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  • Crítica | Paddington 2

    Crítica | Paddington 2

    Muita gente cresceu assistindo Sessão da Tarde, contudo, o espaço vespertino da Rede Globo para exibir filmes com o tempo foi perdendo o peso, mas ainda hoje é lembrado pelos seus clássicos. Inclusive, “sessão da tarde” virou quase uma categoria de filme, no Brasil, sempre associada a longas de classificação livre, de tons leves e infantis, e em grande parte com narrativas fantásticas e envolvendo animais. O programa perdeu espaço e a produção de filmes desse tipo foi diminuindo, a indústria mudou e o público infantil também, mas Paddington 2 chega mais uma vez dando frescor ao estilo e nos faz lembrar como é incrível não levar tudo a sério no cinema.

    Agora Paddington (Ben Whishaw) está devidamente instalado e feliz na família Brown, virou literalmente o amigão da vizinhança, sendo conhecido e adorado por todos os moradores da rua. Mas o aniversário de sua tia Lucy (Imelda Staunton) está chegando e ele decide encontrar um trabalho para comprar o presente perfeito para ela, até ele ser roubado pelo mágico frustrado da cidade, Phoenix Buchanan (Hugh Grant). Com um plot simples, o longa engata rapidamente e nos primeiros dez minutos de duração todos os personagens e tramas já são apresentadas e o ritmo só cresce.

    O texto também é mais ágil e divertido que o do primeiro filme, diálogos curtos conseguem definir todo o primeiro ato, desde a dinâmica na casa dos Brown até o relacionamento de Paddington com os vizinhos. Casada com a agilidade do roteiro, a montagem faz o belo serviço de injetar dinamismo nas sequências engenhosas de câmera durante todo esse início. Justo ressaltar a criatividade do diretor Paul King nessas sequências, sabendo muito bem posicionar sua câmera, desde pequenas escolhas como se manter na altura de Paddington quando necessário e sempre enchendo a tela com o corpo do pequeno urso, como também em cenas dinâmicas e marcadas por movimentos mais sofisticados. Sinal de sua visão certeira em relação ao personagem principal, esse que é pura computação gráfica.

    Se King sabe filmar Paddington, a equipe de efeitos visuais o sabem construir, a fisicalidade do urso é inacreditável. Digo de seu design, como pelugem, olhos, e focinho, mas principalmente de como seus movimentos e corpo contribuem para a história, seja narrativamente quanto pela veia do humor — é uma comédia física que funciona durante todo o tempo e torna Paddington cada vez mais carismático. Seu corpo não é humano, mas suas feições e reações exageradas e irreais o fazem rico e por isso mais relacionável.

    Paddington 2 também acerta no restante do visual, o design de produção é rebuscado, com cores saturadas em figurinos e cenários, lindamente ressaltadas pela fotografia, fazendo com que o clima bem-humorado e inocente marque presença, assim também com a trilha musical pontual e clássica. O elenco dos personagens humanos faz um bom trabalho, mas beira um caricato não muito bem-vindo em certos momentos, principalmente em um novo núcleo de personagens que surge no segundo ato, já os que repetem seus papéis nessa sequência ainda carregam bastante carisma, destaque para a sempre suave Sally Hawkins. Grant, que assume o papel de vilão depois da interessantíssima Nicole Kidman no último filme, se diverte no corpo de um mágico mau caráter e assim como Paddington, tem um ótimo humor britânico e físico.

    Essa sequência confia em seu público e vai direto ao ponto, apresenta novas façanhas de sua personagem principal, ressalta suas virtudes, expande seu universo e mais uma vez traz belas mensagens em meio a diversão. Paddington 2 reacende aquela criança dentro de nós, que amava sentar em frente a TV e se relacionar com histórias como essa, realizando isso sem forçar,pois é de uma leveza tão genuína que o sorriso no rosto é certo do início ao fim, podendo até rolar uma participação especial de lágrimas, das boas.

    Texto de autoria de Felipe Freitas.

  • Crítica | A Forma da Água

    Crítica | A Forma da Água

    Após alguns fracassos de crítica com Círculo de Fogo e A Colina Escarlate, o diretor mexicano Guillermo Del Toro ressurge com uma novo longa que conta com fortes elementos fantásticos e nuances de terror. A Forma da Água ganhou o Leão de Ouro em Veneza e não é à toa, pois o filme é deslumbrante visualmente e com um texto muito terno.

    A história começa com a funcionária de limpeza Eliza Esposito (Sally Hawkins), uma mulher muda e bastante sensível a arte, não tem qualquer receio em saciar seus desejos sexuais diários, a despeito até do pensamento conservador vigente nos anos 1960. Ela trabalha em uma base militar e tem contato direto com o impertinente “sargentão” Strickland, vivido por Michael Shannon.

    A trama acrescenta ainda a figura mítica de um ser humanoide poderoso interpretado por Doug Jones, chamado de homem anfíbio nos créditos, que se encontra encarcerado por ser diferente dos demais. Seu semblante lembra bastante O Monstro da Lagoa Negra.

