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  • Crítica | O Dono do Jogo

    Crítica | O Dono do Jogo

    O Dono do Jogo, de Edward Zwick, resume duas características do ano de 1972 nos Estados Unidos: a paranoia desencadeada pela propaganda anticomunista e a popularização do xadrez em todo o território nacional. O motivo disso tudo é bastante claro: a final do campeonato mundial de xadrez envolvendo o atual campeão, o soviético Boris Spassky (Liev Schreiber) e seu desafiante, o norte-americano Bobby Fischer (Tobey Maguire).

    Na trama, acompanhamos a história de Fischer desde sua infância, criado por uma mãe solteira socialista e judaica (Robin Weigert), os primeiros traços de paranoia e a aproximação com o xadrez que o faria campeão nacional ainda em sua adolescência. A explosão ao estrelato ainda jovem o levaria, alguns anos depois, a famosa final Fischer-Spassky, e serviria como propaganda nacionalista, uma esperança norte-americana para encerrar os 24 anos de dominação soviética no xadrez.

    Curiosamente, o título original Pawn Sacrifice remete a uma jogada clássica no xadrez em que, propositalmente, abre-se mão dos peões para a construção de uma jogada maior ou para ainda ganhar tempo no desenvolvimento de outras peças. Uma metáfora bastante óbvia para Fischer e o próprio xadrez, que acabam se tornando peões em um jogo muito maior do que eles, travado pelas duas superpotências da época, Estados Unidos e União Soviética.

    Pena que isso seja tão mal aproveitado pelo roteiro, pois assim que inserido qualquer sub-texto político, a trama vai pelo ares. O mesmo pode ser dito sobre a genialidade de Fischer no xadrez, já que em nenhum momento a direção de Zwick e o roteiro de Steven Knight procuram mostrar ao espectador a razão da genialidade do enxadrista, com exceção do jogo final com Spassky. Afinal, todas as partidas anteriores são cortadas e sabemos dos resultados por meio de diálogos entre as personagens.

    É difícil encontrar explicações para as escolhas da direção e roteiro: a construção das personagens são abandonadas assim que aparecem em tela; não há justificativas plausíveis para o que leva Fischer, um judeu, a ser influenciado por extremistas religiosos antissemitas; nenhuma explicação sobre seu relacionamento conturbado com a mãe, uma socialista; ou por fim, o que o leva a sofrer cada vez mais de uma suposta doença mental. Nada disso é desenvolvido, personificando a figura de Fischer à um simplismo massificado, bobo e infantil típico da já recorrente fórmula hollywoodiana em cinebiografias.

    A aproximação com a política soa rasteira e sequer desenvolve a forma como o governo norte-americano utiliza Fischer como peão durante a Guerra Fria e o descarta em seguida, devido a seus frequentes colapsos públicos, vindo a ser preso e, no final da vida, exilado dos Estados Unidos e refugiado na Islândia. Este fato é mencionado apenas por um epílogo final e em alguns trechos de época do próprio Fischer, o que se torna um dos grandes momentos do filme. Somente nos créditos conseguimos entender minimamente a complexidade da personagem, que convenhamos, Zwick tenta se aproximar, mas falha ao tentar envolvê-lo de forma significativa em seu filme.

    Ainda assim, o longa tem bons momentos, principalmente em sua fotografia ambientada nos anos 1950, 60 e 70, com emulações à filmagens de época e rápidas cenas da história do mundo intercaladas com jogadas em um tabuleiro de xadrez. Infelizmente, o clima de tensão e urgência típicos da Guerra Fria não se caracterizam em tela, como também a paranoia de Fischer, e em alguns momentos de Spassky, também não é transmutada para a sua direção. A atuação de Maguire deixa a desejar, abusando de tiques e exageros na composição de sua personagem, soando superficial para explicar essa figura controversa. Schreiber se mostra apenas correto como o enxadrista russo. A forma como sua personagem é apresentada incomoda pelo emprego de um vilanismo que deixa a dúvida se Boris Spassky era um jogador de xadrez ou um soldado da máfia russa. Um estereótipo certamente imposto ao ator, já que tem sido bastante comum vê-lo trabalhar em ótimas composições de outros papéis. Ainda assim, Michael Stuhlbarg e Peter Sarsgaard têm um bom trabalho como elenco de suporte à Maguire, roubando a cena em alguns momentos.

