Tag: Shia LaBeouf

  • Crítica | Pieces of a Woman

    Crítica | Pieces of a Woman

    Durante um parto doméstico, um bebê falece por causas ainda a serem investigadas. Pai e mãe ficam desesperados e a parteira não sabe o que fazer. Tudo dá errado, e se Deus não está entre nós para ser culpado, alguém precisa ser. Há dois filmes em Pieces of a Woman, dois filmes complementares. O primeiro é sobre os fragmentos internos de um casal depois de um evento desses, e principalmente de uma mulher que vê o sonho de ser mãe acabar bem na sua frente nos primeiros segundos de uma vida tão breve. A segunda história aborda o dia seguinte, a semana seguinte. A vida não para. E o trabalho, e a família, o futuro? Assim, o filme da Netflix (com um elenco fantástico) é sobre juntar os cacos e se amar e o que fazer enquanto a tempestade não cessa – e tudo sem apelar para o melodrama fácil ou maniqueísmos. Feito raro.

    A cineasta Kornél Mundruczó (do fantástico Deus Branco) faz um típico filme europeu nos Estados Unidos, apostando tudo e mais um pouco nas atuações magistrais dos seus atores, muito mais do que em reviravoltas mirabolantes de roteiro ou diálogos espertos em inglês. A problemática que esse jovem casal vivido por Vanessa Kirby (a alma do filme até Ellen Burstyn entrar em cena) e Shia Labeouf (bem longe dos blockbusters milionários) enfrenta durante e depois do parto fracassado é extremamente pesada – o que rende momentos perfeitos para ganhar o Oscar. Momentos de total entrega nas atuações de homens e mulheres aos cacos. Pode-se dizer, portanto, que Kornél dirige algumas cenas com uma força e controle dramáticos extraordinários, muito mais que qualquer cena do recente História de um Casamento, por exemplo. E mesmo assim, sem exageros nas encenações. Trabalho de mestre.

    Por se tratar de um veículo para Kirby e Labeouf brilharem junto de Burstyn (o retorno as premiações) como a avó que quer dar ao quase-neto um funeral decente, Pieces of Woman prende nossa atenção pela tensão presente a cada minuto – filme de suspense mesmo e que começa como um drama bem despretensioso, manipulado a olho nu numa espécie de tour de force sentimental bastante discreto e elegante. A obra cresce, e ao terminar, no tribunal, com a parteira Eva (Molly Parker) sendo finalmente julgada como possível culpada pelo destino do natimorto, temos um arco completo de três mulheres (a mãe, a vó e Eva) que buscam respostas mundanas para a crise existencial que o filme, como um todo, bem representa. Essa é a sensação, afinal, para o espectador: passar por esse abismo emocional junto com essas mulheres e que, no fundo, tentam sair dele ao se agarrar em algo, nem que seja justiça, vingança, alguma coisa! E enquanto os pedaços são colados, a vida teima e continua.

  • Crítica | The Tax Collector

    Crítica | The Tax Collector

    David Ayer sempre foi tido como um nome promissor. Seu passado como oficial da marinha dos EUA, além de sua adolescência em South Central, um dos bairros mais violentos de Los Angeles, lhe garantiram conhecimento de causa para tratar de filmes policiais ou que envolvessem algum tipo de rotina militar. Aproveitando-se disso, Ayer foi roteirista do ótimo Dia de Treinamento e de outros bons filmes como U-571: A Batalha do Atlântico e parecia natural sua transição para a cadeira de diretor. Depois de um início mediano com Tempos de Violência, estrelado por Christian Bale, o diretor/roteirista passou por altos (os ótimos Marcados para Morrer e Corações de Ferro) e baixos (os ruins Os Reis da Rua e Sabotagem). Porém, vieram os péssimos Esquadrão Suicida e Bright, dois filmes tão ruins que parecia que não havia como piorar. Só que piorou muito e a prova é esse tenebroso The Tax Collector.

    Na trama do filme, David e Creeper são dois homens que trabalham como cobradores para o mafioso Wizard. Porém, quando Conejo, um antigo rival do chefão chega em Los Angeles, uma guerra entre organizações ameaça explodir e David se vê dividido entre defender os interesses do seu patrão e sua família.

