Tag: Tom Hardy

  • Crítica | Venom: Tempo de Carnificina

    Crítica | Venom: Tempo de Carnificina

    Crítica Venom Tempo de Carnificina

    Venom: Tempo de Carnificina retorna às aventuras do jornalista com problemas de dupla personalidade Eddie Brock, dessa vez o personagem oriundo das histórias do Homem-Aranha tem o desafio de seguir sua vida, após terminar o namoro estabelecido antes, sofrendo instabilidades na sua nova relação “amorosa”, com a sua contraparte extraterrestre

    A história do filme, dessa vez dirigida pelo ator Andy Serkis, começa em 1996, mostrando o passado de Cletus Kasady, com sua amada Frances, separados enquanto estão em um hospital psiquiátrico. Logo o tempo retorna ao presente e mostra o futuro Carnificina (Woody Harrelson) enquanto sonha um dia reencontrar Frances (Naomi Harris). Nos quadrinhos, a personagem tem o codinome Shriek, é inimiga do Aranha e tem o poder de dar gritos sônicos, que são, aliás um dos pontos fracos dos simbiontes. Obviamente, a origem dessas habilidades não é discutida, dado que a prioridade do filme passa longe de ser congruente ou lógico.

    Esse início não avança em nada na história do protagonista, funcionando como um prólogo. Isso não é um problema, só demonstra que o filme terá também como foco narrativo o seu antagonista. O destino faz Brock e Kasady colidirem, e depois de uma matéria sensacionalista, o maníaco olharia para Eddie com maus olhos, e não sem razão, pois Brock segue sendo ganancioso, um anti-herói que não liga para a ética mesmo com todas as lições do filme anterior, Venom.

    Há uma clara mudança de postura do protagonista nesse segundo filme. Se no filme de Ruben Fleischer o desempenho de Tom Hardy era uma das poucas coisas que funcionavam, visto que só ele parecia atuar propositalmente sério. Nesta parte dois a abordagem é muito mais focada na esquizofrenia e nos conflitos entre as Brock e o simbionte. Ao se dar conta disso e ler a sentença anterior, o leitor pode pensar ser um elogio, mas não, já que aqui se abraça a galhofa em demasia, inclusive no papel de Brock, ao passo que o filme nem sequer tenta soar como uma comédia.

    A equipe de roteiristas mudou, dos três escritores anteriores do filme de Fleischer ficou somente Kelly Marcel, que também escreveu Cinquenta Tons de Cinza, além de Hardy que escreveu com ela o argumento. Dado o tom de relação abusiva (que busca parecer romântica), não é surpreendente perceber semelhanças entre o que Christian Grey faz com o que é estabelecido aqui. Curiosamente Kasady parece ter inspiração em vilões dos filmes do Batman de Tim Burton, uma mescla entre o Coringa de Jack Nicholson e o Pinguim de Danny DeVito em Batman: O Retorno. Seu passado é mostrado de modo criativo, como uma singela pintura num quadro em branco. O espírito deste trecho faz lembrar produções como James e O Pêssego Gigante e Frankenweenie.

    Harrelson rouba a cena em boa parte de suas participações, aparentemente está à vontade em interpretar alguém com transtornos mentais e de personalidade. Harris não tem um desempenho positivo e as tentativas de repetir os clichês de Assassinos Por Natureza são pífias. Michelle Williams e Stephen Graham também não tem muito espaço para trabalhar, estão lá como meros enfeites.

    Depois das complicações com Mogli: Entre Dois Mundos, Serkis demorou a se reabilitar, certamente pensou que seria bom abraçar um projeto caro como este, mas para o seu azar a pandemia do novo coronavírus atravessou o tempo da estreia do longa. Venom foi um sucesso de bilheteria e mal falado pela crítica, este não foi tão massacrado pelos analistas, mas também não arrecadou tanto, portanto o diretor acabou saindo derrotado, o que é uma pena, pois seu desempenho não é ruim. As cenas de ação são boas, as batalhas de aliens certamente são a melhor coisa do longa, mas não são positivas ao ponto de salva-lo da mediocridade. Venom: Tempo de Carnificina tem um roteiro cheio de furos, tenta adaptar uma história do Homem-Aranha, mas sem o Homem-Aranha (?!), e o próprio percebe isso quando utiliza em sua cena pós-crédito uma tentativa de atrela-lo aos filmes do Tom Holland.

  • Crítica | Capone

    Crítica | Capone

    Capone é mais uma das (muitas) adaptações para o audiovisual sobre o icônico mafioso ítalo-americano Al Capone, interpretado por Tom Hardy, e dirigida pelo controverso diretor Josh Trank. A história começa misteriosa e singela, com o sujeito andando por sua casa, como se estivesse caçando algo. E de fato está, embora não seja nenhuma situação perigosa. É estranho como esse período antes da trama se desenrolar visa humanizar a figura do personagem-título, embora na primeira vez em que ele troca olhares francos com alguém pareça frio demais, e estereotipado como todo monstro é.

    Hardy tenta desempenhar um papel diferenciado, mas incrivelmente repete a mesma situação de outro filme recente seu, Venom. No caso do anti herói da Marvel/Sony, o roteiro não permite nada vultuoso, mas ainda houveram méritos lá, pois ele fazia um Eddie Brock complexo demais para um produto feito meramente para vender bonecos. Aqui, o Scarface é um sujeito duro, sem tato, de poucas palavras e voz caricatural.

    Mesmo em uma reunião familiar ele parece estar tenso e prestes a receber um tiro, como se a traição o espreitasse o tempo todo. Alphonse não era o exemplo de comportamento ou recato, longe disso, a versão que Robert DeNiro interpretou em Os Intocáveis mostra o quão ignorante e violento ele era, mas outra comparação também com personagem da cultura pop é valida. Em O Poderoso Chefão, Don Vito jamais transparece a face de quando trabalha para seus familiares. Ele é tão decidido nesse quesito que, mesmo em sua ausência, os homens da família não falam de negócios a mesa. Aqui, mesmo já muito rico e experiente, Capone não consegue deixar de passar para seus parentes a tensão pela qual passa todos os dias, e isso soa incongruente.

    Um papel importante é a do par do mafioso, Mae, vivida Linda Cardellini que, inclusive, já havia feito pouco tempo atrás um papel semelhante em Green Book. O modo como ela age com seu marido dá um pouco da dimensão combalida mentalmente que o personagem principal está. A atuação de Hardy aliás é o suficiente para perceber que ele está doente, a maquiagem forte, o uso de lentes de contato, as perucas e já citada voz empostada fazem o quadro piorar muito. É como se um dos maiores vilões do crime organizado no continente americano fosse um pastiche, um retrato desenhado bem mal feito, tratado de forma tosca unicamente para chocar quem vê o longa.

    De fato a abordagem é chocante, e a premissa do roteiro que Trank planeja dar vazão é ótima. Mostra Alphonse aos 47 anos, após sair da prisão, com a demência atacando sua mente graças a complicação da sífilis. Aos olhos da justiça ele é inofensivo, por isso pode ter com os seus, pode ficar com sua família. A insanidade é mostrada de uma maneira incômoda, tanto para os que estão dentro da trama quanto para quem a assiste. É tudo muito grotesco, não há nada de prazeroso em assistir a intimidade do caricato carcamano.

    Os conflitos familiares em alguns momentos soam como números humorísticos, de tão mal pensados e toscos que são. Uma das reações da esposa a uma grosseria dele é tão desmedida e mal enquadrada que parece retirada de um teatro amador infantil, daqueles de igrejas sem orçamento para tal. Quando o filme tenta soar sério, então, piora. O modo como a problemática do nome Al, por exemplo, é mostrada de modo sensacionalista e bobo.

    O filme não se decide se focará nos devaneios de Capone, se permitirá viver pelas montanhas de loucura que são seus últimos dias, ou se dará vazão a investigadores que cercam o sujeito, grampeiam seu telefone a troco de saber se ele ainda movimenta algum nível de criminalidade. É tudo muito estranho. Os fantasmas do passado do antigo chefão já seriam o suficiente para deixá-lo louco, mas o texto parece não saber o momento de parar de colocar clichês no caminhar trôpego do homem. Não há limites para a pretensão, e o fato de querer parecer um produto artístico fora da curva coloca este Capone em uma posição ainda mais ingrata, de parecer pedante.

