Tag: Toni Collette

  • Crítica | Entre Facas e Segredos

    Crítica | Entre Facas e Segredos

    Entre Facas e Segredos, novo filme do diretor Rian Johnsonn já começa dramático e um pouco sensacionalista, mostrando Christopher Plummer sangrando, com uma faca/punhal na mão tal qual o movimento suicida comum. Ele é Harlan Thrombey patriarca de sua família e escritor famoso, tão bem sucedido que seus filhos e netos tem uma boa vida muito graças ao seu trabalho e a fortuna decorrente da venda de seus livros e as pouco mais de duas horas de filme investigam os rumos dos últimos momentos do sujeito.

    Não há muita demora em mostrar flashbacks, de como era a rotina de Harlan, tanto com sua cuidadora Marta Cabrera (Ana de Armas), uma descendente de paraguaios que tem receio de ter sua mãe deportada, até sua relação com seus netos e filhos. O elenco é recheado de atores conhecidos, bons e/ou carismáticos, mas a realidade é que o filme é muito mais que apenas uma boa demonstração de um bom elenco.

    Os cenários, fotografia e figurinos fazem lembrar tipos de filme bem distintos. As cores muito vivas fazem lembrar as produções antigas da Hammer, ainda que a obra de Johnson seja atual, a atmosfera de mistério faz lembrar um Noir colorido enquanto as curvas do roteiro de Johnson lembram demais o jogo de tabuleiro Detetive/Clue (isso é inclusive é dito por um dos personagens), mas as reviravoltas só fazem sentido graças a dois fatores principais: Daniel Craig, que faz o engraçadíssimo detetive particular Benoit Blanc, e claro, a ingênua e sincera Marta, que apresenta um papel dramático para de Armas que vai muito além da beleza ímpar que ela tem e que sempre foi explorada para resultar em uma jovem sonhadora, prestativa e que tem dificuldades severas em mentir.

    A tensão e o suspense são enormes no filme, e por incrível que pareça o desempenho de Chris Evans é soberbo, mesmo que ele seja um ator limitado. Os momentos em que ele interage com Plummer são de uma qualidade enorme, que fazem lembrar um esquema teatral shakespeariano, assim como todas as discussões familiares envolvendo Michael Shannon, Toni Collette e Jamie Lee Curtis também fazem muito sentido, e produzem no espectador um misto de riso solto com lamentação pela enorme vergonha alheia que essas pessoas protagonizam, tanto na questão de serem pessoas do mesmo sangue se digladiando pelos espólios da herança, como a ganancia misturada com egoísmo que decorre após a leitura do testamento de Harlan.

    O fato de ter tantos mistérios e reviravoltas faz desse Entre Facas e Segredos uma historia que lembra demais as tramas de Arthur Conan Doyle, Agatha Christie e Ian Fleming, com o melhor das tramas rocambolescas desses três autores, com pitadas de drama familiar de Nelson Rodrigues (excluindo daí claro o fato incesto, muito presente nos rodriguianos), mas algo que faz desse um diferencial é a leveza cômica com que é levado, apesar de tratar de temas pesados como homicídios, brigas familiares e desespero financeiro, tudo é ridiculamente hilário e escandalosamente divertido.

    Rian Johnson dividiu opiniões em seu Os Últimos Jedi, bastante injustiçado diga-se já que o filme além de corajoso ainda é dramaticamente bem encaixado, mas mesmo os que torceram o nariz para os rumos que ele escolheu para a saga de George Lucas deverão se sentir abrasados e entretidos por esse, excluindo claro alguns fãs acéfalos de Star Wars. Este é um produto bem diferente de tudo que ele já havia feito, uma obra que valoriza o cinema de mistério que não deixa nada a desejar para as historias de Holmes e Watson que Basil Rathbone protagonizava, misturando esse estilo com as paródias de Mel Brooks e Gene Wilder, conseguindo em seu final ainda alfinetar os extremistas de direita dos Estados Unidos e a burguesia e elite cafona do país, desdenhando deles e mostrando o quanto são frágeis sem o aporte financeiro que eles normalmente tem. Entre Facas e Segredos é um pequeno espetáculo, que emula tão bem os moldes teatrais que faz toda a torpe jornada parecer uma opereta, é divertido, direto e bem engraçado.

