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  • Review | Alta Fidelidade – 1ª Temporada

    Review | Alta Fidelidade – 1ª Temporada

    Maior que uma homenagem, Alta Fidelidade é uma jornada de amadurecimento.

    Em dias de isolamento social, uma série que é um afago para os corações obcecados por música e assumidamente depressivos. Alta Fidelidade, o cultuado livro do Nick Hornby que já havia virado um filme dirigido por Stephen Frears acabou de ganhar também sua série. Lançada no último fevereiro no Hulu,canal de streaming da Disney, essa nova versão reverencia o romance e ao mesmo tempo o filme de várias maneiras, fazendo uma atualização considerável na tentativa de contar uma história mais atraente e palatável para um novo público.História que ainda conversa com muita gente, que se vê representada nesse mundo e por alguns de seus personagens,crentes que a cultura pop é o que existe de mais importante na vida. A série é capaz de agradar quem faz seu primeiro contato com Alta Fidelidade, mas funciona muito melhor para os adeptos da filosofia de Hornby em sua obra mais aclamada.

    Ao longo dos últimos trinta anos, Rob (Fleming no livro e Gordon no filme) ganhou status de ícone entre uma juventude fissurada por rock e mal ditava sua miséria pessoal às músicas que viveu escutando e às letras tristes que moldaram sua personalidade. Sem olhar para o próprio umbigo, prega que esse consumo é o que está de fato consumindo as almas de milhares de adolescentes no mundo. Para ele, a culpa da tristeza massiva é da indústria cultural e as pessoas, engolidas por esse fenômeno, nem desconfiam.

    Exaltado por esses vícios e exageros, mas estagnado no mesmo emprego sem qualquer perspectiva de melhora, ruim de grana e persistindo em culpar os outros por tudo de errado em sua vida, não há culto que se sustente.Virou consenso que esse protagonista é o tipo de arquétipo que precisa ser superado. Já que ele não apresenta qualquer redenção em sua trajetória. Rob, começa a história sem entender porque a Laura, sua última companheira o deixou. Durante esse percalço todo ele até descobre, mas não toma qualquer atitude a respeito disso. E termina com Laura mesmo assim, depois de prejudica-la bastante.

    Esse dilema está no coração da nova roupagem de Alta Fidelidade. Como os “desvios de caráter” tratados no filme de vinte anos pegam mal, a produção viu na segunda adaptação uma oportunidade de mudar as coisas. Fazer do protagonista um melhor exemplo (?!), mas ainda problemático. Então, a ideia da mudança mais significativa que esse reboot apresenta: Rob agora é uma mulher do Brooklyn, vivida por Zoe Kravitz. Menos explosiva, mais simpática e igualmente paranoica e apaixonada por seus discos. A Rob da Zoe também não se redime. Se mostra egoísta e não tem medo de ferir os outros, mas não é nem de longe a bomba atômica que John Cusack encarnou um dia.

    Proprietária de uma loja de discos, ela está passando por uma fase turbulenta no amor. Seu relacionamento acabou de maneira traumática e seus últimos dias andam terrivelmente angustiantes por não conseguir emplacar mais nada após esse término. Teve oportunidades, conheceu (e está conhecendo) gente, mas continua perdida. A coisa mais charmosa na história ainda é esse ponto: quem nunca teve o coração partido a ponto de isso destruir completamente sua rotina? Te fazer evitar trabalho e amigos? Rob passeia por todas as esferas de sua vida, relembra os traumas de relacionamentos anteriores, sua relação com a loja e com seu irmão, para chegarmos até o que importa: o quanto esse problema significa pra ela, e claro, isso é realmente um problema?

    Essa abordagem é mais próxima da história original de Hornby. Ao se aproximar mais de Rob como alguém que está emocionalmente quebrada e ao invés de partir para uma guerra contra o EX, ela vai se conhecer melhor. E fazendo isso ao longo de alguns episódios, permite que acompanha a série também se aproxime de Rob e do seu universo. O próprio capítulo que vai contar o background de Simon, ex-namorado dela e hoje atendente de sua loja é uma excelente adição e enriquece o vínculo com tudo o que se passa na trama.