    O sujeito que definha durante o filme não provoca nenhuma emoção ou sensação digna no público, nem de pena, nem de receio. A vontade de mostrar um ícone em decadência esbarra na completa inabilidade de Trank  em produzir complexidade na pessoa que ele investiga. A palidez pela qual passa Hardy e os olhos com lentes artificiais afastam o sujeito da humanidade, mas também não o tornam animalesco por completo. Se o objetivo era mostrar uma besta enjaulada, tentando conviver com a insanidade e com breves momentos de lucidez, certamente a produção se equivocou, pois o espectador claramente sente pena de Hardy, de Trank, não de Al Capone.

    Ao longo dos 103 minutos de duração, o protagonista volta a encarnar o demônio engarrafado, no couro de um homem em decadência. Há uma sequência até bem filmada em termos de ação, mas esvaziada de significado, que mostra o homem que está claramente se despedindo da vida graças a sífilis fazendo uma justiça poética com suas mãos e com o aço das balas, numa demonstração grotesca dos seus últimos atos como refém de uma possessão demoníaca. Talvez Capone soasse mais honesto se se assumisse como um filme de terror, ou uma comédia em tom de paródia, mas ter a ambição de mostrar o final da vida de um dos criminosos mais notórios da história, mesmo sem qualquer registro do que ocorreu ou não, é um esforço tolo, ainda mais no modo grotesco como se mostra.

  • Crítica | Venom

    Crítica | Venom

    Parasita é dito como um organismo que vive de ou em outro organismo, dele obtendo alimento e não raro causando-lhe dano, e é esse o termo utilizado para designar as criaturas alienígenas que o Projeto Vida encontram em uma das suas naves interespaciais na nova adaptação de quadrinhos da Sony. Isso não é por acaso, a intenção de Venom do diretor Ruben Fleischer (de Zumbilândia e Caça aos Gangsteres) é claramente a de falar desse tipo de relação mesquinha em seu pretenso filme de herói (ou anti-herói), mas ele passa por uma dificuldade básica de encontrar sua identidade, mesmo passando pelas mãos de tantos roteiristas.
    A história já começa bifurcada, mostrando as duas partes que deveriam formar o personagem Venom. Nos laboratórios do Instituto Vida, há  Carlton Drake (Riz Ahmed), um personagem maniqueísta, interesseiro, bandido e assassino e essa definição é dada pela outra parte estudada, o Eddie Brock de Tom Hardy, um homem de vida simples e de muitas obsessões, jornalista de TV incisivo e bastante intrépido. As coincidências do roteiro fazem os dois núcleos se encontrarem e o resultado dessa reunião é explosivo. A vida pessoal de Eddie é dinamitada, ao ponto dele sua esposa Annie (Michelle Williams), emprego e até mesmo o lugar onde morava.
    A quantidade de personagens pára exatamente aí, praticamente só há esses três no filme de quase duas horas de duração. Muitos textos críticos ao longa falavam que o jeito que Hardy atua é diferente demais de todo o resto do elenco, e de fato é, mesmo levando em conta Williams e Ahmed. Nos quadrinhos o personagem depende demais do Homem-Aranha e a pergunta sobre esse projeto da Sony de explorar o universo do Cabeça de Teia sem seu carro chefe daria certo, ao menos até agora é negativa. A tentativa de transformar Venom num filme sobre transtornos esbarra na falta de complexidade de todos os personagens e nas situações banais que ocorrem. Nem mesmo a tentativa de Hardy em soar como um louco que não se adapta a um novo mundo funciona.
    Passa aproximadamente um hora de filme para finalmente a figura do Venom completa aparecer, e até esse ponto, muita história tediosa e sem sentido ocorre. As cenas de ação também não fazem muito, são genéricas, fato que faz tudo não ter muita coerência, incluindo aí a tentativa de mostrar Brock como detentor de um certo monopólio da virtude. Se todas as pessoas mostradas são rasas e não agem de maneira realmente humana, não há tanto impacto na postura diferenciada já que não há muito com quem comparar.
    Ao menos no que toca Eddie Brock o que se esperava era que o personagem fosse mostrado como um ser com dualidades, mas isso pouco se vê. A transição de ser parasitário para um realmente simbiótico é muito brusca, em um momento o alien trata Eddie como lixo, e logo depois se tornam super-amigos, e isso não faz o menor sentido diante das condições mostradas em tela, já que não houve uma mínima construção narrativa para a mudança dessas relações.
    Venom não funciona como filme de ação e isso nem passa necessariamente pela presença ou ausência do Aranha, sua concepção primordial foi um equívoco e o roteiro é na mesma medida pretensioso e bagunçado, sem conseguir atingir praticamente objetivo nenhum de seus produtores, não conseguindo ser um filme de monstro, herói, tampouco ficção científica escapista, tendo poucos momentos divertidos e muitos mal calculados, cuja graça é quase nenhuma. O filme ainda possui uma cena pós-créditos que abre possibilidade de uma continuação, que claramente só ocorrerá se o espectador ignorar todos os terríveis erros da história para que renda bilheteria suficiente para gerar um Venom 2.

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  • Crítica | Dunkirk

    Crítica | Dunkirk

    O cinema se compõe a partir da junção de imagem e som, e uma das máximas dessa arte é a velha alcunha de que é melhor mostrar do que falar. A filmografia de Christopher Nolan é conhecida especialmente por suas atmosferas grandiosas; seus cenários grandiloquentes; seu caráter autoral; e em alguns filmes, pelos diálogos expositivos. Após críticas negativas ao seu último trabalho Interestelar – especialmente no que diz respeito as explicações excedentes – Dunkirk prometia ser diferente, mesmo porque esse seria um filme que fugiria muito do texto e dependeria mais da imagem.

    A resposta para indagação do público se seria esse realmente um produto com poucos diálogos é cumprida à risca. O roteiro conta como foi a retirada estratégica dos britânicos, da fracassada empreitada conhecida como A Batalha de Dunquerque. Até por ser uma história muito cara ao povo inglês, Nolan tinha uma preocupação em universalizar os dramas ali passados, para que o espectador pudesse sentir o que sentiram os alistados que estavam ao lado dos aliados na Segunda Guerra Mundial. A opção do diretor foi de apelar para o sensorial, abusando do trabalho de som, que serve de atalho para quase todos os temores, medos e sensações daqueles que sofrem com a guerra.

    Hans Zimmer já é um colaborador contumaz de Nolan, e nesse trabalho seus esforços se provam ainda mais valorosos. Mesmo quando o texto corre o risco de soar piegas, é a música de Zimmer que ajuda a tirar o produto final dessa pecha. Ainda assim, por mais que em alguns momentos haja um certo exagero patriótico, o longa não soa ofensivo as plateias não-inglesas, ao contrário, já que o argumento dribla o ufanismo exacerbado, indo na contramão do cinema de guerra norte-americano.

    Há alguns problemas com as identificações dos personagens, uma vez que a maior parte do elenco é composta por atores jovens e desconhecidos. Apesar das enormes semelhanças físicas entre esses, tal situação faz valer ainda mais a sensação de empatia, já que a maior parte dos rostos famosos – Mark Rylance, Cillian Murphy, Keneth Branagh e Tom Hardy – não estão exatamente no front, portanto, qualquer um ali pode morrer. Os sons estrondosos das bombas e os estragos feitos em meio aos que compõe as barricadas são de uma precisão sonora e visual impressionante, algumas vezes compondo cenas belíssimas, semelhantes à telas de aquarela, em outras retratando o puro horror do conflito, sem necessitar mostrar qualquer tipo de dilaceração ou gore, como havia ocorrido por exemplo com o recente Até o Ultimo Homem, soando tão ou mais grave que esse mesmo sem utilizar os mesmos recursos.

    Dunkirk é um filme de guerra, mas não há enfoque sobre o conflito. Mesmo os soldados que tem armas em punho estão lá para sofrer. Nesse ponto, ele é o perfeito filme do meio, servindo a si à perfeição de filme anti-guerra. Certamente eram exageradas (e pretensiosas) as comparações de Interestelar a 2001: Uma Odisseia no Espaço, mas certamente o caráter deste se assemelha muito a outra obra kubrickiana menos valorizada do que deveria, que é Glória Feita de Sangue, embora métrica, atmosfera e trabalho técnico sejam inteiramente diferentes, ambos falam de fracassos militares e de desperdícios de vida, no meio de um conflito bélico. A mensagem é passada de forma certeira, sem precisar lançar mão de artifícios expositivos, soando até poético em alguns momentos.

    https://www.youtube.com/watch?v=b7v_6hIa5Ok

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  • Crítica | Lendas do Crime

    Crítica | Lendas do Crime

    Legend - poster

    Já parece ser consenso que Tom Hardy é um grande ator. O cidadão tem enfileirado uma série de grandes atuações e há quem diga que ele atuou muito melhor que Leonardo DiCaprio em O Regresso. Sobre esse fato, eu não posso opinar, pois até hoje não criei coragem para assistir à tão falada película que finalmente rendeu o primeiro Oscar para o astro de Titanic. Entretanto, assisti a esse Lendas do Crime, filme que se sustenta muito mais pela grande atuação de Hardy como os gêmeos Kray do que por seu próprio roteiro ou direção.

