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  • Crítica | Cegonhas: A História que Não Te Contaram

    Crítica | Cegonhas: A História que Não Te Contaram

    […] não que a Pixar, mais uma vez, seja sinônimo de excelência. Irrepreensível, afinal, nada é, vide Carros 2 e Universidade dos Monstros, oriundos do estúdio que, na tradição de Walt Disney e Hayao Miyazaki, reinventou a roda. Daí, e também por isso, toda animação americana que sai, a galera já especula: Mas é padrão Pixar? No decorrer de uma década, e isso é pouco tempo para o plano referido, a produtora de Steve Jobs e absorvida pela própria Disney conseguiu implantar sua marca no inconsciente popular não apenas pelo monopólio ideológico e devido o tratamento excepcional a essas boas ideias, mas, sobretudo, por conseguir desenvolver (palavra-chave no mundo das animações) filmes se bobear sobre pedras, no fundo escuro do mar, e acima de todos os desafios de percepção, torná-las…  humanas.

    No mundo ocidental, a Pixar em meia-dúzia de projetos montou ‘sua’ escada de qualidade quase irretocável para ela e a indústria que ocupa o trono, restando à concorrência construir seus degraus através de raros esporros criativos: Por exemplo, um filme sobre cegonhas e seu trabalho (corporativo e global) de entrega de bebês. Só que entre todos os estúdios que almejam do seu modo replicar as fórmulas de sucesso de um Wall-e e Toy Story, talvez seja as animações da Warner Bros que, desde o ótimo Gigante de Ferro de 1999 conseguem manter o frescor e o objetivo primordial de obras que subestimam, em momento nenhum, tanto o olhar do espectador diante das histórias, quanto o potencial das mesmas em tornar Diversão e Reflexão, ambas em letras maiúsculas, irresistíveis à quaisquer público ou faixa-etária.

    Isso é sucesso. E caso Cegonha: A História que Não te Contaram não alcance o mesmo nível de expressão, de uma forma dinâmica, atual à geração Z e perfeitamente audiovisual que o mega divertido Uma Aventura Lego conseguiu em 2014, as crianças com certeza pouco ligam pra isso. Importa mesmo, por uma ótica mais descompromissada que deve ser levada em conta nesse caso, como os arquétipos e sensações são distribuídos de forma simpática e palpável em uma hora e meia de um ritmo frenético, mas sem excessos, bobagens imaturas ou a apologia que uma paródia assumida e infantil, como essa, poderia carregar e que a maioria padece em ostentar.

    Em meio a uma crise na motivação das cegonhas em entregar seus bebês da fábrica para famílias humanas, os animais agora imitam o Sedex e entregam pacotes mundo afora, convivendo com uma órfã deixada entre as cegonhas desde um incidente antigo no sistema de entregas. Mediante as boas sacadas da trama (a sequência-inicial é hilária) e semi originais personagens (quase tão carismáticos quanto qualquer um de Lego), Cegonhas vai além da média das produções infantis e daquela sensação peculiar do “eu já vi isso em outro lugar”, sendo uma sessão para toda família, em especial quando aposta mais no carisma dos bichanos e nas cores de um mundo paralelo a outro onde ninguém mais acredita em Papai Noel, ou no lado progenitor de cegonhas e repolhos no quintal, o que felizmente não torna esse belo filme um palco para resgate de valores ou a celebração de novos – nada aqui tem a ver com segundas intenções ou cópia de padrões já celebrados, não que a Pixar, mais uma vez, seja sinônimo de excelência.

     

  • Crítica | Um Amor a Cada Esquina

    Crítica | Um Amor a Cada Esquina

    Um Amor a Cada Esquina 1

    Após um período aproximado de dez anos sem lançar um filme, o premiado diretor Peter Bogdanovich, retorna suas forças para uma comédia romântica estilosa, que lembra bastante a fase áurea de Woody Allen no gênero. Um Amor a Cada Esquina acompanha os relatos de Isabella Patterson (Imogen Poots), uma moça que usa da verborragia para se expressar, e que começa um conto sobre como a própria largou o ofício de prostituta para então, tentar a sorte como atriz.

    As confissões ocorrem em um consultório psicanalítico, semelhantes em espírito ao processo de espiação de pecados ocorrido na igreja católica. Patterson fala então de seu envolvimento no passado com Arnold Albertson (Owen Wilson), um homem solitário sentimentalmente que depois de fazer uso de seus trabalhos como prostituta, resolve convidá-la a sair, começando a partir dali a se importar com seus sonhos, de tentar ser atriz. O motivo dessa importância é bastante óbvio, já que Arnold é um diretor de teatro, entediado com seu casamento malfadado. A resolução dele envolve gastar 30 mil para que a moça largue o atual ofício e se dedique a se tornar uma atriz, de fato.

    O roteiro de Bogdanovich e Louise Stratten se desconstrói com menos de trinta minutos, revelando que o ato de “desapego” não era isolado já que ocorreu outras vezes para o diretor e tampouco inspirado já que ele ajudou moças com outros interesses, compondo assim uma prática comum de um sujeito cuja monotonia frequentemente invade sua rotina, fazendo dele e dos demais personagens que o cercam criaturas dignas de pena, mas não de torcida ou apego.

    Exceto Arnold e Isabella, que são trabalhados anteriormente, os outros personagens se valem de arquétipos, tendo poucas das suas características reveladas, o suficiente para cada um ter sua importância dentro do cenário romântico/amoroso complicado, com intenções escusas se misturando ao desejo.

