Tag: Cate Blanchett

  • Crítica | O Custo da Coragem

    Crítica | O Custo da Coragem

    O Custo da Coragem é uma obra de ficção supostamente baseada em fatos, dirigida por Joel Schumacher e protagonizado por Cate Blanchett, que faz Veronica Guerin, uma repórter investigativa que descobre um forte esquema de narcotráfico em Dublin, na Irlanda. O começo do filme produzido por Jerry Bruckheimer em parceria  com a Touchstone Pictures dá conta de cenários típicos da cidade, que podem ser vistos em tantas outras áreas urbanas, como igrejas católicas, tribunais de justiça etc.

    Nesse prólogo, a personagem-titulo é mostrada sendo julgada, também se estabelece que ela tem problemas com leis de transito, e em confrontar as forças criminais  locais. Os saltos temporais fazem a violência mostrada em tela piorar ainda mais quando Veronica adentra o antro os os jovens se drogam. A prostração do povo que faz uso contínuo das drogas assusta um bocado, mas há um cuidado enorme da parte da direção de Schumacher e da direção de arte de Patrick Lumb e Julie Ochipinti em não glamourizar aquilo, tampouco julgar essas pessoas como inferiores ou algo que o valha. A marginalização delas se dá por conta de desejos das próprias, e o modo como isso é demonstrado em tela é seco e pesado demais, um grande acerto do cineasta.

    Após muitas críticas aos seus filmes, seja nas suas versões do morcego em Batman Eternamente ou Batman e Robin, ou nas adaptações de John Grisham, O Cliente e Tempo de Matar, o diretor decidiu fazer seu filme todo baseado na sobriedade. O filme é econômico, e até marcas registradas do diretor são deixadas de lado, a cidade não tem tons alaranjados em sua iluminação, ou pichações com detalhes em neon, possivelmente por essa ser uma historia na Europa e não nos Estados Unidos como foram as outras. Mesmo na abordagem de sua personagem central, ele não registra Blanchett como o auge da beleza (por mais que ela seja muito bonita), não é como foi com Julia RobertsSandra Bullock ou Nicole Kidman aqui o que fala mais alto é o trabalho da repórter do Sunday Independent e não o seu corpo, e mesmo quando tentam objetifica-la, a câmera condena o ato.

    O diretor também rejeita qualquer tipo de estilização do estilo de vida junkie ou  de filmes de gangsters ditos cools, não se vê referencias a utilização de drogas como em Transpotting ou Kids, tampouco os vilões parecem os de Na Mira do Chefe ou Snatch – Porcos e Diamantes. Há no filme um charme inconfundível, que mistura elementos de séries policiais antigas como Nova York Contra o Crime e um bocado do cinismo dos filmes noir antigos. A ideia de mostrar uma historia real parecia bem viva na cabeça do realizador, e para isso, ele usa de pragmatismo visual e de um modo bem austero de filmar, sem que para isso, a violência seja aplacada, afinal a realidade é por vezes pior que a ficção e fantasia.

    A personagem de Guerin é muito profunda e realista, além de seu faro investigativo, elementos são incorporados ao seu comportamento, de maneira bem natural, como a admiração a Eric Cantona, jogador avançado de seu time, o Manchester United, que ficou conhecido para além do futebol, por ter dado uma voadora num torcedor que gritava palavras de ordem fascistas. Esse aspecto por menor que seja denota uma característica de humanidade bem básica, e isso é bem importante, já que é preciso que o público se identifique com a personagem.

    Após o final do filme, pesado para quem não conhece a historia real de Veronica Guerin, é de se lamentar o nome nacional para o filme, ainda que O Custo da Coragem tenha algum significado, deixa nele implícito um grau de culpa em cima de uma personagem fantástica, que não tinha receio em bater de frente com a opressão da cidade grande, tampouco se dobrava aos homens poderosos, mesmo que fossem eles super mal encarados. A ideia de resistir vive no legado da personagem real, e Schumacher utiliza seu filme para denunciar as centenas de casos de assassinatos a jornalistas e a covardia do femininístico. Nesse intuito, ele poderiam facilmente cair em uma abordagem piegas e demasiado sentimental, mas isso não ocorre, ao contrário, o que se percebe é uma obra certeira, contundente e crítica.

  • Crítica | O Aviador

    Crítica | O Aviador

    “Quando eu crescer, vou voar nos aviões mais rápidos, fazer os maiores filmes de todos, e ser o homem mais rico do mundo.”

    Howard Hughes pagou caro por ousar transformar esses seus sonhos infantis em realidade. Pagou caro duas vezes, ou mais, porque a história nos mostra que, em Hollywood, o preço nunca é convencional. O gênio criativo que só queria voar, literal e cinematograficamente, é o perfeito mito de Ícaro, mas num contexto americano de celebridades, e muito showbusiness. Hughes foi um dos primeiros grandes gênios da história do Cinema, um dos seus cidadãos Kane num período ainda jurássico do ‘fazer filmes’, mas ele não teve a sorte de um Orson Welles de, logo de cara, dar certo. Fez história, também, mas lutou muito para isso, pois quem não tem sorte, caça com o que tem. E, no caso de Hughes, toda a coragem e ousadia que um homem pode reunir em si.

    O Aviador é um projeto que combina com Martin Scorsese, pois fala de ambição, violência do destino contra um homem que tenta agir pelos métodos certos para atingir seus meios, desilusões ao longo do caminho, e a ironia natural das coisas. Vemos aqui a parceria entre mestre e o ator Leonardo DiCaprio funcionando em grande sintonia, como se DiCaprio fosse o porta-voz perfeito dos maneirismos e intenções fundamentais de Scorsese, logo após o bem-sucedido Gangues de Nova York. Em sua melhor colaboração até hoje com o galã de Titanic, ainda em 2004 procurando papéis que exigissem mais de um rostinho bonito, Scorsese faz o que mais gosta: barriga. O cineasta não conta uma história, e sim a esparrama, seja por vaidade, seja por amor ao Cinema, e desenvolve o show quase antes de bater nas três horas de duração.

    Exagero, claro, mas não tanto como em outras vezes na carreira – Kundun é o pior exemplo. Quem viu Hugo e acha que aquela foi a melhor representação de época de um Scorsese, pense de novo: é um deleite extremo ao cinéfilo, ou ao mero espectador casual de filmes, passear pela Los Angeles dos anos 20, e 30, com suas cores, seu glamour quase faraônico, assombrosamente recriado para o filme. Era o nascimento da sociedade do espetáculo, quase um século antes do Instagram, e muito antes dos Beatles e de Elvis Presley. Tudo ainda era novidade, e para Hughes também, inocente ainda. Pássaro livre num céu novinho em folha e que só queria esquecer de andar; voar ainda era gostoso nos anos 20, e não tanto nos anos 30.

    A realidade chega ao sonhador, e O Aviador evidencia os efeitos desse impacto ao pássaro desacostumado a gravidade. Entre acusações em tribunais envolvendo-o a escândalos de corrupção na Força Aérea dos EUA, e uma crescente instabilidade psicológica devido a uma severa desordem obsessivo-compulsiva, Hughes viu seu sonho de menino sofrer grandes colapsos que poderiam ter tornado sua trajetória uma longa novela-mexicana, se não fosse o tamanho dos seus sonhos impedindo-o de afundar no chão, sob seus pés. Tão incapaz de tecer relacionamentos sólidos com as mulheres de sua vida, quanto de abandonar suas motivações mais básicas, Hughes tem sua vida e obra contada por um Scorsese mais preocupado com o espetáculo visual, que com o drama em si, o que torna o ritmo e o saldo geral de O Aviador mais leve, e divertido, mas também menos reflexivo e amplamente marcante do que poderia ser.

    Katharine Hepburn, diva da Era de Ouro e aqui interpretada divinamente por uma Cate Blanchett a todo vapor (seu primeiro Oscar de dois, e um dos vários que deveria ter ganho), já declara após conhecer mais a fundo o homem incontrolável por quem se apaixonou: “Tem muito Howard Hughes no Howard Hughes; esse é o problema.” Ela não estava errada. Ao cair por encostar demais no sol, o garoto que cresceu não se livrou de suas asas ao desabar no chão. Continuou a reforçá-las, em forma de avião, em forma de imaginação. Eis a bela e tortuosa cinebiografia de um magnata da aviação e de Hollywood, que conheceu os dois lados da mesma moeda, e não se deixou abalar pela visão epifânica (e assustadora) de como a vida pode ser injusta, principalmente aos que a encaram como um céu sem limites durante a vida adulta.