    Muitos tributos são prestados. Coisa que só tem no livro é citada, coisa que só acontece no filme é citada e situações que acontecem nos dois também… As vezes indiretamente e as vezes – palavra por palavra.Até o figurino acaba sendo revisitado. Zoe Kravitz é filha de Lisa Bonet, que faz a Marie De Salle no filme… Mas esses sinais que são distribuídos ao público não são o que define a nova série.A personalidade da protagonista e as pessoas à sua volta são praticamente um começo do zero, claro, com o devido respeito àquilo que é sua fonte.Simon e Cherise são Dick e Barry em sua essência, mas ao serem traduzidos para o ano de 2020 e com a possibilidade de serem melhor trabalhados, eles oferecem mais.

    Para o piloto, a série apresenta na direção o ex-baixista dos Lemonheads, Jesse Peretz que previamente já havia trabalhado numa outra adaptação de Juliet Nua e Crua enquanto quem dirige a maioria dos episódios da série é Jeffrey Reiner (responsável por alguns episódios da segunda temporada de Fargo). É importante que sejam essas pessoas trabalhando em Alta Fidelidade porque é o que ela tem de melhor para oferecer é a imersão e intimidade com as ruas do Brooklyn, com os bares visitados, com a música pulsante, a loja de Rob e com as vidas das pessoas que circulam por ali. O toque de rock que eles trazem possibilita essa magia, especialmente, num momento em que as pessoas se encontram limitadas no que diz respeito a ocupação de espaços.

    É difícil trazer um clássico para conversar com outra geração, e até arriscar passar através dele uma nova mensagem também. Mas Alta Fidelidade consegue, desperta nostalgia e ao mesmo tempo também projeta as questões de numa nova geração, sem abrir mão do que tinha de melhor. Ao recontar tudo isso em paralelo com sua personagem principal, buscando essa nova perspectiva, é a história que amadurece. Se revela como o já que foi, sem arrependimentos, mas ainda o que é e tudo o que pode vir a ser. Conversando com jovens que tem uma relação 100% digital com a música ou sequer pisaram numa loja de discos na vida. Mas com certeza, já levaram um pé na bunda e se afogaram numa música lamentosa.

    Texto de autoria de Gabriel Caetano.

  • Crítica | Brooklyn

    Crítica | Brooklyn

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    Baseado no livro de sucesso de Colm Tóibin, Brooklyn chegou como um dos filmes mais aguardados de 2015 para os fãs de romance e filmes de época. A história apresenta uma imigrante irlandesa em Nova York que fica dividida entre um amor com um neto de imigrantes italianos ou o retorno para sua casa, onde melhores oportunidades de emprego e amorosa a esperam.

    O bom roteiro de Nick Hornby acerta ao seguir a trajetória de Eilis, uma jovem irlandesa sem personalidade. Todos à sua volta decidem por ela, até o momento em que se torna uma mulher com próprio controle de sua vida ao fazer suas próprias escolhas. Inserida em um ambiente de opressão religioso e moralista, além do machismo da época, a personagem aceita a proposta de emigrar para a América e acaba encontrando um ambiente com mais liberdade.

    O roteiro foca no tema do lar, através da saudade extrema de casa e a conexão da protagonista com o passado, porém estes vão sendo aos poucos substituídos por novas conexões e novas casas, ou seja, novos amores, novos relacionamentos. Por ser um país formado por imigrantes de diversas nacionalidades, os Estados Unidos se tornam o local perfeito onde ela consegue se encontrar no meio de desconhecidos. A premissa de Hornby é bem clara: casa é onde você está.

    O princípio da liberdade da personagem e o início do processo de autodescoberta já se encontram dentro da própria pensão. Ao ter contato com outras imigrantes irlandesas sexualmente ativas, ela se vê obrigada a se tornar alguém para ganhar a vida e conhecer outras pessoas. Não à toa ela conhece o jovem encanador que vira seu interesse amoroso. Porém, a interferência externa ainda permeia a sua vida através do padre Flood, que a matricula em um curso de contabilidade, e de Tony, que vai além da insistência com um pedido de casamento.

    Outra interferência externa a faz voltar a Irlanda, a morte da irmã. Porém, ao decidir pela viagem, é no regresso que termina a jornada de Eilis. A jovem precisou retornar à sua origem para poder, enfim, começar a viver em plenitude. A cena que marca este momento é no encontro com sua antiga chefe, além daquela em que dá dicas para uma jovem imigrante.

    John Crowley conserva o clima uniforme da obra; é um diretor de atores competente e só. O cineasta não consegue se destacar em nenhum momento. Soa como um contratado por estúdio para filmar uma história, o que não chega a ser um problema em um filme comercial, mas não é o que pede esta narrativa. A falta de personalidade de Crowley acaba refletindo no produto final: Brooklyn poderia ter sido um grande filme de romance, como Carol ou Pontes de Madison, se essa boa narrativa não fosse tão mal aproveitada.