    The Tax Collector é um filme equivocado do início ao fim. O erro já começa na proposta de roteiro que, além de clichê, é pessimamente desenvolvida. Durante toda a primeira metade do filme acompanhamos a dupla de protagonistas andando pra lá e pra cá coletando dívidas, travando diálogos risíveis e fazendo pose numa tentativa de mostrar que o negócio de proteção oferecido por Wizard é algo extremamente complexo, quando é simples até demais. Nada que não tenha sido mostrado em vários outros filmes do gênero policial desde que o cinema foi criado. Pra piorar, Ayer entope o filme de tipos estereotipados que só fazem deixar o espectador ainda mais desinteressado pelo que se passa na tela. A dupla de protagonistas então chega a ser cômica de caricata. De um lado temos David, o bandido bonzinho, dedicado à família e temente à Deus. Do outro temos Creeper, o meliante esquisitão que anda sempre com uma carranca ameaçadora e tem hábitos cruéis. Ao menos a interpretação de Shia LaBoeuf consegue arrancar algumas boas risadas, pois em alguns momentos ele parece saído de um desenho animado.

    A direção de Ayer aqui não tem nenhum acerto. Se em outros filmes ele ao menos conseguia orquestrar boas cenas de ação, nada se salva em The Tax Collector. Nos momentos em que o filme deveria ser eletrizante, as cenas se resumem em borrões coloridos, brilhos e muita câmera tremida. A sequência do ritual satânico é uma tragédia à parte, sendo de extremo mau gosto e completamente deslocada da narrativa, visto que não acrescenta em absolutamente nada. Tudo isso é auxiliado pela horrorosa montagem de Geoffrey O’Brien que, além de não ter nenhuma noção espacial, faz com que seja extremamente desorientador acompanhar algumas cenas visto que um personagem está em um lugar enquanto que o seu interlocutor olha para outro totalmente diferente.

    Acho que depois desse, Ayer deveria parar de tentar se aproveitar da esteira do Snyder cut e ficar pedindo por um Ayer cut do tenebroso Esquadrão Suicida alegando que a película não reflete a sua visão. Seria bem melhor que ele tirasse um tempo para reavaliar sua carreira, a qualidade dos seus últimos trabalhos como diretor e se reciclar, porque se continuar dessa maneira, vai ser dureza encontrar até mesmo quem o queira como roteirista.

  • Crítica | Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal

    Crítica | Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal

    Em 2008, após um hiato de 19 anos, finalmente Steven Spielberg e Harrison Ford retornariam a franquia do doutor, professor e arqueólogo Henry Jones Junior. Indiana Jones e o Reino da Caveira da Cristal parece ter uma ingerência muito maior de George Lucas, argumentista do filme e criador do personagem.

    Na trama, o velho Indiana é pego em uma emboscada, junto ao seu amigo George “Mac” McHale (Ray Winstone), que ajudou o aventureiro a espionar os soviéticos – o ano era 1957. O herói acaba raptado por um grupo de agentes russos que se infiltraram no Hangar 51 em Nevada, e tinha por objetivo pôr as mãos nos restos mortais de uma criatura estranha, que dez anos antes, foi vista em Roswell, Novo México. Para muitos, o tema extra-terrestre não combinava com as histórias de Indiana Jones, mas diante do montante de problemas, isso era o de menos.

    Ford está de fato velho demais para cenas de ação que demandam demais de sua energia. Na época da premiere ele já tinha 66 anos, mas apesar  de claramente não ter mais fôlego para cenas que exigem do seu bem estar físico, ele ainda mantém toda a aura de malandragem e autossuficiência cômica, inclusive conseguindo sobreviver a um teste de bomba nuclear entrando em uma geladeira revestida por chumbo, em uma manobra que de acordo com algumas pseudo-ciências, poderia ou não funcionar.

    Da parte da chamada velha guarda, ainda há um bom desempenho, mas dos personagens mais moços há uma clara defasagem no quesito construção de ideal. Shia LaBeouf faz Mutt Williams, um jovem motociclista que deveria ser o herdeiro do legado do herói, mas esbarra na falta de carisma de seu personagem, mesmo com seu intérprete sendo o carro chefe do elenco de outra franquia que Spielberg comandava (Transformers). A vilã russa de Cate Blanchett mal funciona, sua Irina Spalko é uma comunista falsa, caricata e interesseira, assim como eram os nazistas na trilogia original.

    Toda a parte de efeitos especiais também está defasada, e quase toda parte natural do filme soa bizarramente artificial, seja as perseguições com os carros ou os macacos saguis que ensinam o filho de Indy a balançar nos cipós. Algo realmente estranho aconteceu com a produção, pois David Koepp não é um roteirista ruim, fez Missão: Impossível, Jurassic Park e Homem-Aranha, no entanto, aqui ele claramente não conseguiu organizar um roteiro que salvasse as péssimas idéias que George Lucas tinha desde 1999 em Star Wars: A Ameaça Fantasma. A solução para a vilã Irina é terrível, a forma como as caveiras de cristal se mostram faz lembrar demais o desfecho de O Retorno da Múmia – retribuindo a referencia, já que o personagem de Brendan Fraser claramente é um Indiana Jones dos anos 90. A cena do casamento é péssima, pontuada inclusive com um momento simbólico, onde começa a tocar o tema do herói com o chapéu de Jones caindo sobre os pés de seu filho e com Ford retirando das mãos de Lebouf, negando a ele a ideia de continuidade, o que aliás pode ter sido uma boa alternativa, visto o equívoco completo da tentativa de continuações para o personagem. Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal consegue ser mais equivocado até que As Aventuras do Jovem Indiana Jones.