    O personagem que se diferencia do trivial é a atriz e esposa de Arnold, Delta, vivida por uma (cada vez mais) inspirada Kathryn Hahn que, ao se descobrir traída, tem uma série de atitudes cujo estado emocional condiz em excesso com todo o desrespeito que sofre. Bogdanovich consegue se reinventar, após tanto tempo longe das câmeras, reunindo em sua comédia um humor não escrachado, condizente com o moderno cinema dos membros da produção executiva Wes Anderson e Noah Baumbach, digerindo o cinema desses para fazer algo com identidade própria e com um magnetismo hiperbólico.

  • Crítica | Cake: Uma Razão Para Viver

    Crítica | Cake: Uma Razão Para Viver

    Cake 1

    Apontando a desistência da vida como mote para a mudança de postura, o filme de Daniel Barnz mostra um grupo de apoio mútuo formado por mulheres, em sua maioria depressivas, que sofrem dores intensas devido a doenças raras. Juntas, elas lamentam o suicídio de uma das integrantes mais novas, Nina (Anna Kendrick). O ato quase teatral é valorizado através das ações de uma desfigurada Jennifer Aniston, que abre mão de sua intensa beleza para interpretar Claire Simmons, uma mulher desesperançada, que guarda em sua face marcas e sinais de descuido próprio, que em suma representam as muitas feridas que ainda manifestam-se dentro de si.

    Assistida somente por sua serviçal Silvana (Azana Bezerra), Claire não tem qualquer alento em sua rotina. Mesmo os poucos sentimentos passionais a que tem direito são frutos do comércio, com visitas noturnas de um amante que sequer entra pela porta da frente. Do alto de seu desespero sentimental, a protagonista não aparenta dar muito valor à mulher que a ajuda, suprimindo até seus vícios ilícitos. O momento primário em que a heroína, falida e monotônica, demonstra qualquer reação destemperada é quando esta assiste à própria piscina. A despeito de seu ateísmo, a protagonista vê boiando a figura de Nina, trajada de maneira sensual, conversando com ela através do além-túmulo.

    Sem ter certeza se a aparição era fruto de um delírio após o uso das substâncias das quais lançava mão, Claire começa a se interessar pelo dia a dia de Nina, chegando a ponto de dar vazão à agressividade que já era anunciada anteriormente ao ameaçar a organizadora do grupo, pedindo os dados e o endereço da menina que viu. Na antiga casa da moça, ela encontra Roy, interpretado por Sam Worthington, o marido da falecida, o qual permite que a depressiva mulher dê vazão ao seu comportamento tresloucado.

    Toda a compreensão que Claire não achava nas forçadas reuniões, ela passa a achar nas interações com Roy, unidos pela dor, desespero e também por interesses sexuais – que, ao próprio entender destes, significam intenções escusas – de ambas as partes. Trabalhando a culpa pelos atos ainda não praticados, um vê no outro a chance de finalmente se reabilitar, trabalhando os traumas de uma forma que, em algum dia, ambos possam finalmente dar prosseguimento a sua existência.

    O que se vê na segunda metade do filme é uma jornada de combate ao medo, onde a confiança de ambos é posta à prova, envolvendo os seres que dependem deles, como o filho de Nina e Roy, o pequeno Casey  (Evan O’Toole). É bastante curioso observar o quão tacanho é o flerte entre ambos e o quão pesado é o modo de lidar com seus fantasmas. Quando está começando a mostrar alguma melhora, Claire tem um terrível encontro com a figura de Leonard (William H. Macy), que seria o catalisador de sua angústia existencial. O dramático reencontro faz a protagonista ter uma recaída nos seus antigos erros.

    As “visitas” de Nina seguem crescentes, manifestando, entre outros sentimentos, a vontade de suicídio, além do profundo remorso por estar roubando da defunta a possibilidade de uma boa vida, sentimentalmente plena, apesar das dores. O desespero aumenta de tal forma que os espíritos, da delirante mulher e da personagem espectral, quase se encontram.

    A trajetória vista no roteiro de Patrick Tobin é de total reconstrução, de moral e autoestima através de ações espontâneas. Um panorama que não demonstra compadecimento de suas personagens, tampouco aplaca ou suaviza a mensagem para o espectador, ainda que todo o conteúdo se baseie em conceitos do senso comum. O mérito maior certamente está na atuação de Jennifer Aniston, ainda que não seja algo tão digno de nota quanto foi alardeado, especialmente pela proximidade de outra obra em que se destaca o desempenho de Juliane Moore, em Para Sempre Alice. Em Cake – Uma Razão Para Viver, sobressai uma atuação de sua maior estrela  conduzida na monotonia de um espírito único, sem liberdade para nuances.

  • Crítica | Caçador de Recompensas

    Crítica | Caçador de Recompensas

    Caçador de Recompensas - Poster

    Reunindo dois ícones das comédias românticas, Caçador de Recompensas põe frente a frente os personagens Millo Boyd (Gerard Butler), um caçador de recompensas que sempre está às voltas com os agentes da lei oficiais, e sua ex-esposa Nicole Hurly (Jennifer Aniston), uma atraente repórter que misteriosamente seria um dos alvos do primeiro personagem. Os dois surgem numa introdução que não possui nenhuma explicação prévia, já que, após a chamada inicial, a trama volta no tempo em vinte e quatro horas.

    Aos poucos, as diferenças básicas de estilos de vida de Millo e Nicole são notados, tendo em comum entre ambos a total dificuldade em lidar com autoridades, a ausência de pontualidade e a dificuldade de lidar com ordens superiores. Por algum motivo esdrúxulo, Nicole tem de comparecer ao julgamento que discutiria sua pena após a sua prisão, mas não consegue por ir atrás de uma matéria jornalística igualmente desimportante. Uma recompensa é avisada para que ela compareça em juízo, e um mandato é expedido, atendido convenientemente por seu antigo companheiro, que seria pago para encarcerar seu velho amor.