    Saoirse Ronan está bem como protagonista; sua atuação contida consegue mostrar a angústia e a dúvida de sua personagem, porém ela ainda carece de maturidade artística. Ainda precisa evoluir mais como atriz para entregar, por exemplo, o que Rooney Mara e Cate Blanchett nos ofereceram em Carol. Destaque ainda para as aparições rápidas de Jessica Paré, a Megan de Mad Men, do sempre bom Jim Broadbent como padre Flood, e de Domhnall Gleeson, o General Hux de Star Wars – Episódio VII: O Despertar da Força.

    A fotografia de época de Yves Bélanger, diretor de fotografia do bom Clube de Compras Dallas e Livre, mantém tons neutros e um realismo na maior parte do filme, conseguindo se sobressair de forma poética nas sequências do navio e da imigração, nas cenas intimistas e na do cantor durante o trabalho voluntário. A edição de Jake Roberts mantém o filme em um bom ritmo, e é invisível na maior parte da narrativa, também aparece como destaque nessas sequências.

    A direção de arte de Irene O’Brien e Robert Pale conseguiu transmitir, através do visual, a diferença gritante entre a Irlanda e Nova York. No entanto, destaca-se o figurino de Odile Dicks-Mireaux, em que podemos ver como o tom monocromático das roupas da protagonista passa a ter cor à medida que ela adquire novas experiências de vida.

    Mesmo com uma direção sem personalidade, Brooklyn vale a pena para quem gosta de filme de época e de uma grande história universal sobre as escolhas que nos marcam.

    Texto de autoria de Pablo Grilo.

  • Crítica | Livre

    Crítica | Livre

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    Com roteiro do badalado escritor britânico Nick Hornby e direção do canadense Jean-Marc Vallée, Livre conta a história real de superação de Cheryl Strayed, escritora que percorreu os mais de 1600 quilômetros da Pacific Crest Trail, que vai do sul da Califórnia até a fronteira do Canadá.

    Após passar por traumas recentes, como a morte da mãe, divórcio decorrido de traições e do uso abusivo de heroína, e sem preparo físico algum, Cheryl decide partir para o enorme desafio físico de percorrer uma difícil e perigosa trilha, entrando em uma jornada de autodescobrimento.

    Baseada no livro autobiográfico lançado em 2012, a adaptação de Nick Hornby deixou um roteiro fluido que permitiu o rápido avanço na história. Narrado como um road movie, a proposta do filme é discutir o doloroso processo físico e psicológico que representa o recomeço. A cena inicial, antes do crédito do filme, é bem emblemática neste sentido: depois de arrancar a própria unha do dedão direito em cima de um penhasco, consequência do uso de botas mal escolhidas, Cheryl perde um dos pés do calçado e então decide jogar pelo penhasco o outro pé, gritando “Fuck you!”.

    Uma das dificuldades de analisar a obra é evitar cair no senso comum e chamar Livre de Na Natureza Selvagem feminino (leia a nossa crítica do filme, e a resenha feita para o livro de Jon Krakauer). Apesar de usar a mesma estrutura narrativa de flashbacks no meio de uma narrativa principal, e de ter uma protagonista sozinha em meio a natureza, são duas propostas completamente diferentes: Cheryl Strayed não nega o seu papel na sociedade como Christopher McCandeless o faz, e muito menos prega o desapego aos bens materiais ou nega os valores da sociedade em si; ela está ali, longe da civilização, para repensar a sua vida e os seus valores. Inclusive, na parte em que é entrevistada contra a sua própria vontade, Cheryl repete várias vezes ao repórter que não é uma andarilha sem destino, e que tem um objetivo muito claro: completar a difícil trilha; em outra parte, ela cria expectativa para as botas novas que irá receber, já que os seus pés estão quase em carne viva em razão da cena inicial. O roteiro de Nick Hornby tenta se distanciar ao máximo da inevitável comparação com o filme de Sean Penn, e consegue com sucesso.

    A tradução do título do filme para o português é curiosa. Livre é selvagem e também serviria como título, pois não há ordem ou papel social a ser representado quando se é “selvagem”. Porém, “Livre” aparenta ser uma escolha mais acertada, já que a protagonista precisava se livrar das amarras que a prendiam para começar uma nova vida, inclusive em outra cidade.