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  • Crítica | Hereditário

    Crítica | Hereditário

    Terror que gerou uma enorme repercussão entre os cinéfilos mais ávidos pelo gênero, Hereditário é um longa de Ari Aster, cineasta que costumava fazer filmes indies e carregados de drama. A história mostra a família Graham, capitaneada pelos pais Annie (Toni Collette) e Steve (Gabriel Byrne), além dos filhos Peter (Alex Wolff) e a portadora de necessidades especiais Charlie (Milly Shapiro). A vó da família falece e a partir daí coisas estranhas começam a acontecer no núcleo familiar, como se a influência da falecida ainda pairasse sobre eles.

    A ligação da matriarca com Charlie era muito intensa quando ela era viva, e aparentemente é com a adolescente que ocorrem os eventos mais estranhos e diferenciados. O começo e o meio do filme se dedicam a criar uma aura de suspense e ansiedade no espectador, trazendo um incômodo terrível e uma sensação de que a qualquer momento algo ruim acontecerá. Os cenários desoladores, a disposição da luz que prioriza tons de cinza e o clima enevoado solidificam essa sensação. O tom muda completamente quando um incidente estranho muda a perspectiva da família inteira, possivelmente remetendo a uma espécie de maldição, provinda do nome título do longa.

    Esse ponto de ruptura muda o caráter visual da história. A partir desse ponto o texto se foca nos comportamentos obsessivos e até esquizofrênicos que são vistos nos familiares, e a forma da influência externa que parece imperar no filme se manifesta em cada um dos membros do clã de forma diferenciada. O modo de lidar com a dor desencadeia inúmeras paranoias. O terror do filme mora nessas manifestações e duas delas se destacam, em especial a da mãe, Annie, que sofre achando que poderia ter evitado o que aconteceu com os seus, tendo sonhos estranhos e quase premonitórios sobre os agouros aos seus familiares, além de um comportamento passivo-agressivo terrível.

    Já Peter é corroído por um sentimento de  culpa e começa a cometer atos de autoflagelação, em atitudes que lembram as descrições de possessões demoníacas nos autos de exorcismos das igrejas antigas. Excluindo a possível influencia espiritual que os Graham podem estar sofrendo, todos esses sentimentos podem ser encaradas somente como o cumprir da culpa que cada um deles carrega, o remorso pelo descuido com quem eles amavam, algo bastante comum em especial nos grupos familiares que vivem diante da modernidade dos tempos atuais, onde mal se tem tempo para conversar.

    Essa duplicidade de intenção maligna, sem conseguir manifestar de maneira categórica como influência sobrenatural malvada é uma das riquezas de Hereditário. Mesmo quando o filme se mostra expositivo há uma dualidade, deixando viva a possibilidade de ser ali mais um devaneio, um pensamento movido pela insanidade decorrida dos fatos terríveis que se acometeram sobre a família após a progressão do luto.

    O longa consegue ser assustador por ser tangível, por conter personagens humanos e bastante comuns. Há nele uma semelhança muito forte com o terror recente A Bruxa, principalmente no quão aberto e misterioso é seu final, ainda que seja ainda mais fácil se identificar com os personagens desse do que os do filme de Robert Eggers, por conta do campo de realidade aqui ser mais próximo da atualidade e por tratar de anomalias mentais facilmente identificáveis, além da carga relacionada à religiosidade ser mais palpável aqui. Seja qual for o viés pensado para o horror, o produto de Aster é bem servido e causa espécie em quem o assiste.