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  • Crítica | Mogli: Entre Dois Mundos

    Crítica | Mogli: Entre Dois Mundos

    Antes inclusive da produção de Mogli: O Menino Lobo, de John Favreau, a adaptação do Livro da Selva já estava em produção pelas mãos de um sujeito importante para o cinema mainstream recente. Andy Serkis tentava traduzir o material original de Rudyard Kipling que encantou gerações através não só da literatura mas também da animação clássica da Disney nos meados dos anos sessenta, e sua versão, Mogli: Entre Dois Mundos demorou a ser entregue e a ser finalizada, por motivos até hoje discutíveis, graças não só aos estúdios Disney, que tem em seu Mogli o alicerce para onda de live actions que fizeram sucesso e dão bilhões de dólares de arrecadação, como pela Warner, que claramente recuou e não permitiu ao realizador fazer o filme que queria, com o orçamento que precisava.

    Ainda assim, e reduzido (de certa forma) a estrear para plataformas digitais via  streaming pela Netflix, a versão que Serkis fez tem animais digitais com um visual estranho, quase mal acabados, e isso evidentemente denigre o produto  final, mas não contamina a história. Na trama, o tigre Shere Khan ataca alguns homens e mulheres, e mata a mãe biológica do rapaz, que acaba sendo encontrado pela pantera Bagheera, e levado até sua alcateia, que fica responsável pelo bebê.

    A história começa narrada pela serpente Kaa, dublada por Cate Blanchett, cujo visual talvez seja o mais estranho entre as criaturas animadas, mais até que os lobos de Akela (Peter Mullan) e companhia. Não demora até ocorrer uma deliberação entre os animais, incluindo aí o urso Baloo (Serkis), Baghera (Christian Bale), a loba Nisha (Naomi Harris) e até o vilanesco Shere Khan (Benedict Cumberbath). Esse elenco pomposo tem um embate face a face muito poderoso, mesmo que sejam suas contra-partes animalescas. Já nesse prólogo o filme se demonstra grandioso e ele segue assim mesmo nos momentos de despretensão.

    Mogli cresce, e é vivido pelo jovem Rohan Chand, um intérprete de olhos muito expressivos, seja quando brinca com a pantera que o salvou ou mesmo em situações banais como comer uma fruta ou matar um inseto. Seja sozinho ou com seus mentores –  na falta de um pai de sua espécie, ele tem um urso, uma pantera e muitos lobos – ele entende como funciona as leis da selva, sobre como caçar e quem caçar, mas também preserva a inocência típica de um filhote.

    Toda a essência da vida de menino criado por lobos e sua experiência na selva que o cerca é muito bem enquadrada pela câmera de Serkis, e é realmente triste que um trabalho visual tão bem concedido como a construção das paisagens naturais esbarre nas figuras em efeitos especiais dos macacos, ou do lobo albino Bhoot,  que mais parece um poodle mal tosado. É difícil levar o filme a sério, porque seus personagens digitais passam longe de serem críveis. Mesmo as movimentações deles são artificiais e a textura é terrível. Os que mais se aproximam de salvar disso são Shere Khan, Bagheera  e alguns momentos Baloo.

    Ao mesmo passo que no ambiente selvagem o jovem humano é amado pela maioria das criaturas, quando se encontra com o homem ele é tratado de maneira hostil, enjaulado após reagir com fogo contra os seus, e cutucado com pedaços de pau por outras crianças. Nesse início, ele é tratado como um animal, já que veio do habitat selvagem. A parte em que acontece o rapto do menino e a chegada a civilização perde um pouco do bom ritmo que antes predominava, mas não é de todo ruim e a área sentimental volta a predominar, mostrando que o medo do tigre devorar Mogli faz com que a pantera e o urso achem que é bom para ele voltar para a civilização. O que faz realmente pecar é a construção da rivalidade entre o felino e o homem, que não é é tão bem desenvolvida e é o erro mais crasso do roteiro que Callie Kloves apresenta.

    Mogli consegue se adaptar ao mundo civilizado e lá descobre alguns horrores, os mesmos que fizeram com que ele fosse órfão e ajudaram Shere Khan a se tornar uma figura maligna. A gangorra emocional melhora bastante no final, e o desfecho trágico envolvendo caça e caçadores é simbólico e um bom rito de passagem para o personagem que dá nome ao longa, e capta perfeitamente como funciona esse limbo existencial que o menino sofre, mostrando que a busca de identidade dele é visceral, sem deixar de ser poética, algo que o filme de Favreau não traduz bem. Mesmo que visualmente os efeitos especiais não estejam a altura das emoções que Serkis passa, Mogli: Entre Dois Mundos é talvez a mais inventiva e bonita adaptação do clássico O Livro da Selva.

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  • Crítica | Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal

    Crítica | Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal

    Em 2008, após um hiato de 19 anos, finalmente Steven Spielberg e Harrison Ford retornariam a franquia do doutor, professor e arqueólogo Henry Jones Junior. Indiana Jones e o Reino da Caveira da Cristal parece ter uma ingerência muito maior de George Lucas, argumentista do filme e criador do personagem.

    Na trama, o velho Indiana é pego em uma emboscada, junto ao seu amigo George “Mac” McHale (Ray Winstone), que ajudou o aventureiro a espionar os soviéticos – o ano era 1957. O herói acaba raptado por um grupo de agentes russos que se infiltraram no Hangar 51 em Nevada, e tinha por objetivo pôr as mãos nos restos mortais de uma criatura estranha, que dez anos antes, foi vista em Roswell, Novo México. Para muitos, o tema extra-terrestre não combinava com as histórias de Indiana Jones, mas diante do montante de problemas, isso era o de menos.

    Ford está de fato velho demais para cenas de ação que demandam demais de sua energia. Na época da premiere ele já tinha 66 anos, mas apesar  de claramente não ter mais fôlego para cenas que exigem do seu bem estar físico, ele ainda mantém toda a aura de malandragem e autossuficiência cômica, inclusive conseguindo sobreviver a um teste de bomba nuclear entrando em uma geladeira revestida por chumbo, em uma manobra que de acordo com algumas pseudo-ciências, poderia ou não funcionar.

    Da parte da chamada velha guarda, ainda há um bom desempenho, mas dos personagens mais moços há uma clara defasagem no quesito construção de ideal. Shia LaBeouf faz Mutt Williams, um jovem motociclista que deveria ser o herdeiro do legado do herói, mas esbarra na falta de carisma de seu personagem, mesmo com seu intérprete sendo o carro chefe do elenco de outra franquia que Spielberg comandava (Transformers). A vilã russa de Cate Blanchett mal funciona, sua Irina Spalko é uma comunista falsa, caricata e interesseira, assim como eram os nazistas na trilogia original.

    Toda a parte de efeitos especiais também está defasada, e quase toda parte natural do filme soa bizarramente artificial, seja as perseguições com os carros ou os macacos saguis que ensinam o filho de Indy a balançar nos cipós. Algo realmente estranho aconteceu com a produção, pois David Koepp não é um roteirista ruim, fez Missão: Impossível, Jurassic Park e Homem-Aranha, no entanto, aqui ele claramente não conseguiu organizar um roteiro que salvasse as péssimas idéias que George Lucas tinha desde 1999 em Star Wars: A Ameaça Fantasma. A solução para a vilã Irina é terrível, a forma como as caveiras de cristal se mostram faz lembrar demais o desfecho de O Retorno da Múmia – retribuindo a referencia, já que o personagem de Brendan Fraser claramente é um Indiana Jones dos anos 90. A cena do casamento é péssima, pontuada inclusive com um momento simbólico, onde começa a tocar o tema do herói com o chapéu de Jones caindo sobre os pés de seu filho e com Ford retirando das mãos de Lebouf, negando a ele a ideia de continuidade, o que aliás pode ter sido uma boa alternativa, visto o equívoco completo da tentativa de continuações para o personagem. Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal consegue ser mais equivocado até que As Aventuras do Jovem Indiana Jones.