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  • Crítica | Borg vs McEnroe

    Crítica | Borg vs McEnroe

    A inveja é uma desgraça. Nenhum outro sentimento corrói outro com tamanha energia e êxito quanto a inveja. Uma peste desconstrutiva, ela testa qualquer laço e acaba com qualquer relação mundana que existia antes da sua perfídia invocação. Mais famoso exemplo disso no cinema recente, de uma década pra cá? A Rede Social, clássico de David Fincher eternamente injustiçado pelo Oscar (O Discurso do Rei, really?!) e recompensado pelo tempo, indo além de ser outra biografia de alguém famoso (como acabaram por ser os dois filmes acerca do Steve Jobs) para focar em especial na rivalidade histórica e digna de um romance nas telas dos criadores do Facebook, sinônimo das redes sociais que assolam o mundo digital ainda nesse começo de século.

    Fincher, o espertinho, mostrou uma amizade se deteriorando mais rápido que castelo de areia tocado pela maré, em decorrência da ganância histriônica que cerca uma dupla ideia universitária abarrotada de possibilidades ultra lucrativas, sendo que no caso do ótimo Borg Vs. McEnroe, o cineasta Janus Metz nunca precisou lidar com a destruição de laços afetivos que aqui simplesmente nunca existiram, e sim com a boa e saudável competição esportiva sendo substituída pela competitividade que atiça a invídia maligna, apossando mais e mais os dois grandes astros homônimos do tênis mundial.

    No mais, é um filme tanto pra quem é fã do esporte, quanto pra quem não se considera interessado por ele, garimpando os porquês e as consequências pessoais, não apenas profissionais dessa rivalidade que acabou ficando famosa entre o sueco Björn Borg e o americano John McEnroe. As entrevistas e os flashbacks: São os depoimentos na mídia e as reconstituições do passado que melhor constroem na narrativa muito bem fluída por Metz, sempre equilibrando drama e entretenimento de forma exemplar, um verdadeiro quadro duplo sobre as circunstâncias que viviam e alimentavam a garra e a psicologia dessas duas figuras um tanto parecidas no foco e na insegurança que compartilhavam, mas díspares quanto aos seus papéis no mundo do tênis, em 1980. Solitários e ‘vítimas’ de auto estimas duvidosas, Borg e McEnroe parecem viver em conflito constante com eles mesmo, sempre se pressionando, sempre se testando, o que resume a motivação dos atletas que a história nos apresenta.

    Seja do tênis, do boxe ou futebol: Para o senso comum e a mídia que o infla, os profissionais sempre valem a última partida que jogam, ou quando muito as duas ou três últimas, e nisso a auto cobrança é sempre cruel – e fatal, quando não bem dosada. O filme encarna isso de uma forma verdadeiramente cinematográfica e elegante, elencando cenas e situações que demonstram verdades universais sobre o esporte ao invés de explicar ao espectador – algo muito, muito raro –, sem discutir nada, mas encarnando temas como relação com o treinador, as festas, a preparação ou o medo da derrota pré-partida de forma enérgica e verídica, jamais preferindo um tenista, ou outro. O que realmente importa aqui é entrar na mente de um jogador (dois, no caso), e interpretar a sua adrenalina, os seus impulsos e o seu percurso até ganhar ou perder o mitológico campeonato de Wimbledon, o mais antigo torneio de tênis do mundo.

    McEnroe não parecia entender e suportar mais o peso de ser um grande atleta que o rival americano – pelo contrário. Seu jeito antiesportivo de ser, não aceitando derrotas é o motor da rixa que se dá com Borg, muito mais maduro e observador. O tenista com pinta de mau perdedor cai como uma luva para Shia Labeouf, conhecido em Hollywood por ser um ator extremamente difícil de se trabalhar e personificando, aqui, com primor inesperado a grosseria quase infantil de McEnroe, a ponto de, quando eles se enfrentam pela primeira vez, nós já sabemos do que ambos são capazes e já podemos prever seus comportamentos separados por uma simples rede. O McEnroe de Labeouf merecia mais atenção da temporada de prêmios, é verdade, assim como a montagem do filme, sempre preocupada com a dinâmica rítmica de uma história dividida e amparada por dois complexos atletas, seja usando seus uniformes ou não.