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  • Crítica | xXx: Reativado

    Crítica | xXx: Reativado

    Uma década e meia depois do início da franquia, o terceiro episódio de Triplo X troca a base de suas referências, saindo das homenagens à 007 para reverenciar Ethan Hunt, em especial os filmes Missão Impossível, de Brian de Palma, e o recente Missão Impossível: Nação Secreta, de Christopher McQuarrie. O diretor de Eu Sou o Numero 4 e O Quarto dos Esquecidos,  D.J. Caruso toma um cuidado especial para em seu xXx: Reativado renovar também o mote das aventuras mentirosas que usaria de inspiração, fazendo um compilado honesto de quase todos os produtos de ação que fizeram sucesso pós 2002, ano do primeiro filme da série.

    O preâmbulo do filme é diferente da parte um e do malfadado Triplo X – Estado de Emergência, com o recrutador Gibbons (Samuel L. Jackson) fazendo seu trabalho, ao conversar com o jogador de futebol brasileiro Neymar, sendo esse somente um dos muitos famosos que fazem ponta no filme. Uma trama misteriosa se apresenta, pondo ingredientes de mistério, conspiração e quebra de segredos de Estado em pauta. A crise faz Jani Marke (Toni Collette) – a nova mandatária do projeto Triplo X – tentar recrutar Xander Cage (Vin Diesel), a fim de tentar reaver um artefato que controla os satélites em volta do globo terrestre, bem como informações básicas de espionagem internacional.

    Esses satélites são usados como armas, por um grupo terrorista, que as faz cair sobre a superfície do planeta, fato que faz um número grandioso de vítimas. As coincidências de roteiro (cujo texto está a cargo de John D. Brancato e Michael Ferris) tratam não só de repetir os clichês e frases de efeito do primeiro filme, como também põe a frente duas equipe de agentes, uma de heróis e outra de antagonistas, composta por outros astros, como Donnie Yen, que faz Xiang, Tony Jaa (Talon) e pela voluptuosa Serena (Deepika Padukone). Aos poucos é revelado que a origem dos vilões e mocinhos não são tão diferentes, e esse fato serviria como a gênese de um dos muitos plot twists do texto.

    Há ainda espaço para banalidade na discussão a respeito da paranoia extrema do mundo atual, como o momento em que Serena e Cage discutem os significados de suas tatuagens, mas incrivelmente há uma conexão com o cinema de ação atual que não foi vista em filmes que deveriam ser mais inspirados, a exemplo de 007 Contra Spectre e Jason Bourne.

    Os exageros típicos dos filmes de super espiões não chega a ser incômodo, uma vez que Reativado mergulha tão bem dentro de seu escapismo que até a subversão da suspensão de descrença não soa tão pueril e infantil quanto nos outros dois capítulos. Toda a pretensão de parecer um panfleto adolescente e pseudo revolucionário típica da primeira história escrita por Rich Wilkes dá lugar a um filme de ação divertido e que não tenciona ser mais inteligente do que realmente é. Até os efeitos de Deus ex machina são críveis dentro do produto final, uma vez que fazem troça com o clichê das histórias de ação, que resgatam personagens secundários com uma facilidade atroz.

    Caruso não ignora sequer os defeitos de seus antecessores, mostrando em uma das cenas finais uma explosão que faz lembrar os piores momentos dos filmes de Rob Cohen e Lee Tamahori, referenciando isso sem perder a espontaneidade ou identidade do seu próprio filme.

    Se Diesel peca por não ter qualquer presença visual ou carisma, seus coadjuvantes ajudam a manter a atenção do espectador em alta, especialmente na atuação de Yen, que se demonstra um anti-herói com muitas camadas apesar de seu pouco tempo de tela. Mais do que isso, as sequências de ação fazem lembrar as que Paul Greengrass começou a fazer em A Supremacia Bourne e o suspense do longa emula a boa construção que Christopher Nolan deu a trilogia Batman. O cineasta consegue resgatar os bons momentos de sua própria carreira, quando dirigia episódios de The Shield, conseguindo enfim harmonizar a questão do Grande Irmão presente em 1984 sob uma roupagem mais moderna, que explora evidentemente só a superfície do conceito mas que não soa estúpida para as plateias mais ansiosas por boas tramas. No quesito ação, xXx: Reativado é um surpresa muitíssimo agradável, mesmo para quem não é aficionado por Vin Diesel ou Xander Cage.

