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  • Crítica | Ninfomaníaca – Volume 1

    Crítica | Ninfomaníaca – Volume 1

    Nymphomaniac

    Lars Von Trier usa a carreira de realizador de filmes para demonstrar algumas facetas bastante reais do ser humano, ainda que as que ele escolha sejam, na maioria das vezes, as mais inconvenientes segundo o ponto de vista de  parte esmagadora da população mundial alinhada com o conservadorismo e o ideal da moral e dos bons costumes. Restringindo o argumento a sua filmografia recente, pode-se exemplificar essa máxima com a discussão sobre o fim da humanidade de um ponto de vista inconveniente e deveras cínico em Melancolia; a problemática da inocência e complacência dos cidadãos comuns e simplórios diante do sofrimento alheio e do senso de justiça que movem essas pessoas no excelente Dogville; e a questão do papel do homem e da mulher no conjunto sexual da natureza. A dualidade de Ninfomaníaca não passa muito longe disso, e aborda outras tantas formas de enxergar a sexualidade e a necessidade de dar vazão a ela.

    Dividido em capítulos, o roteiro não tem medo ou receio de acarretar o choque no espectador, esfregando conceitos freudianos no rosto de quem assiste ao filme. As sensações sexuais de prazer não afloram somente na puberdade, mas vêm desde a infância para a pequena Joe, que, mesmo não se achando uma pessoa religiosa, auto intitula-se uma pecadora graças aos seus atos e à obsessão pelos limites do seu próprio corpo. A narração da protagonista já adulta, vivida por Charlotte Gainsbourg, dá a história biográfica um ar de confessionário, em que a mulher conta as suas memórias como se procurasse uma remissão por seus atos maus ou uma justificativa ao fazê-los – aparentemente.

    As primeiras experiências movidas pelo ato sexual, com Jerôme (Shia LaBeouf), deixam-na envergonhada por terem sido tão velozes e efêmeras, e, como uma super-correção, sua busca envolve uma contestação que visa chegar a uma satisfação por meio de uma grande quantidade de parceiros de coito. O prêmio do concurso, o saco de chocolates, faz referência à infância perdida, mas é uma clara distração para a sua real procura, que ainda aflora na forma de uma primitiva sexualidade. Mesmo com a inexperiência, ela encontra uma especialidade, uma arma final para atingir seu alvo.

    Diante da figura do mentor, Seligman (Stellan Skarsgård), ela implora pelo veredito de culpa, mas o sujeito, que a encontrou ao léu na rua, não a vê assim, não condena a sua feminilidade nem o seu poder sobre o falo: se um pássaro tem asas, por que não voar?. Nos relatos de sua juventude, vivida por Stacy Martin, em diversos estágios há uma união entre as mulheres contra o sentimento do amor, que seria somente um misto de luxúria e inveja, enquanto o sexo era algo “criminalizado”. A declaração delas visava a extinção do sentimento, o apego a figuras sentimentais, como namorados ou homens fixos.

    A questão de Joe não é uma parafilia, uma doença a qual ela refuta, ao menos não no início. Sua postura caracteriza-se pela decisão de dar vazão à libido e sensualidade, inclusive achando um avatar para o seu objeto de esforço bélico. Jerôme, antes chamado de J, seu primeiro homem e agora patrão, era o alvo de ódio e desprezo da protagonista. Mas, aos poucos, tal associação muda até que se perde de vez, tornando a mulher ainda mais desejosa daquele a quem ela primeiro rejeitou. Suas fantasias a seu respeito a envolvem, e não permitem outro alvo até o fim do segundo capítulo, em que ela declara seu fascínio por diferentes formas e tamanhos de falos, provando um pouco de cada um.

    O asco de Joe pelo sentimentalismo que acompanhava alguns de seus parceiros não invalida a situação constrangedora e tragicômica de ter de enfrentar a passiva esposa – vivida por Uma Thurman em uma atuação arrebatadora – de um de seus amantes, o qual decide viver com Joe. Em uma situação vergonhosa e doentia, as motivações da mulher abandonada são apresentadas na forma de uma conduta tão agressiva e insana que até os motivos de sua visita não são claros. A demolição do estandarte de uma família ainda não a faz sentir-se culpada. O vício não se assinalava na necessidade de se saciar, mas na luxúria, não conseguindo esconder seu eterno estado de solidão.