    Todos o entorno serve de pretexto para uma quantidade exorbitante de desencontros, além de uma caça mútua de Millo por sua “amada”, e de Nicole pelo seu desejo maior de se superar enquanto comunicóloga. As subtramas são na verdade um artifício bobo de roteiro para reunir os dois companheiros em volta do mesmo objetivo, que é a sobrevivência mútua, uma vez que o caso que a jornalista analisa tem forte ligação com o crime organizado, pondo em seu encalço o perigoso Earl Mahler, interpretado pelo sumido Peter Greene.

    Entre tantas incursões que visam reunir de volta os personagens que não se suportam, há um sem número de constrangedores momentos, que ao menos não irritam tanto quanto outros filmes adocicados que Butler tanto faz. O pouco uso da cafonice para contar a história do diretor Andy Tennant (de Hitch: O Conselheiro Amoroso) e da roteirista Sara Thorp (do suspense A Marca) consegue apresentar uma trama sem muita profundidade, mas que não é ofensiva para o espectador que não é o público-alvo.

    O final de Caçador de Recompensas guarda algumas cenas de ação bastante malfadadas, cuja orquestra patética faz perguntar o porquê de tanta falta de esmero com a direção. Como era esperado, os amores impossíveis ganham liga, claro, recheando o desfecho de humor, com uma entrega voluntária de ambas as partes. Eles preferem estar juntos, mesmo que todo o entorno e as circunstâncias lutem contra a obviedade do amor entre os protagonistas. É curioso como a cena final mostra Butler conseguindo pôr a cabeça entre o pequeno vão entre as barras prisionais, o que faz se perguntar se ele teria poderes sensoriais, ou se há qualquer preocupação da produção em tornar a cena algo que se enquadre no mundo real, mesmo em se tratando de uma comédia pasteurizada.

  • Crítica | Quero Matar Meu Chefe 2

    Crítica | Quero Matar Meu Chefe 2

    Quero Matar Meu Chefe 2 - Poster BR

    Após os acontecimentos de Quero Matar Meu Chefe, o trio protagonista torna-se famoso ao participar de um programa de entretenimento matinal para falar sobre a sensação de ser seu próprio chefe, invertendo o paradigma do episódio original. A direção de Sean Anders diferencia-se demais da do anterior, Seth Gordon, por ter uma linguagem bem mais popular, a começar pelo fracasso de inserir uma tentativa de empreendedorismo de Nick, Dale e Kurt (Jason Bateman, Charlie Day e Jason Sudeikis respectivamente), transformando os três no centro da patetice da fita.

    O novo algoz do grupo é o magnata Bert Hanson (Christoph Waltz), um alto investidor que tem a chave para o sucesso dos protagonistas, podendo alavancar o produto que eles inventaram para, enfim, tirá-los do fardo de ter de trabalhar com patrões. A recusa inicial de seu filho, o jovial Rex Hanson (Chris Pine) é devido ao investimento considerado de alto risco. Logo, a persona de Bert se mostra tão controversa quanto a de seus antigos patrões, emulando a personalidade imbecil e incluindo um golpe financeiro.

    Após uma reunião sem qualquer apelo à realidade, os personagens decidem se vingar de Hanson, pensando em assassinato – artifício impossível para eles, inaptos – ou um sequestro do filho do milionário. Para prosseguir no plano, eles decidem pedir conselho ao único assassino que conhecem, Dave Harken (Kevin Spacey), o qual está preso e faz questão de humilhá-los, tratando-os como os idiotas, o que realmente são, ao agirem de modo tão infantil na parte 2. O comportamento do grupo era o mesmo de pessoas normais, que agem imbecilmente perante as situações nas quais não estão acostumados, como americanos medianos com o objetivo de assassinar pessoas próximas. O que antes era reação normal torna-se um comportamento padrão, o que é claramente desagradável e demasiado óbvio.

    A edição do filme, com narração e destaques dos defeitos dos personagens, é abandonada, fato utilizado principalmente para diferenciar o trabalho de Anders ao de Gordon. Com isso, um dos pontos mais charmosos do primeiro filme se perde, com o formato voltado para uma comédia de erros pura e simples, uma fórmula que lembra muito a de Se Beber, Não Case! Parte II, obra que explora personagens conhecidos do público em situações ainda mais controversas do que as vistas anteriormente.

    Apesar da tentativa de explorar outra vertente, não há nada de inovador na produção, pelo contrário. Quase todas as situações são repetidas, desde o já comum comportamento de Jason Bateman, que faz de Nick ainda mais parecido com o inseguro protagonista de Arrested Development, Michael Bluth, até os absurdos mostrados em tela. Mesmos as reviravoltas, que visam perverter os arquétipos de vilões e mocinhos, soam bastante forçadas. Sequer a pseudo-mudança de gênero para um filme de assalto, debochando de filmes recentes, como Truque de Mestre, salva o roteiro da mediocridade em que estacionou.

    O último dos plot twists até chega a surpreender, uma vez que os elementos antes mostrados não faziam desta reviravolta algo plenamente previsível. Alguns dos dramas vividos no final de Quero Matar Meu Chefe são reativados, com direito à repetição de papéis de Jamie Foxx como Motherfucker Jones, e Jennifer Aniston como a ninfomaníaca Julia Harris. Apesar deste ser o momento mais engraçado e nonsense do filme, não chega ao ápice de justificar os excessos dos quase 110 minutos de exibição, que, retirada a quantidade exorbitante de excedentes, mal completaria uma hora de exibição.

    Quero Matar Meu Chefe 2 é bastante inferior ao seu antecessor, como já de esperar, mas falha demais ao tentar fugir de um estereótipo para se prender em um ainda mais vexatório e repetitivo, em que até a química dos três interpretes é decrescida apenas para fortalecer o estabelecimento de uma franquia, isentando o produto final de qualquer substância e conteúdo relevante.

