Tag: jessica chastain

  • Crítica | Ava

    Crítica | Ava

    O elenco de Ava é de encher os olhos: Jessica Chastain, Colin Farrell, Geena Davis e John Malkovich. O diretor Tate Taylor ficou conhecido por bons trabalhos como Get on Up: A História de James Brown e Histórias Cruzadas, seu filme mais conhecido e reconhecido. Olhando dessa maneira, não tinha como dar errado. Só que deu.

    Na trama do filme, Jessica Chastain é uma assassina que passa a ter crises de consciência durante os trabalhos que lhes são designados. Devido a isso, ela é afastada das suas funções por seu superior, interpretado por Colin Farrell. Aproveitando a deixa, Ava retorna aos Estados Unidos para se reconciliar com a sua família. Porém, ao ser avaliada como um risco para seus empregadores, torna-se um alvo e passa a ser perseguida.

    Ainda que o trailer do filme desse todas as pistas de que ser mais um genérico do já clássico Nikita: Criada para Matar, dirigido por Luc Besson, o elenco chamativo despertou a curiosidade sobre o resultado final da película. O início até se mostra interessante, com uma cena da protagonista e um alvo dialogando dentro de um carro. Já ali fica estabelecida a instabilidade psicológica da protagonista e logo após, em uma sequência de recortes que mostram fatos extraordinários da vida de Ava nos créditos iniciais, são demonstradas as razões que a fazem estar daquela maneira. É um início promissor, mas rapidamente tudo desanda de maneira brutal. O filme se torna um emaranhado de clichês de gênero que são utilizados de maneira horrível. O roteiro de Matthew Newton é fraco, lotado de melodrama barato e situações absurdas que fazem o espectador ficar cada vez mais desinteressado pelo que está sendo exibido na tela.

    A direção de Taylor não ajuda em nada. Se ao menos sequências de ação eletrizantes fossem empilhadas, o filme poderia cumprir a função de direção escapista. Entretanto, o que sucedem são cenas mal ensaiadas de luta, principalmente uma que envolve Malkovich e Farrell, além de outras de ação que não empolgam em nenhum momento. Isso tudo fica mais comprometido ainda pelo final absurdo do filme, inacreditável de tão tosco e despido de sentido. As únicas coisas que salvam são as atuações, em especial a de Chastain. A atriz defende com unhas e dentes o seu papel, mesmo em um filme que é totalmente aquém do seu talento.

    Enfim, essa tentativa de misturar John Wick e Nikita infelizmente é bastante fraca, ainda mais em vista de quem se envolveu no projeto. Uma pena.

  • Crítica | It – Capítulo Dois

    Crítica | It – Capítulo Dois

    Depois de muita expectativa, e de uma primeira  parte que fez um sucesso considerável, It – Capítulo 2 estreou com uma grande responsabilidade, de atender a expectativa não só de It-A Coisa, mas também da conta de adaptar um dos clássico literários de Stephen King, e Andy Muschietti retorna a direção para mostrar o elenco antes infantil lidando com seus medos, anseios, traumas e com memórias reprimidas, retornando a Derry, depois de magicamente terem perdido as lembranças sobre o combate a Pennywise.

    O começo do filme mostra o grupo dos Perdedores/Fracassados fazendo uma promessa, de que retornariam a cidade do Maine independente de como estariam suas vidas no momento que percebessem, para logo depois, pular para 27 anos depois, com os meninos já adultos, e vividos por atores famosos. Os momentos iniciais mostram um crime de homofobia, situando o espectador dos  horrores terríveis comuns, e mesmo com um mal ancestral e de origem desconhecida, ainda há muito de maléfico no comportamento popular do homem. Pennywise se alimenta da violência, e tem uma ligação forte com o crime de preconceito, e isso é uma ideia boa do roteiro de Gary Dauberman, um dos poucos acertos aliás.

    A partir do momento que se mostram os destinos dos personagens, a qualidade varia muito. Claro, os rumos não são tão mal pensados quanto os mostrados em It- Uma Obra Prima do Medo dos anos 1990, mas ainda assim há alguns momentos bem constrangedores. De positivo, há a apresentação de Bill Denbrough (James McAvoy), como autor de livros famosos, que tem seus textos adaptados por gente grande – há participação de Peter Bogdanovich até – alem de ter um comentário engraçadinho sobre seus finais não serem bons, em um comentário que faz paralelo com o de Stephen King e a opinião geral sobre suas primeiras obras. Outros momentos legais incluem a introdução de Richie (Bill Hader), em um ângulo estranhíssimo exibindo seu vômito antes de um show de comédia, e também do inseguro e alérgico Eddie (James Ransone), que claramente repete ciclos, e se casa com uma mulher idêntica a sua mãe, que alias, o roteiro faz questão de mostrar que isso não é à toa, soando nada sutil desta forma.

    Os problemas do filme começam exatamente no nome mais famoso de seu elenco, que vem a ser Jessica Chastain, a interprete mais velha de Beverly. Seu drama é o mais delicado e o que mais envolve clichês e artificialidades. O relacionamento abusivo e violento é muito mal traduzido, mostrado de forma sensacionalista,quase tão irritante quando os jumpscares baratos que lotam o filme.

    Outro evento péssimo é a gagueira forçada de Billy, que não soa em nada natural. A ideia de resgatar a mentalidade infantil e o trauma é boa, mas exala estranheza. A mistura dos elementos místicos, como as premonições de Bev, as descobertas meio loucas de Mike (Isaiah Mustafa) não funcionam bem, são mal ambientadas e mal explicadas, ficam jogadas no meio do filme. Toda a boa construção de naturalidade do primeiro filme vai se esvaindo aos poucos, e pioram demais com o uso excessivo de CGI, péssimo por sinal, com bonecos bem mal feitos e com textura terrível.

    O conceito de que destino e tragédia tem ambos um caráter inexorável é muito boa, mas se perde demais na quantidade absurda de flashbacks. O filme parece inchado e Muschitetti perde mão até com as poucos cenas que eram boas na adaptação antiga de Tommy Lee Wallace. Bill Hader é o responsável pelos poucos pontos realmente bons principalmente quando seu personagem lida com o de Ranson, exibindo um bromance com elementos até de homo afetividade. Mesmo Bill Skarsgård perde força, pois quando aparece, é assustador e quase tão carismático quanto Tim Curry, mas tem pouco tempo de tela, em detrimento das péssimas aparições digitais de sua forma e de outros monstros.

    Se fossem encurtadas as aparições espirituais e ilusões, o longa provavelmente teria um ritmo melhor , seria mais palatável e menos enfadonho, além do que toda a parte do núcleo de Henry Bowers (Teach Grant), tanto no hospício quanto em seu retorno a casa beira o risível. O desenvolvimento de It – Capítulo Dois é como um pesadelo dos mais extensos, uma tortura para personagens e para quem acompanha esse drama. O roteiro de Dauberman é excessivo em dar as vitimas uma chance de se redimir, além do que o gore é moderado demais para o que se esperava, além de soar artificial em cada uma de suas manifestações.

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  • Crítica | X-Men: Fênix Negra

    Crítica | X-Men: Fênix Negra

    X-Men: Fênix Negra, dirigido por Simon Kimberg, é o quarto filme após retomada da franquia em X-Men: Primeira Classe, e seu início se dá com um monólogo sobre destino e evolução, emulando um pouco o que Patrick Stewart fez em X-Men: O Filme, só que agora dito pela Jean Grey  (Sophie Turner). Iniciado em 1975, com a infância trágica da narradora que foi acolhida por Charles Xavier (James McAvoy).

    A trama não demora a chegar em seu momento “atual”, no ano de 1992, numa missão dos X-Men no espaço. Xavier e seus  alunos surfam em uma enorme popularidade. A adulação aos mutantes e a discussão ética são bons pontos, mas pouco ou mal explorado. A passagem de tempo para alguns personagens é bastante confusa, Michael Fassbender (Magneto), McCAvoy e Nicholas Hoult (Fera) não tem em suas mutações desculpas para não envelhecer, como a Mística de Jennifer Lawrence (em algumas versões, Magneto também tem envelhecimento retardado, mas nada tão grave quanto aqui), e sinceramente esse passa longe de ser o maior pecado de Fênix Negra.

    As incongruências começam com o estranho salto de poder de Jean. Nos quadrinhos havia o impacto dela ser fraca no início, e repentinamente ganhando poderes e adquirindo onipotência após um encontro cósmico, no entanto, em X-Men: Apocalipse ela já demonstra um grande poder, portanto, há pouco impacto no crescimento da personagem. Há algumas piscadelas para o público, como uma rave da mutante Cristal, um easter egg simpático, mas que faz pouco volume no todo. O foco dramático é evidente e bem óbvio: o envaidecimento de Xavier. Ocorre que isso já foi plantado na versão de Matthew Vaughn mas inflada aqui, e esse pecado é apontado também nos quadrinhos. Dizer que o telepata pôs barreiras mentais em Jean nem pode ser considerado exposição de trama (os trailers deixam isso claro), mas daí a culpar Xavier por isso não faz sentido. Ora, nos filmes anteriores abre-se precedentes a todo momento, tanto no filme de 2011 quanto em X-Men: Dias de Um Futuro Esquecido: em um ele está em começo de carreira, no outro já é tão veterano que se aposenta e em ambos o líder mutante manipula memórias e pensamentos, mas lá não era problema.

    Os inimigos estrangeiros, também soam confusos. Não se explana nada sobre os D’Bari e nem se cria um mínimo suspense sobre eles, para quem não leu os quadrinhos soam como pura tolice. O roteiro não precisa ser expositivo mas com o pouco que se dá eles parecem apenas malfeitores genéricos, e não as criaturas que vão atrás da Fênix na história clássica, e ainda tem a problemática de subvalorizar Jessica Chastain, que aliás, contraria qualquer teoria anterior.