    Zwick está longe de ser um mal diretor, já se mostrou competente em Um Ato de Liberdade, Diamante de Sangue, Tempo de Glória. Mas em O Dono do Jogo erra magistralmente em todas as frentes que procura abordar, seja ela ao caracterizar um jogo de xadrez, o cenário político da época ou as idiossincrasias de seu protagonista, se resumindo a um filme engessado, cômodo, repleto de clichês e com um viés excessivamente nacionalista e maniqueísta. Ao tenta ser neutro em suas discussões, o filme se resume a mais uma peça nacionalista de Hollywood: convencional, inofensiva e correta, muito aquém da personagem errática, arrogante e desequilibrada de Bobby Fischer.

  • Crítica | Sete Homens e Um Destino (2016)

    Crítica | Sete Homens e Um Destino (2016)

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    Antoine Fuqua tem uma carreira cinematográfica é pautada basicamente em dramas policiais e de ação, alternando a qualidade em extremos, reunindo obras que normalmente variam em episódios interessantes do gênero e outros simplesmente execráveis. Após ter uma parceria com o criador de Sons of Anarchy Kurt Sutter, no roteiro do drama de boxe Nocaute, o diretor resolveu repetir a dobradinha com outro escritor de um programa bem sucedido, chamando o escritor de True Detective Nic Pizzollatto para redigir o argumento da nova versão de Sete Homens e um Destino.

    Novamente a trama segue uma cidade do oeste dos Estados Unidos que é atacada por um tirano, sendo Bartholomew Bogue (Peter Sarsgaard) o atual facínora. Seu personagem é performático e imperialista, mostrando sua crueldade assim que põe os pés no vilarejo, tratam de assassinar os poucos homens que apresentam resistência aos seus domínios. Cabe a Emma Cullen (Haley Bennett) pedir o auxílio ao pistoleiro Sam Chisolm (Denzel Washington) para que resgate a dignidade do lugar. A partir daí, o sujeito reúne justiceiros em torno de si para combater a figura de ódio, que tem um fato no passado em comum com o cowboy negro.

    As interações entre os heróis parece demais com o visto nos filmes da Marvel, no sentido de entregar um grupo repleto de alívios cômicos. O Josh Faraday de Chris Pratt é o principal dele, com o papel clássico do engraçado homem espirituoso e piadista, mas até Ethan Hawke e seu traumatizado Goodnight Robicheaux contém uma rotina de piadas, bem como o mexicano Vazquez (Manuel Garcia-Rulfo) e Jack Horne (Vincent D’Onofrio, mais uma vez inspirado). Essa pouca variação de arquétipos faz estranhar um pouco o tom sombrio da fotografia.

    Não há pretensão de Fuqua em apresentar um faroeste sombrio, como A Proposta de John Hillcoat, mas há elementos claros de reverência a Os Imperdoáveis. Em comparação com o Sete Homens e Um Destino de John Sturges há uma melhor elaboração da química entre os justiceiros do oeste, desde a ligação entre eles até a motivação de cada um. Gasta-se um tempo demasiado nestes.

    As cenas de ação tem o apuro comum aos produtos do diretor, repetindo com êxito o que fez sucesso em O Protetor. Os closes e variações rápidas de ângulos inseridas no final do longa são um diferencial, relembrando as obras mais famosas de Sergio Corbucci e Sergio Sollima, em especial Django e Sabata.  A nova versão de Sete Homens e Um Destino consegue soar interessante, apesar de todo o western exploitation recente, tendo boas sequências de ação e um ritmo interessante, não soando cansativo como o recente Django Livre e com um resgate de tema de vingança que remonta aos clássicos de gênero, além de deixar o aficionado pela trilha de Elmer Bernstein, no anúncio dos créditos.

  • Review | The Killing

    Review | The Killing

    the-killingA série canadense-americana de quatro temporadas, produzida pela Fox e distribuída pela AMC, é um remake da bem-sucedida série dinamarquesa Forbrydelsen, de 2007. A série se passa em Seattle e acompanha a investigação do assassinato da adolescente Rosie Larsen (Katie Findlay). Cada episódio é, aproximadamente, um dia na investigação conduzida por Sarah Linden (Mireille Enos) e seu novo parceiro Stephen Holder (Joel Kinnaman).

    O roteiro se apoia em alguns clichês que, mesmo sendo clichês, ainda funcionam bem por estarem cuidadosamente estruturados:

    O investigador que está prestes a abandonar seu cargo, trocando-o por uma nova vida e que se vê “obrigado” a ficar e resolver um último caso. Na série, Linden vai se mudar para outra cidade com o filho e seu futuro marido, mas vê-se envolvida demais com a história da vítima e protela a viagem indefinidamente.