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  • Crítica | O Mistério do Relógio na Parede

    Crítica | O Mistério do Relógio na Parede

    Boa parte dos cineastas cuja filmografia é rebelde vez ou outra cede aos gracejos de Hollywood e aceita fazer um filme comercial e convencional. Os maiores sucessos em bilheteria de Robert Rodriguez são da franquia Pequenos Espiões, mesmo David F. Sanbderg decidiu aceitar adaptar Shazam para o cinema, e em O Mistério do Relógio na Parede o diretor Eli Roth parece ter cedido, ao adaptar o livro de John Bellairs, que mostra a história do pequeno Lewis Barnavelt (Owen Vaccaro), um menino recém órfão, que vai morar com seu tio, um homem bastante peculiar.

    A casa de Jonathan Barnavel (Jack Black) é visivelmente diferente de todas as outras da cidade de Zebedeee, e a comunidade em volta considera o lugar mal assombrado, graças a um acontecimento misterioso do passado, além de obviamente todos acharem Jonathan estranho e excêntrico graças ao seu modo de vestir e agir. Próximo dele há a Senhora Zimmermann (Cate Blanchett), uma mulher também misteriosa. Juntos, Jonathan, Zimmermam e Lewis forma uma trupe de desajustados, cada um a sua forma, e logo eles percebem suas semelhanças.

    Há uma criação de cenário muito cuidadosa e acertada, não só da casa repleta de elementos mágicos que aos poucos se revelam como parte da trama mística, como também da escola onde Lewis estuda, com o menino sendo normalmente alvo de rejeição e bullying. A busca do garoto por aceitação apesar de óbvia faz um enorme sentido dentro da trama proposta.

    Apesar da abordagem extremamente infantil, a ideia por trás das ilusões familiares e delírios fantasiosos são levados de um modo corajoso e até arrojado em se tratando de um filme para crianças. O grande problema é a trama que se mune de muitos clichês, e a falta de um vilão realmente assustador. A participação de Kyle MacLachlan é bem sub-aproveitada, e talvez essa seja a única comparação justa deste filme com a saga Harry Potter, pois o Isaac Izard visto aqui é tão ruim quanto os vilões acessórios da saga do bruxinho, apagado e sem muita importância tendo como ponto positivo e único o fato do mal ter se originado e catalisado através da grande guerra mundial que ele travou em solo alemão.

    Mesmo com as soluções bastante óbvias do final, O Mistério do Relógio na Parede resgata um tipo de história de aventura infantil, subgênero meio em desuso no cinema dos últimos anos, mas ainda assim o roteiro de Eric Kripke (Supernatural) merecia ser melhor trabalhado, pois os momentos finais soam apressados e mal construídos, apesar de conter parte das boas e melhores piadas do filme.

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  • Crítica | Oito Mulheres e Um Segredo

    Crítica | Oito Mulheres e Um Segredo

    Nos anos sessenta, Frank Sinatra ao lado de seus amigos, Dean Martin e Sammy Davis Junior, fizeram Onze Homens e Um Segredo, décadas mais tarde Steven Soderbergh revisitou a trama em uma série de três filmes e um elenco estelar. Oito Mulheres e Um Segredo segue na mesma esteira, se valendo do subgênero dos filmes de assalto, mas sem ter associado a si a moda que envolvia a versão do longa que tinha George Clooney, Brad Pitt e Matt Damon como seus chamarizes, esticando ainda mais a fórmula em um produto que tem gosto de bolo solado.

    A história começa com Debbie Ocean, a irmã de Danny (Clooney), vivida por Sandra Bullock. Essa relação é necessária, pois o nome original da franquia é Ocean’s Eleven (no caso desse, Ocean’s Eight), por mais bizarro que isso seja, já que em três longos filmes jamais se falou a respeito da irmão de Danny e de todas as suas habilidades. Após sair da prisão, ela planeja uma vingança contra o sujeito que a incriminou, e para isso, ela reata a relação que tinha com a bela Lou, vivida pela (também) oscarizada Cate Blanchett, que ao que tudo indica, é um antigo amor da protagonista.

    Os problemas e clichês do roteiro de Gary Ross (também diretor dessa versão) e Olivia Milch começam exatamente no dueto de Deb e Lou. As duas não são flagradas aos beijos ardentes, e não protagonizam cenas que possam servir de pretexto para que os espectadores machistas possam enxergar ali potencial para o onanismo, mas a total falta de química e de cenas que façam elas parecerem realmente próximas sentimentalmente torna Oito Mulheres e um Segredo um produto moralista, que não tem coragem sequer de assumir que suas protagonistas sejam bissexuais ou lésbicas.

    O restante do grupo de assalto é formado por Amita (Mindy Kaling), especialista em jóias; a contrabandista “aposentada” Tammy (Sarah Paulson); a ladra de mãos leves Constance (a rapper Awkwafina); a hacker Nine Ball (Rihanna); e a estilista decadente Rose Weil (Helena Bonham Carter). O plano envolve fazer com que a atriz e bela socialiate Daphne Kluger (Anne Hathaway) utilize um conjunto de jóias reais, guardado sobre segurança máxima por uma seguradora. O texto é tão óbvio que se percebe já no início que as personagens se juntariam, mesmo as que não estão no plano inicial, e essa obviedade é irritante principalmente porque esse filme não possui o mesmo carisma da trilogia de Soderbergh, e o trato entre as mulheres ocorre inclusive após uma demonstração de extrema carência de Daphne, que basicamente repete frases machistas que remetem a falsa afirmação de que amizade entre mulheres é pautada na falsidade.

    Ainda no quesito falácia, há uma cena constrangedora, que envolve a fuga das assaltantes, cada uma com uma roupa elegante, com sua parte dos espólios furtados. A cena é basicamente um pretexto para cada uma das intérpretes aparecer com vestido de gala e algum diamante, não faz sentido na continuidade do filme quanto na ideia pueril de “empoderar” as mulheres, já que o conceito desse poder é associado a posse de objetos que visam atrair os olhares masculinos.

    Oito Mulheres e Um Segredo parece ter sido feito sob demanda para um certo público, no entanto, sua abordagem é tão rasa quanto os argumentos liberais que precedem estes pedidos de representatividade a qualquer custo, pois não acrescenta nada ao gênero ou mesmo a série de filmes, além de ter em Ross uma direção muito mais frouxa que a de Soderbergh e deixar claro a falta de sintonia e camaradagem entre o elenco, muito diferente do que ocorreu no filme de Sinatra ou na série de Clooney.

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  • Crítica | Manifesto

    Crítica | Manifesto

    No começo do filme de Julian Rosefeldt, há um resgate da definição do termo manifesto. A expressão, que também intitula a produção, é seguido de um monólogo de Cate Blanchett, atriz principal e interprete dos 33 seguimentos que serão mostrados ao longo dos pouco mais de 90 minutos de duração. A intenção do diretor é dedicar sua obra a reverenciar diversas formas de representação da arte, passando também por homenagens a cineastas contemporâneos como Lars Von Trier e Jim Jamursch.

    No início, há uma introdução que mostra um resumo dos papéis que Blanchett executará em tela. Apesar de um pouco didático, é curioso assistir os variados papéis em sequência, mesmo que esse momento seja parecido com um videoclipe pelos cortes rápidos. O roteiro de Rosefeldt se dedica a desconstruir a ideia do capitalismo como forma de ideal econômico, tanto de maneira didática, como utilizando o recurso da quebra da quarta parede como atrativo.

    Manifesto se dedica a exposição contemplativa da sociedade entrando em colapso. Os monólogos de Blanchett variam entre a ação direta, com direito a atriz olhando diretamente para a câmera, falando de modo exuberante o forte roteiro, ou discutindo com outras pessoas, um palanque para os temas propostos. Por mais que a descrição feita nesta crítica faça com a produção pareça burocrática, ainda mais sendo um longo monólogo, há uma forte verve poética bem estruturada.