  • Crítica | O Sexto Sentido

    Crítica | O Sexto Sentido

    O Sexto Sentido - poster

    Após quinze anos de lançamento, não é exagerado afirmarmos que o desfecho de O Sexto Sentido é conhecido por grande parte do público. Desde sua estreia, a obra recebe elogios e foi responsável pelo destaque a M. Night Shyamalan, que dirige uma trama sobre um garoto que vê fantasmas e é ajudado por um psicólogo juvenil, em um suspense que reverencia o cinema de Alfred Hitchcock.

    A qualidade desta produção e uma consequente exigência do público de que outros filmes do diretor apresentassem um plot twist surpreendente e bem realizado talvez tenham sido significativas na derrocada de sua carreira, hoje quase sem credibilidade. Parece absurdo que este mesmo diretor, que na época conquistou comparações exageradas com o mestre do suspense – uma inspiração confessa de Shyamalan –, tenha realizado posteriormente uma adaptação regular do excelente desenho Avatar, feito um suspense bizarro sobre a natureza em Fim Dos Tempos e uma insossa ficção científica com Will Smith e o filho.

    O Sexto Sentido é um excelente thriller psicológico, bem executado no roteiro e na direção. Bruce Willis ainda era um ator de renome, em uma posição confortável de papel de destaque em filmes de ação – atualmente, Willis parece ter voltado somente para salvar filmes do gênero do desastre completo, vide G.I. Joe: Retaliação, R.E.D. – Aposentados  e Perigosos –, uma vertente interpretativa perdida em sua velhice. Confiando em sua performance, o ator é um premiado psiquiatra infantil que trata infantes com distúrbios mentais ou sociais. Após um evento traumático envolvendo um antigo paciente, o Dr. Malcolm Crowe estuda o caso de Cole Sear, um garoto tímido e deslocado socialmente.

    Abandonado pelo pai na infância, Cole estabelece uma relação paternal com Malcolm, transformando-o no único adulto confiável de seu círculo. A perda do pai é a primeira ruptura familiar do garoto, e também o princípio traumático que trazem à tona suas visões fantasmagóricas. Consciente de que nem todos são capazes de ver as entidades, o garoto teme contar seu problema à mãe por medo de rejeição. Enquanto a matriarca possui dois empregos para manter o sustento familiar, ela parece desconhecer ou ignorar os abusos que o filho sofre na escola.

    Manipulando tradicionais conceitos do terror, o roteiro estabelece uma boa justificativa para a presença de espíritos no mundo real, a mesma base presente em dogmas de certas religiões. Os espíritos seriam seres desencarnados que ainda desconhecem a própria morte e, por isso, permanecem na presença dos vivos. Manifestações físicas aparentemente com baixa temperatura, objetos que se movem, seriam tentativas de contato destes espíritos.

    Esta abordagem transforma a sugestão no melhor recurso cênico para provocar medo. Nem sempre o horror é visto na tela, mas imaginado pelo público com base em seus medos internos. Shyamalan realiza bonitas cenas em uma linguagem cinematográfica própria e repleta de símbolos visuais. O uso do vermelho indica cenas de maior tensão sobrenatural, um detalhe que permite ao espectador, em uma segunda exibição, observar as pistas dadas pelo roteiro até a revelação no desfecho da trama.

    A edição, com cenas breves e finalizadas em um rápido fade-out, passa a impressão de uma narrativa entrecortada. Somente ao final do filme, compreendemos o motivo da narrativa elíptica, que amarra suas histórias em pequenos três atos. Primeiro, o caso de Cole encerrado pelo Dr. Malcolm. Ao propor ouvir os mortos, o garoto encontra paz à sua maneira. Pressupomos que ele será um destes mediúnicos que dialogam diretamente com o outro mundo, à procura de ajudar mortos na passagem além-vida. Em seguida, Cole faz as pazes com a mãe em uma bonita cena em que revela sua percepção sensitiva ao observar os mortos em um acidente de trânsito à sua frente. Talvez em seu pensamento infantil, o garoto nunca imaginaria que a mãe poderia aceitá-lo. Por fim, o gancho que muda a perspectiva do roteiro e, sem dúvida, produz uma boa revelação.