    “Tudo o que eu fiz me trouxe a esse momento”, confessa Borg antes do clímax definitivo, aqui interpretado com sutileza e sensibilidade por Sverrir Gudnason, ator sueco que dá corpo e alma ao atleta. É aliás as cenas de vestiários que melhor interpretam esse lado confessional do lugar, onde atleta e treinador parecem se tornar amigos inseparáveis. Poucos são os momentos em Borg vs McEnroe que superam esses breves diálogos entre quem treina e é treinado, senão o silêncio final entre os dois rivais, sozinhos e lado a lado num banco, logo antes da partida decisiva e clássica em Wimbledon cuja final verdadeira pode-se assistir online.

    Nisso, um parece ter nascido para enfrentar o outro, fazendo o oponente dar o seu melhor cujo confronto entrou para a história de todos os esportes. Mas o principal triunfo do filme, mesmo? Nos fazer compreender que eles não estavam naquela arena apenas um contra o outro, mas sobretudo para provar a si mesmos que mereciam pisar naquele gramado para disputar o título, quem sabe até ganhar, ou ainda: Virar melhores amigos um dia, quando toda a competitividade já tenha ido para o ralo, depois da chegada dos próximos queridinhos que a grande mídia elege, e adota, para si. Nenhum atleta é invencível, pois nenhum homem tampouco o é. Moral da história.

    https://www.youtube.com/watch?v=Ij0w630GQ5A

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  • Crítica | Corações de Ferro

    Crítica | Corações de Ferro

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    Produzir épicos de guerra sempre foi uma especialidade de Hollywood. O gênero possui uma grande quantidade de filmes, tanto os mais clássicos que tentam retratar o lado heroico daqueles soldados que enfrentaram os campos de batalha, quanto os mais recentes, que enfocam os horrores aos quais esses seres humanos foram expostos e também os que estes cometeram.

    A cada nova tentativa de produzir um épico sobre a Segunda Guerra Mundial, tema tão batido, a indústria tenta trazer ao menos uma nova visão sobre algum detalhe, seja de uma história particular ou de um evento específico do conflito, afinal, poucos temas da história são tão conhecidos quanto este, e o risco de cair na vala comum é enorme.

    A produção dirigida por David Ayer, Corações de Ferro opta por seguir este caminho e traz para as telonas como era a vida da divisão de tanques nos campos de batalha. O filme conta a história de Don ‘Wardaddy’ Collier (Brad Pitt), um sargento que comanda um tanque americano M4 Sherman com o restante de sua tropa, Boyd ‘Bible’ Swan (Shia LaBeouf), Trini ‘Gordo’ Garcia (Michael Peña), Grady ‘Coon-Ass’ Travis (Jon Bernthal) e o novato Norman Ellison (Logan Lerman).

    O filme consegue produzir uma imersão dentro da batalha de forma eficiente, e em diversos momentos conseguimos captar como era a vida dentro de um tanque de guerra, em uma época em que tudo era rústico e feito manualmente, a habilidade humana era essencial para a vitória e, portanto, cada erro, fatal. A agressividade e intensidade da batalha são reais. A edição de som, com o metal a toda hora rangendo e gritando em razão dos movimentos e dos projéteis que os atingiam, garante uma excelente experiência de batalha sob um ângulo totalmente novo.

    Porém, quando se afasta disso, a obra enfraquece de forma considerável, pois cai nos diversos clichês de filme de guerra. O novato, por exemplo, mal tratado pelos veteranos por não ser capaz de realizar as duras tarefas que a guerra exige, ao mesmo tempo aprende em alguns minutos a lidar com as perdas que o conflito impõe. Também são mal desenvolvidos e mal explorados os aspectos psicológicos dos outros integrantes do tanque, e aqui o filme assemelha-se cada vez mais ao cultuado O Resgate do Soldado Ryan.

    O personagem religioso que justifica suas ações para Deus; o personagem fisicamente imponente que usa esse fato para se aproveitar do novato que tinha a função de escritório mas que foi destacado para o campo de batalha; além do comandante que, ao mesmo tempo que é rígido com seus subordinados, dá a eles a autonomia necessária às vezes para liberar a pressão que o conflito acumula a fim de não perder seu comando. Tudo isso se torna ainda mais claro na batalha final, quando os integrantes do tanque, isolados do restante do exército, se veem na obrigação de enfrentar um contingente inimigo muito maior, e quando as chances de sobrevivência são escassas. Além, claro, da tonalidade cinza-escura e suja que o filme de Steven Spielberg também trouxe para o cinema de guerra.

