totalidade, sempre é uma missão ingrata. Algumas produções vêm optando por apresentar parte da história, em um momento significativo que apresenta o cerne do biografado de forma que seja possível compreendê-lo – Sete Dias Com Marilyn e Capote utilizaram-se deste estilo.

    Hitchcock abrange o período de criação de Psicose, uma das obras mais significativas do mestre do suspense. Prestigiado desde a época, o diretor sofria leve pressão da crítica e do público, que aguardavam ansiosos por um novo e excelente projeto, questionando se a idade não teria amenizado Hitchcock. Em meio as incertezas, Hitch investe em um romance recém-lançado de Robert Bloch, uma narrativa inspirada no serial killer Ed Gein – homicida, ladrão de lápides que utilizava cadáveres como troféus – que nenhum outro estúdio se atreveu a utilizar.

    A trama inicia-se em uma representação da história de Gein, emulando o programa de televisão “Hitchcock apresenta”, em que o diretor era mestre de cerimônia. Dialogando com o público, Hitch justifica que, se não houvesse a horrenda história do assassino, sua obra-prima não viria à tona.

    Filmar uma história real, violenta ao extremo, em época moralista e com censura cinematográfica era um processo difícil. O diretor teve que investir dinheiro do próprio bolso para a realização, já que a Paramount Pictures, com que tinha um contrato, aceitou somente distribuir a produção.

    Dono de um perfil genial e genioso, dedicado aos prazeres da comida, romântico ao se apaixonar por cada uma de suas estrelas loiras, boa parte da sustentação de Hitchcock vinha de sua esposa, Alma Reville, roteirista e editora que teve um papel fundamental na conclusão de Psicose mas que, durante a produção, sente-se negligenciada pelo marido.

    A problemática profissional e pessoal parece eclodir em Psicose, dando corpo à loucura da personagem e ao genialismo de Hitchcock, ciente de que a censura negaria a distribuição do filme e trabalhando de maneira minuciosa para produzir cenas que sugerissem as ideias mais agressivas, sem de fato mostrá-las, como a famosa cena do chuveiro, que se tornaria um marco cinematográfico.

    O desenvolvimento desta biografia consegue apresentar os bastidores de uma grande obra sem cair no fetichismo da curiosidade de revelar a história por trás da história. Sustenta-se principalmente pela composição das personagens, com Anthony Hopkins incorporando o diretor com pesada maquiagem, desafiando a imagem de um homem genial o tempo todo, também carente de atenção e estranhamente encantado por suas atrizes. E Helen Mirren sempre em atuações pontuais como a esposa porto seguro que compreende as limitações do marido sem nunca deixar de amá-lo.

    Foi um dos filmes mais grandiosos da carreira de Hitchcock e sua composição tornou-se exemplo para outros filmes que viriam. Nesse longa biográfico com direta homenagem a ele, com maquiagem indicada ao Oscar, a trama mistura-se à história do cinema para apontar como uma lenda se transforma em lenda.

    O roteiro foi baseado no livro Alfred Hitchcock e Os Bastidores de Psicose de Stephen Rebello, lançado no país pela Intrínseca, com tradução de Rogério Durst (Clique aqui para comprar). A história do diretor também gerou uma produção da HBO Films com a BBC, intitulada The Girl.

  • Crítica | 360

    Crítica | 360

    360

    Fernando Meirelles ganhou projeção mundial em 2002, quando Cidade de Deus tornou-se um relativo sucesso de bilheteria na França e foi indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro. Depois disso, o diretor se focou em co-produções entre sua produtora brasileira e estúdios de Hollywood; 360 é resultado de um desses esforços conjuntos.

    O filme apresenta vários núcleos localizados em diferentes partes do mundo, que se entrelaçam formando uma espécie de ciclo de relações humanas. Há a moça eslovaca que se prostitui, o casal inglês em que a mulher tem um caso com um fotógrafo brasileiro, a namorada do fotógrafo que o abandona e volta para o Brasil e o senhor em busca da filha desaparecida.

    À primeira vista o filme se parece incomodamente com Babel, mas Meirelles, ao ser menos pretensioso, acerta mais do que Iñárritu. As histórias contadas aqui não falam de grandes eventos ou questões mundiais, mas são o retrato de pessoas comuns, narrativas íntimas e delicadas que se entrelaçam de forma natural. A estrutura do filme, que apresenta cada núcleo como um episódio ao invés de ir e voltar várias vezes entre eles, também funciona melhor.

    O cinema de Meirelles sempre olhou para o cinema marginal brasileiro e a nouvelle vague francesa, e essas referências se manifestam aqui na simpatia por alguns personagens do “submundo”, na fotografia granulada e no ambiente cru que abrem o filme e, principalmente, em alguns recursos de câmera e montagem. Mas, para um diretor que vem de movimentos que romperam de forma tão forte com o cinema clássico, falta ousadia em 360. Desde a beleza da fotografia até a resolução das histórias, tudo parece correto demais, higiênico e bem resolvido demais; falta no próprio filme o caos que ele busca retratar.

    360 fala de pessoas quebradas, angustiadas, de partes que faltam, e de busca. Cada um dos personagens tem o sentimento de algo perdido e os encontros raramente acontecem como esperado. No entanto, essa sensação de um mundo desencontrado e um pouco fora do eixo não se traduz no filme – nem esteticamente, nem no tratamento da narrativa. Falta o encontro entre tema e forma que Meirelles alcançou em Cidade de Deus e mesmo em O Jardineiro Fiel.

    Além disso, as histórias são irregulares: a das moças eslovacas é consideravelmente melhor explorada e desenvolvida que as outras. Algumas ficam soltas, outras um pouco sem sentido porque falta profundidade e sutileza. No caso do núcleo protagonizado por Anthony Hopkins e Maria Flor, a atuação fraca dela prejudica o que poderia ser o melhor momento do filme.

    360 não é um filme ruim: é um filme bom nos seus melhores momentos e regular quando erra, mas é um filme esquecível. O conceito é interessante e funciona, a fotografia é excelente e a direção de Meirelles é eficiente, mas falta algo que impressione e marque o espectador.

    Texto de autoria de Isadora Sinay.