    Uma parceria não desejada – e não planejada – que desagrada o protagonista, ao menos no início. Na série, Holder chega à divisão de Homicídios, vindo da divisão de Narcóticos, para ocupar a vaga deixada por Linden. Como ela vai ficando, decidida a resolver o caso, acabam se tornando parceiros.

    Parceiros com personalidades diferentes – este é um clássico, quase obrigatório em filmes com duplas. Na série, enquanto Linden é a veterana mal-humorada, calada e durona, Holder é o recém-chegado falastrão, descolado e com ginga de malandro. Ele fuma feito uma chaminé; ela largou o vício e passa o tempo todo mascando chicletes com nicotina. Ela tem família, mas a negligencia em detrimento das investigações; ele está sozinho, tentando resgatar a confiança da irmã e o convívio com o sobrinho. E mais um rol de características que se opõem e, ao mesmo tempo, se completam.

    Há alguns detalhes que fazem lembrar bastante Twin Peaks. Além da referência óbvia, já que a premissa de ambas é o assassinato de uma jovem, aparentemente sem motivos. Troca-se “Quem matou Laura Palmer?” por “Quem matou Rosie Larsen?”. Mas não é apenas isso. A investigação, encontrando pistas falsas que levam a falsas suspeitas, apesar de todos os envolvidos serem culpados de alguma coisa – não exatamente do crime sendo investigado. As revelações sobre as atividades extra-curriculares da adolescente, totalmente desconhecidas dos familiares. Some-se a isso o fato de que as suspeitas apontam para um cassino em território indígena, de que uma das pistas vem de um reflexo num vídeo, de que há uma rede de prostituição que permeia a trama. Mas diferente da obra de David Lynch, esta não tem um pé no fantástico, nem se vale do nonsense para envolver o público.

    A primeira temporada cobre as duas primeiras semanas da investigação. E para desgosto dos espectadores, termina sem ter resolvido efetivamente o caso. Na verdade, há uma suspeita muito forte sobre um dos personagens dada por uma prova cuja autenticidade é questionada nos últimos minutos do episódio. A segunda temporada abarca mais duas semanas de investigação, em que, além de caçar pistas que apontem o verdadeiro assassino, Linden e Holder vêem-se enredados em tramas cada vez mais complexas que colocam em risco inclusive sua confiança mútua, além de questionar a integridade da força policial de Seattle.

    A terceira temporada reaviva um caso do passado, resolvido por Linden e seu ex-parceiro – e ex-amante – James Skinner (Elias Koteas), quando um assassinato apresenta várias coincidências no modus operandi com esse outro. As investigações fazem Linden mergulhar no passado e mexer em “cicatrizes” mal fechadas. Com o roteiro um pouco mais enxuto que as duas primeiras temporadas, talvez com ritmo um pouco lento no início para alguns espectadores, tem um arco dramático cujo desfecho é de tirar o fôlego. O final é daqueles que dá vontade de “voltar a fita” e rever para se certificar de que foi aquilo mesmo que ocorreu. Há outros, mas esse é o “momento PQP” mais significante de toda a série.

    A série que, para desagrado do público, havia sido cancelada após o término da terceira temporada, voltou para uma quarta temporada graças à Netflix, que solicitou que fosse dado ao público um desfecho decente numa temporada de encerramento. Lógico que não foi apenas boa vontade da empresa. A Netflix notou o desempenho que a série vinha tendo no chamado binge watching (mais conhecido como maratona de série), acreditou nesse potencial e bancou a quarta temporada. Nela, enquanto Linden e Holder lidam com as consequências dos atos do final da terceira temporada, investigam o assassinato de toda uma família em que o filho mais velho, principal suspeito, foi baleado na cabeça e perdeu a memória do acontecido.

    É lógico que a resolução dos crimes é importante, mas vale notar que nem por isso as tramas secundárias são deixadas de lado. Mesmo que eventualmente alguns arcos menores possam ser classificados como fillers (no popular, “encheção de linguiça”), pouco agregando ao arco narrativo principal – principalmente na segunda temporada – , é inegável o cuidado no seu desenvolvimento. Mais incrível foi a forma como pequenos detalhes da primeira temporada foram resgatados de modo a se encaixarem nos eventos da terceira. A convergência dos arcos narrativos foi bastante consistente, não deixando pontas soltas nem perguntas sem respostas.