    Na trama, o novo Mad Max interpreta Ronnie e Reggie Kray, irmãos gêmeos que dominaram o crime organizado em Londres durante o final da década de 50 e a década de 60 através de alianças, negociatas e muita violência, principalmente pelo lado de Ronnie Kray, o gêmeo homossexual e esquizofrênico que perpetrava atos absurdos sem nenhuma ponderação.

    Escrito e dirigido por Brian Helgeland, o filme é narrado sob a ótica de Frances Shea, esposa de Reggie Kray e interpretada pela lindíssima Emily Browning (de Sucker Punch: Mundo Surreal). Entretanto, isso acaba sendo um pouco problemático para o desenvolvimento do filme, já que Helgeland tenta imprimir uma certa crueza nos irmãos Kray, principalmente em Ronnie, e ainda que a personagem de Browning tente reportar isso para o espectador, a narração acaba por romantizar alguns atos do personagem. No que concerne à Reggie, fica ainda pior, porque até mesmo a odiosa sequência de estupro cometida por ele contra a esposa acaba sendo um pouco diluída e vazia. Porém, tal romantização se faz eficaz quando narra o destino final da personagem, gerando contornos inesperados à situação. No que tange a relação da dupla de protagonistas, o diretor e escritor trabalha muito bem, estabelecendo boa dinâmica entre os dois, em especial nos momentos de desentendimento entre os Kray. Existem duas situações especiais: a briga na casa noturna gerenciada pelos irmãos e o momento posterior a um assassinato cometido por Ronnie Kray, momento esse que envolve a toda a família Kray e explicita todas as relações pessoais da família de uma forma quase tragicômica.

    Ainda que as atuações de Tom Hardy sejam sensacionais, seu desempenho como Ronnie Kray acaba sendo um pouco prejudicado pelos personagens que o cercam. O amante de Ronnie, interpretado por Taron Egerton (de Kingsman: Serviço Secreto), está muito acima do tom e chega a ser caricatural em vários momentos. Isso faz com que o Kray problemático torne-se odioso quando está acompanhado por ele em cena, fazendo com que o público confunda um esquizofrênico com um imbecil. Como Reggie Kray, Hardy está perfeito, fazendo um personagem complexo capaz de esbanjar charme e fúria. Emily Browning está muito bem em cena, fazendo com que uma personagem que possui uma grande bagagem emocional torne-se virginal em muitas cenas. David Thewlis e Christopher Eccleston, respectivamente o contador dos Kray e o detetive obstinado em prendê-los, entregam ótimas atuações, como sempre fazem.

    Ainda que possua uma excelente reconstrução de época e boas atuações de todo elenco, Lendas do Crime sofre com uma direção e opções de roteiro vacilantes e não acrescenta nada de novo ou revolucionário aos filmes de gângsteres. Entretanto, vale a pena ser conferido principalmente pela atuação do craque Tom Hardy.

  • Crítica | O Regresso

    Crítica | O Regresso

    O Regresso - poster

    Há, na tarefa desgraçada de todo crítico, os momentos de não saber o que apontar diante de um filme que, por melhor que seja a dialética prescrita, sempre estará acima de meras palavras. Grandes obras produzem o silêncio crítico do vocabulário fiel, e de repente o escrever resulta em traição, como se o pensar também não, enquanto tentamos arrumar nosso juízo em relação a obras, digamos: transcendentais. Por onde começar? Lembro de sair do cinema após A Árvore da Vida sem saber o que o filme de Malick me fez sentir – uma explosão de sensações livres de censura ou licença, criando toda uma brisa que não cabia nem na sala de exibição, quanto mais em mim! E se todo filme nos fizesse tremer ou chorar, já pensou o quão difícil seria ao crítico criticar o incriticável? Palavras são pequeninas, às vezes mera bijuterias, réplicas de uma joia sem peso em paralelo ao quilate original; quiçá, o seu valor. Crítica é trampolim, mera catapulta a algo maior: A gema que ousa examinar, julgar e até moldar, feito ourives com uma pepita entre os dedos. Mas O Regresso não é ouro, tampouco biju: É diamante em estado bruto, com forma e peso de Cinema da mais alta qualidade. Lapidá-lo é o que nos resta a seguir.

    Antes, uma listinha cheia de ambição: quem seriam os melhores cineastas em atividade? Vejamos… Kiarostami, de Cópia FielWim Wenders, de O Sal da Terra; o velho Herzog, de Fitzcarraldo; (e talvez o melhor nome da lista), Scorsese, de Taxi Driver; o mestre da animação Miyazaki, de Chihiro e Totoro; e, a partir de 2015, um novo integrante ao hall das lendas: Alejandro Iñarrítu. Um ninja, em caráter inegável na manipulação quase que espontânea das emoções mais profundas de quem se deixa levar, sem pudor ou camisinha, nas experiências e conjeturas que o mexicano propõe. Em O Regresso, o diretor parte do princípio de narrar um conto para estudar os fundamentos da história ocidental, seu povo e seus costumes, numa trama que nega seus heróis e vilões. A história americana se estrutura em sangue e munição, então é isso que teremos: John Wayne está morto, e com ele cada vez mais Hollywood sepulta a hipocrisia histórica que a Wikipédia denuncia, numa rápida busca na web. Se a América ainda é massacre, é a trajetória de quem sobrevive a eles que interessa o diretor de Birdman Ou (A Inesperada Virtude da Ignorância. Encontra em Leonardo DiCaprio e Tom Hardy seus algozes, e os expõe a uma realidade aumentada pela lupa de seu Cinema passivamente agressivo de sempre.

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    Há muito nos filhos de Iñarrítu. Em Biutiful, não se pode calcular o desespero de Javier Bardem, e em Babel nota-se não haver oceano grande o bastante para afogar a culpa daquela gente, diante dos desafios da vida. Seus personagens são ricos e incorporam o mundo, ao redor. É assim que são compostos cenários onde tudo pode acontecer, e de fato não acontece, mas irrompe e explode muito antes, ou depois de DiCaprio fazer por merecer ter a sua atuação, aqui, posta entre os cânones de quem brilha nas telas do século XXI. Dos pés à cabeça, o Jack de Titanic cresceu. Estamos vivos para vê-lo entrar, com mérito, ao tal do hall das lendas vivas e tendo neste status o seu custoso Oscar, finalmente, na pele de um caçador de peles que prova de seu próprio sangue nas garras de um urso bestial, a dizer o mínimo. É no animal que convém resumir, no seu comportamento primitivo (a fúria dos índios sobre a ousadia dos brancos), toda a filmografia de Iñarrítu, cada vez mais um mestre. Um manipulador com orgulho, no topo da cadeia que habita – e com a soberania de quem domina o campo de batalhas.

    Um campo escrachado de humanidade e desumanidades, digno de nossa especulação e a mais sincera admiração. Toda a simbologia de largos planos-sequências, melhores que na jornada teatral de 2014, e os conflitos familiares comuns nos filmes do diretor encontram espaço, com Iñarrítu novamente fiel a si mesmo, culminando afinal nas impressões digitais autênticas de um diretor sempre muito bem-sucedido em proposta, e realização. Não à toa, como nada vem fácil, o filme encontrou inúmeras dificuldades na produção, com um orçamento de 135 milhões de dólares quando o original era de 60, e locações complicadas onde as condições climáticas nunca sopravam a favor da filmagem. Pra completar, o filme é acessível a maiores de 17 anos, devido ao mergulho furioso num realismo provocante, sugado por uma fotografia sobrenatural, estilo Malick e Cuarón. Impossível não admirar um visual que também nos engole (sem dó), e sobretudo o que dele se manifesta, nas mais variadas formas e vibrações complexamente oriundas.

    Um legítimo faroeste, calcado em contemporaneidade pelos símbolos e signos que tornam a experiência que é, captado por uma câmera suja e nervosa em prol de uma insaciável vontade de fazer a arte do Cinema, de verdade, e no melhor sentido da palavra. Na verdade, é a narrativa visual que deflagra a percepção, e assombra, num caminho sem volta na nossa relação com a história. Não é um filme que se vê todo dia, aprecia ou se estuda normalmente: Sabemos assistir a algo especial desde os primeiros planos, os primeiros enxertos que avisam: sobreviver à sessão de O Regresso nunca será um veículo fácil de lidar. A mixagem de som e a exímia continuidade dão o tom da releitura de Dead Man, com ecos de Leone e Tarkovsky, claras inspirações de uma obra que, já avisando, não conhece a piedade de quem a assiste. Um tipo de Cinema imersivo, imbatível, e que, lapidado pelo tempo, terá em seu brilho a resistência do que nos torna cúmplices do primor estampado em movimento por seus quadros, sons e testemunho.