    Dessa forma, David Ayer não consegue dar ao seu longa a profundidade necessária a um épico de guerra ao qual nos faça conectar, com personagens que façam envolver-nos a ponto de entender quem são e por que agem daquele jeito, ou mesmo nos importar com as perdas infligidas à equipe. As resoluções e discursos são rasteiros e ao final o que sobram são as excelentes cenas de batalha. E a vontade de rever O Resgate do Soldado Ryan.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | Ninfomaníaca – Volume 2

    Crítica | Ninfomaníaca – Volume 2

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    Sem qualquer circunlóquio, Lars Von Trier continua a história de onde parou, mostrando a insatisfeita Joe (ainda interpretada por Stacy Martin) tendo o coito com seu objeto de desejo, mas ainda sem atingir o êxtase. Quando sua narração corta a trama, ela é mostrada em um flashback, com 12 anos, tendo um orgasmo espontâneo que a eleva a um transe e enxerga perto de si duas criaturas totêmicas relacionadas à religião. Logo, a questão do profano e do divino relacionados ao sexo é abordada novamente. Curiosamente, os último fatos narrados no capítulo anterior têm muito do lúdico e da coincidência, a qual é caracterizada como destino pela religião.

    A questão conflitante para a protagonista do épico é a completa ausência de sensações sexuais. Ela parece proibida de sentir prazeres após tanto buscá-los. Sua liberdade caíra graças à luxúria. Seligman (Stellan Skarsgård), como dito por ele mesmo, é assexuado e virgem, e por este motivo pode ser o melhor ouvinte para a história incomum e bizarra de Joe (Charlotte Gainsbourg). Os dois são lados opostos da mesma moeda, contrapartes um do outro, e por isso a química entre os dois funciona.

    Voltando às reminiscências, a mulher assume que este tempo foi um dos mais tranquilos, muito graças ao prazer negado a ela e a desobrigação de gozar. A vinda de um herdeiro parece reacender a chama da libido, mas logo a necessidade de mais e mais relações sexuais se agravava, a ponto de o casal tomar uma postura pouco ortodoxa. O pilar familiar que os personagens erguem para si é demasiado grotesco e pautado no sofrimento de tentar viver uma vida normal, mas distante demais das atitudes basicamente comuns, diante do que a sociedade julga normativo. Joe permanecia longe do orgasmo, mesmo com tal multiplicidade de parceiros.

    A tentativa de fazer um ménage à trois prova-se difícil de ser executada, ganhando ares de Babel, onde nem os que falam a mesma língua conseguem se entender. Tal confusão é exacerbada diante da simplicidade da ninfomaníaca em classificar os homens pelos nomes que secularmente possuem, não se preocupando com o politicamente correto. A discussão a respeito da abolição de alguns termos é valiosa, mas secundária diante do mundo de experiências que Joe está prestes a explorar, pois, na tentativa de reabilitar seu prazer, ela se submete aos cuidados de K, um homem que usa um método humilhante, violento e de pouca sensibilidade no tratamento. O impacto das agressões é tamanho que é difícil até identificar o que é mais impressionante, se é o barulho acarretado pelos golpes ou a vermelhidão da pele atingida, tingida pela dor do chicote. Sua curiosidade e incontrolável vontade superam até seus predicados maternos e a fazem pensar somente em suas necessidades físicas, ignorando o seu papel como mãe, desejando ardentemente o que lhe é proibido, o falo negado a ela. Quando finalmente encontra prazer na dor, o preço é alto: não poder ver o seu filho.

    O abuso físico que fazia de seu sexo teve consequências à saúde. O sangramento clitoriano serve, entre outras coisas, como uma tentativa da natureza do corpo de paralisar o esforço que ela insiste em ter. A obrigação de se unir ao grupo de apoio a faz tentar reprimir seus impulsos. Ao quase alcançar seu objetivo de “se limpar”, ela prepara o discurso, mas enxerga a contraparte mais nova, que, como o Superego, passa por cima do consciente e assume a postura de viciada em sexo. Sem medo do julgamento alheio e obsceno, porque gosta de ser obscena e porque ama a sua condição e desejo sexual, mesmo que toda a população a veja como uma condenada.

    As digressões de Seligman nem sempre funcionam, mas ajudam o espectador menos afeito ao tema da livre sexualidade entender o pervertido lado da mulher analisada, mostrando paralelos de vivências mais comuns para os episódicos acontecimentos do curioso cotidiano da protagonista. O rompimento com o contrato social é bem exemplificado, tanto pela explicação analógica do sujeito quanto pelo ofício que ela exerce, evidenciando, através de atitudes marginais, os mais recônditos segredos e perversões sexuais de seus alvos. Para grande surpresa, o roteiro ainda apresenta uma boa argumentação sobre tipos de sexualidades encaradas como monstruosidades pela humanidade, de até onde tais práticas devem ser proibidas.