    Há bons conceitos como a comunidade de Magneto, uma espécie de pré-Genosha, mas seria muito mais legal se tivessem mostrado o desenvolvimento desta (mas vá lá, também não mostraram a guinada rumo a família de Erik no filme anterior). Outro boa ideia mal executada é o sentimento que predomina em Jean ser a rejeição, e não o medo. O fato dela não saber lidar com o poder e a maneira como os mutantes a enxergam como ameaça é um argumento inteligente, pois mostra como a educação que não é libertadora facilmente faz com que o perseguido se torne perseguidor, mas a ideia de ser acompanha por boas cenas de ação é desperdiçada por atuações repletas de frases de efeito, com um desfecho confuso, com pouca ou nenhuma razão factual para ser repleta de viradas morais. Os momentos finais de Fênix Negra são artificiais, mostrando uma nova configuração da escola e do futuro dos personagens, buscando uma aproximação com o que é visto em X-Men: O Filme. A boa construção de texto é escondida com rimas visuais oportunistas que só enganarão o espectador que estiver completamente desatento, se é que até esse abraçará essa obra, visto que é preciso memória e apego aos outros filmes. É uma pena uma franquia como essa termine de modo tão melancólico e vergonhoso, mesmo com possibilidades para um futuro fora do estúdio.

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  • Crítica | A Grande Jogada

    Crítica | A Grande Jogada

    Aaron Sorkin não se limita a drama de tribunal nem a linhas temporais únicas, muito pelo contrário, algo que muitos já sabem. Tampouco o roteirista precisava provar nada a ninguém depois de A Rede Social, grande filme moderno de David Fincher cujo pelo excepcional roteiro adaptado para casa Sorkin levou o seu merecido Oscar. Aqui, quis brincar de diretor profissional, traduzindo palavras para a tela. Manobra difícil mas que o escritor encara com vitalidade surpreendente, “homenageando” e se apoiando em vários trejeitos práticos de Fincher (a iluminação, os cenários, a direção dos diálogos, a postura dos atores, tudo parece ser de um mundo paralelo ao universo do diretor de Clube da Luta), fazendo entregar um pequeno grande filme atual sobre os fundamentos da superação, das prioridades, do oportunismo e do pôquer – para iniciantes.

    Após se envolver com o submundo das jogatinas, com os privilégios e as possibilidades financeiras que disputas envolvendo milhões de dólares trazem aos espertinhos que bolam e gerenciam esses encontros ocultos ilegais, a ex-atleta Molly Bloom, depois de quebrar sua coluna na neve, decide mudar de vida – e de preferência de uma forma que não dê para voltar atrás. A trama de A Grande Jogada parte de uma situação tentadora muito semelhante à da secretária Marion em Psicose, de Alfred Hitchcock, que recebe aqui uma grana preta do patrão para guardar mas que resolve fazer com ela algo de bem inusitado: Desenvolver o seu próprio sistema de trambicagens em Nova York, e dar a volta por cima desde seu acidente esportivo. Nisso, Molly abandona seu uniforme de esquiadora olímpica e opta por vestidos vermelhos longos, rímel e olhos de raposa entre os lobos milionários. Só que a pose dura pouco tempo, até a realidade bater na porta da forma mais cruel possível, e é exatamente isso que o filme (corajosa [e linda] mente) consegue emoldurar, na maior parte do tempo: O processo de desconstrução de uma femme fatale.

    Jessica Chastain é um monstro, e merece papéis à altura do seu talento, tal como esse. Encarnando com os olhos a ousadia e otimismo de Molly, apegada mais a família que nos seus próprios princípios morais, tudo pouco a pouco desaba na sua história como empresaria, e é para um advogado nada ousado e realista (Idris Elba) que ela recorre, desesperada quando o castelo de cartas começa a desabar, mas sem nunca escorregar do salto ou manchar a maquiagem – exceto quando a mesma é manchada de sangue, na cena mais violenta de A Grande Jogada. Aaron Sorkin tenta polvilhar no filme inteiro essa elegância que uma atriz igual Chastain ostenta, e de fato é bem-sucedido nisso, entre seus diálogos inspirados (a citação ao livro Ulysses, de James Joyce, é irresistível pra ele), verborragia e sobretudo conflitos reais, e urbanos. Seus personagens não calam a boca, e isso não poderia ser mais divertido, afinal, apenas quatro mentes do Cinema americano conseguem transmitir a sensação de puro entretenimento através de diálogos ritmados: Os Irmãos Coen, Quentin Tarantino, e o próprio Sorkin.

    Temos então o cara revisitando sua identidade já conhecida para quem acompanha seus trabalhos de perto, seja no Cinema ou em séries como The Newsroom, e filmando bem e com conforto o roteiro que é dele, num típico suspense dramático (ou seria um drama com ares de inerente mistério?) prontamente oriundo de uma mente labiríntica e que conhece muito bem a história de Molly de trás, pra frente. Um trabalho que, se não é marcante, é ultra decente e até impõe certo carisma nas construções de cena e do que extrair delas. Fica a vontade de ver o que Sorkin poderia fazer, enquanto cineasta, com um roteiro que não é dele, afinal fica fácil vasculhar, ser versátil e mandar bem com algo de autoria própria, certo? Mas o que a gente queria mesmo era ver essa Chastain de A Grande Jogada, toda vestida para matar e aqui fingindo ser o mulherão poderoso que Molly nunca foi, sendo dirigida pelo Brian de Palma dos anos 80, no auge da carreira. Ninguém pode afirmar o que sairia dessa parceria entre a atriz e o mestre, mas provavelmente, entraria para a história.

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  • Crítica | Armas na Mesa

    Crítica | Armas na Mesa

    O dito cinema “liberal” americano vez ou outra entrega filmes promissores com interessantes e profundos debates sobre temas que estão em evidência na sociedade. Porém, quando se faz cinema com um objetivo apenas político sem sensibilidade artística e subestimando o espectador, por vezes temos filmes que apenas raspam na beira de discussões interessantes, mas passam longe de trazer qualquer debate verdadeiramente profundo sobre o que se propõe, e este é o maior problema da nova produção do diretor John Madden, chamado Armas na Mesa (Miss Sloane).

    O filme conta a história de Elizabeth Sloane, personagem ficcional baseada no mundo dos lobistas profissionais do congresso americano, interpretada por Jessica Chastain, que trabalha em uma grande firma do ramo, sempre agindo de formas obscuras no limite da lei. Ao ser contatada pela indústria armamentista para tentar fazer o público feminino comprar armas, tem uma crise de consciência e vai trabalhar em uma pequena firma que quer passar uma lei de controle de armas, mas que quer apenas fazer com que pessoas em listas de terrorismo e criminais não consigam armas tão facilmente, semelhante a polemica que se deu recentemente no país quando Obama lutou em vão para tentar restringir o fácil acesso a armas de fogo no país.

    Ao ter uma suposta crise de consciência, é abordada pelo “outro lado” e vai trabalhar para o lobby a favor de uma maior regulamentação da venda de armas, e aí que a trama começa a desenrolar, pois o telespectador começa a ser jogado de um lado para o outro, como se estivesse vendo um thriller de espionagem, onde uma Elizabeth Sloane começa a ficar cada vez mais fora de controle em sua obsessão pela vitória, o que a leva a decadência final, quando sua antiga equipe a coloca frente a uma comissão de ética do Senado.

    Mas eis que uma antiga e fiel assistente, interpretada por Alison Pill, reaparece. Em uma cena anterior, ela havia sido estabelecida como fiel a Sloane. Depois as duas rompem. E depois, claro, ela se mostra uma infiltrada e na verdade estava trabalhando para Slone durante todo o tempo. Tudo enquanto Sloane dá o seu discurso moralista e destrói a imagem dos bandidos corruptos e malvadões de Washington.

    Desta forma, Armas na Mesa, com a qualidade e orçamento que teve, se tivesse uma história e roteiro à altura, poderia trazer à tona discussões interessantes sobre lobby, sobre o controle de armas, sobre corrupção, sobre qualquer assunto. Mas o que traz é o mesmo moralismo dos libleft americanos e o ar de superioridade intelectual e moral que avassala as produções do gênero. E contar com uma parte do elenco de uma produção tão boa quanto The Newsroom deixa isso ainda pior.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

    https://www.youtube.com/watch?v=591hCwxsNsM

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  • Crítica | O Caçador e a Rainha do Gelo

    Crítica | O Caçador e a Rainha do Gelo

    O Caçador e a Rainha do Gelo 1

    Amalgamando prequel com continuação, O Caçador e a Rainha do Gelo segue um estilo semelhante ao visto entre 300 e 300: A Ascensão do Império, mesmo sem a presença da protagonista do filme anterior vivida por Kristen Stewart. A premissa do longa de estreia de Cedric Nicholas-Troyan é remontar a origem de Ravenna, a rainha má de Charlize Theron, mostrando sua irmã Freya (Emily Blunt), fazendo ali um crossover entre os contos dos Irmãos Grimm e alusões da mitologia germânica, dentro do já misturado caldeirão de referências.

    A história de contos de fadas começa com uma narração e mostra uma história muito semelhante à de Malevóla, filme também produzido por Joe Roth e Sarah Bradshaw, dois dos três que assinam a produção, ao lado de Palak Patel. A personagem de Blunt tem sua filha assassinada por seu amado, fato que faz ela despertar seus poderes mágicos, semelhantes aos de Elsa em Frozen: Uma Aventura Congelante, além de fazê-la criar um reino próprio, com um exército para ocupar o vazio emocional que tem consigo, referência que também é semelhante à animação da Disney.

    Apesar do nome em português, este filme tem foco no personagem do Caçador, que agora recebe o nome de Eric, ainda vivido pelo Thor da Disney Chris Hemsworth, que na atualidade vive nos arredores do reino de Branca de Neve e é chamado às pressas para socorrer a sua rainha, levando o espelho mágico para longe da adoentada realeza. Apesar da morte da vilã, o ardil seria a desculpa para a ausência da antiga protagonista, e a jornada do fraco personagem teria envolvimento com seu passado, resgatando sua origem no reino de Freya e seu antigo amor, Sara (Jessica Chastain), figura esta que havia sido dada como morta.