  • Crítica | Sem Direito a Resgate

    Crítica | Sem Direito a Resgate

    Sem Direito 1

    Sem espaços para introduções maiores – que não a ação contínua – Sem Direito a Resgate emula as características de seu título original, Life of Crime, ao exibir um panorama cômico da vida bandida na história norte-americana, indo desde as ações de meros batedores de carteira até as fraudes de grande porte, cujas somas acumulam muitos zeros à direita.

    O início em forma de prólogo mostra dois vigaristas, Louis Gara (John Hawkes) e Ordell Robbie (Yasiin Bey) aplicando pequenos golpes em pessoas que se julgam mais espertas do que são. O método que utilizam é bastante modesto, sem qualquer sofisticação ou prévia. Nas cenas subsequentes, uma esposa submissa, vivida por Jennifer Aniston, sofre as agruras de viver com um esposo turrão. Margaret Dawson não faz ideia da posição privilegiada que ocupa, já que não tem qualquer ingerência nos negócios de seu marido, Frank (Tim Robbins), que secretamente é o cabeça de um negócio de desvio de dinheiro para contas bancárias clandestinas. O destino dos dois núcleos se cruza quando Ordell pensa em raptar a dona de casa desconsolada, para tentar conseguir um resgate.

    Maior do que qualquer possibilidade de isolamento à força, típica de ações em cativeiro, é o vazio existencial em que se encontra Margaret, se sentindo sempre solitária pela atenção que jamais chega por parte de seu cônjuge. O drama da personagem é comum a de muitas mulheres da atualidade e da época retratada no filme.

    O trabalho de reconstituição de época é bastante esmerado: nota-se não só nos belos cenários e figurinos, como também nos modos e no jeito de andar de cada um dos personagens. Tudo foi milimetricamente calculado para apresentar um efeito paródico, condizente com o saudosismo mas sem quebrar a empatia do espectador com os pequenos dramas diários do roteiro, fazendo de cada uma das gags cômicas engraçadas de fato, uma vez que o destino dos personagens é importante para o seu público.

    As piadas do filme ocorrem “apesar” da narrativa linear, com pouco humor nonsense, mas ainda assim de bom gosto, especialmente por explorar a hipocrisia presente nas relações do americano médio de uma maneira comedida, destacando o egoísmo e individualidade como principais fatores para o distanciamento sentimental entre os iguais.

    Há uma série de eventos entrópicos, que brincam com questões como infidelidade conjugal, suborno, tentativas de homicídios, claro, abordadas por uma ótica humorística, sem se levar a sério. A trilha sonora aumenta ainda mais o clima de deboche ao apresentar músicas românticas nos momentos onde a frieza dos crimes deveria prevalecer.

    As reviravoltas do roteiro, típicas de uma comédia de erros, inverte alguns dos arquétipos apresentados no início do filme, maximizando a sensação de que a trama foi construída a partir de improvisos ou de uma roleta russa de eventos loucos. Em certos momentos, a obra do diretor Daniel Schechter faz lembrar os primeiros filmes de Guy Ritchie, sem a violência gráfica de Snatch – Porcos e Diamantes e Jogos, Trapaças e Dois Canos Fumegantes.

    Outra referência notória caracteriza-se pelo formato narrativo de Fargo, especialmente nos pontos onde há personagens amorais, cujo comportamento errático faz com que seja impossível torcer para cada um deles.  A volúpia pelo dinheiro fácil transforma as escolhas dos personagens, levados a uma vida marginal, subvertendo – outra vez – o estigma de sequestro trocando-se a vítima mas permanecendo o mesmo fornecedor do resgate. Exceto as extensivas repetições, Sem Direito a Resgate é uma boa comédia, mas de fácil esquecimento, não sendo mais lembrada cinco minutos após o encerramento.

     

  • Top 10 – Maiores Injustiçados pelo Oscar 2015

    Top 10 – Maiores Injustiçados pelo Oscar 2015

     oscar injustiça

    Quase tradicionalmente, após observar a lista de indicados pela Academia para a maior premiação do cinema comercial, notam-se também injustiças, tanto nas ausências de indicações quanto nas premiações. Filipe Pereira, Marcos Paulo Oliveira e Doug Olive prepararam uma lista especial sobre os filmes que ficaram de fora da festa, com categorias variadas:

    10. Uma Aventura Lego, por Marcos Paulo Oliveira – Melhor Animação

    lego batman

    Tudo é incrível. Assim diz a canção-chiclete que é usada como recurso para nos mostrar o modo de produção e vida da cidade Lego. Sim, tudo realmente parece incrível, mas logo vemos que esta não se trata de uma animação tradicional. Com uma energia capaz de abarcar todo tipo de contexto e metalinguagem, aqui a piada é o único refúgio para o trato de temas eventualmente sérios, eventualmente ridículos, mas igualmente importantes. De tão segura a direção, não faltaram críticas à forma como agimos em nossa sociedade, fruto de uma estrutura rígida e autoritária, quando justamente deveríamos ser livres para o que nos cabe. A temática é ligeiramente parecida com o concorrente Os Boxtrolls, que, apesar de mais estiloso, é bem menos ousado. A despeito disso tudo, qualquer filme que é capaz de estapear uma sociedade que compra café a 20 reais e acha tudo incrível, merece toda a atenção.