    A queda de sua figura de espelho causa nela uma sensação atroz de desespero e necessidade por uma fuga daquela realidade, mas nem seus escapes a livram do exaspero e do sofrer. Com o enfrentamento das figuras amedrontadoras e com a descoberta de que aquela condição viria para ficar, temor e tesão se fundem, e tal amálgama a faz sentir-se envergonhada.

    Curiosa é a forma como a câmera registra os “preferidos” de Joe, cada um à sua maneira, sendo tão singular que quase não há a necessidade de diálogos para descrever cada uma das distintas posturas. O dócil F (Nicolas Bro) é filmado em planos abertos, enquanto o dominador G (Christian Gade Bjerrum) é mostrado de maneira erotizada, cujas zonas do belo sexo são cortadas e não enquadradas. Mas é Jerôme quem desperta nela a real e mais plena forma de transar, elevando a frase dita ao pé de seu ouvido em uma máxima real: que o prazer maior do sexo é quando este é executado com amor, momento em que ela não consegue sequer alcançar o gozo, mostrando que sua caça, do ponto alto e idealizado do romance, não atingiu o ápice com o cavaleiro andante moderno. Não como na primeira vez.

    O fim abrupto está longe de ser algo perfeito, mas consegue desenvolver no espectador a vontade de assistir ao segundo volume. A sensação de interrupção no momento do orgasmo – simbolizado pela quebra de expectativa da revelação do segredo – é notória e muito difícil de evitar, especialmente para quem acompanha o trabalho de Von Trier. A avaliação da película em si precisa ser feita como a exploração de um arco, em uma história enorme que não pode ser contida em um único filme.

  • Crítica | Vale do Pecado

    Crítica | Vale do Pecado

    the-canyons

    Uma estrela decadente, com o rosto completamente deformado devido a inúmeras plásticas mal sucedidas, unido a ela no elenco principal, um ator de filmes pornô sem experiência quase nenhuma no cinema tradicional, e que faz um papel semelhante ao de sua própria vida, unido a isso, um orçamento irrisório de 155 mil dólares obtido através de um site de financiamento coletivo – e tudo isso, encabeçado por uma das grande mentes do cinema mundial, mas que jamais conseguiu se adequar a panela, mesmo após uma carreira de sucessos memoráveis. The Canyons tinha tudo para ser mais um sub-produto e filme b genérico – e tem todos os elementos disso, fora os já citados – mas não é.

    A iconografia visual é caricata e lembra muito alguns aspectos de produtos de categoria XXX, graças principalmente a fotografia de John de Fazio, que colabora e muito para manter a artificialidade da obra – artifício este auto-declarado por Bret Easton Ellis – a câmera captura a superficialidade da juventude contemporânea de uma forma tão crua e expositiva que chega a ser tocante e totalmente não condizente com o cinema atual.

    A fita foi oferecida para muitos festivais, mas era quase sempre recusada graças a sua baixa qualidade e as polêmicas que envolviam sua produção – principalmente na espinhosa questão entre Lindsay Lohan x Paul Schrader. A atuação da tresloucada e quase ex-atriz é fenomenal no que se propõe – demonstrar uma mulher que já brilhou muito, mas que está longe dos holofotes, e optou por uma vida marginal. James Deen – que faz o produtor audiovisual Christian – é tão pessimamente dramático e tão fraco que consegue convencer o público de que ele é um sujeito mau por essência, sem espaço para nenhuma dimensionalidade que não esta – ele é o canalha, egoísta e controlador por essência. Essas caracterizações aliadas ao ofício de Christian garantem um caráter metalinguístico surreal ao filme.

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    Ciúmes, controle de informação, invasão de privacidade: demonstrações de atos dos personagens, na maioria das vezes executados sem nenhuma razão aparente. O roteiro de Ellis mostra mais uma vez uma geração sem causa ou motivação maior do que os seus próprios desejos e anseios mesquinhos e individualistas. Seu sub-texto é muito mais rico do que o parco elenco conseguiria transmitir. Em um ponto do filme, Christian declara a sua amada como ele funciona: “Eu te amo, mas do meu jeito!” – até o sentimento que deveria simbolizar atenção ao outro é retratado de forma narcisista. Mesmo nas outras relações mostradas o mesmo acontece, todos os personagens são obcecados e não se permitem viver – e principalmente perder o que lhes faz bem – não há redenção ou saída fácil, não há para quem torcer.