    A atuação de Reese Whitespoon é incrível. Ela consegue encarnar a Cheryl Strayed, a amorosa filha abalada após a morte da mãe, nas difíceis cenas em que se droga e faz sexo violento, até ter a sua redenção através do trabalho físico de percorrer a extensa trilha e ter que lidar com os perigos e contratempos do caminho. Os outros atores têm boas aparições, mas nenhuma que importe tanto quanto a da mãe de Strayed, vivida pela sempre ótima Laura Dern, ou a do ex-marido da protagonista, interpretado pelo bom Thomas Sadoski (o Don Keefer de The Newsroom).

    O canadense Jean-Marc Vallée repete a boa direção depois do ótimo Clube de Compras Dallas, e neste ela se revela novamente na direção de atores, com a atuação solitária de Reese na trilha tendo que lidar com a solidão e os seus demônios internos. No entanto, uma crítica que pode ser feita refere-se ao final um pouco abrupto do filme. Apesar de indicar no roteiro o ponto onde a trilha terminaria, faltou ao diretor trabalhar melhor a informação para dar mais sentido à conclusão da história.

    A fotografia naturalista desempenha o que se espera de um bom fotógrafo como o canadense Yves Bélanger, que também fotografou Clube de Compras Dallas, embora as bonitas imagens da natureza pudessem ter sido um pouco mais impactantes.

    A edição foi um dos pontos altos do filme. O diretor, que também editou o filme junto ao canadense Martin Pensa, outro colaborador de Clube de Compras Dallas, criou cortes rápidos e interessantes quando liga os flashbacks de lembranças de Cheryl com a realidade do presente. Neste sentido, pode ser tecida uma comparação com os cortes ágeis às cenas dos personagens usando drogas em Réquiem Para um Sonho, de Darren Aronofsky.

    Livre vale a pena ser visto não só por estar concorrendo ao Oscar, mas sim por ser uma linda história da mais simples humanidade, que vai do amor à perda, da entrega ao caminho fácil à superação; e, finalmente, de mudança e renascimento.

    Texto de autoria de Pablo Grilo.

  • Resenha | Foras da Lei…

    Resenha | Foras da Lei…

    Você vai curtir essa coisa maluca (no ótimo sentido da palavra): Foras da lei barulhentos, bolhas raivosas e algumas outras coisas que não são tão sinistras, quem sabe, dependendo de como você se sente quanto a lugares que somem, celulares extraviados, seres vindos do espaço, pais que desaparecem no Peru, um homem chamado Lars Farf e outra história que não conseguimos acabar, de modo que talvez você possa quebrar esse galho. O candidato a livro com titulo mais extenso é uma compilação de 11 contos contemporâneos da editora Cosac Naify.

    Um livro estranho com trabalho gráfico lindo e duas capas (uma delas destacável). A capa fixa tem apenas a foto de um monstrengo verde numa convenção perdida de cosplayers falidos. A destacável tem este imenso título ordenado em cores brilhantes e, na parte interna, um mini conto incompleto do autor Lemony Snicket (Desventuras em SérieQuem Poderia Ser a Uma Hora Dessas?), convidando (provocando) o leitor a completar a trama (na própria capa) e enviar para a editora (algo que não sei se funciona, já que o livro foi lançado em 2012).

    Dito isso, a tônica é infanto-juvenil, mas tem um pé adulto e peludo no desenrolar dos contos fantásticos. Pudera, com esse time: Clement FreudGeorge SaundersJames KochalkaJeanne DuprauJon ScieszkaJonathan Safran FoerLemony SnicketNeil GaimanNick Hornby e Sam Swope. Todos equipados com convidados ilustradores pra dar um toque imagético entre as páginas.

    Não basta o diferente na parte física do livro, alguns dos contos têm também propostas visuais inusitadas, como uma história em quadrinhos maluca de James Kochalka e um miniconto de Jon Scieszka feito todinho com slogans de produtos norte-americanos.

    Destaco o conto de Neil Gaiman: O pássaro-do-sol. Se o ler e não o amar, você está morto por dentro. Leitura de diversão que flutua por pouco mais de 3 horas. Se você estiver saindo de algum livro denso, use este como refresco, certamente não se arrependerá. Colecionadores de conto: saiam um pouco das antiguidades e constatem a qualidade de quem vive e escreve no agora.

    Então, a partir de hoje, após pensar muito em como resenhas são chatas e, às vezes, longas e líricas (!?!), inauguro com esta minha proposta de analisar apenas livros de contos, de forma rápida e tentando acrescentar algo diferente. Blargh… Vamos em frente. Beijos, beijos.