    9 . Hobbit A Batalha dos Cinco Exércitos, por Doug Olive – Melhor “Descenso de Carreira”

    O-Hobbit-A-Batalha-dos-Cinco-Exercitos 5

    Peter Jackson conseguiu o impensável: esconjurar toda e qualquer credibilidade que conseguiu no mundo do Cinema, graças à primeira e impecável trilogia do anel, com esta segunda empresa trágica e ridícula no mesmo nível de desconstrução. Um fiasco do início ao fim – sendo O Hobbit: Uma Jornada Inesperada (2011) o melhor exemplar da divisão ambiciosa de um folheto adaptado em três intermináveis filmes -, A Batalha dos Cinco Exércitos é a cereja no bolo de jiló de uma receita fadada ao fracasso por motivos óbvios. Filme de nível morto de represa e merecidamente ignorado nas premiações, mesmo em ordem técnica, algo impensável dez anos atrás, Jackson criou seu iceberg ao construir seu terceiro Titanic, desta vez cheio de falhas, tendo no currículo o mediano King Kong de 2005 e um motivo triplo para nos perguntar: como alguém que adapta a e$cala de O $enhor dos Anéi$ pode de$cer tão baixo?

    8. A 100 Passos de Um Sonho, por Doug Olive – Melhor Fotografia

    THE HUNDRED-FOOT JOURNEY

    Há algo de único neste filme, ainda que desigual quanto à obra como um todo. Não há nada de errado com feel-good movies, e também não há repreensão naquilo que mais se destaca num filme, que neste caso é a fotografia, simplesmente soberba: a obra nos faz sentir, numa simples e esperta aproximação ocular, o cheiro, gosto e textura de determinada comida à nossa frente, quase ao alcance de outros sentidos degustativos, ou o mero prazer de redescobrir o mundo europeu numa ótica indiana mais viva e colorida; tanto faz. Deleite sensorial magnífico que merece reconhecimento do público ao menos, ainda que a história deixe muito a desejar no quesito que mais se esforça para representar: choques culturais. A crítica completa você encontra aqui.

    7. Força Maior, por Filipe Pereira – Melhor Filme Estrangeiro

    Força Maior

    De história bastante reflexiva, Força MaiorForce Majeure, ou Turist, no resto do mundo – conta o drama de uma família, que, ao passar por uma situação limite, vê em seu pai uma figura irresponsável, uma vez que, diante de uma pequena avalanche, ele abandonou todos, levando consigo somente seu smartphone e outros pertences, enquanto mulher e filho ficaram à própria sorte. A tragédia recai sobre o casal de protagonistas, que em uma reunião de férias deve se reinventar e repensar o papel de cada um na relação. O filme do sueco Ruben Östlund foi indicado ao Globo de Ouro na categoria Filme Estrangeiro, e seria um candidato interessante ao Oscar da mesma categoria, especialmente por ser bem diferente de tudo visto no circuito americano.

    6. Jersey Boys: Em Busca da Música, por Doug Olive – Melhor Direção, Roteiro Adaptado

    Jersey Boys

    A frase “Come back when you’re black!” (“Volte quando for negro!”) é sensacional. Registra todo o espírito e estereótipos além do racial ou tendencioso numa única frase, dita durante uma discussão sobre e entre músicos e produtores. O Oscar não apenas ignorou por injusta causa o melhor musical americano de 2014, como renegou o filme diante do status de ser este o melhor de Clint Eastwood desde Cartas de Iwo Jima, há oito anos. Dos números musicais à leve e crescente disputa entre integrantes de uma banda, com inúmeros sons e identidades que colam na cabeça do público ainda hoje, o filme é divertido pelo vigor que vários e bons diretores prematuros não conseguem passar ao público de forma linear, principalmente no número final, clímax redundante em que até o sério Christopher Walken risca o chão e arrisca um gingado com Oh, What a Night!, clássico do grupo Four Seasons.

    5. O Ano Mais Violento, por Marcos Paulo Oliveira – Melhor Atriz

    O Ano Mais Violento

    O longa se passa na Nova York de 1981, e logo no início já reconhecemos o histórico violento da cidade e seu futuro incerto. Usando Oscar Isaac como astro, é notório que, apesar de seu talento, o ator desaparece cada vez que Jessica Chastain aparece em cena. Isso não é por acaso, pois a direção de J.C. Chandor faz questão de iluminá-la e destacá-la em todas suas aparições, demonstrando todo o magnetismo daquela mulher que, ao contrário do marido, faz o que for necessário. Resquício de uma sociedade gângster, ela se mostra capaz de adaptar-se à sociedade atual, mais civilizada e de sobretudo, mas sem deixar suas garras de lado. Subliminarmente perversa desde o início, Chastain faz um belíssimo papel demonstrando que, como disse Mario Puzo, por trás de toda grande riqueza sempre há um grande crime.

    4. Sob a Pele, por Marcos Paulo Oliveira – Melhor Roteiro Adaptado, Efeitos Visuais

    Sob A Pele

    Porque o filme manipula de forma muito competente sua forma de ver pessoas e paisagens, em uma direção kubrickiana de narrativa não linear, capaz de alcançar desejos e aspirações do público. Um diálogo direto justamente com aqueles que dissecaram Scarlet Jonhanson – em uma atuação acertadamente alienígena, ornando com a direção – durante as primeiras imagens do filme. Uma pena que a maioria não percebeu. Um espelho capaz de tornar paisagens e pessoas reféns de si mesmos.

    3. Dois Dias, Uma Noite, por Filipe Pereira – Melhor Filme Estrangeiro, Roteiro Original

    Dois DIas Uma Noite

    Além da óbvia referência à direção dos irmãos Dardenne – factoide comum da Academia em ignorar indicações a estrangeiros – o drama depressivo e reflexivo teve seu emocionante roteiro esquecido. Apesar da indicação de Marion Cotillard, na sua performance mais inspirada desde que ganhou o Oscar, não há qualquer justificativa para o filme não ter ficado entre os cinco finalistas que concorrem em 22 de fevereiro. Acima de tudo, Dois Dias, Uma Noite trata de uma questão real e imediata, contando de forma implacável o quão prejudicial pode ser a doença que apavora o último século, sem amenidade nenhuma, mostrando o viés do doente e do entorno dele.