    A interdição ao sexo faz o tabu do corpo finalmente se tornar algo palpável dentro de sua vida, logo no momento em que encontra P (Mia Goth), sua possível sucessora no ramo de inquirições, extorsões e torturas. A rejeição que Joe sofre dói e avassala a alma, sendo humilhada até por aqueles que colaboraram com os seus “pecados abomináveis”. Até os hábitos mais corriqueiros a traem; o final de sua trajetória é repleto de atos falhos.

    Em última instância, Joe é, de certa forma, uma continuação de um pedaço do corpo de She (de Anticristo); personagem de mesma intérprete, ela é o clitóris cortado pela mulher, o desejo e volúpia sem precedentes e sem barreiras, tentando viver plenamente o que acredita ser o melhor. O descanso e ausência de perturbação jamais a deixam, mesmo quando tudo parece ter mudado em sua vida. A decisão é difícil, a libertação que é viver pelo que se quer, mesmo quando tudo e todos apontam o contrário e a condenam.

  • Crítica | Ninfomaníaca – Volume 1

    Crítica | Ninfomaníaca – Volume 1

    Nymphomaniac

    Lars Von Trier usa a carreira de realizador de filmes para demonstrar algumas facetas bastante reais do ser humano, ainda que as que ele escolha sejam, na maioria das vezes, as mais inconvenientes segundo o ponto de vista de  parte esmagadora da população mundial alinhada com o conservadorismo e o ideal da moral e dos bons costumes. Restringindo o argumento a sua filmografia recente, pode-se exemplificar essa máxima com a discussão sobre o fim da humanidade de um ponto de vista inconveniente e deveras cínico em Melancolia; a problemática da inocência e complacência dos cidadãos comuns e simplórios diante do sofrimento alheio e do senso de justiça que movem essas pessoas no excelente Dogville; e a questão do papel do homem e da mulher no conjunto sexual da natureza. A dualidade de Ninfomaníaca não passa muito longe disso, e aborda outras tantas formas de enxergar a sexualidade e a necessidade de dar vazão a ela.

    Dividido em capítulos, o roteiro não tem medo ou receio de acarretar o choque no espectador, esfregando conceitos freudianos no rosto de quem assiste ao filme. As sensações sexuais de prazer não afloram somente na puberdade, mas vêm desde a infância para a pequena Joe, que, mesmo não se achando uma pessoa religiosa, auto intitula-se uma pecadora graças aos seus atos e à obsessão pelos limites do seu próprio corpo. A narração da protagonista já adulta, vivida por Charlotte Gainsbourg, dá a história biográfica um ar de confessionário, em que a mulher conta as suas memórias como se procurasse uma remissão por seus atos maus ou uma justificativa ao fazê-los – aparentemente.

    As primeiras experiências movidas pelo ato sexual, com Jerôme (Shia LaBeouf), deixam-na envergonhada por terem sido tão velozes e efêmeras, e, como uma super-correção, sua busca envolve uma contestação que visa chegar a uma satisfação por meio de uma grande quantidade de parceiros de coito. O prêmio do concurso, o saco de chocolates, faz referência à infância perdida, mas é uma clara distração para a sua real procura, que ainda aflora na forma de uma primitiva sexualidade. Mesmo com a inexperiência, ela encontra uma especialidade, uma arma final para atingir seu alvo.

    Diante da figura do mentor, Seligman (Stellan Skarsgård), ela implora pelo veredito de culpa, mas o sujeito, que a encontrou ao léu na rua, não a vê assim, não condena a sua feminilidade nem o seu poder sobre o falo: se um pássaro tem asas, por que não voar?. Nos relatos de sua juventude, vivida por Stacy Martin, em diversos estágios há uma união entre as mulheres contra o sentimento do amor, que seria somente um misto de luxúria e inveja, enquanto o sexo era algo “criminalizado”. A declaração delas visava a extinção do sentimento, o apego a figuras sentimentais, como namorados ou homens fixos.

    A questão de Joe não é uma parafilia, uma doença a qual ela refuta, ao menos não no início. Sua postura caracteriza-se pela decisão de dar vazão à libido e sensualidade, inclusive achando um avatar para o seu objeto de esforço bélico. Jerôme, antes chamado de J, seu primeiro homem e agora patrão, era o alvo de ódio e desprezo da protagonista. Mas, aos poucos, tal associação muda até que se perde de vez, tornando a mulher ainda mais desejosa daquele a quem ela primeiro rejeitou. Suas fantasias a seu respeito a envolvem, e não permitem outro alvo até o fim do segundo capítulo, em que ela declara seu fascínio por diferentes formas e tamanhos de falos, provando um pouco de cada um.