    O tal artefato mágico traria a Freya um grande poder, e tudo que o envolve parece seduzir os que estão em seu caminho. Como se não houvesse mais dinheiro para arcar com os custos do filme anterior, só há presentes dois anões, dos quais somente um estava em Branca de Neve e o Caçador, Nyon (Nick Frost) e seu irmão Gryff (Rob Brydon), que são o alívio cômico, ao lado de mais personagens presunçosos e de moral óbvia.

    A jornada floresta adentro reserva momentos que imitam visual e narrativamente o recente João e Maria: Caçadores de Bruxa, além de mostrar um flerte bobo e carente de consistência entre o antigo casal. A continuação segue com o mesmo problema do primeiro filme: tentando transformar qualquer momento em algo épico, incluindo aí duas irmãs rainhas exímias em estratégia militar.

    A solução final para o confronto que deveria ocorrer entre as partes boas e más beira o ridículo, arranjando uma luta com desfecho anti climático cujo maniqueísmo extremo rivaliza com a falta de identidade, o aspecto mais negativo do filme, de intermináveis deles. Quase nada funciona em O Caçador e a Rainha do Gelo, especialmente por entrar em contradição com tudo o que foi apresentado no já ruim episódio anterior.

  • Crítica | A Colina Escarlate

    Crítica | A Colina Escarlate

    Colina Escarlate 1

    Ainda que um exemplar do cinema mainstream que Guillermo Del Toro adotou para si, o pretenso terror A Colina Escarlate usa de cenários magnânimos para aludir o principal talento de seu diretor: o de montar espetáculos visuais indiscutíveis, cujo deslumbre alcança até as plateias que não são muito afeitas ao seu tipo de abordagem cinematográfica.

    O grave problema da fita é o seu texto. A premissa, envolvendo a aspirante a escritora Edith Cushing (Mia Wasikowska), compreende uma paixão impossível, entre a bela moça e o britânico em ascensão econômica Thomas Sharpe (Tom Hiddleston). Acompanhado de sua irmã, Lucille (Jessica Chastain), Thomas corteja a romancista embrionária, apoiando-a até no momento em que o patriarca Cushing é emboscado e morto. O maior problema do filme é a obviedade, já que a partir da ida dos personagens à Europa – para a tal colina vermelha – toda a trama já aparenta clareza.

    Os escritos de Edith são ligados ao terror, sempre sonhando e lidando com espíritos fantasmagóricos, que se manifestam em sua vida desde a infância até a intimidade de esposa do investidor inglês. Na enorme mansão decadente ocorrem contatos ainda mais intensos com o sobrenatural, com efeitos visuais interessantes e até gore, em comparação com o visual mais limpo dos dois filmes de Hellboy. Mas, ainda assim, os sustos são inexistentes e o terror é raso. Não há aprofundamento nem de personagem, história ou de aura atemorizante.

    A caracterização do filme é tão mal concebida que a ideia de ser uma reverência a outros estilos de filmes de horror, dá lugar uma reimaginação de contos de fadas ao estilo Malévola, ainda que a violência nesse seja muito mais presente. Mesmo os momentos de horror são bastante leves, como se Del Toro tentasse repetir os méritos de A Espinha do Diabo de um modo pasteurizado, com medo de chocar seu novo público, ignorando o grupo de admiradores que sempre lhe foi fiel.

    Os detalhes das magníficas instalações não sustentam os terríveis erros de roteiro, piorando mais ainda quando se percebe a atuação de Chastain, histriônica e caricata, além da dramaturgia automática de Hiddlestone. As participações de Wasikowska passam longe de reprisar seus melhores momentos em Hollywood, assim com Charlie Hunman, que faz o Dr. Alan McMichael, um personagem genérico que faz o público perguntar se sua amizade com o diretor é verdadeira, já que sua personagem é completamente desimportante.

    Até temas tabu, como incesto e resignação, são diluídos, e os mesmos defeitos de obviedade de Círculo de Fogo se reprisam em A Colina Escarlate, agravando-se pelo fato de não possui o massavéio para desviar a atenção dos sérios defeitos do texto. O aspecto teatral e a coloração que faz lembrar O Orfanato – talvez o último acerto indiscutível entre os filmes que o mexicano ajudou a fazer – não conseguem livrar a obra da mediocridade em que insistentemente abarcou. Só salvando-se, nos momentos finais, a extrema violência da fita – essa sim um aspecto interessante da filmografia de Del Toro.

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  • Crítica | Miss Julie

    Crítica | Miss Julie

    Miss Julie 1

    Adaptado da peça de August Strindberg, Miss Julie é uma das muitas versões do conto, dessa vez capitaneada por Liv Ullman, que se mune de sua vasta experiência nos palcos para dar forma a famosa obra dramatúrgica. A história de Miss Julie envolve uma Irlanda em 1890, narrando uma trama de sedução e amores proibidos, ocorrido a partir das ações da personagem título, vivida pela cada vez mais linda Jessica Chastain. Logo no início é mostrado o outro ponto desta equação, o serviçal dedicado e hábil Jean (Colin Farrell), que chega a grande casa e se dirige ao cômodo de serviços, não se envolvendo com a realidade burguesa dos donos da casa.

    O paradigma visto e revisto em milhares de novelas globais é mostrado sob um viés invertido, como o homem em uma posição degraus abaixo do ser feminino, curiosamente despertando a comicidade de uma peça antiga ter mais paralelos com a realidade do que os dramas chauvinistas vistos no horário nobre da televisão brasileira.

    A transição entre completos desconhecidos e possíveis amantes ocorre muito rapidamente, fruto da vaidade desvairada de Miss Julie, que não pensa em nada além de seus próprios instintos e desejo. A vestimenta azul que usa faz grafar ainda mais sua pele alva e sedutora, produzindo em sua persona algo irresistível ao olhar e ao toque, mas ainda assim, Jean resiste bravamente nos primeiros momentos.

    O espectro de sexualidade piora com a adição de álcool a interação de ambos, gerando não só momentos tórridos sexuais como aumentando o caráter de discussão, tanto do abismo entre a classe de ambos personagens, quando a hipocrisia e idiossincrasia do abuso de poder, que começa na questão econômica e termina em um embate sexista. A discussão a respeito da fidelidade conjugal também se intensifica, agravada pelo ranço da rejeição e da inveja clara, motivado pela disparidade de beleza entre Miss Julie e Kathlen (Samantha Morton), a esposa de Jean.

    A frieza e crueza no tratamento com a vida inverte o seu interlocutor, o que permite a Chastain dar mostras de um over action soberbo, que não recai sobre vícios dramatúrgicos pueris. O desespero visto em suas feições gera empatia no público, que imediatamente apoia  seu desespero e se apieda de sua alma. A boa condução de Liv Ullman faz até a ausência de talento de Farrell tornar-se suportável, já que sua interpretação serve de escada ao papel de sua patroa.

    A encenação que a realizadora propõe, depende fundamentalmente de seu elenco, e o eco da experiência de Liv Ullman nos palcos é visto em cada gesto de sua personagem principal, abrilhantado claro pela forma exuberante de Jessica Chastain, em mais um papel que desafia suas capacidades dramatúrgicas.

    Se não bastasse o absurdo que é o nível das atuações, as cenas finais contém um grafismo visual absurdo, com cores sobressaindo sobre a paisagem, lembrando o quando o cenário deveria ser subalterno e efêmero ante a existência, ante a vida. O sangue predominando sobre a água faz lembrar o quão pode ser curta a subsistência do ser humano, além é claro da continuidade do universo e da natureza independente da aparição do indivíduo, grafando a grandiloquência de Gaia em relação ao bicho homem. Miss Julie fala em diversos níveis, e serve a múltiplas interpretações de conteúdo.

  • Crítica | O Ano Mais Violento

    Crítica | O Ano Mais Violento

    Um Ano Mais Violento 1

    O Ano Mais Violento se passa no árido inverno de 1981 em Nova York, e inicia-se já apresentando o histórico violento da cidade bem como o seu futuro incerto e desajustado. Índice de assassinatos em alta, roubos não investigados, e um sistema judiciário inchado e coberto de interesses políticos.

    É neste cenário que o empresário e imigrante Abel Morales (Oscar Isaac) e sua esposa Anna (Jessica Chastain) lutam para progredir no negócio de venda de combustível enquanto tentam lidar com suas éticas internas e com a violência opressora da cidade. Vítimas constantes de roubos e da vigilância do ambicioso promotor local (David Oyelowo), os personagens empalidecem sua aparência civilizada a cada novo golpe que sofrem, cada vez mais tendendo à opção de moldarem-se ao modus operandi da cidade.

    Em plena ascensão, Abel é mostrado como um homem rígido e eventualmente caridoso que subiu na vida através do seu talento e do casamento com Anna, e tendo como carta final a compra de um terreno de logística privilegiada que lhe garantirá o poder que tanto almeja. Seu destaque empresarial e resiliência pessoal contrastam-se, porém, com a trajetória de seu jovem empregado Julian, que se quebra frente à pressão de suas próprias incapacidades até apresentar-se como um problema para Abel e suas ambições.

    Uma das preocupações do roteiro é não mostrar apenas a violência urbana. Está claro que na verdade estamos falando de uma época mais civilizada que antes. Esse “antes” é a época dos gângsteres, que dominavam o mercado na violência e na troca de tiros. O que faz desse ano descrito o mais violento não é a violência física em si, mas a recente desinstitucionalização dessa violência.

    Não é incomum pessoas que viveram sua infância na década de 1940, por exemplo, rascunharem o relato de uma época mais pacífica, saudável e solidária que a atual, mesmo que esta tenha sido a década em que 40 milhões de pessoas morreram tão violentamente em uma guerra mundial. O motivo é que, quando sob aval social, a violência perde impacto, e com o tempo acaba por ser digerida pelo sistema.

    Usando Oscar Isaac (Inside Llewyn Davis – Balada de um Homem Comum) como astro, é notório que, apesar de seu talento, o ator desaparece cada vez que Jessica Chastain (A Hora Mais Escura) aparece em cena. Isso não é por acaso, pois a direção de J.C. Chandor faz questão de iluminá-la e destacá-la em todas suas aparições, demonstrando todo o magnetismo daquela mulher que, ao contrário do marido, é capaz de fazer o que é necessário. Cria de uma sociedade gângster, ela se mostra capaz de adaptar-se à sociedade atual, mais civilizada e de sobretudo, mas sem deixar suas garras de lado.