    2. O Abutre, por Filipe Pereira – Melhor Ator, Fotografia, Edição de Som

    Abutre

    Dan Gilroy traz em sua estreia na direção um filme curioso e nada sutil. A fotografia obscura é pontual ao retratar a atuação irretocável de Jake Gylenhaal – que já havia apresentado uma performance surpreendente em O Homem Duplicado. A amoralidade presente no modus operandi de seu personagem retrata a realidade abissal de um jornalismo que teima em chocar em detrimento da informação. Possivelmente, o assunto tão aviltante não capturou o ideário da Academia, que sequer lembrou-se do ator, fotografia ou edição sonora da fita.

    1. Garota Exemplar, por Marcos Paulo Oliveira – Melhor Filme, Direção, Roteiro Adaptado

    GONE GIRL, from left: Ben Affleck, Rosamund Pike, 2014. ph: Merrick Morton/TM & copyright ©20th

    O horroroso, divertido e incrível novo filme de David Fincher, Garota Exemplar, conta a história de uma esposa e filha exemplar e adorável que desaparece quase sem deixar vestígios. Adaptação do livro homônimo, vemos todos os elementos para que o estilo sempre instigante de Fincher passeie pela superfície de diversos temas (casamento, mídia manipuladora, a vida de aparências, os medos masculinos) sob uma mesma tese: o poder da imagem. Grande parte do mérito da narrativa impecável está no roteiro, esculpido para ser perfeito, e na direção de Fincher, que faz aqui o Intercine dos Intercines. Sem medo de se render à breguice, ou a gêneros, o cineasta faz uma paródia fortemente marcada por um de seus traços mais marcantes como autor, que é o cinismo mordaz com que trata o espectador. Com tudo tão horrorosamente lindo, o casamento do cínico com o tragicômico é a única união realmente estável desta fita.

    Menções honrosas à atuação de Jennifer Aniston, em Cake, e a Bill Murray em Um Santo Vizinho; Festa no Céu ao prêmio de Melhor Animação; O Segredo das Águas, O Presidente, Blind para Filme Estrangeiro; Tudo Por Justiça, Edição de Som; e Vício Inerente, a inúmeras categorias.

  • Crítica | Quero Matar Meu Chefe

    Crítica | Quero Matar Meu Chefe

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    A tônica do discurso de Nick Hendricks (Jason Bateman) reprisa-se na “fatalidade” dos outros dois protagonistas, cuja única diferença é na dor causada por seus “superiores”. O foco da edição modernosa, cuja narração muito acrescenta ao conteúdo, é uma ode ao desconforto, um conformismo moderado, mas incomodado com algo básico: os desmandos de seu chefe, o autoritário Steve Wibie (Kevin Spacey). A causa do infortúnio de Dale Arbus (Charlie Day) é sua consultora, uma dentista fogosa chamada Julia Harris, vivida por Jennifer Aniston, exalando sexualidade para o pobre rapaz que quer manter-se fiel ao seu compromisso. As agruras de Kurt Buckman (Jason Sudeikis) não são exatamente relacionadas ao seu chefe, mas ao filho mimado e megalomaníaco deste, Bobby Pellitt (um Colin Farrell fazendo o melhor papel de sua vida), que repentinamente torna-se o responsável pela empresa em razão da doença de seu pai.

    O trio de atraentes homens de meia-idade tem uma autêntica encruzilhada dramática: trabalhar em suas respectivas carreiras em ambientes hostis, cujas oportunidades de crescimento são escassas, não importando seu alto nível de comprometimento e esforço em realizar um bom trabalho.

    Apesar dos múltiplos repertórios e das diferenças de personalidade que incorrem a cada um deles, na essência, o mesmo destino catastrófico recai sobre a existência deles. Dos sacripantas que ordenam a miséria na vida dos funcionários exemplares. A escolha básica deveria ser entre manter suas dignidades intactas, saindo do serviço e da miséria financeira, mais calamitosa ainda em tempos de crise, o que inviabiliza qualquer chance de saírem de seus postos. A única alternativa é fugir completamente da norma padrão, contratando um assassino de aluguel para se desfazer do incômodo que os acomete.

    Claro que, em se tratando de três espécimes sem qualquer experiência, o simples ato de procurar alguém para fazer o trabalho sujo teria que ser aventuresco, repleto de situações nonsenses. Após fracassar algumas vezes em arranjar um assassino, o trio é orientado a verificar os hábitos de seus mandantes para eles mesmos cometerem homicídio, com a responsabilidade trocada de acordo com o vínculo empregatício dos homens. Todo o estratagema é uma desculpa para se inserirem na intimidade completamente louca dos excêntricos próceres.

    As referências farsescas a filmes clássicos são diversas, desde Pulp Fiction até a despretensiosa comédia Trovão Tropical. A histeria causada pela falta de traquejo de Nick, Dale e Kurt só não é mais engraçada que todo o entorno de Bobby Pellitt. Nenhum aspecto de sua desfaçatez é minimamente aceitável para uma pessoa adulta. Todo o conjunto de ações de Bobby revela uma personalidade machista e fajuta, caricata ao extremo, tão ignóbil que ele se torna extremamente engraçado.

    O carisma dos “vilões”, tal como a completa falta de confiança que Harken sente de si mesmo e da esposa, faz de Quero Matar Meu Chefe um filme diferenciado. A experiência de Seth Gordon em comandar comédias televisivas faz com que ele seja a escolha perfeita para fazer transitarem suas piadas em núcleos diferentes, dando o mesmo nível de importância para cada uma das causas. O carisma, roteiro e loucuras da trama fazem com que a obra seja muito superior às comédias que percorreram os cinemas em 2011.