     

  • Crítica | Crimes Ocultos

    Crítica | Crimes Ocultos

    Crimes Ocultos 2

    Película sob a direção de Daniel Espinosa – o mesmo de Protegendo o Inimigo – e produzido por Ridley Scott, Crimes Ocultos foi proibido na Rússia por ser considerado uma distorção da história, segundo o governo atual. O roteiro começa tratando do conhecido Holodomor, usado como arma (fascista) do governo stalinista impetrando fome aos ucranianos, fato que vai de encontro à questão atual da Rússia X Ucrânia, e “valida” – entre muitas aspas – o reclame censor do governo de Putin, conhecido por ser uma das viúvas da antiga URSS.

    Fato é que, desde o princípio, a bandeira soviética é achincalhada durante a exibição do filme, enquanto a maioria dos oficiais do exército, ao menos os de compleição semelhante a paladinos, é mostrada com expressões resignadas, movidas possivelmente pela culpa. Todas as expressões de amor ou outros sentimentos tipicamente humanos são apresentados de modo raso e clichê, sem qualquer meio-tom ou ancenúbio.

    Leo Demidov (Tom Hardy) é um dos poucos personagens complexos. Sua atuação enquanto militar é semelhante a de um Hans Landa socialista e sem carisma, sem piadas que evocam verborragia. A dura expressão esconde um caráter que não o impede de se importar com os seus companheiros, e que o faz não desistir de montar uma tropa de homens honrados, seja lá o que significar isto em sua distorcida noção de realidade. Logo de início, nota-se o seu fraco por infantes, considerados por ele como seres indefesos, independente dos pecados de seus pais.

    O ethos de Leo é desafiado com a designação de dar cabo a um irmão de farda. Contrariando a fala de que “assassinato é uma prece capitalista”, o personagem central beira a condenação daquilo que Stalin desaprovava. De modo tórrido, mostra-se que o importante era manter a versão oficial, não discutindo o regime. Uma ação típica das ditaduras, claro, mas duramente criticada neste roteiro. A atuação de Hardy salva o filme de ser um desprazer completo, já que consegue mostrar emoções conflitantes mesmo diante da rigidez tipicamente militar que lhe é imposta.

    Os relatos de um traidor formam o real chamado à aventura da trama, que põe frente a frente marido e mulher. Raisa (Noomi Rapace), antes mostrada como uma mulher indócil e frígida com seu cônjuge, tem sua fidelidade à pátria – e ao próprio esposo – discutida, passando a exibir a partir daí uma crueldade demasiada com os próprios soldados do Regime, e sua tortura é agravada devido a uma gravidez.

    É curiosíssimo como a escalada das patentes é mal construída, casando convenientemente com as necessidades da trama, ignorando sempre os plots anteriores em detrimento da proteção de uma figura controversa como a de Vasili, feito por um Joel Kinnaman mais uma vez equivocado em seu papel, algo que tem sido comum nos últimos tempos.

    O castigo pela fidelidade dupla, ao país e ao matrimônio, é o exílio. A comando do General Mikhail Nesterov (Gary Oldman), Leo tem de conviver com casos estranhos de tortura de crianças, um tormento agravado por sua possível e futura condição de pai. O atrapalhado script joga a verdade ao espectador de forma óbvia, produzindo mais um sem número de situações limite. De aspecto positivo há somente a realidade de ter uma relação calcada no medo, mostrada em detalhes sórdidos, pincelados de maneira ideológica para crucificar e demonizar o ideal dos personagens.

    O Jogo da Imitação mostra os pecados da Grã Bretanha no pós Segunda Guerra ao tornar a homossexualidade um crime grave. Crimes Ocultos faz o mesmo com a ditadura do leste, ainda que trate de maneira ainda mais sensacionalista, como se fosse exclusividade dos comunistas tal defeito. Nenhuma morte e preconceito deve ser banalizada ou relativizada, mas há de não se ignorar a história. Usá-la para condenar somente um segmento ou partido é um artifício covarde, sendo esta a base de toda a história de Child 44 versão cinema.

    O que deveria – ou poderia – ser um conto a la Dennis Lehane nos anos 50 torna-se uma estúpida propaganda anticomunista, sendo a ideologia vazia o principal mote da discussão do roteiro, evocando até a autotortura em nome de Stalin, absolutamente desnecessária. O argumento é raso e condizente com os fãs da direita ferina. Todos os assuntos se dobram diante da distorção do discurso político, o amor não correspondido, pedofilia, raptos, ataques de um assassino serial, praticamente tudo é subalterno em virtude da desconstrução da fala socialista. Até a possibilidade pragmática de fazer a justiça com as próprias mãos é validada somente para denunciar o quão falho é o sistema, como se toda forma de governo contrária fosse maravilhosa. A alternativa de culpar o nazismo e Hitler – mais um refutável lugar comum – é tardio, já que todas as conclusões a respeito da história podem já ser tiradas com menos de metade da duração.

    O mini golpe dentro da revolução, mostrado em tela, assemelha-se ao comportamento de  ratos  que tentam contra-atacar as ações de homens armados. O cúmulo se dá ao notar que os mesmos rebeldes que condenavam os opositores por táticas de assassinato, são também exímios em armas brancas e assassinatos. O pecado maior é mostrar até os últimos momentos o exacerbo caricatural dos poderosos, como se fossem czares, e não socialistas, trabalhando sempre em favor do retrocesso, forçando a maré contra a verdade.

    A  luta final travada em meio à natureza é emblemática por revelar grande parte dos defeitos do filme e de seu texto, igualando o lodo e a sujeira da briga com o asqueroso pressuposto. A escolha de partido é equivocada e passa longe de retratar a realidade mundial da época, usando o russos como vilões, apelando para o sensacionalismo mesmo quanto deveriam mostrar lados positivos daquelas figuras. Se os papéis do roteiro estivessem encharcados da lama da batalha final, este ainda assim seria menos tendencioso e sujo do que o resultado final de Crimes Ocultos, que mais se preocupa em ser uma contrapropaganda anacrônica situada em uma Guerra Fria já inexistente, do que em um retrato da época, banalizando até a boa direção, fotografia e direção de arte de Espinosa e sua equipe.

  • Crítica | Mad Max: Estrada da Fúria

    Crítica | Mad Max: Estrada da Fúria

    Tomando como base uma ordem mundial diferenciada, pautada no exacerbo do capitalismo e exibindo uma face ainda mais selvagem dos escritos de Marx e Engels, Mad Max: Estrada da Fúria resgata o cinema de George Miller, refundando a franquia que o fez famoso, renovando-a para uma nova geração de aficionados, mas sem ignorar os fanáticos pela antiga trilogia.

    A primeira cena inicia-se com um discurso inflamado de Max Rockatansky (Tom Hardy), lembrando-se de sua condição de cavaleiro solitário, como na outra encarnação de Mel Gibson, intensificada ainda por um trauma que proporciona a si um fantasma, seu tormento, recaindo sobre sua cabeça como uma cachoeira que lava seus pensamentos, inundando sua mente de culpas. A adrenalina destas sensações ataca-o de modo irônico, deixando-o mais uma vez desatento, a ponto de ser capturado, ficando uma boa parte dos primeiros momentos sem sequer ser citado.

    Miller mostra um novo fôlego em sua direção, se distanciando do que fizera na franquia Happy Feet: O Pinguim, apresentando o universo que estreou em 1979 no primeiro capítulo, e fundamentado em 1982 com A Caçada Continua, acrescendo, claro, a estética videoclíptica, não deixando dever nada à direção de realizadores “massavéio”, mas abordando de modo adulto a fita. As cenas de ação têm uma continuidade em estrada impressionante, não devendo em nada tanto aos recentes À Prova de Morte de Quentin Tarantino, quanto a Bullit. As cenas e câmera retrasada têm muito mais significado que os takes adorados por Zack Snyder, remontando a influência de Sam Peckinpah, tanto no ritmo quanto na visceralidade dos momentos violentos do filme.