    Diante desta informação, rever a obra é procurar pistas e inferências, inseridas, em cenas, diálogos e cenários, por Shyamalan. Na cena em que Cole revela ao doutor sua capacidade de ver fantasmas, a cena seguinte é um close no rosto de Bruce Willis. Em seguida, ao comentar sobre a falência de seu casamento, o psiquiatra menciona a mudança da relação após um problema – o acidente no início do filme. Um jogo que expõe pistas ao público de maneira pontual, até o final revelador.

    Mesmo visto após conhecer a revelação, o suspense estabelecido e a tensão dramática da obra ainda produzem um intenso thriller. Bom motivo que trouxe popularidade ao diretor, com um perfeito equilíbrio que nunca mais conseguiu compor. Chega ser espantoso que, hoje, ainda viva à margem deste brilhante filme sobre espíritos.

  • Crítica | Uma Longa Queda

    Crítica | Uma Longa Queda

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    Pessimista e catastrófico, ainda que de um modo leve e agridoce, tratando a morte como algo comum e inerente à existência humana. O fim da trajetória chamada vida não precisa ser algo triste ou digno de choro. Mais que isso: a naturalidade do suicídio é algo presente nas palavras de Martin Sharp, um senhor de meia-idade e famoso apresentador de TV vivido por Pierce Brosnan, e que é o primeiro contador da história de Uma Longa Queda (A Long Way Down), o novo filme de Pascal Chaumeil baseado no texto original de Nick Hornby.

    Em um evento inesperado, de caráter completamente entrópico, Sharp, naquela noite de réveillon, conta com a presença de outras três pessoas que também querem cometer a própria morte, primeiro Maureen (Toni Collette), depois Jess Crichton (Imogen Poots) e J.J. (Aaron Paul). Entre eles há pouco em comum. O repertório e estilo de vida dos personagens são completamente singulares, e cada um contém o seu próprio microcosmo com razões suficientes para odiar a vida. Em comum, somente a aflição da alma. A interação do quarteto mais lembra uma esquete teatral de cunho tragicômico do que um filme. Com o tempo, os personagens se afeiçoam e passam a estimar uns aos outros, projetando cuidado e apoio mútuo aos colegas. Após sofrer uma overdose, Jess, a mais nova e incendiária do grupo – e ainda em recuperação -, sugere que os quatro selem seu destino suicida juntos, dali a seis semanas, no Dia de São Valentim, a segunda data em que mais acontecem suicídios, atrás apenas da virada do ano em incidência desse tipo de caso.

    Em determinados pontos da trama, o narrador dá voz a um dos quatro suicidas, alternando-se. A variação da linguagem explora alguns motivos para a precoce interrupção da vida, como a invisibilidade social, excesso de burocracia, dificuldades de conviver com a própria família, a sensação intermitente de que a vida passa diante dos olhos. Em resumo, a causa que contorna todas as vidas é a da infelicidade motivada pelo sentimento inexorável de solidão.

    Apesar da propensão de Hornby para contar histórias cômicas, o roteiro de Jack Thorne tem um viés muito mais dramático, mostrando o quão intragável é a vida dos personagens e o quão difícil é viver em meio às mentiras que os próprios kamikazes inventam para aplacar ou amenizar o seu sofrimento. A história da morte coletiva planejada vaza para a imprensa, que trata de explorar o circo midiático o qual naturalmente atravessa toda a situação. Graças ao entorno da vida de alguns dos personagens, é interessante para os canais explorar o curioso e fracassado fim da vida, mas a atenção dispensada a eles é pequena, apesar das expectativas de Sharp, que até neste momento derradeiro de sua trajetória se sente humilhado e pouco valorizado.