    Lindsay Lohan ainda possui talento, pena que todo esse potencial esteja chafurdado, escondido debaixo de uma completa ausência de rotina e vida regrada. Se ela tivesse maior disposição, certamente seria cogitada para mais trabalhos com grandes diretores. Schrader também merecia uma sorte maior, visto que tem um olho raro para situações do cotidiano, e as registra de forma emocional, agressiva e visceral.

    Ouça nosso podcast sobre Bret Easton Ellis.

  • Crítica | Garganta Profunda

    Crítica | Garganta Profunda

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    Deep Throat é um marco no cinema por inúmeros motivos, entre eles, ter trazido os filmes adultos para o mainstream, o que possibilitou que ao gênero tornar-se uma indústria muito lucrativa. Lançado em 1972, rompia paradigmas, ecoando os gritos da revolução sexual da década anterior.

    Logo aos 4 minutos é mostrado um sujeito praticando sua “intimidade” via oral com uma mulher, amiga da personagem principal Linda Lovelace – interpretando a si mesma. Os efeitos sonoros (bolhas na água) aliados a trilha formam um quadro absurdamente hilário. A protagonista é uma mulher atormentada, que não consegue obter orgasmo de forma alguma – mesmo após uma enorme orgia, com direito a sexo anal filmado de forma bastante explícita, ménage e outras exemplares de boa prática carnal.

    É possível também observar a moda da época, com os atores bastante “cabeludos”, muito mais que suas colegas femininas – um tapa na cara de Nanda Costa e companhia – mas é óbvio que o foco de público era no bom e velho “entra e sai”. Garganta Profunda apresenta cenas bem executadas por Jerry Damiano, e um repertório vastíssimo no seu pouco tempo de duração – pouco mais de 60 minutos. A história prossegue com a “heroína” procurando ajuda médica, e então descobre que seu clitóris está localizado na garganta, e para ter orgasmo ela precisaria se submeter a um procedimento chamado garganta profunda – que consiste em descer o membro masculino laringe abaixo – e é nesse ponto que reside o maior talento de Linda. As imagens utilizadas para exemplificar o orgasmo dela são um show a parte – foguetes sendo lançados, sinos badalando, etc. Ao finalmente obter o prazer, a paciente pede ao médico – Harry Reems – em casamento, parodiando a prática comum de associar-se o prazer ao amor.

    Garganta Profunda teve um orçamento de aproximadamente 25 mil dólares, e gerou um lucro superior a 600 milhões. No bom documentário da HBO Por Dento da Garganta Profunda (Inside Deep Throat) mostra a rejeição por parte do público mais conservador e do governo Nixon, excessivamente moralista, que prezava por valores familiares pelos “bons costumes”. Tal filme ainda mostrou o que aconteceu com os protagonistas da fita – Lovelace entrou em depressão, acusava seu ex-marido de tê-la obrigado a fazer o filme e falava que as cenas gravadas eram um registro dos abusos sexuais que sofria, igualando as cenas a prática do estupro. Jerry Damiano se defendia dizendo que ela se sentia a vontade nos sets. O realizador ainda sofreu bastante, sendo acusado de associação com a Máfia e encarcerado por conta disso. Harry Reems foi tomado como bode expiatório, sendo acusado de atentado ao pudor. No seu julgamento, ele declarou que sentia que alguns o viam como um demônio, e mesmo após toda a polêmica ter acabado não conseguiu dar sequência a carreira de ator – teria quase obtido um papel em Grease, mas foi cortado por ter sua imagem associada aos filmes pornográficos. Reems tornou-se alcoólatra, e chegou ao ponto de gravar seus filmes eróticos o tempo todo sentado, por não conseguir sequer manter-se de pé.