    A abordagem lembra a de um road movie, por apresentar cenas titânicas– e em sequência – sobre quatro ou duas rodas, em terrenos arenosos, relembrando o eco da predação humana em relação ao seu próprio habitat. As conclusões e reflexões estão espalhadas pelos cenários, e servem a uma análise mais profunda por parte do público, que ainda tem uma miscelânea de sequências interessantíssimas, incrivelmente agressivas, mas sem tanta profusão de sangue ou gore.

    Outro aspecto interessante é a ausência de verborragia, fazendo do roteiro algo sucinto em matéria de falas. Estrada da Fúria é um filme essencialmente visual, seja pelas planícies belas, pelas falésias ou pelo visual grotesco dos antagonistas. O fetiche, tanto das personagens belas, como das parideiras que sofrem a ação de um déspota tirânico trazendo o sex appeal para uma figura grávida, contrasta com a beleza quase infinita de Charlize Theron, que mesmo masculinizada em sua Imperator Furiosa, consegue arrancar um misto de força e sensualidade, concentrando em si quase todo o conteúdo homoafetivo de todos os episódios da cinessérie, sem ter nada de caricatural. A riqueza dos personagens periféricos consegue compensar – mais uma vez – o fato de Max ser um coadjuvante de luxo, na fita.

    A trajetória de Rockatansky é mais uma vez de subida, passando da eterna solidão para a solidariedade capaz de gerar nele um complexo suicida. Max prossegue um pária, possivelmente por ainda não ter superado a perda dos seus no filme setentista, algo agravado, é claro, pelos espectros que o perseguem. O deslocamento dele é notado a todo momento, mesmo quando encontra sobreviventes, pessoas que estariam próximas de sua condição singular, inclusive quando os aventureiros retornam ao lugar onde foram oprimidos.

    A solução final abarca uma mensagem de compartilhamento, que, em análises mais conservadoras, pode ser associada à mensagem de Jesus, que exigia a divisão de riquezas dos que pediam para segui-lo, assim como também abraça uma prática mais socialista, acenando até para alegorias ao texto de Gene Rondenberry na franquia Star Trek. Miller apresenta um blockbuster maduro, inteligente, cuja trilha sonora e edição de som são absurdas e acrescentam demais à trama, ajudando a construir a atmosfera de pavor e enigma. Estrada da Fúria possivelmente abrirá uma sangria com novos rumos para a franquia, apresentando um mundo rico, cujas aventuras e desventuras têm tudo para captar a atenção de espectadores pelo mundo inteiro, e com um protagonista que não deixa nada a desejar à abordagem que Gibson havia inaugurado.

    Ouça nosso podcast sobre a série Mad Max.

  • Crítica | Mad Max: Estrada da Fúria

    Crítica | Mad Max: Estrada da Fúria

    Mad Max surgiu na década de 1980 como um representante dos filmes de baixo orçamento australianos, em específico o clássico O Menino e seu Cachorro. Tornou-se um western moderno em sua continuação (Mad Max: A Caçada Continua), e posteriormente garantiu traços mais claros de sci-fi no terceiro, Mad Max: Além da Cúpula do Trovão, que, apesar de mais heterogêneo e desconjuntado, é também o maior sucesso da franquia até então. Quando lançado, este filme alçou Mel Gibson ao status de estrela e redefiniu o cinema de ação e o futuro distópico no cinema.

    Em Mad Max: Estrada da Fúria, Max Rockatansky (Tom Hardy) é um ex-policial rodoviário que tem sua família assassinada e se vê às voltas de um mundo onde a água e o combustível são escassos, fazendo das estradas locais dominados por gangues de todo tipo. Acidentes nucleares mutantes são comuns, a terra é árida e infértil, e o mar é apenas sal. Nesta espécie de reboot (O filme se localiza entre o segundo e o terceiro Mad Max, ficando na penumbra da classificação), pode-se ver o quanto a mitologia compreendida neste universo solidifica-se e personifica essas três vertentes pelas quais passou George Miller, diretor dos quatro filmes da franquia, para estabelecer seu mundo pós-apocalíptico durante sua, até então, trilogia. É salientado aqui a tradição western do herói sem passado e sem nome vivido por Clint Eastwood na Trilogia dos Dólares, com sua moral ambígua e egocêntrica, destinado a lutar contra seu próprio caminho em uma jornada de destino exploratório, onde as leis são forjadas ao sabor das necessidades e desta moral de quem é sobrevivente. Este anti-herói define-se na busca por redenção, e a redenção neste caso resume-se na busca de um futuro que antes precisa credenciar-se como digno de tão escassa esperança.

    Dentre todos os aspectos de um filme, a narrativa é seu recurso mais poderoso, e o único essencialmente cinematográfico. Sem narrativa não há cinema. Extremamente visual, não há trama a que se ater em Mad Max, sendo possível contar quantas palavras Tom Hardy recita durante os 121 minutos de projeção. Nada mais natural, já que a solidão do isolamento e da culpa torna palavras amargas, e assim Max grunhe os primeiros verbos após diversos minutos de muita areia e vento.

    Ideologicamente atrelado às suas raízes em filmes de baixo orçamento, o diretor filma seus acidentes como quem pinta uma obra de arte, abusando de quadros abertos, para que a audiência aprecie e se deixe levar pela diagramação bem pensada de cada uma das cenas. Sendo assim, Mad Max é, antes de tudo, um exercício extremo de narrativa. Detentor deste poder, George Miller preocupa-se em contar sua história através de olhares, ritmos e a inserção do espectador para dentro da corrida a qual o personagem Max assume ao lado da Imperatriz Furiosa (Charlize Theron), a fim de levar um grupo de mulheres, “As Parideiras”, para longe do julgo violento do líder Inmortal Joe (Hugh Keays-Byrne, ator que viveu o vilão Toecutter do filme original). Outrora imperatriz de um pedaço odioso de mundo, Furiosa assume a missão quando, durante sua fuga dos “Meninos da Guerra”  os servos de Joe , seu caminho cruza com o de Max.

    Como todo bom sci-fi, Mad Max olha clinicamente para o presente, e dele extrai o futuro. Peça ímpar da cultura pop, é possível observar como a construção daquele mundo remete à composição de nossa cultura atual, onde palavras que hoje são veladamente adoradas tornam-se símbolo divino por comparação à nossa própria cultura, e a cultura passada deturpa-se para formar a próxima, como numa representante rococó do passado. “Divindades” de hoje, como o automóvel, o McDonald’s, a Coca-Cola, ou peças de mitologias nórdicas, tornam-se o portfólio cultural do mundo de Mad Max, e essa mistura é o toque de genialidade de Miller ao usar da bagagem comum do espectador para inseri-lo naquele ambiente de maneira familiar, mas sem abandonar a estranheza que um representante das culturas desérticas que deram origem à civilização cristã teria ao ver o mundo de hoje.

    A religião atua como aspecto importante aqui, e assim como nas religiões desérticas (Cristã, Islâmica e Judaica), a solidão e aridez do deserto levam à busca por atenção e perdão divinos, salientando que só há vida gloriosa se for destinada ao paraíso, já que a vida em carne e osso resume-se à penitência. Para salientar este aspecto como crítica, a religião é o destino e forma de vida dos Meninos da Guerra, especialmente do personagem de Nicholas Hoult, tornando-os capazes de qualquer tipo de ato para galgar sua busca sagrada. Na contrapartida, personagens oram diante do medo, unindo diversos gestos ritualísticos das religiões atuais. Quando uma das parideiras é perguntada sobre para quem rezava, denuncia: “Para seja lá quem estiver ouvindo.”

    Ainda em seu papel como produto da cultura pop, Mad Max é o “Transformers que deu certo”, pois é capaz de relacionar cenas de ação grandiosas e montá-las de maneira a ir além de um simples filme, originando uma experiência sensorial. Conhecedor do cinema, George Miller usa inclusive recursos cinematográficos pouco considerados pela crítica no intuito de fazer de seu filme algo inenarrável, como o recurso informal conhecido por Rule of Cool. Normalmente exemplificada nos verbetes de dicionários cinematográficos como “uma caveira tocando guitarra no topo de uma montanha”, a expressão justifica o fato de algo ser considerado legal, como uma peça de enfeite estilístico que vale por si só. Em suas alucinações com a filha falecida, Max visualiza um ambiente de loucura e aspecto visual propositadamente datado e que remete a peças de filmes B.