    O asco de Joe pelo sentimentalismo que acompanhava alguns de seus parceiros não invalida a situação constrangedora e tragicômica de ter de enfrentar a passiva esposa – vivida por Uma Thurman em uma atuação arrebatadora – de um de seus amantes, o qual decide viver com Joe. Em uma situação vergonhosa e doentia, as motivações da mulher abandonada são apresentadas na forma de uma conduta tão agressiva e insana que até os motivos de sua visita não são claros. A demolição do estandarte de uma família ainda não a faz sentir-se culpada. O vício não se assinalava na necessidade de se saciar, mas na luxúria, não conseguindo esconder seu eterno estado de solidão.

    A queda de sua figura de espelho causa nela uma sensação atroz de desespero e necessidade por uma fuga daquela realidade, mas nem seus escapes a livram do exaspero e do sofrer. Com o enfrentamento das figuras amedrontadoras e com a descoberta de que aquela condição viria para ficar, temor e tesão se fundem, e tal amálgama a faz sentir-se envergonhada.

    Curiosa é a forma como a câmera registra os “preferidos” de Joe, cada um à sua maneira, sendo tão singular que quase não há a necessidade de diálogos para descrever cada uma das distintas posturas. O dócil F (Nicolas Bro) é filmado em planos abertos, enquanto o dominador G (Christian Gade Bjerrum) é mostrado de maneira erotizada, cujas zonas do belo sexo são cortadas e não enquadradas. Mas é Jerôme quem desperta nela a real e mais plena forma de transar, elevando a frase dita ao pé de seu ouvido em uma máxima real: que o prazer maior do sexo é quando este é executado com amor, momento em que ela não consegue sequer alcançar o gozo, mostrando que sua caça, do ponto alto e idealizado do romance, não atingiu o ápice com o cavaleiro andante moderno. Não como na primeira vez.

    O fim abrupto está longe de ser algo perfeito, mas consegue desenvolver no espectador a vontade de assistir ao segundo volume. A sensação de interrupção no momento do orgasmo – simbolizado pela quebra de expectativa da revelação do segredo – é notória e muito difícil de evitar, especialmente para quem acompanha o trabalho de Von Trier. A avaliação da película em si precisa ser feita como a exploração de um arco, em uma história enorme que não pode ser contida em um único filme.

  • Crítica | Sem Proteção

    Crítica | Sem Proteção

    sem proteção - cartaz

    O estopim da trama é nebuloso. Não fica muito claro qual a motivação de Sharon (Susan Sarandon) para escolher se entregar naquele momento, depois de tantos anos. Além de não ficar claro como o FBI chegou até Sharon exatamente no dia em que ela resolve se entregar. Sua conversa com o repórter, na prisão, dá algumas razões, mas nenhuma delas convence, nem é forte o suficiente para justificar o abandono de sua família – seu marido e seus filhos. Apesar de carregada de um idealismo meio caduco, a visão de Mimi Lurie (Julie Christie) – de continuar levando sua própria vida – é mais convincente e bem mais realista.

    Não bastasse isso, alguns esclarecimentos sobre o passado dos personagens não chegam a causar suspresa. O espectador atento consegue, sem muito esforço, entender o que houve antes mesmo que Ben Shepard, o repórter vivido por Shia LaBeouf, explique suas conclusões ao editor do jornal em que trabalha. Aliás, no que diz respeito às pesquisas conduzidas por Shepard, há outro problema no roteiro. As respostas surgem tão facilmente, que fica pairando a dúvida: “Como o FBI não tinha conseguido qualquer pista sobre o paradeiro de Grant antes?”.

    Apesar da estória interessante, que lembra um pouco O Fugitivo (com Harrison Ford), o filme perde intensidade na segunda metade, que basicamente se resume à fuga de Grant (Robert Redford), seu encontro com antigos companheiros de grupo e sua perseguição pelo FBI. Além da estrutura encontra parceiro/obtém informação/foge antes do FBI chegar se tornar repetitiva, os eventos se sucedem muito lentamente. Em vários momentos, o espectador tem a impressão de que Grant não tem urgência alguma em chegar seja-lá-onde-for. E isso enfraquece bastante o envolvimento com a trama e o interesse pelo destino do protagonista.

    E o sucesso do filme acaba se calcando quase exclusivamente na qualidade do elenco peso-pesado, repleto de figuras tarimbadas, além de Redford e os já citados, temos ainda Nick Nolte, Chris Cooper, Stanley Tucci. Até LaBeouf está bem como o repórter que corre atrás da notícia seguindo seus palpites e pesquisando no Google. Conseguindo aos poucos se livrar da figura de Transformer Boy, desempenha com competência a função de ser o olhar do espectador dentro da trama.