    Subliminarmente perversa desde o início, Chastain faz um belíssimo papel demonstrando que, como disse Mario Puzo, por trás de toda grande riqueza sempre há um grande crime, fazendo do “American Dream” tudo, menos um sonho.

    Texto de autoria de Marcos Paulo Oliveira.

  • Crítica | Dois Lados do Amor

    Crítica | Dois Lados do Amor

    Dois Lados do Amor 2

    O começo do novo filme de Ned Benson começa debochado, em uma conversa descompromissada e humorística entre Conor e Eleanor, um casal apaixonado que se divertiria pregando peças em restaurantes, retirando-se às pressas para não pagar as contas. Um dia, tal espontaneidade teria seu preço, maior do que o simples viver dos sentimentos, e o casal enamorado já não seria mas tão unido, causa justificada por nenhum motivo específico; somente as vicissitudes da vida foram responsáveis pelo gradativo afastamento.

    A narrativa do diretor autoral passaria por mostrar eventos em atos, como em uma peça teatral. O primeiro, após a breve introdução, exibe Eleanor Rigby, caracterizada emocionalmente por uma cada vez melhor Jessica Chastain, que em um momento rotineiro prende a sua bicicleta a uma grade e se joga ao mar, impedida de morrer por um transeunte anônimo, fruto da entropia que se torna menos estranha pela completa ausência de explicações anteriores. A aura de aleatoriedade permeia a existência da personagem e faz com que qualquer diagnóstico torne-se confuso.

    Conor Ludlow, o homem, sente-se mal e responsável por todo o drama que chega a sua casa. James McAvoy é o perfeito sujeito tomado pela responsabilidade do “delito”, digerindo o remorso pelos atos de sua esposa que são piorados, é claro, pela subjetividade inerente ao término da relação e o consequente apartamento das partes, reforçado por um pedido de Eleanor para que a distância permanecesse intacta entre ambos.

    A métrica usada por Benson compreende uma linha temporal dionisíaca, que mostra cada momento específico da relação de acordo com o que o realizador julgar melhor. O fino equilíbrio não é quebrado, e a composição estratégica valoriza o romance perfeito do passado e a amargura de ambos após o fim da relação amorosa, que apesar dos pesares, não perdeu força, tampouco significou a interrupção do sentimento e da atração mútua.

    O lugar que o casal administra é um restaurante, curiosamente o símbolo que demanda amor, lugar onde muitas relações começaram ou simplesmente passaram, mostrando que a intimidade dos personagens é repleta de momentos de exploração da afeição típica de consortes enamorados. Mesmo assim, a sorte dos dois não fez prever o atropelamento que sofreriam, literal ou figurado. Curiosamente, após o rompimento, o estabelecimento é gerenciado somente pelo homem, o que coincide com a vontade de tornar o negócio em um empreendimento unilateral. Ao menos em um nível liminar de pensamento, que somente se manifesta em Conor.

    Após algumas incursões ao consultório psicanalítico da Professora Friedman (Viola Davis), Eleanor enfim percebe que não conseguirá mudar ou evoluir permanecendo no mesmo lugar. A moça tenciona sair da cidade, mas é fortemente aconselhada a não agir tão drasticamente, sugestão dada por sua analista e por todo o corpo de apoio formado pelo belo elenco de coadjuvantes, que conta ainda com Bill Hader em um papel diferente das comédias habituais – emulando o drama já visto em Skeleton Twins – e uma comedida Isabelle Huppert, que faz a matriarca Rigby, prenunciando alguns dos defeitos de introspecção de sua herdeira.

    Quando a melancolia torna-se o norte dos indivíduos em separado é que a real necessidade de estarem juntos aparecem, quando não se pode mais ver qualquer traço de identidade sem enxergar-se duplamente, sendo uno somente quando estão unidos. A maturidade passa por conhecer o momento de parar e tomar rumos opostos. Nesse ponto, a mensagem que Ned Benson produz é muito clara, e curiosamente não é dúbia na questão mais importante da inevitabilidade do des-romance.

  • Crítica | Dois Lados do Amor

    Crítica | Dois Lados do Amor

    Dois Lados do Amor - Poster Brasileiro

    A primeira referência que salta aos olhos do público retoma uma canção dos Beatles, composta por Paul McCartney, presente no álbum Revolver, de 1966. Eleanor Rigby é uma majestosa canção sobre a solidão, composta como uma crônica cotidiana poética e com um belo arranjo orquestral. Uma música que ecoa nesta produção, terceira parte de um projeto idealizado pelo roteirista e diretor Ned Benson.

    Buscando uma alternativa de inovação nas narrativas românticas no cinema, o diretor compôs uma trilogia sentimental sobre uma mesma história com ponto de vistas alternados. As duas primeiras produções lançadas em 2013 contavam o ponto de vista masculino e feminino separadamente. Narrativas que foram lançadas no exterior, mas ainda não chegaram ao país. Os Dois Lados do Amor é a união destas duas histórias anteriores, em uma nova edição que suprime partes dos filmes anteriores, produzindo uma nova cronologia em que conhecemos as duas personalidades da relação.

    O título original, The Disappearance of Eleanor Rigby, remete não só à canção dos Beatles como naturalmente infere a temática da solidão. A cena de abertura com o casal em harmonia é apenas um contraponto à separação de Conor e Eleanor após um acontecimento traumático, que será analisado no decorrer da história.

    Ainda que a personagem feminina tenha uma breve fuga, o desaparecimento é apenas uma metáfora simbólica que representa o transitivo. Neste aspecto, o amor do casal representava um momento anterior que, por escolha ou não, chegou ao fim. As personagens estão recomeçando a vida de maneira primária, reaprendendo como viver sem a presença do ex-amado, retornando a casa dos pais e observando que a percepção do que era concreto – o “para sempre” do amor – agora é parte do passado.

    O roteiro retém a motivação para a separação do casal enquanto demonstra a inadequação de ambos na nova vida. Eleanor tenta retomar a vida de solteira tentando voltar aos estudos; enquanto Conor, que mantém um restaurante estável, parece incapaz de viver sem a companheira e passa a persegui-la à procura de satisfações.

    A trama se constrói entre os espaços do fim e das circunstâncias que levaram a perda de laços dos protagonistas. O amor interrompido ganha maior composição trágica ao descobrimos que a perda de um filho parece o fator primário para o afastamento do casal. Infelizmente, não há aprofundamento que revele os motivos da morte da criança, e muito menos o drama que produziu no amor um sentimento repulsivo que impediria o casal de manter sua relação. Ao mesmo tempo, tais lacunas parecem intencionais para que a história adquira um caráter maior, simbolizando a dificuldade de uma relação a partir de um acontecimento inesperado por si só, sem a necessidade de que os pormenores dramáticos sejam revelados ao público.

    A medida da sensibilidade é um risco razoável para o roteirista e diretor, que depende de maior entrega do espectador para que este leia as entrelinhas inferidas pela obra. James McAvoy e Jessica Chastain demonstram competência ao interpretarem o casal recém separado, ao mesmo tempo que manifestam a ternura ainda existente. É uma obra bonita e reflexiva que mesmo perdendo a composição mais autoral ou audaciosa, apresentando somente um lado da relação como nas histórias anteriores, narra uma relação madura que não envereda nem para o lado excessivamente cômico, nem ao dramático.  Dessa forma, edifica-se a sensação de uma realidade assistida e comum a tantos casais cujo amor já não é residência constante.

  • Top 10 – Maiores Injustiçados pelo Oscar 2015

    Top 10 – Maiores Injustiçados pelo Oscar 2015

     oscar injustiça

    Quase tradicionalmente, após observar a lista de indicados pela Academia para a maior premiação do cinema comercial, notam-se também injustiças, tanto nas ausências de indicações quanto nas premiações. Filipe Pereira, Marcos Paulo Oliveira e Doug Olive prepararam uma lista especial sobre os filmes que ficaram de fora da festa, com categorias variadas:

    10. Uma Aventura Lego, por Marcos Paulo Oliveira – Melhor Animação

    lego batman

    Tudo é incrível. Assim diz a canção-chiclete que é usada como recurso para nos mostrar o modo de produção e vida da cidade Lego. Sim, tudo realmente parece incrível, mas logo vemos que esta não se trata de uma animação tradicional. Com uma energia capaz de abarcar todo tipo de contexto e metalinguagem, aqui a piada é o único refúgio para o trato de temas eventualmente sérios, eventualmente ridículos, mas igualmente importantes. De tão segura a direção, não faltaram críticas à forma como agimos em nossa sociedade, fruto de uma estrutura rígida e autoritária, quando justamente deveríamos ser livres para o que nos cabe. A temática é ligeiramente parecida com o concorrente Os Boxtrolls, que, apesar de mais estiloso, é bem menos ousado. A despeito disso tudo, qualquer filme que é capaz de estapear uma sociedade que compra café a 20 reais e acha tudo incrível, merece toda a atenção.

    9 . Hobbit A Batalha dos Cinco Exércitos, por Doug Olive – Melhor “Descenso de Carreira”

    O-Hobbit-A-Batalha-dos-Cinco-Exercitos 5

    Peter Jackson conseguiu o impensável: esconjurar toda e qualquer credibilidade que conseguiu no mundo do Cinema, graças à primeira e impecável trilogia do anel, com esta segunda empresa trágica e ridícula no mesmo nível de desconstrução. Um fiasco do início ao fim – sendo O Hobbit: Uma Jornada Inesperada (2011) o melhor exemplar da divisão ambiciosa de um folheto adaptado em três intermináveis filmes -, A Batalha dos Cinco Exércitos é a cereja no bolo de jiló de uma receita fadada ao fracasso por motivos óbvios. Filme de nível morto de represa e merecidamente ignorado nas premiações, mesmo em ordem técnica, algo impensável dez anos atrás, Jackson criou seu iceberg ao construir seu terceiro Titanic, desta vez cheio de falhas, tendo no currículo o mediano King Kong de 2005 e um motivo triplo para nos perguntar: como alguém que adapta a e$cala de O $enhor dos Anéi$ pode de$cer tão baixo?