    A decisão pelo uso de efeitos práticos torna cada frame da película inacreditável, fazendo surgir a dúvida sobre quantas pessoas morreram durante as gravações. Tal coragem é capaz de demonstrar o pleno domínio e lucidez da produção sobre aquilo que é visto em tela, tornando capaz a realização de um filme de 1980 nos dias de hoje. Apesar de truculentas, as cenas de perseguição estão lá não apenas para dar ao filme a pecha de blockbuster ou para atrair o público de maneira fácil, mas sim para interceder pela narrativa. No cinema de ação, os diálogos são traçados com socos, explosões e pela necessidade da perfeição dos gestos. O cinema de ação baseia-se na ideia de domínio sobre o espaço e o tempo; o vencedor é aquele que atira primeiro, alcança mais longe, corre mais rápido e atinge o alvo, ou seja, aquele que melhor controla estas duas variáveis físicas. Nenhuma cena de ação seria relevante sem trazer consigo a significância correta, e pelo domínio do espaço-tempo, Mad Max está entre os melhores representantes do gênero no cinema.

    Atualizado e representante de seu tempo, talvez por algumas gerações de filmes, George Miller reconhece o alcance da ficção científica e traz questões sobre o feminismo e o papel da mulher na sociedade, fazendo da Imperatriz Furiosa a verdadeira protagonista do filme, sendo ela que garante o mote e o desenrolar da trama (e quem dá nome ao subtítulo do filme). Num visual poderoso, é uma personagem que carrega a amargura de uma vida de violência e privações, resumidas em mutilações corporais, na habilidade em sobreviver e na profunda necessidade de redenção. Este poder de síntese pode soar raso numa primeira análise, ou para quem necessite de diálogos mais expositivos, mas é mais do que o necessário para representar neste personagem o estado da arte daquela sociedade.

    Já Max é a própria paisagem. Tão lacônico quanto o próprio deserto, a falta de comunicação reflete um ambiente onde não há espaço para o diálogo na resolução dos conflitos. Embora não seja o protagonista clássico, Max é a balança daquele mundo, é um agente do destino fatalista da Terra pós-apocalíptica, que transforma pessoas em aberrações sociais, incapazes de garantir valor à vida. Essa balança não é justa e sua moral é maquiavélica, mas é a estrada que resta para seguir.

    Texto de autoria de Marcos Paulo Oliveira.

    Ouça nosso podcast sobre a série Mad Max.

  • Crítica | Locke

    Crítica | Locke

    Se há uma coisa que une todos os seres humanos é a que somos frutos de escolhas, acertadas e erradas, de nós e de nossos pais. Nossas escolhas, por vezes, são condicionadas dentro desses caminhos já existentes, e raramente conseguimos romper com esse círculo vicioso. E é mais ou menos sobre isso que a nova produção do experiente roteirista, e novato diretor, Steven Knight trata. Ivan Locke (Tom Hardy) é responsável por uma obra de importância muito grande no interior da Inglaterra, porém decide pegar o carro e ir a Londres para acompanhar o parto de Bethan (Olivia Colman), uma mulher com quem teve um caso extraconjugal. E isso terá consequências nada práticas na vida de Locke. Filmado todo dentro de um carro em movimento, Locke tinha tudo para ser um filme monótono, pois deposita todas as suas fichas em Tom Hardy e na construção dos diálogos.

    Felizmente, tudo é tão bem construído que os 85 minutos do longa passam voando. Inicialmente, temos dificuldade em entender as razões pelas quais o protagonista faz escolhas tão contrárias à sua, até então, natureza íntegra, como abandonar a obra que seria responsável pelo “maior depósito de concreto da Europa fora do setor militar e nuclear”. Pelo telefone (usando o bluetooth do carro), ele tenta convencer um subordinado e um superior que não vai poder estar lá no dia seguinte, no horário da entrega pela qual é responsável, mas que tudo dará certo.

    Depois, liga para casa e explica, de maneira muito tensa, à sua esposa Katrina (Ruth Wilson) por que não estará em casa para ver o jogo com seus dois filhos que o esperavam. A revelação também acaba implodindo seu até então sólido casamento. A motivação para abrir mão de um bom emprego e de seu casamento é a de que Locke foi abandonado pelo pai, e não quer que seu filho bastardo tenha o mesmo destino que o dele, o de crescer sem uma presença paterna ao lado. Conforme o filme avança, nos deparamos com vários problemas que vão surgindo, intercalando as várias ligações que Locke faz e recebe. Problemas tanto na obra, que oferecem uma crescente tensão, quanto em casa, onde sua esposa passa, em algumas ligações, da negação ao rompimento; até mesmo com Bethan, uma desconhecida, mas que tem seu apoio neste momento difícil. Locke, com sua voz calma e leve, mas com acentuado sotaque britânico, cresceu com um pai ausente e que agiu errado com ele, portanto fez questão de fazer tudo certo na vida.

    Era o melhor empregado da firma de construção, e era o único a entregar os planos para a prefeitura antes do prazo, além de ser marido e pai exemplar. Mas um erro, em uma noite regada a vinho, colocou tudo a perder. Locke poderia muito bem não assumir a criança e manter sua vida, mas a rigidez moral de fazer o certo, mesmo em uma situação impossível, o leva a acompanhar o parto dessa criança, que não nascerá sozinha no mundo. Como não vemos nenhum outro personagem do filme, Locke sustenta-se somente pela excelente atuação de Tom Hardy, que luta internamente contra si ao dar notícias tão ruins a todos apenas por acreditar que está fazendo a coisa certa para a criança. A fotografia, que joga, a todo momento, com as cores e sombras típicas de uma autoestrada, ajuda a compor esse cenário solitário e melancólico no qual o personagem está inserido por escolha própria.

    Enquanto está indo para Londres, no carro, realiza diálogos imaginários com o pai, também em cenas fortíssimas. A relação de raiva e culpa fica ali escancarada, assim como as cicatrizes que nunca irão sarar. O personagem tenta tornar sua dor menor ao não fazer o mesmo com a criança, que não tem culpa de nada. Essa difícil linha divisória entre o “certo” e o “errado” é que colocará o espectador em um dilema, pois se ele agiu errado “uma única vez” ao ter um caso fora do casamento, está agindo certo com Bethan, mas sua esposa também está agindo certo ao abandoná-lo e dizer que a diferença entre uma ou nenhuma vez faz toda a diferença. Também estão certos seus colegas de trabalho ao ficarem possessos com ele por abandonar a obra em um momento tão crucial.

    Porém, a força do filme está justamente em se concentrar nesse momento intenso da vida do protagonista, onde o dano causado pelo pai se torna mais importante do que todo o resto, e isso ele precisará resolver, pois a responsabilidade de não reproduzir um ciclo de descaso é maior em seu interior do que o casamento ou o emprego. Usando uma tecnologia moderna de comunicação a serviço do filme, a obra também é um retrato de uma época em que as interações e relações são moldadas de acordo com o aparato tecnológico que nos cerca.

    Fica difícil não imaginar como seria a história de Locke se ele vivesse na década de 70 e não conseguisse resolver, através do telefone e dentro do carro, todos os seus problemas, nem se teria a mesma força para largar tudo e acompanhar de perto o parto de seu filho. Mas tudo isso fica a cargo do espectador refletir, como possivelmente fará, a respeito do filme, de suas próprias escolhas e como elas o trouxeram até aqui. Algo que, no final, todos nós fazemos.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | A Origem

    Crítica | A Origem

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    É fácil olhar hoje para a carreira de Christopher Nolan e ver nele um exemplo de cineasta de grandes feitos e em quem os estúdios confiam, seja pela franquia de super-heróis da Warner que deu certo (vide o insucesso de O Homem de Aço e Lanterna Verde, só para citar os mais recentes), assim como em produções caríssimas, como O Grande Truque. A Origem é um projeto bastante antigo de Christopher Nolan, engavetado na época graças à escassez de efeitos especiais adequados ao roteiro apresentado. Mas também relegado ao limbo por ter em sua concepção um preço absurdamente alto para os padrões de um cineasta iniciante. Foram precisos seis longa-metragens no currículo para confiarem a ele o orçamento estimado em 160 milhões de dólares.

    O visual do filme impressiona, a fotografia, edição, tudo é belíssimo. A escolha por narrar a trajetória de Cobb (Leonardo DiCaprio) por meio de flashbacks é uma opção muito inteligente. A história, contada de forma linear, não teria metade do impacto que teve como produto final. Além disso, a estratégia de usar a máscara de filme de assalto para abordar uma coisa tão complexa como o funcionamento da psiquê e seus segredos dentro do ambiente misterioso do sonho é brilhante, e, aliada à estética noir, fazem da fórmula do filme algo único. O didatismo de Nolan, tão criticado nos filmes do Morcego, é muitíssimo necessário neste evento em particular.