    A proposta da dupla foi realizar um filme político ao estilo de Andrei Tarkovski, também associado ao típico movimento ensaístico do neo-realismo cinematográfico. Nota-se também uma forte influência de Federico Fellini e Michelangelo Antonioni em alguns dos números. Por motivos óbvios, algumas das transformações da atriz fazem lembrar seu trabalho em Eu Não Estou Lá, filme de Todd Haynes onde ela e outros artistas personificam Bob Dylan. Porém, ao contrário do filme dedicado ao cantor folk, a intenção não é prestar uma homenagem, mas produzir uma espécie de caricatura social.

    O filme foi cuidadosamente estruturado para valorizar os dotes de Blanchett. Em alguns personagens, seu talento é extremamente exigido, resultando em um desempenho exuberante, um tom acima do visto na interpretação múltipla de James McAvoy em Fragmentado. Há uma semelhança, porém, entre as duas produções: ambos possuem uma ambição maior do que a qualidade que, de fato, cada um apresenta.

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  • Crítica | Thor: Ragnarok

    Crítica | Thor: Ragnarok

    O mito de fim da existência é tema comum entre várias culturas. A maior parte das mitologias conta o findar dos tempos de maneira semelhante e dentro desse estereótipo de histórias o Ragnarok está entre os mais ricos, com mais detalhes do que o Apocalipse cristão judaico, por exemplo. É sobre esse fim que o filme de Taika Waititi tenta falar, ainda que esse caráter seja discutível em Thor: Ragnarok, quinto filme que traz Chris Hemsworth como o deus do trovão e que segue os fatos imediatamente após Thor: O Mundo Sombrio e Vingadores: 2 A Era de Ultron.

    O filho de Odin começa acorrentado, como em um dos seus primeiros materiais de divulgação. Tal ato serve para simbolizar os eternos arcos de repetição do filme, uma vez que o roteiro de Eric Pearson, Craig Kyle e Christopher Yost é permeado por essas reincidências, fato que deixa o argumento didático e esquemático. Logo, o herói luta com Surtur (voz de Clancy Brown) e supostamente impede o fim dos tempos. Depois disso, ele trata de desmascarar seu irmão Loki (Tom Huddlestone) e decide enfim ir em direção a Midgard – Terra – para encontrar o verdadeiro entronado de Asgard, Odin (Anthony Hopkins). Depois de encontros com personagens do universo compartilhado da Marvel nos cinemas com direito a uma lição de moral, o protagonista se depara com a vilã da vez, Hela (Cate Blanchett), basicamente para cair, perdendo uma batalha e ir na direção de outro cenário, Sakaar um planeta arena psicodélico governado por um tirano excêntrico e cômico, o Grão Mestre de Jeff Goldblum.

    O filme proposto por Waititi é uma comédia rasgada com alguns elementos de ação, como normalmente são seus filmes. Em O Que Fazemos nas Sombras o pano de fundo eram os filmes de terror com vampiros e aqui é o exploitation de heróis. O grave problema é que há dois tipos de cenários muito distintos dentro desse terceiro Thor, e um deles causa muito mais apreço no público do que o outro. A plateia claramente se afeiçoa mais por Sakaar do que por Asgard, mesmo que a segunda esteja em vias de ser extinta. Afinal, é mais interessante as desventuras do mitológico caso de O Médico e o Monstro visto na persona dupla de Bruce Banner e Hulk de Mark Ruffalo – que parou no planeta por motivos tão psicodélicos quanto as razões que fizeram o personagem título estar lá – bem como a questão moral que move Valkyrie (Tessa Thompson), personagem calada e auto suficiente que seduz a audiência com seu charme e boa construção de drama e passado. Mas, como era prometido, o novo grupo de justiceiros precisariam cruzar a ponte do arco-íris, a fim de salvar o povo de Odin.

    Há uma importância maior para o personagem de Idris Elba, seu Heindall é mais do que o guardião das chaves do reino, tornando-se a vanguarda de um povo rebelde, mas esse crescimento de é inserido parcialmente na trama, já que ele não possui tempo de tela ou aprofundamento suficiente para arranhar mais que a superfície de personagem secundário. Ainda assim, Heindall tem mais sorte que seus companheiros, os Três Guerreiros, que basicamente fazem a mesma figuração que fizeram no Thor de Kenneth Branagh e nas continuações.

    Há uma necessidade exagerada em fazer do roteiro uma história engraçada. Quase todos os personagens que aparecem em cena possuí seu momento piada, seja o gigante esmeralda, que mais uma vez é o alívio cômico deixando de lado o drama de viver como um monstro, ou o personagem de Waititi, Korg, um alienígena com corpo de pedra e extremamente burro. Além disso, nem mesmo as pretensões de Hela são levadas a sério, e o destinos de Asgard parece desimportante, apesar de inferir uma suposta urgência. Os unícos sacrifícios que fazem sentido são os de Valkyrie e dos flagelados de Sakaam.

    Após abusar de muitos McGuffins, Taika Waititi estabelece nesse Thor Ragnarok um misto de filme de autor e episódio de meio de saga. Apesar do prato servido possuir um gosto agradável e menos problemático que os roteiros de Homem de Ferro, Homem Formiga, Dr Estranho e Homem Aranha de Volta ao Lar, o que resta é um produto que tenciona uma identidade dupla que não é totalmente alcançada, ainda que tenha muita personalidade e marcas dos trabalhos anteriores do diretor.

    Waititi parece conduzir sua película de modo bem parecido com o de James Gunn no primeiro Guardiões da Galáxia a procura de um estilo próprio dentro das histórias da Marvel Studios. Ainda que não se tenha garantia de que o diretor também será responsável pelos próximos filmes do Deus do trovão, uma vez que ainda não há planos para mais filmes solos do personagem. De qualquer forma, a produção produz curiosidade pela procura de um formato um tanto inovador para o universo heroico da Marvel, muitas vezes, repetindo narrativas semelhantes.

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  • Crítica | Cavaleiro de Copas

    Crítica | Cavaleiro de Copas

    Terrence Malick teve uma retomada recente e curiosa em sua carreira. Em pouco tempo, após Árvore da Vida, ele mais que dobrou sua filmografia, que começou em 1973, com Terra de Ninguém, e tem nesse Cavaleiro de Copas, seu sétimo filme de longa metragem. Essa nova fase mais prolífica do cineasta resulta em alguns fatos incomuns, como a utilização de um hermetismo para contar suas histórias, se valendo de uma narrativa bastante similar àquela utilizada em Amor Pleno, usando de cortes e filmagens não normativas para expressar os sentimentos das pessoas enquadradas em tela.

    A jornada de Rick começa com uma sucessão de eventos aleatórios, que o próprio não consegue entender. O personagem de Christian Bale é um escritor que tem de lidar com uma confusão mental e emocional, representada em tela pelos ângulos obtusos de Malick e por sua contemplação que permeiam a maioria esmagadora das cenas.

    O roteiro se debruça sobre as relações que o personagem tem, desde as frustrações amorosas que sofre e impele, até as relações com os parentes mais próximos. A sensação ao se deparar com a história, dividida em capítulos, é de se reprisar toda a estrutura narrativa de Árvore da Vida e Amor Pleno, gerando inclusive um certo enfado no espectador, além da sensação de estar sendo ludibriado em alguns momentos por sofrer a interferência de uma fórmula que se utiliza dos mesmos clichês e arquétipos para contar histórias diferentes, mas que tem no modo de se chegar até elas o mesmo norte e coincidências artísticas de outros trabalhos do diretor. A marca de Malick aos poucos vai demonstrando um desgaste.

    A música de Hanan Townshend faz lembrar ainda mais dos métodos que Malick utiliza em seus filmes, ainda que de todas as participações repetidas, essa seja a que mais apresenta traços de ineditismo. Natalie Portman Cate Blanchett ajudam a estabelecer a atmosfera obscura presente no inconsciente do protagonista, demonstrando na prática o quão passageira é sua existência e os relacionamentos que acumula durante sua vida. Já o restante do elenco faz aparições pontuais que mal se nota parte dessas presenças, mesmo com a presença de Wes Bentley, que costuma entregar atuações superficiais e rasas. Cavaleiro de Copas acaba sendo um manifesto sobre o vazio existencial, acertando em alguns pontos mas prevalecendo a triste sensação de repetição de ciclo.