  • Review | Friends

    Review | Friends

    friendsNo começo, Monica (Courteney Cox) procurava uma colega para ocupar a casa com ela. Em uma Nova York repleta de sonhos e frases feitas, já se notava a total artificialidade das tramas. Friends começa como a maioria das relações envolvendo o sexteto:  entrando em colapso. Ross (David Schwimmer) acaba o seu casamento, vendo sua esposa se mudar para a casa de outra mulher. Logo no piloto, percebe-se a química entre ele e Rachel (Jennifer Aniston), que adentra o Central Perk com um vestido de noiva, uma vez que ela acabara de desistir (também) de seus planos matrimoniais.  Em comum entre o tragicômico casal, há uma eterna futilidade dentro das rotinas. A chegada do sexto elemento do grupo mexe com a vida de todos, inclusive daqueles que não conheciam a nova figura. O desespero de alma da novata faz com que Chandler Bing (Matthew Perry) não pareça tão patético, nem a vida de ator de Joey Tribbiani (Matt LeBlanc) aparente ser tão fracassada quanto realmente é, tampouco a tragédia de Phoebbe Buffay (Lisa Kudrow) torna-se mais significativa. A trajetória dos seis seria repleta de percalços, e eles poderiam contar um com o outro, dando suporte e ajuda ao próximo, como em um grupo de apoio.

    Friends marcou época na TV norte-americana e ganhou muita popularidade no Brasil, sendo, talvez, a sitcom mais viva na memória do público brasileiro, muito por causa do carisma de seus protagonistas, pelos risos fáceis e pela proximidade dos problemas dos seis personagens aos de muitos membros da classe média: eles são bobos, belos, com problemas de proporções pequenas, mas bastante reais, e costumam fazer um drama tremendo quando não enxergam a solução para os problemas de suas vidas. Seus trabalhos não são tão bem-sucedidos, no entanto esbanjam dinheiro com gastos provavelmente não condizentes com seus salários, e com situações tão díspares quanto a proporção que dão para qualquer coisa inerente relacionada às suas vidas ordinárias e medíocres. A completa falta de realizações faz com que qualquer ato, por mais bobo que seja, tenha uma dimensão enorme e especial.

    Os movimentos de insensibilidade de seus personagens são entendidos como momentos cômicos pelo nonsense, se valendo excessivamente de um comédia de equívocos, com discussões sobre as vicissitudes e dificuldades rotineiras em um café ao invés de um bar, ecos dos conservadores anos noventa.  Toda a timidez e incapacidade de se relacionar com outros seres são escondidas atrás de blusões e mangas excessivamente compridas e algodão barato. É incrível que basta um personagem baixo como Roger, vivido por Fisher Stevens, um psicanalista que namora Phoebe, acabar com a moral e autoestima de cada um dos membros do grupo de amigos, exibindo o quão mimados e inseguros eles são, uma vez que suas vidas são fundamentadas na futilidade.

    O único evento entrópico da primeira temporada é a não concepção do romance entre Rachel e Ross, fazendo com que o  inseguro paleontólogo, depois da falta de investidas, finalmente desista, se envolvendo com outra mulher em uma viagem de negócios. O segundo ano ainda incorre na questão amorosa, demorando certo tempo para que o namoro se consumisse em uma tentativa fracassada de emular a realidade, mostrando uma faceta artificial de como as relações entre homens funcionam.

    Os outros membros do grupo vivem suas vidas se relacionando ora sim ora não com pessoas pouco interessantes, repletas de comportamentos clichês e que, por isso, não conseguem manter relações muito duradouras. Aos poucos, os hábitos que faziam os protagonistas se diferenciarem entre si manifestam-se e tornam-se atos que deixam de ser rotineiros para virarem vício de linguagem. As tiradas super engraçadas de Chandler, a estupidez latente de Joey e o modo nonsense como Phoebe trata tudo e todos aos poucos tornam-se insuportáveis.

    O ponto que mantém o público ativo são os mais carismáticos enlaces, de Ross e Rachel, Chandler e Janice (Maggie Wheeler), e de Monica e Richard (Tom Selleck), os poucos que se mantém divertidos durante quase todo o tempo. Um dos plots que mantém o receptor ativo é o drama de Joey interpretando o Doutor Drake Romaray em uma novela, o que garante algumas risadas, além de uma pequena mudança no status quo do grupelho.

    A insistência com a nunca concebida por completo relação de Ross/Rachel é tão infantil que consegue elevar um romance improvável como o de Mônica e Chandler a níveis estratosféricos, fazendo dos dois o novo casal preferido dos fãs, estratagema que nasceu de uma das muitas idas e vindas do primeiro casal preferido. A química desgastada do primeiro par dá lugar a uma inesperada união, que dá certo especialmente pelo ineditismo e por não subestimar o espectador, enquanto o vaivém enfadonho do outro lado faz casamentos irem para a decadência sem nenhuma justificativa válida ou contrapartida dramaticamente interessante.

    Entre a quinta e sexta temporada, o roteiro explora as dificuldades que existem na relação entre os dois antigos amigos, Monica e Chandler, e como funciona a nova interação de ambos morando juntos como um casal. Na prática, há poucos problemas entre eles: as reclamações são por parte de Joey e Rachel, que se veem obrigados a crescer e agir como adultos, tendo que viver suas vidas longe de seus antigos colegas de quarto, encarando finalmente a maturidade, que teimava em cercá-los.