    A história é desenvolvida sob a ótica de Eliza, que rapidamente enxerga no ser anfíbio uma figura semelhante a si, inteligente, munida de sentimentos complexos mas que sofre de um problema de comunicação profundo, além de ter em si um talento escondido e começa a se envolver emocionalmente com ele. A inocência e ingenuidade é tratada como uma dádiva quase divina dentro do roteiro de Del Toro e Vanessa Taylor, fato este que torna ainda mais gritante a arrogância e o machismo exacerbado do psicótico Strickland.

    Em meio ao cenário caótico da Guerra Fria, os tons acinzentados do confronto entre a União Soviética e os Estados Unidos é mostrado sobre um viés pouco maniqueísta, apesar de mostrar os russos como adversários, também denuncia os desmandos dos americanos, apelando é claro para máscara vilanesca do personagem de Shannon. Seu papel de certa forma reprisa o agente Nelson Van Alden de Boardwalk Empire em seus momentos mais inspirados na série da HBO, acrescentando aí uma carga de egoísmo e necessidade de auto-afirmação via opressão aos que estão abaixo de si.

    O desenvolvimento das personagens são bem encaixados à trama, fato que casa incrivelmente com o ritmo do filme. Em alguns momentos ele lembra a valorização do lúdico presente em A Invenção de Hugo Cabret, que curiosamente também conta com Michael Stuhlbarg em um papel secundário, igualmente importante para a trama. O contraponto entre o amor e a ganância é apresentado de uma maneira bastante madura, ainda que não abra mão de ser pueril. Tudo isso faz de A Forma da Água uma pérola em meio ao cinema mainstream, especialmente por não focar em estardalhaços visuais, mas sim em contar histórias utilizando estes recursos visuais como papel secundário à obra final.

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  • Crítica | Blue Jasmine

    Crítica | Blue Jasmine

    Blue Jasmine

    Woody Allen, é um cineasta prolífico e obsessivo. São quase 50 filmes, muitos deles apresentando de alguma forma os mesmos temas, os mesmos personagens e as mesmas narrativas. Nas mãos de Allen isso não é um problema, sua obsessão genuína e seu humor fazem com que voltemos ao cinema para ver exatamente isso, Woody Allen sendo Woody Allen.

    Blue Jasmine é ao mesmo tempo algo novo na filmografia do diretor e algo profundamente clássico. É novo porque nunca ele havia se debruçado tanto sobre uma figura feminina, mesmo em Annie Hall, ela aparece pela perspectiva de Alvy, e em Vicky Cristina Barcelona a tríade de mulheres fragmenta a atenção. Aqui não, o filme é todo de Jasmine, é seu rosto que ocupa a tela em super-closes, é sua neurose e seus traumas que conduzem a narrativa, nós só sabemos o que ela está disposta a admitir.

    Também é novidade que Woody Allen dê tanta liberdade criativa a um ator. Na maioria de seus filmes, o intérprete acaba parecendo o próprio Allen (o caso mais notável deve ser Owen Wilson em Meia Noite em Paris), ou ao menos incorporando trejeitos e entonações típicas de seus filmes. Mas a Jasmine de Cate Blanchett é uma criação dela, sua postura, voz e jeito, são todos dela, ainda que a personagem seja uma clássica neurótica de Woody Allen.

    E é por isso que o filme é também clássico. Jasmine é uma personagem típica do diretor: neurótica, verborrágica, esnobe e, ainda assim, inexplicavelmente cativante. O ambiente que ela circula também é familiar, especialmente nos filmes dos últimos anos: a classe alta urbana, culta, cheia de jantares, ingressos para a ópera e obras de arte na sala de casa.

    Blue Jasmine é o resultado de dois esforços criativos, onde Allen entra com seu estilo habitual e Cate Blanchett injeta novidade e um outro ponto de vista, criando uma mulher que é sobretudo real. A atuação dela é antológica, o estado emocional e as oscilações da protagonista se refletem em sua postura, sua voz, até a aparência de seu rosto. Blanchett sempre foi uma ótima atriz e esse é sem dúvidas um de seus melhores trabalhos.

    Há um outro mérito em Blue Jasmine: Woody Allen erra menos que de costume ao tratar de classes menos favorecidas. O esnobismo do autor vem a seu favor quando olha para seu próprio meio, mas derrapa em todos os filmes em que ele tenta falar de classes baixas (à exceção, talvez, de O Sonho de Cassandra). Aqui, embora a irmã da protagonista e seus namorados não sejam exatamente bem construídos, eles são um pouco mais agradáveis e menos estereotipados que os personagens de, por exemplo, Os Trapaceiros.

    Filmado em São Francisco, o filme não chega a fazer da cidade a sua protagonista, o que é um respiro depois de infinitos filmes em que o cenário teve papel mais significativo do que os personagens em cena. Talvez por estar de volta ao seu país, Woody Allen se sinta a vontade para voltar para dentro de casa e para dentro de personagens neuróticos e obcecados, menos planos abertos, mais super-closes. Jasmine talvez cruze um pouco mais a linha da loucura do que a média dos personagens do cineasta. Allen também volta ao tema da sorte: é um acaso que a leva a recaída, é por um acaso que não tem saída.

    Blue Jasmine é exatamente isso: um filme de Woody Allen que soa como um filme de Woody Allen. Falta a parcela de genialidade de obras como Annie Hall e Manhattan, mas não importa, é ainda assim um filme bastante bom.

    Texto de autoria de Isadora Sinay.