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  • Crítica | Amor por Direito

    Crítica | Amor por Direito

    010220161609161Coincidência ou não, Amor Por Direito estreou no final de 2015, alguns meses depois da Suprema Corte dos Estados Unidos aprovar o casamento entre pessoas do mesmo sexo, o que só ajudou a reforçar a importância da discussão do tema de direitos civis.

    Após a descoberta de um câncer terminal, uma detetive da polícia de Nova Jersey e sua companheira registrada por união civil lutam para estender o direito da pensão após a sua morte à sua parceira.

    O roteiro bem estruturado do competente Ron Nyswaner, o mesmo de Filadélfia, se baseia no documentário de mesmo nome lançado em 2007 e que ganhou Oscar de curta-metragem. Toda a trajetória de Laurel e Stacie é muito bem conduzida ao longo do roteiro, a evolução das protagonistas é bem desenvolvida. Laurel inicia como uma mulher que esconde a sua sexualidade dos colegas do trabalho e termina como uma defensora do casamento igualitário, ao passo que Stacie vai de destemida porém retraída e acaba como uma mulher forte que aprendeu a lidar com a perda.

    Outro acerto de Nyswaner é trazer a importante discussão da luta de direitos igualitários para os dias atuais e assim levantar perguntas pertinentes. Por que a esposa de uma profissional competente não pode ter o seu direito reconhecido? A crença dos políticos deve se sobrepor aos direitos individuais? Até aonde a vontade da maioria pode prevalecer em detrimento a direitos?

    Porém, o roteiro apresenta alguns problemas. A já dramática batalha de Laurel Hester e Stacie Andree acabou ganhando um maniqueísmo desnecessário com o melodrama. Seria mais interessante trocar os vilões rasos que pouco acrescentam por personagens humanizados para justamente mostrar o absurdo que é a homofobia. O preconceito contra gays é praticado por pessoas comuns, amorosas, com falhas e não somente por vilões caricatos. O que poderia ser um grande filme político universal como o já citado Filadélfia (1993), de Jonathan Demme, Milk (2008), de Gus Van Sant, e Carol (2015), de Todd Haynes, acaba sendo um filme com questões importantes, porém limitado a uma militância que deseja catarse acima de tudo.

    A direção de Peter Sollett é sólida e o seu forte é a direção de atores, ainda mais quando dirige as duas protagonistas. Porém, ele peca ao apelar para a canastrice nas situações maniqueístas em os personagens se inserem. A composição dos enquadramentos nas cenas da praia também são o outro ponto alto.

    A atuação de Julianne Moore é de longe o melhor elemento de Amor por Direito, a evolução da personagem é bem pontuada pela atriz ao longo da narrativa, e do meio para o final do filme quando ela fica doente só reforça seu ótimo trabalho. Ellen Page como Stacie só mostrou a boa atriz que é, contribuindo para a sua versatilidade, e destaque ainda para Steve Carell que interpreta o alívio cômico Steve.

    A boa fotografia de Maryse Alberti é naturalista boa parte da obra, se permitindo um tom onírico nas belas cenas da praia e da sequencia final. A edição de Andrew Mondshein é invisível e cadenciada, mantendo o filme em um bom ritmo, se destacando igualmente nas cenas da praia e no final.

    A boa direção de arte de Patrice Andrew Davidson teve a ajuda do cenário de Joanne Ling, a cenografia de Jane Musky e o figurino de Stacey Battat, além da ótima maquiagem feita por um ótimo time que lembrou a transformação de Tom Hanks em Filadélfia.

    Amor por Direito é daqueles filmes importantes e que merecem ser assistidos mais pela importante história e os temas que levanta do que pela dramaturgia que apresenta.

    Texto de autoria de Pablo Grilo.

  • Crítica | Conspiração e Poder

    Crítica | Conspiração e Poder

    Conspiração e Poder

    Os meios de comunicação se modificaram na década anterior com a rede virtual, possibilitando que qualquer pessoa em potencial noticiasse sobre um acontecimento presente. Mesmo que a divulgação de uma notícia esteja ao alcance de todos, o jornalismo como profissão permanece como veículo de denúncia, registrando fatos e apresentando reportagens eficientes para gerar opinião pública. Um bom corpo editorial ainda é capaz de trazer à tona assuntos polêmicos, ainda que seja notável um interesse empresarial além da divulgação de uma notícia, fator que mantém seus profissionais entre idealistas e desencantados.

    Em tempos em que o espaço editorial e opinativo se torna restrito, com grandes redes apenas noticiando fatos e sendo replicadas por periódicos de menor circulação, o jornalista e sua equipe são protagonistas para fundamentarem uma notícia, apurando fontes e criando uma estrutura coesa e coerente para um furo de reportagem.

    Conspiração e Poder configura a estreia na direção do produtor e roteirista James Vanderbilt, responsável por filmes medianos como O Espetacular Homem-Aranha, Bem Vindo à Selva e O Ataque, e de uma grande obra, Zodíaco. A trama acompanha a produtora Mary Papes da CBS em uma suspeita contra o presidente George. W Bush, que teria utilizado sua influência para não combater na Guerra do Vietnã.

    A trama se desenvolve a partir da composição da reportagem exclusiva para o 60 Minutos com cópias de documentos que comprovavam a denúncia. Conforme as fontes negam a veracidade das informações, a história se aprofunda na destruição da reputação da produtora e de seu parceiro profissional, o âncora Dan Rather. O que deveria se tornar uma reportagem de impacto, potencializando uma queda de popularidade do presidente, que na época concorria à reeleição, adquire maior carga dramática quando os envolvidos são atacados e suas credibilidades discutidas.

    Dois interesses em conflito permanecem em oposição. A prova em si, apoiada pela legalidade ou não, e seu significado intrínseco. Além dos relatórios, há fontes que inicialmente confirmaram a ausência de Bush nas Forças Armadas, evidenciando um interesse político em esconder tal fato, ainda mais considerando a campanha eleitoral (em tempo, o tema também foi destacado no documentário de Michael Moore, Fahrenheit: 11 de Setembro).

    As provas são delicadas. Remetem a documentos antigos e opiniões que devem ser confiados para estruturar um caso e, assim, uma reportagem. Mesmo que consideremos que faltou maior apuro à procura de fontes, a equipe de Papes se transforma em um alvo ao lado da CBS. A empresa decide apurar os fatos e a reportagem, que é apresentada no filme como tendenciosa, para evitar grandes revelações sobre o presidente em comando.

    Se o jornalismo sempre é apresentado em cena com certo idealismo, o roteiro é eficiente em equilibrar a ambição e ética pessoal de uma equipe, em contraposição com uma corporação midiática, esta sim com interesses além da divulgação de notícias como verdade absoluta. A visão é desencantada e abala a editora e seu âncora, cujas reputações foram destruídas no caso, registrando demissão de todos os funcionários envolvidos. Em cena, Cate Blanchett mantém seu alto nível interpretativo, transitando entre a confiante editora para uma vacilante profissional que perde o prazer pela profissão ao reconhecer que a estratégia de sua empresa foi altamente defensiva e não favorável aos seus trabalhadores.

    Em meio a este desequilíbrio, Conspiração e Poder é eficiente em demonstrar as facetas que compõem a profissão, um jogo entre a necessidade da elaboração de notícias, e de certo idealismo, perante a luta de poder que vai além de um mero exercício informativo no qual a política é equação primordial.

  • Crítica | Carol

    Crítica | Carol

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    Carol se tornou um dos filmes mais aguardados de 2015 por causa do retorno de Todd Haynes à direção desde Não Estou Lá, além de ser baseado no famoso livro de Patricia Highsmith, a mesma criadora de O Talentoso Ripley.

    O bom roteiro de Phyllis Nagy (amiga de Patricia Highsmith e que lutou mais de 20 anos para a história ser produzida) baseado no livro de mesmo nome (do original The Price of Salt) é pontual no seu recorte: a narrativa pretende discutir a pureza do amor. Como é amar alguém? Mais importante, do que é feito o amor? De um olhar, de um gesto, de um contato físico, da convivência, da doação de uma pessoa à outra ou de tudo junto?