    8. A 100 Passos de Um Sonho, por Doug Olive – Melhor Fotografia

    THE HUNDRED-FOOT JOURNEY

    Há algo de único neste filme, ainda que desigual quanto à obra como um todo. Não há nada de errado com feel-good movies, e também não há repreensão naquilo que mais se destaca num filme, que neste caso é a fotografia, simplesmente soberba: a obra nos faz sentir, numa simples e esperta aproximação ocular, o cheiro, gosto e textura de determinada comida à nossa frente, quase ao alcance de outros sentidos degustativos, ou o mero prazer de redescobrir o mundo europeu numa ótica indiana mais viva e colorida; tanto faz. Deleite sensorial magnífico que merece reconhecimento do público ao menos, ainda que a história deixe muito a desejar no quesito que mais se esforça para representar: choques culturais. A crítica completa você encontra aqui.

    7. Força Maior, por Filipe Pereira – Melhor Filme Estrangeiro

    Força Maior

    De história bastante reflexiva, Força MaiorForce Majeure, ou Turist, no resto do mundo – conta o drama de uma família, que, ao passar por uma situação limite, vê em seu pai uma figura irresponsável, uma vez que, diante de uma pequena avalanche, ele abandonou todos, levando consigo somente seu smartphone e outros pertences, enquanto mulher e filho ficaram à própria sorte. A tragédia recai sobre o casal de protagonistas, que em uma reunião de férias deve se reinventar e repensar o papel de cada um na relação. O filme do sueco Ruben Östlund foi indicado ao Globo de Ouro na categoria Filme Estrangeiro, e seria um candidato interessante ao Oscar da mesma categoria, especialmente por ser bem diferente de tudo visto no circuito americano.

    6. Jersey Boys: Em Busca da Música, por Doug Olive – Melhor Direção, Roteiro Adaptado

    Jersey Boys

    A frase “Come back when you’re black!” (“Volte quando for negro!”) é sensacional. Registra todo o espírito e estereótipos além do racial ou tendencioso numa única frase, dita durante uma discussão sobre e entre músicos e produtores. O Oscar não apenas ignorou por injusta causa o melhor musical americano de 2014, como renegou o filme diante do status de ser este o melhor de Clint Eastwood desde Cartas de Iwo Jima, há oito anos. Dos números musicais à leve e crescente disputa entre integrantes de uma banda, com inúmeros sons e identidades que colam na cabeça do público ainda hoje, o filme é divertido pelo vigor que vários e bons diretores prematuros não conseguem passar ao público de forma linear, principalmente no número final, clímax redundante em que até o sério Christopher Walken risca o chão e arrisca um gingado com Oh, What a Night!, clássico do grupo Four Seasons.

    5. O Ano Mais Violento, por Marcos Paulo Oliveira – Melhor Atriz

    O Ano Mais Violento

    O longa se passa na Nova York de 1981, e logo no início já reconhecemos o histórico violento da cidade e seu futuro incerto. Usando Oscar Isaac como astro, é notório que, apesar de seu talento, o ator desaparece cada vez que Jessica Chastain aparece em cena. Isso não é por acaso, pois a direção de J.C. Chandor faz questão de iluminá-la e destacá-la em todas suas aparições, demonstrando todo o magnetismo daquela mulher que, ao contrário do marido, faz o que for necessário. Resquício de uma sociedade gângster, ela se mostra capaz de adaptar-se à sociedade atual, mais civilizada e de sobretudo, mas sem deixar suas garras de lado. Subliminarmente perversa desde o início, Chastain faz um belíssimo papel demonstrando que, como disse Mario Puzo, por trás de toda grande riqueza sempre há um grande crime.

    4. Sob a Pele, por Marcos Paulo Oliveira – Melhor Roteiro Adaptado, Efeitos Visuais

    Sob A Pele

    Porque o filme manipula de forma muito competente sua forma de ver pessoas e paisagens, em uma direção kubrickiana de narrativa não linear, capaz de alcançar desejos e aspirações do público. Um diálogo direto justamente com aqueles que dissecaram Scarlet Jonhanson – em uma atuação acertadamente alienígena, ornando com a direção – durante as primeiras imagens do filme. Uma pena que a maioria não percebeu. Um espelho capaz de tornar paisagens e pessoas reféns de si mesmos.

    3. Dois Dias, Uma Noite, por Filipe Pereira – Melhor Filme Estrangeiro, Roteiro Original

    Dois DIas Uma Noite

    Além da óbvia referência à direção dos irmãos Dardenne – factoide comum da Academia em ignorar indicações a estrangeiros – o drama depressivo e reflexivo teve seu emocionante roteiro esquecido. Apesar da indicação de Marion Cotillard, na sua performance mais inspirada desde que ganhou o Oscar, não há qualquer justificativa para o filme não ter ficado entre os cinco finalistas que concorrem em 22 de fevereiro. Acima de tudo, Dois Dias, Uma Noite trata de uma questão real e imediata, contando de forma implacável o quão prejudicial pode ser a doença que apavora o último século, sem amenidade nenhuma, mostrando o viés do doente e do entorno dele.

    2. O Abutre, por Filipe Pereira – Melhor Ator, Fotografia, Edição de Som

    Abutre

    Dan Gilroy traz em sua estreia na direção um filme curioso e nada sutil. A fotografia obscura é pontual ao retratar a atuação irretocável de Jake Gylenhaal – que já havia apresentado uma performance surpreendente em O Homem Duplicado. A amoralidade presente no modus operandi de seu personagem retrata a realidade abissal de um jornalismo que teima em chocar em detrimento da informação. Possivelmente, o assunto tão aviltante não capturou o ideário da Academia, que sequer lembrou-se do ator, fotografia ou edição sonora da fita.

    1. Garota Exemplar, por Marcos Paulo Oliveira – Melhor Filme, Direção, Roteiro Adaptado

    GONE GIRL, from left: Ben Affleck, Rosamund Pike, 2014. ph: Merrick Morton/TM & copyright ©20th

    O horroroso, divertido e incrível novo filme de David Fincher, Garota Exemplar, conta a história de uma esposa e filha exemplar e adorável que desaparece quase sem deixar vestígios. Adaptação do livro homônimo, vemos todos os elementos para que o estilo sempre instigante de Fincher passeie pela superfície de diversos temas (casamento, mídia manipuladora, a vida de aparências, os medos masculinos) sob uma mesma tese: o poder da imagem. Grande parte do mérito da narrativa impecável está no roteiro, esculpido para ser perfeito, e na direção de Fincher, que faz aqui o Intercine dos Intercines. Sem medo de se render à breguice, ou a gêneros, o cineasta faz uma paródia fortemente marcada por um de seus traços mais marcantes como autor, que é o cinismo mordaz com que trata o espectador. Com tudo tão horrorosamente lindo, o casamento do cínico com o tragicômico é a única união realmente estável desta fita.

    Menções honrosas à atuação de Jennifer Aniston, em Cake, e a Bill Murray em Um Santo Vizinho; Festa no Céu ao prêmio de Melhor Animação; O Segredo das Águas, O Presidente, Blind para Filme Estrangeiro; Tudo Por Justiça, Edição de Som; e Vício Inerente, a inúmeras categorias.

  • Crítica | Interestelar

    Crítica | Interestelar

    Interestelar

    Desde que o primeiro homem andou sobre esse planeta, o céu e as estrelas exercem uma fascinação na espécie como nenhum outro fenômeno da natureza. Não à toa, praticamente todos os povos terrestres tinham como deuses planetas e estrelas, dadas sua magnitude, distância e beleza. Portanto, nada mais natural que, na era moderna, as artes tentem reproduzir esse senso de admiração pelo desconhecido. Dentre todas, o cinema é a que chega mais próxima de construir e reproduzir essas sensações para o público dito “comum”, que em meio à correria do dia a dia, mal tem tempo de olhar para o lado, quanto mais para cima.

    Desde Georges Méliès, passando pelo sempre cultuado 2001 – Uma Odisseia no Espaço, Contatos Imediatos de Terceiro GrauContato e, mais recentemente, por Gravidade, o Universo exerce um fascínio por sua exuberante beleza, ao mesmo tempo que assusta por suas escalas inimagináveis de grandeza e a sensação de que, ali, estamos perto de ser literalmente nada. Ciente de todas essas questões, o cultuado diretor britânico Christopher Nolan se lançou em uma empreitada arriscada, a de fazer uma história que se passa nesse cenário e que, ao mesmo tempo, possa emplacar um sucesso comercial.

    Interestelar gira em torno do piloto Cooper (Matthew McConaughey), que cuida de sua fazenda no interior dos EUA junto a sua família. Em um futuro não muito distante, que flerta com uma distopia onde a humanidade não foi destruída, mas passa por dificuldades e tenta viver normalmente, a sociedade não precisa mais de engenheiros e pilotos, pois a exaustão natural do planeta, junto ao crescimento da população, provocou a escassez de comida, sendo essa a atual função de Cooper, que nunca superou o fato de não ter levado adiante sua vocação. Sua filha, Murph (Mackenzie Foy/Jessica Chastain/Ellen Burstyn), mostra uma grande inteligência e inclinação para a ciência, enquanto seu filho, Tom (Timothée Chalamet/Casey Affleck), se mostra contente em seguir seus passos de fazendeiro, tudo aos cuidados do pai de sua falecida esposa, Donald (John Lithgow).