    Como já era esperado, o pacto foi quebrado, assim como a amizade entre os iguais. A esperança que existia em virtude da união também se esvaiu, e cada um deles tem de lidar com a sua rotina de modo diferente, uma vez que o fim das suas vidas foi postergado novamente.

    Talvez a questão maior do filme esteja em discutir os métodos usados pelos homens para lidar com o que é inevitável. A insistência em sentir-se impotente diante das dificuldades mundanas faz com que este mesmo homem esconda-se, faz com que tenha medo de enfrentar os seus demônios. A existência dessas sensações nem sempre é evitável, uma vez que a maioria dos obstáculos não é inventada pela cabeça do suicida.

    Procurar uma saída digna para as dúvidas referentes à continuidade da vida é o melhor e mais otimista ponto da história de Nick Hornby, que, apesar de cair em algumas armadilhas piegas, consegue passar uma história simpática, capaz de fazer o público se importar com seus personagens, uma vez que eles são como arquétipos. Pessoas reais como as que cruzam as ruas todos os dias e que têm de tocar as suas próprias vidas sem fórmulas mágicas, nem garantias de finais felizes.

  • Crítica | O Verão da Minha Vida

    Crítica | O Verão da Minha Vida

    o verão da minha vida

    Curiosidade: os produtores e o elenco são de filmes consagrados pela maioria do público, crítica e premiações. Indagação automática: por que esse filme não fez sucesso na temporada de prêmios entre 2013 e este ano? Resposta: O Verão da Minha Vida é uma aula de como desperdiçar um ótimo elenco com um rascunho que ousaram chamar de Cinema. Um mundo de aparências, afinal.

    O filme começa e termina feito uma cópia menos inspirada e mais broxante da modesta obra americana recente de Alexander PayneOs Descendentes, com ideias, cortejos e arranjos individuais bem semelhantes à película, mas que não consegue achar o adendo louvável que diretores, com o talento genuíno de Payne, trazem através de sua pegada no material, tratamento e calor aos produtos – os quais, mesmo que adaptados de livros, caso dos dois filmes, chegam nas mãos dos cineastas ainda em estado bruto, carentes de lapidação e fomento artístico. Os escritores de Descendentes, sob influência de fórmulas que também deram certo, como Pequena Miss Sunshine e Juno, conseguem a proeza de rodar um filme de contexto semi-inexistente e mostram que têm fogo de palha nas veias e não seguram por um segundo sequer o interesse e a evolução gradual do filme, jamais linear do começo ao fim; tão imaturo quanto os irritantes personagens adultos, que agem como adolescentes de quatorze anos, e os adolescentes, espécies de virgens melancólicos mimados que tentam amadurecer no fluxo de esquetes frias e gratuitas que forjam a vergonha de conter semelhante projeto no currículo de qualquer um.

    É justamente esta a razão de ser do filme: mostrar, sem densidades além da superfície, os contrastes de gerações. Uma quer ser igual à outra, com a primeira com mais vontade que a segunda, e por isso, corre para se modernizar, evitando ser esquecida pela modernidade, enquanto ela mesma esquece seu lugar de direito na vida dos filhos. Contudo, é de se louvar, em meio a uma incômoda disfuncionalidade crônica da história, as veredas que a trama ganha na narrativa regimental, mesclando as personagens idiotas com uma agradável leveza que aflora das doces intenções, na visível tentativa de tornar tudo menos unilateral do que é, nesta irreversível “quase-tragédia” anunciada após as primeiras sequências, cheias de risadas e piadas fúteis sobre uma sociedade fútil com problemas e dilemas fúteis – ainda que universais – no jogo imagético da eterna reprodução.