    Por mais que enfrentem as resistências diversas de uma sociedade machista e moralista dos anos 50 que dá mais valor a convenções sociais, o roteiro não vai pelo caminho fácil do melodrama e muito menos pelo maniqueísmo. Ele acertadamente humaniza todos os personagens inclusive os mais rasos, como o marido vingativo amargurado pelo divórcio ou o namorado que não aguenta a rejeição.

    Em tempos de intensa militância virtual, o filme foi acusado de abordar a homofobia de forma superficial. No entanto, parte da premissa do roteiro reside justamente no fato de que a homofobia é um dos grandes obstáculos para um relacionamento homoafetivo, mas não é o único ou o maior deles. Primeiro cada uma das partes precisa estar em sintonia, cada uma delas precisa querer. Desta forma, a história nos mostra que as dificuldades para um relacionamento maduro se encontram em todos os lugares e assim o roteiro consegue ser universal e atemporal.

    Uma das cenas mais bonitas do filme

    A direção de Todd Haynes é muito interessante. A sua escolha por ângulos inusitados em boa parte do filme pretende mostrar ao espectador o quão única é aquela narrativa e aqueles personagens. Ao mostrar os detalhes em cada plano fechado e nos closes, Haynes mostra do que o seu cinema é feito: dos pequenos gestos. O diretor nos dá a grande metáfora da sua obra, na curta cena do trem de montar: ela representa as chegadas e partidas de um relacionamento, os encontros entre as duas, como também os desencontros.

    Hábil como poucos, Todd Haynes também consegue extrair o melhor do seu elenco. As interpretações não são canastronas ou excessivas; mesmo nos momentos mais tensos, elas são contidas e soam críveis. As atuações em Carol vêm do detalhe, como dito acima.

    Cate Blanchett e Rooney Mara entregam uma das maiores atuações de suas carreiras. Impressiona a forma como as duas executam com destreza cada gesto, seja através de como andam, da forma como colocam um casaco, de um sorriso e principalmente de um olhar. Não é exagero dizer que a entrega das duas para este filme chegou perto do sublime. Destaque ainda para Sarah Paulson e Kyle Chandler, que acrescentam o filme nas poucas cenas em que aparecem.

    A boa edição de Affonso Gonçalves manteve a uniformidade da obra, ela está invisível na maioria do filme e se destaca nos detalhes da cena do trem de montar além das cenas íntimas entre as protagonistas.

    A ótima fotografia de Edward Lachmann, que também foi diretor de fotografia do bom Longe do Paraíso, além de ser tecnicamente impecável, a influência das pinturas de Edward Hopper e das fotografias urbanas de Vivian Maier é nítida. A escolha pela paleta de cores amarelo, laranja e marrom, além da falta de saturação, ajuda a ressaltar o intimismo e a melancolia que poucos conseguiram alcançar. Ela se destaca também na cena do trem.

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    Exemplos das referências de Hopper

    Outro grande destaque do filme é a direção de arte na composição da locação e dos cenários, além da maquiagem e figurino. O trabalho competente de Jesse Rosenthal, Sandy Powell e Heather Loeffer conseguiu não somente ambientar os anos 50, mas dar personalidade a cada um dos personagens e ressaltar o conflito interno das duas protagonistas.

    Carol vale a pena por ser um daqueles filmes que marcam o espectador, seja através de boas atuações, de um roteiro bem escrito, ótima direção ou de uma melhores trilhas sonoras dos últimos anos. Isso tudo combinado faz da obra um dos filmes norte-americanos mais bonitos dos últimos 20 anos, desde As Pontes de Madison.

    Texto de autoria de Pablo Grilo.

  • Crítica | Cinderela (2015)

    Crítica | Cinderela (2015)

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    E viveram felizes para sempre (Ninguém precisa saber o que vem depois, porque o depois existe tanto quanto Branca de Neve e Aladdin). Porque viver nas “delícias da incerteza” para sempre é o melhor ponto final que um filme poderia ter, sendo que, mesmo a um esquizofrênico, a vida não acolhe infinitos. Mas no cinema, num livro, na arte, querer saber o depois é demais, não interessa. Perde-se a elegância, e o sonho já começa a virar real. Perde-se a graça, indo embora o que faz do sonho um sonho – nada mais, nada menos. E sabe quando você assiste a um filme e dois minutos depois do início você sabe perfeitamente como tudo vai ser? Essa obviedade de sentidos é o grande trunfo de Cinderela, a melhor e mais serena releitura do filme que salvou os estúdios Disney em 1950, fato. Um bom exercício de interpretação é assistir a esse encantador manifesto de Kenneth Branagh e emendar com a versão Romero Britto de Alice, de Tim Burton. O que há de diferente e qual proposta (intenção) combina e enriquece mais a abordagem (realização)? É tudo apenas uma questão de estilo e gosto? Perguntas que convido o leitor a responder.

    Um manifesto a favor do que de melhor o Cinema pode oferecer a um material caído no colo da cultura popular – a jovem borralheira de madrasta má, blábláblá –, e que por isso não carece de cópia ou desconstrução da mitologia original. Um manifesto pelo direito de dar continuidade à magia sem vomitar regras, e principalmente, de seduzir o público pelo resgate dessa magia em tempos tão realistas quanto o nosso. Choram as rosas, poesia é o que não falta, e cor, clareza nas ideias e olhos nos olhos, dança e sorrisos, lágrimas e trilha sonora num filme-spoiler assumido e orgulhoso por ser assim: deliciosamente previsível. Um filme renascentista, no melhor uso do termo, em que a harmonia entre os conflitos é inquebrável, como nas peças de Shakespeare, e o luto do erudito é incabível como nos poemas de Florbela.

    Tudo parece tão frágil e tão quebradiço que o respeito e admiração ao universo da gata borralheira são inevitáveis. A própria construção do caráter amargo da madrasta gira em torno da magia: é simplesmente uma mulher enterrada numa realidade burguesa de aparências e que não pertence ao mundo de emoções puras de nossa princesa, num belíssimo jogo de figurinos que parecem disputar na tela, senão pelo ótimo equilíbrio presente entre os elementos visuais, a quem isso possa interessar, qual o mais belo. O cineasta e romântico Branagh (o professor Lockhart do segundo Harry Potter) faz de Cinderela uma alternativa dialética à celebração vazia do novo, e uma ovação declarada às glórias indiferentes às mudanças do tempo. A história é contada como se fosse da primeira vez, exaltando e promovendo mitologias na pegada mais deslumbrante e direta possível, com o gato da malvada perseguindo os ratos tratados com amor pelo coração inocente, por exemplo, numa clara metáfora dos abusos a ser cometidos ao longo do conto.

    Entre cenas criativas (a transformação da abóbora em carruagem e da carruagem em abóbora são extraordinárias) e a preservação da elegância da história refletida na fluidez dos planos, a Disney finalmente combina, aqui, a evolução do Cinema com a necessidade do espetáculo para assegurar uma bilheteria alta, sem esquecer-se do seu próprio estilo de criação épica. A vontade não era essa, mas a fábula humilha quaisquer outras versões recentes do lendário estúdio americano, entre juízos de fato e valores que mais remetem a Princesa Kaguya, animação sublime dos estúdios Ghibli, de Hayao Miyazaki.

    Era uma vez uma comparação válida, tamanho o esmero concedido e júbilos derivados, inclusive, de atores inspirados em condições que favorecem suas presenças. E assim como a antiga releitura francesa de Jean Cocteau para o clássico A Bela e a Fera de 1946, em 2015, com Cinderela a nos encantar, temos uma obra ciente do que pode ser e do que não precisa ser, e que por isso se compromete a honrar o passado sem deixar de conseguir novas opções, para que as visões e os vastos compromissos da arte possam ser, felizmente para sempre, recriados a partir de suas fundações.