    Cooper tenta ao máximo se esforçar para cumprir suas tarefas como fazendeiro e pai, mas a frustração de não ser piloto sempre o impede de dar a tudo a atenção e importância que merecem. A passagem em que ele discute com os responsáveis da escola de seus filhos, onde os livros de história sobre a exploração espacial foram alterados, é excelente na medida em que mostra o descompasso entre aquele estágio da humanidade, que se contenta em apenas sobreviver, e a reminiscência de um passado sonhador, na figura de Cooper, que imaginava expandir as fronteiras da humanidade rumo ao espaço. A discussão a respeito do pioneirismo da exploração espacial – relembrando o Velho Oeste -, e o papel da ciência como salvadora da humanidade também poderia ser mais problematizada. O filme ignora condições sociais e ideologias das quais a ciência é fruto. Ela não existe sem seres humanos dotados de vontade produzindo-a, e da mesma forma que ela é tratada sozinha como a salvadora da humanidade, também poderia ter sido a causadora de sua extinção.

    Dentro deste mundo, os fenômenos naturais com os quais estamos habituados não acontecem mais do mesmo jeito. Elementos como uma poeira constante (que às vezes se transforma em tempestades) e alterações na gravidade por vezes acontecem, mas a preocupação com o dia a dia é tão grande que poucos ligam. Menos Murph. A criança percebe em seu quarto que algo estranho, que ela chama de “fantasma”, acontece, já que os livros de suas estantes sempre caem sozinhos. Cooper diz a ela para compilar dados e analisá-los, para depois se chegar a uma conclusão, como manda a lógica científica. Prontamente, Murph realiza o pedido do pai e em pouco tempo descobre uma mensagem codificada, em código Morse, e que, para a surpresa e espanto de Cooper, os leva a uma instalação secreta da NASA.

    Lá, Cooper reencontra um antigo amigo de seus tempos de piloto, o professor Brand (Michael Caine), e conhece a filha dele, Amelia Brand (Anne Hathaway). Então, a história dá uma guinada. Cooper é convidado para fazer parte de um projeto de tentativa de salvação da humanidade, que será extinta por uma “praga” que consome nitrogênio e altera o balanço da atmosfera. O projeto, que estava em andamento há anos, levou equipes diferentes de cientistas para outra galáxia através de um buraco de minhoca posicionado perto de Saturno por “alguém”, que ninguém sabe quem, mas que não estaria ali por acaso. E esse seria o caminho da viagem, o qual envolveria muitos riscos, provavelmente sem retorno.

    Nesse momento, o desenvolvimento dos personagens e suas angústias é parado para dar vazão a uma velha mania de Nolan, que é explicar para o espectador tudo o que os especialistas do filme pretendem fazer. Nesse caso, o professor Brand explica todo o passo a passo para Cooper, e o fato de escolherem um ex-piloto e fazendeiro, que apareceu por acaso naquela base para pilotar a missão mais importante da humanidade, causa um certo estranhamento, em que a explicação dada, onde “algo” o enviou ali, convence o espectador mais crédulo, mas não aquele mais exigente. A explanação do professor Brand sobre os planos A (resolução de sua equação e retirada da população da Terra para outro planeta) e B (popular o novo planeta com material genético guardado) também é acometida por isso.

    Chamado de volta a sua vocação, Cooper aceita a missão e precisa deixar a família, para o desespero de sua filha. A promessa do retorno do pai não resolve o conflito, que ecoará para sempre na vida de ambos. O relógio que Cooper dá a Murph como uma tentativa de criar um elo sentimental e temporal entre ambos também falha nesse sentido.

    Ao abandonar a Terra e ir para o espaço, o filme toma outra proporção, e as discussões científicas entre os personagens, para decidirem o próximo passo da missão, são sempre explicativas dentro de um limite do aceitável, mas bem perto deste limite. Para um espectador sem nenhum tipo de conhecimento científico, talvez ajudem-no a entender alguns conceitos básicos e o que estaria acontecendo em determinados momentos. Porém, para este mesmo espectador, explicação alguma ajudaria a entender fenômenos mais complexos, como o que acontece dentro de um buraco negro, o que, na verdade, ninguém sabe. Se em A Origem o excesso de explicações sobre uma trama relativamente simples acaba entediando o público, em Interestelar isso não acontece, pois as informações estão inseridas em um contexto totalmente diferente do que estamos habituados, e os diálogos ajudam-nos a familiarizar tanto com o tema quanto com as motivações por trás de cada personagem. Obviamente, escorregões acontecem, quando Amelia Brand discorre sobre o amor, mas são poucas as vezes.

    A sequência de aproximação, e quando entram no buraco de minhoca, é belíssima e lembra muito a viagem de Ellie, em Contato, ao transformar uma viagem espacial sob condições inéditas e extremas em uma aventura por si só. Ao mesmo tempo, a chegada ao local se transforma em uma paisagem visual para o vislumbre do espectador e dos protagonistas. Juntos na viagem estão os outros cientistas Doyle (Wes Bentley) e Romilly (David Gyasi), além dos computadores com inteligência artificial TARS (voz de Bill Irwin) e CASE (voz de Josh Stewart), que garantem bons alívios cômicos.

    Ao transformar o desconhecido do espaço em potenciais riscos para os astronautas, Nolan consegue criar situações de tensão de forma eficiente, e utilizando-se de toda a complexidade de estar em uma realidade com tempo e espaço totalmente diferentes, o horror da situação aumenta ainda mais, como na excelente sequência dentro do planeta aquático onde estava uma das cientistas que buscavam mundos habitáveis. Lá, tudo o que poderia dar errado, deu, em referência a uma própria brincadeira do filme com a “Lei de Murphy”. O fato do planeta estar próximo do buraco negro Gargantua faz com que poucas horas ali se transformem em quase 30 anos perdidos na Terra, e o peso de tais erros, ainda mais brutal sobre os tripulantes. Ao retornar à nave, percebem que se passaram 23 anos na Terra, e muita coisa aconteceu. Os filhos de Coop cresceram, e Murph, que agora trabalha com o professor Brand na NASA, ainda não superou a partida do pai, enquanto Tom permanece cuidando da fazenda. A teoria da relatividade é citada, usada e explicada extensivamente no filme e serve de fundo para explicar a motivação de Coop para tentar retornar logo para a Terra.

    Por perderem muito tempo e combustível nesse planeta, sobram mais dois para visitarem: um do Dr. Mann (Matt Damon), brilhante cientista, e outro do Dr. Edmmonds – que tinha um relacionamento amoroso com Amelia -, ambos com motivos para serem visitados. Porém, o lado racional de Cooper fala mais alto e eles seguem para o planeta de Mann, que, desesperado pela solidão e medo da morte, manda o sinal mesmo sem ter encontrado nada para tentar escapar, o que também garante boas sequências de ação e tensão, mesmo que previsíveis, com os velhos discursos do vilão e tudo mais. Aqui, ele poderia encarnar de forma mais enfática o papel crítico sobre a ciência, mas foi feita a escolha mais simples.

    A transformação do homem racional e altruísta em um homem egoísta, contradizendo todos os argumentos racionais de Cooper para escolherem aquele planeta, é feita de forma rasa ao contrapor o velho “sentimento versus razão”. A fuga do Dr. Mann danifica o equipamento espacial que acopla as naves, e a sequência para tentar encaixar a nave pilotada por Cooper e Amelia lembra bastante Gravidade, ao colocar seres humanos em risco no espaço, realizando manobras praticamente impossíveis para tentarem se salvar, mas sempre sem abusar da expectativa e tensão, que poderia cansar caso fosse esticada demais.

    Nesse momento, é também revelado para Murph e para Coop e Amelia que o plano original do professor Brand sempre foi o B, e a sua equação gravitacional não resolveria o problema de como salvar a humanidade, que sempre esteve condenada. Portanto, a viagem de volta de Coop seria impossível.

    Com o gasto excessivo de combustível, agora não havia o suficiente nem para Cooper voltar para casa, nem para irem ao planeta de Edmmonds. A solução é usar os recursos para contornar Gargantua e usar sua força para impulsionar a nave, mas Cooper engana Amelia e solta sua nave, caindo no buraco negro. E dentro do buraco negro onde Nolan se rende a homenagear, à sua maneira, o clássico espacial de Kubrick. Se em 2001 – Uma Odisseia no Espaço estamos sozinhos com Dave, dando a cada imagem o nosso próprio significado, Cooper faz questão de perguntar ao computador TARS cada passo da etapa no qual se encontra, em uma conversa que não chega a incomodar, mas tira um pouco o poder do espectador de ter a mesma epifania visual e criativa que Kubrick corajosamente permitiu.

    Assim como em 2001, a estrutura de dentro do buraco negro falou diretamente com Cooper, dando a ele elementos de sua natureza para conseguir se comunicar – no caso, a biblioteca do quarto de Murph quando criança. Lá, todas as condições são radicalmente diferentes de tudo o que conhecemos, e tanto o tempo quanto a gravidade são distorcidos. A estrutura consegue distorcê-los de forma padronizada, fazendo com que Cooper envie os dados da equação gravitacional que resolveria o problema de como salvar a população da Terra, ou seja, ele era o fantasma de Murph quando criança tentando se comunicar com ela. Todas essas cenas dentro do buraco negro, apesar de serem atrapalhadas por tanta explicação, brincam com conceitos da física, ao mesmo tempo que garantem uma gama enorme de emoções, em grande parte por causa da brilhante atuação de McConaughey.

    Após enviar a mensagem para Murph usando o mesmo relógio que havia dado à menina, ela consegue decifrar os dados e salvar a humanidade, enquanto Coop é reenviado pela estrutura do buraco negro e encontrado pelos terráqueos do futuro em Saturno. Nessa conclusão, um pouco da magia inicial se perde, pois o objetivo principal do desenlace é explicar e resolver praticamente todas as pontas soltas do filme, não deixando margem para praticamente nada, a não ser o paradeiro e situação de Amelia Brand. O reencontro de Coop com Murph, já idosa e prestes a morrer, não garante muitas emoções, e o passeio turístico dentro da estação espacial em Saturno soa desnecessário.

    Porém, em relação ao aspecto técnico, a produção funciona muito bem. As sequências no espaço, sempre em silêncio, garantem uma atmosfera de suspense que se mantém, até misturar com o som dos ambientes fechados dos atores. O jogo de luzes dentro das naves, remetendo sempre ao sol (o nosso, ou não), é sempre interessante de acompanhar. A também já criticada parceria com Hans Zimmer mostra sinais de cansaço, mas ainda funciona para compor canções que, por vezes, casam perfeitamente com os momentos vividos na tela, em especial nas cenas finais.