    Feel Good Movies são malditos: podem ser muito bons ou muito ruins, tiros no escuro. E esta não é a única maldição por aqui. Steve Carell tenta a todo custo nos fazer esquecer de seu marcante protagonista na série The Office, mas, à parte de seus esforços, sua veia cômica aflora nos momentos dramáticos – ou que tentam ser e nunca são, na verdade – na cadência fraca e apática de um filme inexpressivo em demasia, portanto exagerado em um sentido contrário e pouco usual no mural dos exageros, causados geralmente por abundâncias. A rasa crosta de existencialismo não aponta a aspectos surreais ou de propriedade na produção, todavia, quem disse que O Verão da Minha Vida desiste de nos fazer acreditar que tal vida e as condições nas quais a tocamos pra frente não são duas coisas completamente diferentes? Perdão aos envolvidos, mas… Errado! Como já sugere a imagem acima, nós estamos ligados uns aos outros pela esperança de ficarmos completos, nalgum dia de sol, talvez.

  • Crítica | À Procura do Amor

    Crítica | À Procura do Amor

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    A vida de Eva (Julia Louis-Dreyfus) está um caco, sua rotina no trabalho é mostrada como algo desprazeroso e pesaroso, e sua vida amorosa não tem tido grandes momentos ou empolgações… Até que esta vai a uma festa, e sua perspectiva muda após conhecer Marianne (Catherine Keener), uma mulher resoluta e interessante, e um pouco mais tarde, um sujeito de meia-idade e não muito atraente chamado Albert (James Gandolfini), que mesmo com esses atributos, se destacou da maioria dos homens presentes por seu ar de indiferença.

    Algo incomum ocorre nas relações de Eva, mesmo com os amigos mais íntimos, as conversas não acontecem face a face quando não são necessárias – ela faz largo uso do skype, artifício que poderia ser encarado como um substituto ao telefone, mas que também dá margem para a interpretação disto ser um traço de impessoalidade em sua senda, principalmente se analisados os seus defeitos. Sua insegurança se apresenta sob diferentes formas, seja nas relações distantes já destacadas como também na necessidade de aceitação que tem junto as pessoas, de precisar sempre agradar terceiros para se sentir bem. Isso só parece ser realmente quebrado com a aproximação de Albert.

    Enough Said é uma comédia que se baseia bastante nos constrangimentos inerentes a meia-idade. Eva passa por conflitos comuns, como a falta de atração por seu parceiro sexual, insegurança quanto ao futuro da relação e, levemente, teme o que terceiros poderão achar de uma relação que começa após os 40/50 anos, período em que as “expectativas” (com muitas aspas, para não correr o risco de parecer um comentário preconceituoso) são mais prováveis para a chegada de netos, ao invés de namorados.

    Eva e Albert estão em momentos muito parecidos, são divorciados, sentem-se como almas ao leo, fora de seu lugar de direito, não só quanto ao amor, mas também se enxergam deslocados quando se vêem a frente de suas filhas. O claro choque de gerações os constrange, os hábitos alimentares e sexuais de seus rebentos os deixam admirados de forma negativa, mas eles não precisam fazer grandes dramas em relação a isto, a reação de ambos a isso é de resignação, como quase todas as respostas que dão para as situações corriqueiras.

    A situação constrangedora que chega a Eva a faz mudar ao ponto dela deixar de ser ela mesma, e passa a emular as reclamações e experiências de outrem. Passa a ser taxativa com Albert e o critica de tal forma que ele sente-se magoado. Os remendos que faz tornam sua vida ainda mais difícil que antes, e ela experimentara cada vez mais a rejeição daqueles que importam para ela. Uma postura tão dobre pouco combina com uma pessoa adulta, e Eva abusa disso quando não consegue administrar seus sentimentos. À Procura do Amor trata do medo da criação de expectativas e da permissividade de (re)viver sensações tipicamente juvenis.

    A imaturidade da protagonista é uma demonstração de que a prudência não necessariamente vem acompanhada da idade ou do tempo de vida. A realizadora Nicole Holofcener faz uma direção comedida, dando espaço para as boas atuações de seu elenco. Gandolfini e Dreyfus trabalham bem. O fato de não haver muita química entre os dois é desconfortável e serve a trama, enfatizando o quanto ambos são deslocados e se sentem inadequados. Eles não são um casal típico de filmes açucarados, tanto que o desfecho do filme não se dá com um romântico beijo, e sim com uma piada constrangedora, mais uma vez sobre as expectativas que cada um carrega para si e para os outros.