  • Crítica | O Hobbit: A Batalha dos Cinco Exércitos

    Crítica | O Hobbit: A Batalha dos Cinco Exércitos

    A “beleza” da Cidade do Lago em chamas é a síntese do que funcionou na “nova” trilogia de Peter Jackson, cujos aspectos visuais superam, e muito, o conteúdo da adaptação. A Batalha dos Cinco Exércitos encerra, enfim, a enfadonha trajetória da prequência de Senhor do Anéis, começando pelo que deveria ter sido o encerramento: a morte do Dragão pelas mãos de Bard (Luke Evans), o herói resignado. Ainda neste início, a primeira das (muitas) cenas lamentáveis ocorre mostrando os cidadãos tentando se redimir pela honra do guerreiro, que combateu uma única vez e que é o único lúcido o suficiente para saber que não merece louros.

    A trama se divide em núcleos, como em uma novela. Da parte da Montanha, Thorin (Richard Armitage) se mostra entorpecido pelo ouro e pela Joia Real, a Pedra de Arken. O presságio da guerra inicia-se, mas a multiplicidade de  núcleos, que funcionou perfeitamente nos outros filmes, não repete seu êxito, sendo esta parte a menos interessante no início, especialmente pela proximidade da luta dos que protagonizam a alta classe dos personagens da outra trilogia.

    Apesar do ótimo começo, a batalha para salvar Gandalf (Ian McKellen) termina mal. Até o exagero de poder da parte de Galadriel (Cate Blanchett) e a boa luta de Elrond (Hugo Weaving) e Saruman (Christopher Lee) contra os fantasmas não têm qualquer conteúdo redentório se comparados ao desdobramento da aparição de Sauron, um acinte que já se mostrou errado em A Desolação de Smaug e que se repete desnecessariamente neste.

    O núcleo dos anões torna-se novamente interessante quando os elfos chegam, postados para a guerra. Como no livro, Thorin tem seus motivos justos para não querer dialogar com ninguém, mas sua postura voltada a um comportamento egoísta e maquiavélico empobrece o personagem, e especialmente a sua causa. O torpor do ouro causa uma febre no personagem, uma doença maligna mal apresentada e que facilmente convence os outros 12 anões a seguirem por tal caminho.

    O filme começa a mudar de caráter a partir da apresentação dos exércitos, em bravatas ditas pelo núcleo dos anões de Dain (Billy Connolly) e pelos elfos de Thranduil (Lee Pace), tão  logo esquecidas quando o ódio em comum pelos orcs de Azog se manifesta. Os efeitos especiais são postos à prova, não decepcionando quem os espera. A batalha é sanguinária, com mais figuras lutando entre si do que em um jogo de MMO RPG, fazendo com que os fanboys fiquem liberados a ter orgasmos múltiplos.

    O confronto ganha um caráter ainda mais épico ao finalmente apelar para o guerreiro mais esperado de toda a fita entrar em ação. Após uma reflexão do rei anão, Thorin finalmente vai à luta. Sua armada cavalga em cima de seus bodes montanheses, em busca do antigo rival.  Apesar de serem poucos, o apoio moral dado após a entrada do Rei e de seus próximos ao combate é incomensurável, e até empolgante.

    A postura que Legolas (Orlando Bloom) assume é vergonhosa. O romance não concebido de Tauriel (Evangeline Lily) e Kili (Aidan Turner) joga toda a parceria do arqueiro com Gimli em um tremendo mar de irrelevância. A comicidade excede seus limites na demonstração da velocidade de Legolas, tal como no combate mais esperado da minissaga, que se deu entre o rei anão e o Orc, que feriu seus antepassados.

    Mesmo com tantos defeitos, o embate é bastante épico. O engrossamento do caráter importante de batalhas, fodacidades pensadas por Jackson, finalmente logrou algum êxito, não o suficiente para justificar toda a embromação anterior, nem a banalização dos três maiores sucessos de sua carreira, que certamente não possuem qualquer semelhança com esta obra, graças à presunção, cafonice e ganância de seu feitor, é claro.

    A longa espera pelo velório do rei ao menos encerra a visita do cinema a Terra Média, levando-se em conta que, por enquanto, nem O Silmarillion, nem outras obras tolkienianas estão licenciadas para os estúdios. Aos fãs ardorosos, a despedida pode ser dolorosa, e o é, desde que se decidiu esticar aos montes uma história de 300 páginas, cujas lágrimas não são plenamente justificáveis; nem mesmo ante o aviso do Mago a Bilbo Bolseiro (Martin Freeman), com ciência da guerra que está prestes a ocorrer, diante de um futuro sequencial que já tem seu espaço nos anais do cinema. A porta da casa de Baggins se abrindo, para receber, enfim, seu morador, retorna, Lá e de volta outra vez.

  • Crítica | Como Treinar o Seu Dragão 2

    Crítica | Como Treinar o Seu Dragão 2

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    Quando Como Treinar o Seu Dragão chegou aos cinemas em 2010, não se imaginava que a nova animação da DreamWorks fizesse tanto sucesso. O estúdio apostou alto adaptando uma série de livros escrita por Cressida Crowell. Com um orçamento gordo de 165 milhões de dólares, o longa – dirigido por Dean DeBlois (Lilo & Stitch) e pelo roteirista de clássicos como O Rei Leão, Chris Sanders – chegou aos 500 milhões de dólares no mundo inteiro, garantindo financiamento para que mais dois filmes fossem encomendados. Como Treinar o Seu Dragão 2 chegou às telas quatro anos após seu antecessor, quase respeitando o tempo da ordem cronológica da história, que é de cinco anos.

    Soluço (voz de Jay Baruchel), o simpático protagonista, agora tem 20 anos de idade, o suficiente para que seu pai, Stoico (Gerard Butler), o coloque no trono, substituindo-o como líder da cidade de Berk. Porém, Soluço não quer nem um pouco assumir as responsabilidade de governar, ainda mais depois dos adventos do primeiro filme, quando a paz entre vikings e dragões passou a reinar. Nesses cinco anos, podemos perceber que a aliança entre dragões e o povo viking trouxe muitos benefícios à cidade, principalmente numa cena completamente inspirada em Os Flintstones, quando animais ajudam os humanos nas tarefas diárias. Vale destacar que Soluço possui vários aparatos “tecnológicos” muito legais, dispondo, inclusive, de uma wing suit, a popular asa de morcego, aparato bastante conhecido entre os paraquedistas.

    O filme começa numa festa em Berk, onde acontece uma corrida de dragões disputada pelos velhos amigos de Soluço: a namorada Astrid (voz de America Ferrera), Melequento (Jonah Hill), Perna de Peixe (Christopher Mintz-Plasse), Cabeça Dura (T.J. Miller), Bocão (Craig Ferguson) e a feia e revoltada, porém irresistível, Cabeça Quente (na voz de Kristen Wiig). Percebe-se que o protagonista deveria estar disputando a prova, porém ele está explorando o mundo com o seu dragão, Banguela, que ainda não consegue voar sozinho. Enquanto Soluço e Banguela voam, nota-se que, na verdade, eles estão mapeando o local, o que faz com que o jovem tenha consigo um enorme mapa da região, descoberta por Soluço e seu amigo.

    Mas a trama, de fato, começa quando, numa dessas explorações junto a Astrid e seu dragão Tempestade, Soluço e Banguela são atacados pelo simpático e divertido viking Eret (voz de Kit Harrington, o Jon Snow, de Game Of Thrones), que deixa escapar que está capturando dragões a mando do temido Drago Sangue Bravo (voz de Djimon Hounsou). E esse contato com Eret muda para sempre a vida de Soluço, interferindo, inclusive, em seu passado, onde algumas coisas são reveladas, como, por exemplo, a verdade sobre sua mãe, desaparecida desde um ataque de dragões a Berk, quando Soluço ainda era um bebê.

    O filme é bastante leve, passa rápido e não erra em nenhum aspecto. É engraçado e triste quando precisa ser e é tenso e suave quando também precisa ser. A história e o visual são mais ricos e abrangentes, dada a facilidade de se viajar por aí com um dragão. Simples assim. Pode-se dizer que os acontecimentos do primeiro filme, além de contribuírem com a trama, colaboram com os aspectos técnicos do segundo. Desta forma, a facilidade que Soluço tem de explorar a região o coloca em contato com a misteriosa guardiã de dragões, Valka (voz de Cate Blanchett), que sabe muito mais sobre os dragões do que qualquer outra pessoa no mundo, além de esconder um grande segredo. Para se ter uma ideia, Soluço é apresentado ao Dragão Alfa, um dragão colossal, talvez maior que o Godzilla, que controla todos os outros dragões.