    Muito se tem comparado Interestelar a outras produções do gênero, mas nenhuma comparação é justa. Nolan, como qualquer artista, retira influências de suas obras preferidas e as coloca ali, misturadas a seus próprios elementos dentro de uma narrativa própria, que tenta fazer uma homenagem não só à ficção científica, mas ao próprio sentimento humano de querer saber o que existe além. Quem condena a exploração espacial por ser gasto inútil de dinheiro não consegue ver mais adiante. Como o próprio filme cita, a tecnologia espacial gerou vários outros frutos para a humanidade, como as comunicações via satélite e a máquina de ressonância magnética, que poderia ter salvado a vida da esposa de Coop. Se a humanidade gasta dinheiro à toa, ali realmente não é o lugar. O Professor Brand também afirma que cada pedaço de metal sendo usado na construção daquelas naves poderia ser utilizado na fabricação de uma bala de uma arma, então, de certa forma, tudo aquilo foi positivo. É junto a esse conceito básico e humanitário que o filme se posiciona e se constrói, em como a ciência, ao desvendar o funcionamento por trás da natureza, nos ajuda a entender como ela é bela e, principalmente, nos torna mais humildes e capazes de admirar tudo o que está lá fora.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | O Abrigo

    Crítica | O Abrigo

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    A observação de Curtir LaForche (Michael Shannon) da chuva que se avizinha mostra o homem diminuto diante do destino que o aguarda, mesmo a mais ordinária das obras naturais tem o poder de sobrepujar o esforço deste ser. O Abrigo, a exemplo do último filme de Jeff Nichols, também se passa em uma área rural, e é permeada por pessoas simples com problemas reais e superações familiares a serem alcançadas. O pano de fundo proposto por Nichols é como uma tela em branco, e ajuda o público a embarcar na história de forma satisfatória, cada pequeno detalhe visa remeter a uma vida comum e normal, em um lar conservador e feliz segundo as aparências, mas que atrás da capa de normalidade esconde perturbações e assombrações proféticas ou alucinatórias.

    A despeito de seu discurso, quase sempre calmo, Curtis se sente inadequado, deslocado, como se algo estivesse errado, e como se tudo pudesse piorar e ruir de forma drástica, daí viriam seus sonhos premonitórios catastróficos. Os signos do filme afora, seus momentos não desperto são igualmente lúdicos, mas outros fatores reforçam seu desconforto, seja a deficiência física de sua filha manifestada pela surdez, a sensação de achar-se sujo e não poder lavar-se, seus problemas com a garganta – que são o inverso da incapacidade de sua filha – a dificuldade em se comunicar com suas esposa, seus atrasos para jantares familiares, todos estes problemas provindos de sua paranoia.

    Curtis receia em consultar-se com o psiquiatra que seu médico lhe recomenda, põe obstáculos fáceis de transpor unicamente para ter para onde fugir, mas sua preocupação é justificada ao observar o que ocorreu com a sua mãe, e o destino final que ela tomara. Sua escolha é uma consulta com uma psicóloga, uma alternativa amena e mais leve do que encarar o problema  de forma definitiva, mas que ainda assim, obriga o homem a olhar-se de frente, encarando os seus demônios. A atuação de Jessica Chastain como a esposa (Samantha) é pródiga em demonstrar não só o típico comportamento feminino ao ver a figura masculina que deveria ser forte, tornar-se fraca, mas também mostra o quão conflitante é o sentimento de impotência diante do grave problema que (aparentemente) acomete seu marido. No entanto, mesmo com todo o cuidado, Curtis prossegue com os preparativos para o forte anti-tornados, mostrando que há em sua mente uma dúvida quanto relevância dos sinais que este vê nos céus.

    Os últimos 30 minutos sintetizam o conjunto de sensações que atormentam Curtis, desde o inesperado apoio por parte da esposa – para ele uma causa perdida – até o confronto com seu antigo amigo Dewart (Shea Whigham), que o faz revelar toda a sua insanidade diante dos vizinhos e claro, o evento que poria a prova a razão ou não razão da paranoia do protagonista.

    Take Shellter é um belo filme sobre apoio e sobre convivência amorosa mesmo com adversidades tão intensas. Apesar de assustada, Samantha permite que Curtis tome as rédeas da situação e pouco interfere e deixa espaço para que o marido aja conforme acha ser o correto, ela o abraça e o entende, mas não fecha os olhos para o óbvio, e tenta até o último instante deixá-lo vencer sua condição empurrando-o a tomar uma atitude de ruptura.

    Nichols conduz o desfecho de um modo que deixa o público apreensivo, igualando em partes a duplicidade de pensamento de Curtis no espectador – o que se agrava com a cena imediatamente anterior aos créditos finais, que por si só grafam a ideia de união familiar, inclusive na paranoia. O desfecho ratifica a enorme relação de interdependência entre os personagens de uma forma poética e muito tocante, sem deixar de lado a inexorabilidade do destino, por mais lamentável e triste que isso possa ser.

  • Crítica | Mama

    Crítica | Mama

    mama

    Atualmente, o que mais tem por aí é gente dizendo que o cinema (e a produção cultural em geral) está em crise, tanto pela falta de criatividade e homogeneização do pensamento em Hollywood quanto pela massificação e velocidade de reprodução e consumo dos bens produzidos pela indústria cultural.

    O fato é que o cinema de terror vive uma crise maior que a do cinema. Desde os clássicos dos anos 70, como O Bebê de Rosemary e O Exorcista, que levaram e assustaram multidões aos cinemas, não vimos mais fenômenos tão marcantes ou duradouros. Com algumas raras exceções, os anos 80 e 90 produziram uma quantidade enorme de títulos no gênero, um mais genérico que o outro, e apesar de algumas tentativas recentes mais realistas, intimistas e autorais, como as levadas a cabo por Guillermo del Toro, o cinema de terror ainda patina frente a uma população mais cínica, esclarecida e acostumada com a violência que desdenha de grande parte das produções que aparecem.

    Mama, filme de Andy Muschietti baseado em um curta do mesmo autor, se situa na descrição acima. Ao mesmo tempo em que tenta invocar um terror intimista, falha ao pecar justamente na progressão das cenas e dos personagens, não fazendo jus as suas quase duas horas de duração. O filme conta a história de duas crianças abandonadas pelo pai, que some de forma bem clara e nem um pouco misteriosa, colocando já de cara as cartas do filme na mesa. (Não é interpretação. O sobrenatural existe mesmo. Ponto para a coragem da abordagem.) As duas crianças sobrevivem por cinco anos na casa com a ajuda de uma entidade misteriosa até serem descobertas pelo tio Lucas (Nikolaj Coster-Waldau), irmão do pai delas, que as leva para criar junto com sua namorada Annabel (Jessica Chastain).

    A história se desenvolve a partir de situações que vão do leve incômodo (como em filmes de terror qualquer funcionário de cartório é especialista em fantasmas) até o mais absurdo (como da cena final, onde qualquer possibilidade real de final resolvido, só caberia justamente em uma plateia dos anos 70, sem o atual vício realista).

    Em momento algum acreditamos na relação das personagens, que passam, de uma hora para outra, de estranhos a um amor incondicional, ou mesmo na sucessão de eventos que exige uma crença do espectador que ele dificilmente dará. Pessoas se encontram em estradas desertas sem combinarem, personagens resolvidos fazem pós-aparições provocativas sem resultado algum na trama, são só alguns exemplos de incongruências da história, que não é salva pela bela e assustadora fotografia de inverno no início do filme, que remete aos Irmãos Grimm.

    Guillermo del Toro produz o longa, e parece ter chamado para si toda a responsabilidade a respeito dos filmes de terror na última década, após belas realizações como Labirinto do Fauno. No entanto, suas últimas produções têm deixado a desejar, pois parecem seguir um roteiro formatado e estabelecido (“filme independente europeu de um diretor jovem e desconhecido adaptado para o público americano”), que nos trouxe também coisas positivas, como REC e O Orfanato, mas que agora definitivamente parece ter chegado à exaustão.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | A Hora Mais Escura

    Crítica | A Hora Mais Escura

    Zero-Dark-Thirty-poster

    A diretora Kathryn Bigelow parece ter apreciado a temática EUA vs Oriente Médio. Dois anos após faturar 6 estatuetas do Oscar, incluindo Melhor Filme, com Guerra ao Terror, Bigelow retorna com A Hora Mais Escura.

    A película que ilustra a caçada ao mentor dos atentados do 11 de Setembro, Osama Bin Laden (ou UBL, como é referenciado em alguns momento do filme), roteirizada por Mark Boal, já estava sendo escrita quando o anúncio da morte de Bin Laden foi feito, em Maio de 2011. Imediatamente Kathryn e Boal começaram a retrabalhar o roteiro para que o longa fosse condizente com os novos fatos.

    O resultado deste nos apresenta Maya, interpretada por Jessica Chastain, uma jovem analista da CIA que tem seu primeiro contato em campo interrogando prisioneiros da Al Qaeda no oriente médio – in loco.

    Inicialmente intimidada pelas técnicas de interrogatório, Maya possui uma evolução espetacular e brilhantemente interpretada. Anos se passam enquanto a mesma persegue pistas as quais, em boa parte do tempo, só ela acredita que estas devam levar a algum lugar. Jessica Chastain se supera de forma magistral e demonstra a crueza que, catalizada pela obsessão, transforma-se em convicção.

    O roteiro de Boal que trabalha com elipses temporais constantemente faz uso de capítulos para prosseguir com a narrativa. Os capítulos bem explicitados não levam o espectador a perda da noção  de continuidade. Ademais, o roteiro evolui muito bem quase sempre com, pelo menos, uma tensão martelando sua mente. A segurança dos envolvidos nunca é certa, e o transpasse dessa sensação é fortalecido por ótimas atuações do elenco. Destaque para Jason Clarke, Kyle Chandler e Jennifer Ehle.