    A cartilha de Joseph Campbell é cumprida à risca: todos os arquétipos são desenhados e representados de forma bastante óbvia. O intuito é de não deixar qualquer dúvida acometer o público, a não ser em relação à realidade tangível. O grave problema de Inception é a motivação dos personagens. Cobb é um herói falido típico, que não consegue ter controle sequer sobre o destino de suas ações. Toda a gigantesca trama, os roubos de informações, os sequestros e outras tantas atitudes fora da lei protagonizadas por ele só acontecem graças à sua reticência. A humanidade não é um problema, mas a contradição de seus atos o são. Para alguém que lidera uma operação tão complexa, é simplesmente inaceitável a sua falta de pulso, mesmo levando-se em conta o seu trauma. Outra questão que influi na percepção do público quanto à atuação do ator principal foi a proximidade entre o lançamento de A Origem e Ilha do Medo, de Scorsese, cujas premissas dos personagens centrais são bastante parecidas.

    O segundo erro capital é a personagem que deveria ser a orelha, a inserção do espectador dentro da experiência como um todo. Ariadne, de mesmo nome da libertadora de Teseu do labirinto do Minotauro, deveria ser uma promissora arquiteta que, ao ser desafiada, mostra-se muito competente no que faz, mas ainda assim é neófita e inexperiente. Uma vez que o papel de Ellen Page sabe perverter as regras do mundo dos sonhos, ela se torna uma deusa, que desliza sem dificuldades pelos segredos da mente e que molda a estrutura das construções compartilhadas entre os aventureiros. Sua evolução é rápida e até admirável, mas passa muito do ponto, pois instantaneamente se torna presunçosa e moralista, pondo o dedo em riste, acusando o seu contratante, como se ela fosse onipotente. Tais pecados podem ser explicados pela inexperiência, mas não são tão bem justificados quanto facilmente poderiam. Mais uma vez a omissão de Cobb é demonstrada, e assim como a vilã, Ariadne se usa disso para se achar maior do que realmente é, ignorando a possibilidade de, uma vez no subconsciente, perder a noção do que é verdade e do que é sonho. Ela carrega tanta arrogância sem causa que não consegue amadurecer ao tomar conhecimento das experiências alheias, algo que claramente faz falta ao perceber que a mente de Fischer era treinada, desmoralizando Cobb por cultivar tais pensamentos.

    A ideia de Nolan é discutir filosoficamente os limites do tecido da realidade. Antes de completar 60 minutos de exibição, um simples funcionário de um “dormitório” indaga Cobb sobre a veracidade da dimensão sonhada e qual destas é a mais verídica de fato. Primeiro ele desmistifica a questão da “elitização da verdade”, pondo um mestiço comumente ignorado e fadado a ser taxado como simplório como o detentor da informação primordial e do questionamento fundamental. Depois ele joga no colo do herói a interpretação do seu maior anseio, fazendo ele confrontar seus próprios demônios. Viver no passado é sedutor, e o avatar curvilíneo e as belas feições de Mal (Marion Cotillard) representam toda essa volúpia de forma ímpar. Cobb deseja tanto sua beleza quanto anseia se encontrar com os seus filhos novamente. Toda a sua reticência é voltada para a dificuldade de escolha da realidade que terá de fazer.

    A escolha de Mallory em ignorar a verdade é parte da utopia do mundo ideal, onde somente ela e seu amado vivem, alienando-se totalmente ao que acontece na vida real. A projeção de um conto de fadas é maximizada e elevada a níveis altíssimos, numa alegoria clara à fuga da inconveniente verdade do fruto proibido. A personagem Mal é como uma louca Eva, que, ao provar da árvore do Bem e do Mal, não consegue mais viver sua antiga rotina. O cotidiano é démodé demais para os seus gostos, e sua tentativa de voltar ao ideal condena o seu amado a uma vida sem realizações que lhe são prazerosas e necessárias.

    A utilização dos elementos externos a quem dorme dentro da camada inferior de sonho é uma ótima forma de representar o nonsense e descompromisso com as regras físicas dentro desta alternativa efetivamente verdadeira. A perseguição frenética e apressada em relação até mesmo ao tempo acrescido se dá graças ao mergulho dentro das camadas de transe. A contradição ajuda a aumentar o suspense da história.

    O limbo que é a prisão de Mallory representa uma amostra decadente de como o mundo idílico era e de como ele se tornou assustador com o decorrer do tempo. O passado é amedrontador e contém muitos dos medos de Cobb. A simples chance de olhar no rosto de suas crianças dentro de sua fantasia causa asco no herói. Sua incessante busca é pelo real: poder tocar seus herdeiros, aqueles a quem ele abandonou, primeiro ao se isolar e depois por motivos de força maior. A ideia, implantada em Mal, de que tudo muda parecia ser a maldição de sua própria vida. Enfrentar a sua própria verdade inconveniente e ter de assumir a sua parcela de culpa o consome e só não dói mais do que a distância de seus filhos, Sam e Phillipa. A dificuldade em liberar sua alma do sentimento de Mal é intenso, e a despedida é emotiva, especialmente para a projeção da mulher. Já Cobb parece, pela primeira vez, seguro de si e do que quer. A questão da dualidade no final é agravada pelos olhares do protagonista e cada um dos seus companheiros de jornada, dos cenários e cenas idênticos aos que se propagam em seu imaginário.

    A Origem é o momento mais autoral de Christopher Nolan, e a prova do quão prolífico é o seu cinema. Uma promessa para filmes ainda melhores do realizador britânico.

    Ouça nosso podcast sobre Christopher Nolan.

  • Crítica | Bronson

    Crítica | Bronson

    Produção independente lançada em 2008, Bronson é dirigido por Nicolas Winding Refn (Drive, O Guerreiro Silencioso), co-escrito por ele e Brock Norman Brock, e estrelado por Tom Hardy. O filme é uma biografia altamente estilizada de Michael Peterson, que ficou famoso como “o prisioneiro mais violento – e caro – do Reino Unido”. Já há mais de 30 anos encarcerado, boa parte desse tempo na solitária, Peterson fez a alegria dos tabloides ingleses ao longo dos anos. Seu nome virou sinônimo de episódios violentos, situações com reféns, rebeliões, incêndios e protestos.

    Ainda que vislumbre as motivações e origens da insanidade do protagonista, o foco do filme é na verdade um mergulho na sua perturbada psique. Aproveitando essa figura incompreensível de tão maluca, o diretor opta por uma narrativa surreal, com o próprio Bronson contando sua história diante de uma plateia imaginária e conseguindo a ovação que sempre buscou. Isso porque ele declara que sempre quis ser famoso, mas não tinha talento para atuação ou canto: a única coisa em que sempre foi bom era machucar os outros. Após brigas constantes na escola, Peterson foi preso pela primeira vez aos 19 anos. Assumindo o pseudônimo de Charles Bronson como sua identidade real, ele passou a extravasar toda a agressividade que havia dentro de si e a se sentir confortável atrás das grades, onde a sonhada fama finalmente veio.

    Da mesma forma que em Drive, aqui a direção de Winding Refn é marcante do início ao fim. O surrealismo citado aparece também no modo como os (vários) rompantes de violência são mostrados, sempre com o uso de trilha sonora pesada, seja ela orquestral ou eletrônica (com os sintetizadores típicos dos anos 80, que parecem ser uma obsessão do diretor). Isso confere às cenas um ar de apresentação artística, quase um balé. Com isso em mente, não são absurdas as comparações que Bronson teve com Laranja Mecânica. Antes que os xiitas tenham seus ataques, não estamos falando de genialidade e muito menos de importância na história do cinema. As semelhanças estão na estrutura narrativa e no plot básico de um indivíduo incompreendido que se expressa através da violência.

    Parece haver um consenso entre os críticos de que Bronson faz uma crítica ao culto às celebridades, mas, honestamente, o filme toca muito pouco, ou nada, nesse aspecto. As consequências e repercussões para a sociedade dos atos do protagonista são praticamente ignoradas. Muito mais pertinente seria apontar sua reflexão sobre a incapacidade da sociedade em lidar com alguém tão incomum: após sua “reabilitação” fracassar tanto em prisões quanto em instalações psiquiátricas, o governo chega ao absurdo de libertá-lo com um falso atestado de sanidade – o que obviamente não dura muito. Outra crítica, sutil ou nem tanto, é em relação à condescendência que os pais de Peterson sempre demonstraram para com ele, desde sua infância problemática.