  • Crítica | Mary e Max

    Crítica | Mary e Max

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    O que aconteceria se você recebesse uma carta de um completo estranho que mora do outro lado do mundo? É com essa premissa que o filme Mary e Max se desenrola. Trata-se de uma animação em stop motion em estilo massinha (como em O Estranho Mundo de Jack e Fuga das Galinhas), baseada em fatos reais. Dirigido e roteirizado por Adam Elliot, o filme conta com a participação das vozes de Toni CollettePhilip Seymour HoffmanBarry Humphries entre outros.

    A história se inicia a partir do momento em que Mary, uma garotinha de oito anos, que mora na Austrália, resolve enviar uma carta a uma pessoa aleatória nos Estados Unidos da América ao ver uma lista telefônica do local. Em Nova York, Max, um senhor de quarenta e quatro anos e vítima da síndrome de Asperger, recebe a carta da garota e resolve respondê-la. A partir desse momento, inicia-se uma amizade por correspondência entre duas pessoas diferentes e que vivem em contextos de vida completamente diferentes.

    A narrativa do filme é precisa e envolvente e com certeza fará com que muitas pessoas se identifiquem com situações, sentimentos e pensamentos, os quais são muito bem explorados já que a todo instante o filme abre espaço para definir características dos personagens apresentados. Mesmo apresentando requintes de humor durante a história, é com certeza uma animação voltada para o público adulto, pois apresenta temas como suicídio e uso de drogas. Os cenários combinam com a trama melancólica do filme, sendo apresentada uma contraposição em tons de marrom (na Austrália) e cinza (em Nova York). Essa contraposição de cores é interessante, pois explicita as diferenças entre as personalidades dos personagens, já que de um lado encontramos uma garota curiosa por descobrir o mundo, e do outro lado temos um homem que tem medo de explorar o mesmo.

    Mary e Max é uma história sobre solidão e amizades. Em um mundo imperfeito, temos que aprender a viver com nossos defeitos e conviver com os outros. Por mais que as pessoas sejam diferentes entre si, Mary e Max nos mostram um belo exemplo de que no fundo temos mais em comum do que realmente imaginamos.

    Texto de autoria de Pedro Lobato.

  • Agenda Cultural 01 | Caçadores de Recompensa, Rita Cadillac e Uma Surra de Bunda

    Agenda Cultural 01 | Caçadores de Recompensa, Rita Cadillac e Uma Surra de Bunda

    Bem vindos a bordoFlávio Vieira (@flaviopvieira), Amilton Brandão (@amiltonsena) e Mario Abbade (@fanaticc) se reúnem para comentar tudo o que está rolando no circuito cultural dessa semana, com as principais dicas da semana em cinema, teatro, quadrinhos e cenário musical. Em uma linha alternativa de dicas atemporais, selecionamos alguns petardos interessantes dentro do ramo literário, além de explicarmos como será o formato que iremos adotar. Não perca tempo e ouça agora o seu guia da semana.

    Duração: 44 mins.
    Edição: Flávio Vieira
    Trilha Sonora: Flávio Vieira
    Arte do Banner: Gustavo Kitagawa

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    Comentados na Edição

    Quadrinhos

    Sandman: Edição Definitiva – Vol. I
    Resenha Homem-Aranha: Com Grandes Poderes

    Literatura

    Ilha do Medo – Dennis Lehane
    Resenha Os Senhores do Arco – Conn Iggulden
    O Hagakure: A Ética dos Samurais e o Japão Moderno – Yukio Mishima

    Música

    Marduk
    Placebo
    Bad Company – Hard Rock Live

    Teatro

    O Meu Sangue Ferve por Você

    Cinema

    Crítica Caçador de Recompensas
    Crítica As Melhores Coisas do Mundo
    Crítica Zona Verde
    Crítica Mary & Max
    Crítica Rita Cadillac: A Lady do Povo

    Produto da Semana

    Boneca Inflável Cleópatra

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