    A direção de fotografia de Greig Fraser (Deixe-me Entrar) é eficiente e dinâmica, trabalhando com cenários diversos. Há, de fato, uma identidade visual bem trabalhada. Desplat (Árvore da Vida) toma as rédeas da trilha sonora que, ainda que extremamente mais notável quando escutada à parte, cumpre sua função narrativa.

    A Hora Mais Escura culmina em uma captura curiosa e bem conduzida. A cineasta coordena toda esta apreensão de forma precisa e sensata, sem jamais perder a linha. A Hora Mais Escura explora, ainda que uma versão duvidosa, o trabalho descomunal e personificado de uma nação para capturar o maior de seus inimigos. Bigelow, por mim você volta a esta temática o quanto quiser.

    Texto de autoria de Matheus Porto.

  • Crítica | Os Infratores

    Crítica | Os Infratores

    Poster de os infratores

    Os Infratores (Lawless, 2012), filme dirigido por John Hilcoat (A Estrada), com roteiro de Nick Cave adaptado de um livro escrito por Matt Bondurant, neto de um dos personagens principais do longa, que é baseado em fatos reais.

    O filme nos conta a história dos irmãos Bondurant, que vivem no Condado de Franklin, Virginia. Na década de 1930 durante a recessão americana e portanto, com o cenário da lei seca. Os irmãos são Jack (Shia Labeouf) o mais novo, que tem sempre de provar o seu valor aos outros. Forrest (Tom Hardy), o mais velho; chefe da família, e Howard (Jason Clarke), o mais temido dos três, muito por seu comportamento explosivo.

    A família toca uma espécie de restaurante, posto de gasolina e base de operações para outros negócios, que agora com a lei seca, se resumem a fazer um Whisky clandestino de boa qualidade. Atividade que apesar de ilegal, é amplamente aceita e difundida entre as pessoas da região. O problema se inicia com a chegada do corrupto agente federal de Chicago, Charley Rakes (Guy Pearce), que deseja organizar o comércio de bebidas daqueles caipiras. Fazendo valer a sua autoridade sobre um xerife, que também não concorda com seus métodos.

    Rakes é um personagem enjoado, que destoa de todo aquele universo em que está inserido. Com trejeitos afetados. Um penteado dividido que é mantido com obsessão e um exagero constante no uso de sua colônia. Guy Pearce faz um bom trabalho na construção desse papel, apesar da pouca exigência de um personagem linear, sem nuances e traços contraditórios. Que não deixa dúvidas, nem ao espectador mais desatento, que se trata do vilão da trama.

    Somos apresentados também, a duas personagens femininas, Maggie Beaford (Jessica Chastain), uma dançarina da cidade que vai para o interior em busca de uma vida mais calma e acaba se tornando uma espécie de faz-tudo dos negócios dos Bondurant: garçonete, contadora, além de namorada de Forrest. A outra mulher da história é Bertha Minnix (Mia Wasikowska), filha de um pregador, que se apaixona por Jack, e acabam mantendo um romance proibido. Ambas as personagens pouco movimentam a história ou tem uma real importância naquilo que somos apresentados. Elas servem mais como um artificio para humanizar os heróis do filme, e de certa forma, transformar aquela história de crimes e violência, em uma história de família.

    Apesar dos créditos iniciais de ‘Os Infratores’ nos dizer que se trata de uma história baseada em fatos reais, tudo no filme funciona como se fosse uma saga de um pescador e seu peixe de 100 quilos no lago, contado enquanto se passeia por algum reduto longe da cidade. Quase tudo tem um certo exagero, tanto na velocidade com que as coisas acontecem, a proporção que os fatos tomam, e principalmente, as cenas de ação e tiroteios, longe de qualquer veracidade do nosso mundo. Mas que nos deliciaria ao ser contada como um “causo” do interior, repleto de lendas e folclore em torno da misteriosa família Bonderant, tida como invencível por toda região.

    Com homens da lei que agem por maneiras escusas. E transgressores honrados e corajosos, que não causam nenhum mal para aqueles que são bons. ‘Os infratores’ define muito bem quem é vilão e quem é herói. A única ambiguidade que vemos se dá na forma dos personagens Jack e Forrest, que são uma espécie de reflexo invertido. Enquanto o primeiro sempre foi um tipo avesso a violência, beirando a covardia, Forrest era o primeiro a se apresentar a ela. Em contrapartida, quando o assunto eram os negócios, Forrest era conservador, preferia manter sua vida tranquila, sem incomodar ninguém, para também não ser incomodado. Já Jack, era ambicioso, disposto a quase tudo pelo sucesso, venerando inclusive, o mafioso Floyd Banner (Gary Oldman) – que infelizmente faz um papel bem pequeno no filme e acredito que poderia ser melhor explorado.

    Com uma bela fotografia de Benoît Delhomme; direção competente de Hilcoat, principalmente nas cenas de ação, sempre intercaladas com cenas cotidianas que aprofundam e nos fazem simpatizar por aqueles personagens. Além de retratar o espaço e o tempo que aquela história se passa. Somado também a uma leve mistura de gêneros como Western e Gangsters, ‘Os Infratores’ se mostra um bom filme sobre um “causo” passado adiante por vários contadores de história.

  • Crítica | Histórias Cruzadas

    Crítica | Histórias Cruzadas

    Logo no quadro inicial de Histórias Cruzadas, somos apresentados à personagem Aibileen Clark (Viola Davis, espetacular). Naquele momento, uma das primeiras frases ditas por ela define exatamente como é a sua vida e as das outras domésticas que surgirão ao longo do filme.

    “Eu sou uma empregada, minha mãe foi empregada e minha avó foi uma escrava caseira”, ela diz.

    Tudo nas vidas daquelas mulheres negras gira em torno dessa realidade: a conformidade com a condição imutável de que suas existências se resumem a trabalhar nas casas de patrões brancos, preparando suas refeições e cuidando de seus filhos.

    Elas estão ali para servir. São uma parte invisível das famílias de seus empregadores. Mas uma parte que jamais é totalmente aceita. Afinal, são mulheres. E pior: são negras – a característica imperdoável para os brancos que viviam na cidade de Jackson, Estado do Mississipi, ao longo dos anos de 1960, local e época nos quais a obra se desenrola.

    “Histórias Cruzadas” trata de dois temas difíceis: a total incapacidade de mudar o rumo da própria vida e a estupidez humana ao segregar um semelhante apenas pela cor da sua pele. No entanto, mesmo lidando com assuntos áridos, a película é uma obra simples, direta e – pelo menos na maior parte do tempo – leve. E talvez essa simplicidade seja sua maior qualidade.

    O roteiro é linear. A história é clara, bem como o posicionamento de cada um dos personagens que a compõem.

    Na trama, somos apresentados à Eugenia “Skeeter” Phelan (Emma Stone). Aspirante à jornalista e escritora, ela consegue um emprego no jornal local. No entanto, por ser mulher e viver numa cidade racista e sexista, a jovem consegue apenas escrever uma pequena coluna dedicada a donas de casa na qual lhe cabe apenas dar às leitoras dicas de limpeza doméstica.

    É nesse contexto que Skeeter e Aibileen se aproximam – a partir daí, a jovem branca que quer ser escritora percebe que a empregada pode ser a fonte da matéria-prima necessária à realização de uma grande reportagem: contar como é a vida das empregadas naquela sociedade segregacionista a partir do ponto de um ponto de vista até então inexplorado – o das próprias domésticas.

    Ambas – Skeeter e Aibileen – estão infelizes: a primeira quer claramente ir além dos limites da cidade e provar que uma mulher pode ser muito mais que uma caçadora de maridos, atividade para a qual praticamente todas as moças de Jackson são treinadas desde muito jovens. Já a segunda, tem a dor da morte de um filho e a amargura imposta pelo preconceito atravessadas na garganta. Ela precisa colocar para fora os absurdos cometidos em nome da separação provocada pela segregação.

    Absurdos, esses, que são bem retratados por meio da ação mais simples que se possa imaginar: ir ao banheiro – ou seja, até mesmo o mais corriqueiro dos atos pode ser utilizado para demonstrar como brancos tratavam negros dentro daquele contexto. Cabe ressaltar a maneira honesta como o diretor Tate Taylor retrata a hipocrisia dos moradores do subúrbio norte-americano daquele período: por trás das cercas brancas, gramados verdes e bem aparados, encontros sociais e lares aparentemente perfeitos, é possível ver, mesmo no menor dos gestos, o ódio e o desprezo que as pessoas que viviam ali sentiam pelos negros.

    Essa visão segregacionista é incorporada pela personagem Hilly Holbrook (Bryce Dallas Howard) – tradução literal da América racista, branca e protestante.

    Seu mundo, no entanto, está prestes a ruir. Discretas intervenções feitas pelo diretor por meio de reportagens de TV assistidas pelos personagens mostram a evolução que os direitos civis nos Estados Unidos experimentavam naquele momento. A luta pela igualdade comandada por Martin Luther King e o assassinato do presidente John Kennedy contextualizam a história dentro daquele período e deixam ainda mais claro que as coisas estavam mudando.

    E a própria Hilly será vítima de uma das maiores ações de vingança e Justiça mostradas no cinema nos últimos tempos. Protagonizada por sua ex-empregada Minny (Octavia Spencer, excelente), a cena em questão se vale de uma, digamos, metáfora “orgânica” para mostrar do que ela realmente é capaz.

    Atenção também à bela performance de Jessica Chastain (A Árvore da Vida), que interpreta a personagem Celia Foote e carrega sua construção com altas doses de inocência, desprendimento e sensualidade involuntária.

    “História Cruzadas” é um daqueles filmes simples – e não simplórios – que nos lembram o quanto situações insanas podem estar mais próximas do que imaginamos – até dentro de nossos lares.

    Insanidades como acreditar que o valor de uma pessoa pode ser medido pela cor da sua pele.

    Insanidade como fechar os olhos para o fato de que, no fim das contas, todos pertencemos à mesma raça: a humana.

    Texto de autoria de Carlos Brito.