    Mas de nada adianta uma boa história, se os personagens não cativam o público. E a construção dos personagens é mais um trunfo da série. Nenhum deles é raso, uni ou bidimensional. Todos são tridimensionais e complexos como qualquer pessoa. E como qualquer pessoa, o espectador vai conhecendo cada um deles aos poucos, reunindo informações que vão sendo dadas com parcimônia. E por se ter tão poucas informações, inicialmente nem é assim tão fácil se identificar com Linden ou Holder. Não há flashbacks lacrimosos, explicando essa ou aquela motivação do personagem, nem mesmo atos altruístas ou heroicos no intuito de cativar o público imediatamente. Não há qualquer didatismo, o roteiro confia que o espectador tem capacidade de pensar suficiente para juntar os pontos sozinho.

    Emendando, não bastam bons personagens se os atores não tiverem boas performances. E Enos e Kinnaman formam uma das melhores duplas policiais dos últimos anos. Não dá para saber o quanto estava no roteiro e o quanto se deve aos dois, mas a interação entre eles vai além do contraste entre duas personalidades fortes e distintas. Certamente, o sorrisinho cínico que Linden dá para quase tudo foi uma adição muito bem-sucedida feita por Enos, assim como a fala malemolente de Holder. Mas além dos protagonistas, vale destacar o vilão da terceira temporada, Ray Seward (Peter Sarsgaard). Sarsgaard representa com perfeição a ambiguidade do personagem que, mesmo condenado à morte, ainda destila sua verve violenta sem poupar ninguém.

    Num primeiro olhar, a série pode parecer depressiva, principalmente por ser ambientada num local em que sempre chove, o que contribui para o clima mais lúgubre. Mas, ao final, recompensa o espectador por privilegiar sua inteligência, entregando uma season finale que faz jus ao restante da série.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Crítica | Blue Jasmine

    Crítica | Blue Jasmine

    Blue Jasmine

    Woody Allen, é um cineasta prolífico e obsessivo. São quase 50 filmes, muitos deles apresentando de alguma forma os mesmos temas, os mesmos personagens e as mesmas narrativas. Nas mãos de Allen isso não é um problema, sua obsessão genuína e seu humor fazem com que voltemos ao cinema para ver exatamente isso, Woody Allen sendo Woody Allen.

    Blue Jasmine é ao mesmo tempo algo novo na filmografia do diretor e algo profundamente clássico. É novo porque nunca ele havia se debruçado tanto sobre uma figura feminina, mesmo em Annie Hall, ela aparece pela perspectiva de Alvy, e em Vicky Cristina Barcelona a tríade de mulheres fragmenta a atenção. Aqui não, o filme é todo de Jasmine, é seu rosto que ocupa a tela em super-closes, é sua neurose e seus traumas que conduzem a narrativa, nós só sabemos o que ela está disposta a admitir.

    Também é novidade que Woody Allen dê tanta liberdade criativa a um ator. Na maioria de seus filmes, o intérprete acaba parecendo o próprio Allen (o caso mais notável deve ser Owen Wilson em Meia Noite em Paris), ou ao menos incorporando trejeitos e entonações típicas de seus filmes. Mas a Jasmine de Cate Blanchett é uma criação dela, sua postura, voz e jeito, são todos dela, ainda que a personagem seja uma clássica neurótica de Woody Allen.

    E é por isso que o filme é também clássico. Jasmine é uma personagem típica do diretor: neurótica, verborrágica, esnobe e, ainda assim, inexplicavelmente cativante. O ambiente que ela circula também é familiar, especialmente nos filmes dos últimos anos: a classe alta urbana, culta, cheia de jantares, ingressos para a ópera e obras de arte na sala de casa.

    Blue Jasmine é o resultado de dois esforços criativos, onde Allen entra com seu estilo habitual e Cate Blanchett injeta novidade e um outro ponto de vista, criando uma mulher que é sobretudo real. A atuação dela é antológica, o estado emocional e as oscilações da protagonista se refletem em sua postura, sua voz, até a aparência de seu rosto. Blanchett sempre foi uma ótima atriz e esse é sem dúvidas um de seus melhores trabalhos.

    Há um outro mérito em Blue Jasmine: Woody Allen erra menos que de costume ao tratar de classes menos favorecidas. O esnobismo do autor vem a seu favor quando olha para seu próprio meio, mas derrapa em todos os filmes em que ele tenta falar de classes baixas (à exceção, talvez, de O Sonho de Cassandra). Aqui, embora a irmã da protagonista e seus namorados não sejam exatamente bem construídos, eles são um pouco mais agradáveis e menos estereotipados que os personagens de, por exemplo, Os Trapaceiros.