    É uma pena que uma boa premissa tenha se perdido assim. E o que poderia ser um excelente thriller acaba sendo apenas um filme morno e um pouco cansativo.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Crítica | Os Infratores

    Crítica | Os Infratores

    Poster de os infratores

    Os Infratores (Lawless, 2012), filme dirigido por John Hilcoat (A Estrada), com roteiro de Nick Cave adaptado de um livro escrito por Matt Bondurant, neto de um dos personagens principais do longa, que é baseado em fatos reais.

    O filme nos conta a história dos irmãos Bondurant, que vivem no Condado de Franklin, Virginia. Na década de 1930 durante a recessão americana e portanto, com o cenário da lei seca. Os irmãos são Jack (Shia Labeouf) o mais novo, que tem sempre de provar o seu valor aos outros. Forrest (Tom Hardy), o mais velho; chefe da família, e Howard (Jason Clarke), o mais temido dos três, muito por seu comportamento explosivo.

    A família toca uma espécie de restaurante, posto de gasolina e base de operações para outros negócios, que agora com a lei seca, se resumem a fazer um Whisky clandestino de boa qualidade. Atividade que apesar de ilegal, é amplamente aceita e difundida entre as pessoas da região. O problema se inicia com a chegada do corrupto agente federal de Chicago, Charley Rakes (Guy Pearce), que deseja organizar o comércio de bebidas daqueles caipiras. Fazendo valer a sua autoridade sobre um xerife, que também não concorda com seus métodos.

    Rakes é um personagem enjoado, que destoa de todo aquele universo em que está inserido. Com trejeitos afetados. Um penteado dividido que é mantido com obsessão e um exagero constante no uso de sua colônia. Guy Pearce faz um bom trabalho na construção desse papel, apesar da pouca exigência de um personagem linear, sem nuances e traços contraditórios. Que não deixa dúvidas, nem ao espectador mais desatento, que se trata do vilão da trama.

    Somos apresentados também, a duas personagens femininas, Maggie Beaford (Jessica Chastain), uma dançarina da cidade que vai para o interior em busca de uma vida mais calma e acaba se tornando uma espécie de faz-tudo dos negócios dos Bondurant: garçonete, contadora, além de namorada de Forrest. A outra mulher da história é Bertha Minnix (Mia Wasikowska), filha de um pregador, que se apaixona por Jack, e acabam mantendo um romance proibido. Ambas as personagens pouco movimentam a história ou tem uma real importância naquilo que somos apresentados. Elas servem mais como um artificio para humanizar os heróis do filme, e de certa forma, transformar aquela história de crimes e violência, em uma história de família.

    Apesar dos créditos iniciais de ‘Os Infratores’ nos dizer que se trata de uma história baseada em fatos reais, tudo no filme funciona como se fosse uma saga de um pescador e seu peixe de 100 quilos no lago, contado enquanto se passeia por algum reduto longe da cidade. Quase tudo tem um certo exagero, tanto na velocidade com que as coisas acontecem, a proporção que os fatos tomam, e principalmente, as cenas de ação e tiroteios, longe de qualquer veracidade do nosso mundo. Mas que nos deliciaria ao ser contada como um “causo” do interior, repleto de lendas e folclore em torno da misteriosa família Bonderant, tida como invencível por toda região.

    Com homens da lei que agem por maneiras escusas. E transgressores honrados e corajosos, que não causam nenhum mal para aqueles que são bons. ‘Os infratores’ define muito bem quem é vilão e quem é herói. A única ambiguidade que vemos se dá na forma dos personagens Jack e Forrest, que são uma espécie de reflexo invertido. Enquanto o primeiro sempre foi um tipo avesso a violência, beirando a covardia, Forrest era o primeiro a se apresentar a ela. Em contrapartida, quando o assunto eram os negócios, Forrest era conservador, preferia manter sua vida tranquila, sem incomodar ninguém, para também não ser incomodado. Já Jack, era ambicioso, disposto a quase tudo pelo sucesso, venerando inclusive, o mafioso Floyd Banner (Gary Oldman) – que infelizmente faz um papel bem pequeno no filme e acredito que poderia ser melhor explorado.

    Com uma bela fotografia de Benoît Delhomme; direção competente de Hilcoat, principalmente nas cenas de ação, sempre intercaladas com cenas cotidianas que aprofundam e nos fazem simpatizar por aqueles personagens. Além de retratar o espaço e o tempo que aquela história se passa. Somado também a uma leve mistura de gêneros como Western e Gangsters, ‘Os Infratores’ se mostra um bom filme sobre um “causo” passado adiante por vários contadores de história.