    Tais observações, porém, são muito subjetivas e restritas à interpretação de cada espectador, uma vez que a atenção do filme é voltada toda para o próprio protagonista. Isso permite que Tom Hardy brilhe na composição do personagem, entre overactings propositais e justificados e uma expressão corporal assustadora (reconhecível no Bane que ele faria mais tarde). Mesmo não possibilitando nenhuma empatia, o Bronson dele consegue captar toda a atenção do espectador, sem dúvida ajudado pela claustrofóbica direção que nos mantém incomodamente próximos a ele o tempo todo – inclusive nos momentos mais desagradáveis.

    Único ponto a se lamentar, a ausência de alguns episódios mais doidos da vida de Bronson, como suas exigências malucas (certa vez pediu uma boneca inflável, uma xícara de chá e um helicóptero como resgate) e sua conversão e rápida “desconversão” ao islamismo. Provavelmente situações mais engraçadas foram deixadas de lado em nome da proposta de contar a história sob o viés psicológico. Nada que comprometa este filme perturbador, com direção e atuação poderosas.

    Texto de autoria de Jackson Good.

  • Crítica | Os Infratores

    Crítica | Os Infratores

    Poster de os infratores

    Os Infratores (Lawless, 2012), filme dirigido por John Hilcoat (A Estrada), com roteiro de Nick Cave adaptado de um livro escrito por Matt Bondurant, neto de um dos personagens principais do longa, que é baseado em fatos reais.

    O filme nos conta a história dos irmãos Bondurant, que vivem no Condado de Franklin, Virginia. Na década de 1930 durante a recessão americana e portanto, com o cenário da lei seca. Os irmãos são Jack (Shia Labeouf) o mais novo, que tem sempre de provar o seu valor aos outros. Forrest (Tom Hardy), o mais velho; chefe da família, e Howard (Jason Clarke), o mais temido dos três, muito por seu comportamento explosivo.

    A família toca uma espécie de restaurante, posto de gasolina e base de operações para outros negócios, que agora com a lei seca, se resumem a fazer um Whisky clandestino de boa qualidade. Atividade que apesar de ilegal, é amplamente aceita e difundida entre as pessoas da região. O problema se inicia com a chegada do corrupto agente federal de Chicago, Charley Rakes (Guy Pearce), que deseja organizar o comércio de bebidas daqueles caipiras. Fazendo valer a sua autoridade sobre um xerife, que também não concorda com seus métodos.

    Rakes é um personagem enjoado, que destoa de todo aquele universo em que está inserido. Com trejeitos afetados. Um penteado dividido que é mantido com obsessão e um exagero constante no uso de sua colônia. Guy Pearce faz um bom trabalho na construção desse papel, apesar da pouca exigência de um personagem linear, sem nuances e traços contraditórios. Que não deixa dúvidas, nem ao espectador mais desatento, que se trata do vilão da trama.

    Somos apresentados também, a duas personagens femininas, Maggie Beaford (Jessica Chastain), uma dançarina da cidade que vai para o interior em busca de uma vida mais calma e acaba se tornando uma espécie de faz-tudo dos negócios dos Bondurant: garçonete, contadora, além de namorada de Forrest. A outra mulher da história é Bertha Minnix (Mia Wasikowska), filha de um pregador, que se apaixona por Jack, e acabam mantendo um romance proibido. Ambas as personagens pouco movimentam a história ou tem uma real importância naquilo que somos apresentados. Elas servem mais como um artificio para humanizar os heróis do filme, e de certa forma, transformar aquela história de crimes e violência, em uma história de família.

    Apesar dos créditos iniciais de ‘Os Infratores’ nos dizer que se trata de uma história baseada em fatos reais, tudo no filme funciona como se fosse uma saga de um pescador e seu peixe de 100 quilos no lago, contado enquanto se passeia por algum reduto longe da cidade. Quase tudo tem um certo exagero, tanto na velocidade com que as coisas acontecem, a proporção que os fatos tomam, e principalmente, as cenas de ação e tiroteios, longe de qualquer veracidade do nosso mundo. Mas que nos deliciaria ao ser contada como um “causo” do interior, repleto de lendas e folclore em torno da misteriosa família Bonderant, tida como invencível por toda região.

    Com homens da lei que agem por maneiras escusas. E transgressores honrados e corajosos, que não causam nenhum mal para aqueles que são bons. ‘Os infratores’ define muito bem quem é vilão e quem é herói. A única ambiguidade que vemos se dá na forma dos personagens Jack e Forrest, que são uma espécie de reflexo invertido. Enquanto o primeiro sempre foi um tipo avesso a violência, beirando a covardia, Forrest era o primeiro a se apresentar a ela. Em contrapartida, quando o assunto eram os negócios, Forrest era conservador, preferia manter sua vida tranquila, sem incomodar ninguém, para também não ser incomodado. Já Jack, era ambicioso, disposto a quase tudo pelo sucesso, venerando inclusive, o mafioso Floyd Banner (Gary Oldman) – que infelizmente faz um papel bem pequeno no filme e acredito que poderia ser melhor explorado.

    Com uma bela fotografia de Benoît Delhomme; direção competente de Hilcoat, principalmente nas cenas de ação, sempre intercaladas com cenas cotidianas que aprofundam e nos fazem simpatizar por aqueles personagens. Além de retratar o espaço e o tempo que aquela história se passa. Somado também a uma leve mistura de gêneros como Western e Gangsters, ‘Os Infratores’ se mostra um bom filme sobre um “causo” passado adiante por vários contadores de história.

  • Crítica | Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge

    Crítica | Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge

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    Inestimável é a primeira palavra que se pode ter em mente ao falar de Batman – O Cavaleiro das Trevas Ressurge. O terceiro filme da trilogia dirigida por Christopher Nolan dá fim a um projeto que mudou a forma como as pessoas enxergam e lidam com filmes de super heróis. Uma forma mais realista e sombria foi apresentada a um público que estava acostumado a um Batman mais “super-herói” e menos próximo à realidade. Nesta conclusão temos o melhor filme da trilogia e provavelmente um dos melhores – se não o melhor – filme de super herói já feito.

    Dark Knight Rises se passa 8 anos após os acontecimentos do filme que o antecede. Somos apresentados à uma Gotham City em paz, com um índice de criminalidade baixo, uma polícia acomodada à tranquilidade e um Batman aposentado (além de um Bruce Wayne recluso). Porém, surge Bane (Tom Hardy), um mercenário que resolve aproveitar esse momento de aparente tranquilidade e fragilidade para colocar em ação seu plano sombrio de destruir Gotham City.

    Primeiramente, é importante ressaltar que a escolha da palavra “Rise” no título – aqui sendo pensada no sentido de “ascender”, ao invés de “ressurgir” como na tradução realizada no Brasil – é muito importante pelas várias formas que ela assume ao longo do filme em diversos momentos. Isso é só um pequeno exemplo com o intuito de dizer que trata-se de uma obra com detalhes muito importantes e que se unem a um todo sem pontas soltas. O roteiro é sólido e extremamente meticuloso, fruto de um trabalho excepcional por parte de Christopher Nolan, Jonathan Nolan e David S. Goyer.

     A trama é forte, tensa e envolvente. Dessa vez, temos um Batman que passa por piores dificuldades, tem seu corpo e sua alma destroçados, mas que ressurge como o verdadeiro herói. Ao mesmo tempo, temos um Batman que se ausenta das cenas pra dar lugar a um personagem também muito importante: a cidade de Gotham. Não somente o protagonista é abalado, como também a cidade se vê obrigada a reagir a um ditador extremista que quer fazer com que o povo conquiste a liberdade através da violência. Em contraposição, temos Batman se tornando um símbolo para que a cidade busque sua própria liberdade e justiça.

    Nolan não só acertou em um bom roteiro como, novamente, acertou em todas suas escolhas de elenco. Christian Bale continua com sua excelente atuação do herói principal, que cativou pessoas do mundo inteiro ao longo dessa franquia. Anne Hathaway, interpretando a Mulher Gato, demonstrou profundidade na atuação de uma personagem que estava em conflito sobre os valores que deveria defender. Tom Hardy interpreta um vilão amedrontador e de personalidade forte e cativante. Seu olhar penetrante ajuda a construir um ar de poder ao personagem que o carrega e sustenta durante toda sua participação no filme. Joseph Gordon-Levitt, por sua vez,  faz o papel do braço direito do Comissário Gordon e esbanja uma impressionante atuação em um personagem de excelente desenvolvimento e de grande importância na trama.

    Toda a trilogia se completa com este final. Todas as pontas se unem e formam uma obra completa e fantástica. Christopher Nolan eternamente será lembrado como o homem que eternizou o Batman nos cinemas. Um verdadeiro presente para todos os fãs.

    Texto de autoria de Pedro Lobato.