    Um dos destaques fica por conta da diversidade de dragões que este filme possui. Cada raça possui características bem distintas, o que, infelizmente, deixa Banguela totalmente em segundo plano, ganhando mais importância somente no início do terceiro ato, quando Drago Sangue Bravo se torna, de fato, uma ameaça. Cabe destacar que ele também possui um Dragão Alfa, que resulta no maior combate de dragões já visto no cinema, mesmo que em uma animação. Um elemento grandioso não só pelos dragões alfa, mas porque Drago, assim como Valka, possui uma horda de dragões controlados por seus líderes, resultando numa épica batalha.

    Felizmente, o saldo é bem positivo, e o filme é com certeza uma ótima diversão para as crianças nas férias. Mas, por outro lado, talvez Chris Sanders tenha errado um pouco o tom ao escrever uma cena daquelas em que o herói pega a dama pela cintura e tasca-lhe um beijo, como acontece entre Soluço e Astrid, cena que resulta em um monte de “eca”, “credo” e “blergh” entre as crianças no cinema, causando risos nos adultos pela situação constrangedora e divertida.

    Texto de autoria de David Matheus Nunes.

  • Crítica | Caçadores de Obras-Primas

    Crítica | Caçadores de Obras-Primas

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    Depois do excelente Tudo pelo Poder, de 2011, a expectativa pelo novo filme dirigido por George Clooney era grande. Com uma temática interessante e um elenco carismático, poucos afirmariam que o filme fosse um fracasso. E aqueles que afirmaram, acertaram.

    Caçadores de Obras-Primas se passa no final da 2ª Guerra Mundial, quando um especialista em arte chamado Frank Stokes (Clooney) convence o então presidente Roosevelt a enviar uma força-tarefa para a Europa com o objetivo de evitar o saque, comandado por Hitler, de obras de arte guardadas em museus europeus. Para isso, ele conta com a ajuda de alguns amigos também especialistas nos mais variados ramos da arte, como James Granger (Matt Damon), Richard Campbell (Bill Murray), Walter Garfield (John Goodman), Jean Claude Clermont (Jean Dujardin), Donald Jeffries (Hugh Bonneville), Preston Savitz (Bob Balaban) e o tradutor de alemão Sam Epstein (Dimitri Leonidas). Também está presente a especialista francesa em arte Claire Simone (Cate Blanchett).

    Tentando trabalhar com grande sensibilidade um tema sobre a importância da arte em meio à guerra, o filme se utiliza de discursos em vários momentos, com músicas enaltecedoras de fundo a fim de dar um clima heroico aos personagens; isso causa embaraço no espectador, pois a função de resguardar a arte é um sentimento além de heroísmos baratos tão comuns em filmes que retratam o militarismo americano – que também recebe carta branca em relação aos tempos atuais ao mostrar como o exército dos EUA salvou o planeta dos nazistas.

    Também rasa é a construção dos personagens, todos retratados em situações cômicas e munidos de frases feitas fora de contexto, aparentando terem saído de um programa de TV da época retratada no filme.  Desta forma, torna-se dúbia a mensagem séria que a narrativa tenta impor, visto que é quebrada com piadas em toda a película.

    O retrato feito dos russos lembra os filmes de James Bond do auge da Guerra Fria, com seus vilões caricatos de cara amarrada, dando a entender que os soviéticos não foram os reais responsáveis por conter a máquina de guerra alemã. São tratados como estorvo no caminho americano de libertação e sua participação é citada apenas como um  “eles perderam vinte milhões de pessoas”, em uma afirmação também estranha de se fazer antes de terminar a guerra, quando esses cálculos só foram divulgados com certeza alguns anos depois do final do conflito. O russo retratado no filme tem tamanha importância dramática que não diz uma única palavra.

    No final, o que sobra do filme é uma ode à importância da arte como memória coletiva dos avanços da humanidade, mostrando como o papel desses homens foi importante para salvar essas obras do confinamento nazista, evitando-se uma destruição muito maior – já que, ainda assim, muitos trabalhos artísticos foram destruídos, em especial os de arte moderna e de artistas judeus. Porém, esse grupo de soldados corajosos merecia uma homenagem melhor do que esse pastiche transfigurado de drama.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | Blue Jasmine

    Crítica | Blue Jasmine

    Blue Jasmine

    Woody Allen, é um cineasta prolífico e obsessivo. São quase 50 filmes, muitos deles apresentando de alguma forma os mesmos temas, os mesmos personagens e as mesmas narrativas. Nas mãos de Allen isso não é um problema, sua obsessão genuína e seu humor fazem com que voltemos ao cinema para ver exatamente isso, Woody Allen sendo Woody Allen.

    Blue Jasmine é ao mesmo tempo algo novo na filmografia do diretor e algo profundamente clássico. É novo porque nunca ele havia se debruçado tanto sobre uma figura feminina, mesmo em Annie Hall, ela aparece pela perspectiva de Alvy, e em Vicky Cristina Barcelona a tríade de mulheres fragmenta a atenção. Aqui não, o filme é todo de Jasmine, é seu rosto que ocupa a tela em super-closes, é sua neurose e seus traumas que conduzem a narrativa, nós só sabemos o que ela está disposta a admitir.

    Também é novidade que Woody Allen dê tanta liberdade criativa a um ator. Na maioria de seus filmes, o intérprete acaba parecendo o próprio Allen (o caso mais notável deve ser Owen Wilson em Meia Noite em Paris), ou ao menos incorporando trejeitos e entonações típicas de seus filmes. Mas a Jasmine de Cate Blanchett é uma criação dela, sua postura, voz e jeito, são todos dela, ainda que a personagem seja uma clássica neurótica de Woody Allen.

    E é por isso que o filme é também clássico. Jasmine é uma personagem típica do diretor: neurótica, verborrágica, esnobe e, ainda assim, inexplicavelmente cativante. O ambiente que ela circula também é familiar, especialmente nos filmes dos últimos anos: a classe alta urbana, culta, cheia de jantares, ingressos para a ópera e obras de arte na sala de casa.

    Blue Jasmine é o resultado de dois esforços criativos, onde Allen entra com seu estilo habitual e Cate Blanchett injeta novidade e um outro ponto de vista, criando uma mulher que é sobretudo real. A atuação dela é antológica, o estado emocional e as oscilações da protagonista se refletem em sua postura, sua voz, até a aparência de seu rosto. Blanchett sempre foi uma ótima atriz e esse é sem dúvidas um de seus melhores trabalhos.

    Há um outro mérito em Blue Jasmine: Woody Allen erra menos que de costume ao tratar de classes menos favorecidas. O esnobismo do autor vem a seu favor quando olha para seu próprio meio, mas derrapa em todos os filmes em que ele tenta falar de classes baixas (à exceção, talvez, de O Sonho de Cassandra). Aqui, embora a irmã da protagonista e seus namorados não sejam exatamente bem construídos, eles são um pouco mais agradáveis e menos estereotipados que os personagens de, por exemplo, Os Trapaceiros.

    Filmado em São Francisco, o filme não chega a fazer da cidade a sua protagonista, o que é um respiro depois de infinitos filmes em que o cenário teve papel mais significativo do que os personagens em cena. Talvez por estar de volta ao seu país, Woody Allen se sinta a vontade para voltar para dentro de casa e para dentro de personagens neuróticos e obcecados, menos planos abertos, mais super-closes. Jasmine talvez cruze um pouco mais a linha da loucura do que a média dos personagens do cineasta. Allen também volta ao tema da sorte: é um acaso que a leva a recaída, é por um acaso que não tem saída.

    Blue Jasmine é exatamente isso: um filme de Woody Allen que soa como um filme de Woody Allen. Falta a parcela de genialidade de obras como Annie Hall e Manhattan, mas não importa, é ainda assim um filme bastante bom.

    Texto de autoria de Isadora Sinay.