    Alguns anos após o sucesso de Deep Throat, Linda Lovelace tornou-se uma ativista contra a indústria de filmes adultos, mas ainda voltaria mais uma vez ao filão, por necessidades financeiras, ainda que este retorno tenha sido bastante decadente.

    A história do filme é pueril, principalmente se comparada à repercussão que teve fora das telonas. Garganta Profunda é um marco para o cinema moderno, e ajudou a popularizar a subcategoria mais lucrativa do cinema e do audiovisual em geral, além é claro de espalhar a fita erótica para além de seu público habitual, tornando-a algo popular nos mais diversos nichos.

  • Crítica | Lovelace

    Crítica | Lovelace

    lovelace

    A cinebiografia da atriz Linda Lovelace começa como uma reconstituição de Deep Throat – o clássico Garganta Profunda. A narrativa é lotada de flashbacks e mostra o começo dos anos 70, com a protagonista posando de puritana e pudica, avessa a práticas sexuais bastante comuns como o sexo oral.

    Para quem não conhece a história por trás de Linda Boreman – nome civil da estrela – mergulhar na intimidade desta é interessante, ainda que essa imersão seja superficial. A temática é adulta e até tenta ludibriar o espectador apresentando algumas cenas de nudez, mas sem sensualidade ou apelo erótico algum, mesmo tendo em Amanda Seyfried sua protagonista – que está bem mais sexualizada em Garota Infernal de Diablo Cody. A cena em que ela prova o seu “talento único” pela primeira vez deveria ser épica, mas passa batida, o que não condiz com a filmografia anterior de seus realizadores, Rob Epstein e Jeffrey Friedman, que em outros tempos, documentaram grandes  avanços no que tange a exploração de sexualidade.

    A questão de optar-se por pouca sensualidade é claramente proposital, afinal esta é a versão de uma Linda Lovelace aposentada e atormentada, mas a abordagem peca nesse aspecto também. O erro do longa começa pela premissa, que é forçada e chapa-branca.

    Sobre as caracterizações, há também um sem número de problemas, e pouco vale destacar. Chuck Traynor, esposo de Linda, é retratado num primeiro momento como um sujeito preocupado com a integridade de sua parceira, já na segunda parte, onde ocorre uma virada no roteiro, ele é mostrado como uma pessoa violenta e interesseira, que maltrata a pobre mulher, como o próprio diabo, para no final encarnar o cão arrependido, sem maiores justificativas no roteiro ou apelo dramático, por parte de Peter Saarsgaard, seu intérprete, é tudo muito jogado na tela. Seyfried não é uma atriz ruim, é bonita, tem belos seios, mas não passa a canastrice de Lovelace em frente às câmeras, ela não consegue usar a máscara de atriz sem o mínimo de talento, e tampouco sensibiliza o receptor nas cenas mais fortes.

    A narrativa não-linear parece ter sido escolhida mais por estilo do que por necessidade. As atrocidades a que a protagonista é submetida só são explicitadas após a mudança radical pela qual ela passa. O moralismo materno a empurra de volta ao seu agressor. Talvez esse seja um dos poucos pontos fortes do filme, a relação com os pais. Sua mãe é o autêntico avatar do conservadorismo, enquanto o pai protagoniza a única cena que passa perto de emocionar, onde Bob Patrick espreme o pouco talento que tem a fim de tentar resgatar sua filha daquela “vida bandida”.

    O roteiro é completamente parcial – a favor da atriz. Friedman e Epstein passam longe de causar comoção no público, falta sinceridade, intensidade e visceralidade, especialmente nas cenas picantes. Toda vez que o filme parece engrenar tira-se o pé do acelerador, a câmera parece correr o tempo todo com o freio de mão puxado. Mesmo próximo ao final quando a editora aceita a biografia de Linda, o fato não provoca nenhuma sensação, quando deveria ser um ponto de empatia instantânea.

    As últimas cenas contêm um caráter redentor e cor de rosa, que não poderia estar mais longe da realidade vivida pela “vítima”. A história omite inclusive o retorno decadente da personagem principal a indústria de produtos adultos, e como dito acima, não vale sequer pelas cenas de nudez – que são de uma beatice ímpar – Lovelace poderia ser excelente, e não é mal filmado, mas carece de alma, substância e conteúdo relevante.