    Filmado em São Francisco, o filme não chega a fazer da cidade a sua protagonista, o que é um respiro depois de infinitos filmes em que o cenário teve papel mais significativo do que os personagens em cena. Talvez por estar de volta ao seu país, Woody Allen se sinta a vontade para voltar para dentro de casa e para dentro de personagens neuróticos e obcecados, menos planos abertos, mais super-closes. Jasmine talvez cruze um pouco mais a linha da loucura do que a média dos personagens do cineasta. Allen também volta ao tema da sorte: é um acaso que a leva a recaída, é por um acaso que não tem saída.

    Blue Jasmine é exatamente isso: um filme de Woody Allen que soa como um filme de Woody Allen. Falta a parcela de genialidade de obras como Annie Hall e Manhattan, mas não importa, é ainda assim um filme bastante bom.

    Texto de autoria de Isadora Sinay.

  • Crítica | Lovelace

    Crítica | Lovelace

    lovelace

    A cinebiografia da atriz Linda Lovelace começa como uma reconstituição de Deep Throat – o clássico Garganta Profunda. A narrativa é lotada de flashbacks e mostra o começo dos anos 70, com a protagonista posando de puritana e pudica, avessa a práticas sexuais bastante comuns como o sexo oral.

    Para quem não conhece a história por trás de Linda Boreman – nome civil da estrela – mergulhar na intimidade desta é interessante, ainda que essa imersão seja superficial. A temática é adulta e até tenta ludibriar o espectador apresentando algumas cenas de nudez, mas sem sensualidade ou apelo erótico algum, mesmo tendo em Amanda Seyfried sua protagonista – que está bem mais sexualizada em Garota Infernal de Diablo Cody. A cena em que ela prova o seu “talento único” pela primeira vez deveria ser épica, mas passa batida, o que não condiz com a filmografia anterior de seus realizadores, Rob Epstein e Jeffrey Friedman, que em outros tempos, documentaram grandes  avanços no que tange a exploração de sexualidade.

    A questão de optar-se por pouca sensualidade é claramente proposital, afinal esta é a versão de uma Linda Lovelace aposentada e atormentada, mas a abordagem peca nesse aspecto também. O erro do longa começa pela premissa, que é forçada e chapa-branca.

    Sobre as caracterizações, há também um sem número de problemas, e pouco vale destacar. Chuck Traynor, esposo de Linda, é retratado num primeiro momento como um sujeito preocupado com a integridade de sua parceira, já na segunda parte, onde ocorre uma virada no roteiro, ele é mostrado como uma pessoa violenta e interesseira, que maltrata a pobre mulher, como o próprio diabo, para no final encarnar o cão arrependido, sem maiores justificativas no roteiro ou apelo dramático, por parte de Peter Saarsgaard, seu intérprete, é tudo muito jogado na tela. Seyfried não é uma atriz ruim, é bonita, tem belos seios, mas não passa a canastrice de Lovelace em frente às câmeras, ela não consegue usar a máscara de atriz sem o mínimo de talento, e tampouco sensibiliza o receptor nas cenas mais fortes.

    A narrativa não-linear parece ter sido escolhida mais por estilo do que por necessidade. As atrocidades a que a protagonista é submetida só são explicitadas após a mudança radical pela qual ela passa. O moralismo materno a empurra de volta ao seu agressor. Talvez esse seja um dos poucos pontos fortes do filme, a relação com os pais. Sua mãe é o autêntico avatar do conservadorismo, enquanto o pai protagoniza a única cena que passa perto de emocionar, onde Bob Patrick espreme o pouco talento que tem a fim de tentar resgatar sua filha daquela “vida bandida”.

    O roteiro é completamente parcial – a favor da atriz. Friedman e Epstein passam longe de causar comoção no público, falta sinceridade, intensidade e visceralidade, especialmente nas cenas picantes. Toda vez que o filme parece engrenar tira-se o pé do acelerador, a câmera parece correr o tempo todo com o freio de mão puxado. Mesmo próximo ao final quando a editora aceita a biografia de Linda, o fato não provoca nenhuma sensação, quando deveria ser um ponto de empatia instantânea.

    As últimas cenas contêm um caráter redentor e cor de rosa, que não poderia estar mais longe da realidade vivida pela “vítima”. A história omite inclusive o retorno decadente da personagem principal a indústria de produtos adultos, e como dito acima, não vale sequer pelas cenas de nudez – que são de uma beatice ímpar – Lovelace poderia ser excelente, e não é mal filmado, mas carece de alma, substância e conteúdo relevante.