    Apesar de toda a morosidade do seriado de Marta Kauffman e David Crane, há uma demonstração clara de evolução de personagens, especialmente em esferas profissionais. Apesar de prosseguir cruel com seus pares amorosos, Rachel sobe de cargos na especialização em moda, tendo sua carreira construída de modo bem registrado. O mesmo não ocorre com Joey, que sobe degraus enquanto ator – e autor – de espécimes televisivos, mas que parece ser levado pela corrente com uma sorte atroz, algo que não condiz nem com seus dotes dramáticos, nem com seus esforços em estudar o método ou a melhora de sua escrita. Sua primeira criação, Mac and C.H.E.S.E.E., um programa em que um detetive interpretado por ele mesmo e acompanhado por um robô, é devidamente criticado por seus outros cinco amigos, que permanecem bastante falsos, sem a coragem de falar o quão ruim o programa é –, a hipocrisia segue inabalável, como todo o entorno conservador deles.

    Após o último evento importante da série, no fim do sétimo ano, com Monica e Chandler finalmente casados, quase não há mais o que se explorar, até que a gravidez de Rachel é revelada. O ano oito é monótono e mostra a lenta, gradual e tosca aproximação de Rachel com Joey, relegando os outros amigos a papéis secundários e desimportantes, tudo para forçar um romance sem a mínima química.

    A demora em concluir o seriado fez do último ano o mais repleto de momentos especiais, com poucos das comuns e enfadonhas reprises de acontecimentos e performances mais “queridas”. Finalmente Mike faz valer sua popularidade, mais baseada no carisma de Paul Rudd do que em qualquer outro fator. Paralelo a isso, é desenrolado o improvável e impossível romance entre Joey e Rachel, interrompido pela histeria de Ross, que emula o estranhamento do público com o estratagema.

    De positivo – e muito emocionante –, há a trajetória de Chandler e Monica em busca de formar uma família, mesmo com a esterilidade de ambos. A procura pela adoção de uma criança e a compra de uma casa maior simbolizam algo que faltou para toda a série: amadurecimento. A mudança para Westchester é a prova de que eles finalmente são adultos e cresceram, ao contrário de todo o teatro exibido durante os outros nove anos. A quebra do cenário principal, centrado no apartamento de Mônica, deveria ser a prova cabal de que o sexteto conseguiria se manter unido. O subúrbio seria o lugar ideal para o conservador casal constituir o seio familiar, distante dos afazeres de Nova York e da loucura de seus parceiros.

    O romance anunciado desde o primeiro episódio, estendido à exaustão, finalmente chega ao seu ápice com a dúvida de Rachel em deixar o país, seus amigos e Ross para se aventurar com a filha dos dois, que sequer tem dois anos, por um país europeu quase desconhecido. Até o dono do Central Perk, Gunther (James Michael Tyler), tem uma atitude mais drástica que o antigo namorado dela, no intuito de fazê-la frear a decisão da mudança. Após ver sua amada indo porta afora, ele finalmente se enche de coragem, invertendo o papel de perseguidor e perseguido visto no último episódio da primeira temporada. O portão de embarque se fecha, Rachel está pronta para ir embora, mas seu avião não decola – com efeitos dramáticos –, para mais uma vez encerrar, de modo lotado de comicidade e afeição, o reencontro do casal master da série.

    A emoção contida na despedida do apartamento era estampada no rosto dos seis atores, que contemplavam o vazio que seriam suas vidas e carreiras após o encerramento do episódio 238, focado nas seis chaves do apartamento, os objetos que quase nunca eram usados, visto que a porta estava quase sempre escancarada, aberta às experiências banais de cada um dos personagens e de seus pares ao longo da duração do programa. Friends se fecha após exaurir a própria fórmula, mas ainda atinge seus fiéis espectadores, provando que a repetição pode angariar novos fãs, louvando o fútil e a vida vazia, fazendo da mediocridade um alvo exemplar no rastro de Cheers e Seinfeld, por vezes até flertando com uma discussão maior, ainda que somente arranhe a superfície. Fato é que, apesar dos muitos defeitos e poucos momentos realmente engraçados, Friends consegue fazer muita gente se sentir representado.

  • Agenda Cultural 01 | Caçadores de Recompensa, Rita Cadillac e Uma Surra de Bunda

    Agenda Cultural 01 | Caçadores de Recompensa, Rita Cadillac e Uma Surra de Bunda

    Bem vindos a bordoFlávio Vieira (@flaviopvieira), Amilton Brandão (@amiltonsena) e Mario Abbade (@fanaticc) se reúnem para comentar tudo o que está rolando no circuito cultural dessa semana, com as principais dicas da semana em cinema, teatro, quadrinhos e cenário musical. Em uma linha alternativa de dicas atemporais, selecionamos alguns petardos interessantes dentro do ramo literário, além de explicarmos como será o formato que iremos adotar. Não perca tempo e ouça agora o seu guia da semana.

    Duração: 44 mins.
    Edição: Flávio Vieira
    Trilha Sonora: Flávio Vieira
    Arte do Banner: Gustavo Kitagawa

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    Comentados na Edição

    Quadrinhos

    Sandman: Edição Definitiva – Vol. I
    Resenha Homem-Aranha: Com Grandes Poderes

    Literatura

    Ilha do Medo – Dennis Lehane
    Resenha Os Senhores do Arco – Conn Iggulden
    O Hagakure: A Ética dos Samurais e o Japão Moderno – Yukio Mishima

    Música

    Marduk
    Placebo
    Bad Company – Hard Rock Live

    Teatro

    O Meu Sangue Ferve por Você

    Cinema

    Crítica Caçador de Recompensas
    Crítica As Melhores Coisas do Mundo
    Crítica Zona Verde
    Crítica Mary & Max
    Crítica Rita Cadillac: A Lady do Povo

    Produto da Semana

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