    Texto de autoria de Sergio Ferrari.

  • Crítica | Uma Longa Queda

    Crítica | Uma Longa Queda

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    Pessimista e catastrófico, ainda que de um modo leve e agridoce, tratando a morte como algo comum e inerente à existência humana. O fim da trajetória chamada vida não precisa ser algo triste ou digno de choro. Mais que isso: a naturalidade do suicídio é algo presente nas palavras de Martin Sharp, um senhor de meia-idade e famoso apresentador de TV vivido por Pierce Brosnan, e que é o primeiro contador da história de Uma Longa Queda (A Long Way Down), o novo filme de Pascal Chaumeil baseado no texto original de Nick Hornby.

    Em um evento inesperado, de caráter completamente entrópico, Sharp, naquela noite de réveillon, conta com a presença de outras três pessoas que também querem cometer a própria morte, primeiro Maureen (Toni Collette), depois Jess Crichton (Imogen Poots) e J.J. (Aaron Paul). Entre eles há pouco em comum. O repertório e estilo de vida dos personagens são completamente singulares, e cada um contém o seu próprio microcosmo com razões suficientes para odiar a vida. Em comum, somente a aflição da alma. A interação do quarteto mais lembra uma esquete teatral de cunho tragicômico do que um filme. Com o tempo, os personagens se afeiçoam e passam a estimar uns aos outros, projetando cuidado e apoio mútuo aos colegas. Após sofrer uma overdose, Jess, a mais nova e incendiária do grupo – e ainda em recuperação -, sugere que os quatro selem seu destino suicida juntos, dali a seis semanas, no Dia de São Valentim, a segunda data em que mais acontecem suicídios, atrás apenas da virada do ano em incidência desse tipo de caso.

    Em determinados pontos da trama, o narrador dá voz a um dos quatro suicidas, alternando-se. A variação da linguagem explora alguns motivos para a precoce interrupção da vida, como a invisibilidade social, excesso de burocracia, dificuldades de conviver com a própria família, a sensação intermitente de que a vida passa diante dos olhos. Em resumo, a causa que contorna todas as vidas é a da infelicidade motivada pelo sentimento inexorável de solidão.

    Apesar da propensão de Hornby para contar histórias cômicas, o roteiro de Jack Thorne tem um viés muito mais dramático, mostrando o quão intragável é a vida dos personagens e o quão difícil é viver em meio às mentiras que os próprios kamikazes inventam para aplacar ou amenizar o seu sofrimento. A história da morte coletiva planejada vaza para a imprensa, que trata de explorar o circo midiático o qual naturalmente atravessa toda a situação. Graças ao entorno da vida de alguns dos personagens, é interessante para os canais explorar o curioso e fracassado fim da vida, mas a atenção dispensada a eles é pequena, apesar das expectativas de Sharp, que até neste momento derradeiro de sua trajetória se sente humilhado e pouco valorizado.

    Como já era esperado, o pacto foi quebrado, assim como a amizade entre os iguais. A esperança que existia em virtude da união também se esvaiu, e cada um deles tem de lidar com a sua rotina de modo diferente, uma vez que o fim das suas vidas foi postergado novamente.

    Talvez a questão maior do filme esteja em discutir os métodos usados pelos homens para lidar com o que é inevitável. A insistência em sentir-se impotente diante das dificuldades mundanas faz com que este mesmo homem esconda-se, faz com que tenha medo de enfrentar os seus demônios. A existência dessas sensações nem sempre é evitável, uma vez que a maioria dos obstáculos não é inventada pela cabeça do suicida.

    Procurar uma saída digna para as dúvidas referentes à continuidade da vida é o melhor e mais otimista ponto da história de Nick Hornby, que, apesar de cair em algumas armadilhas piegas, consegue passar uma história simpática, capaz de fazer o público se importar com seus personagens, uma vez que eles são como arquétipos. Pessoas reais como as que cruzam as ruas todos os dias e que têm de tocar as suas próprias vidas sem fórmulas mágicas, nem garantias de finais felizes.

  • Crítica | Alta Fidelidade

    Crítica | Alta Fidelidade

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    Baseado na obra de Nick Hornby, Alta Fidelidade é o 14° longa de Stephen Frears – de Coisas Belas e Sujas e Terra de Paixões. Traz em seu conteúdo uma comédia intimista, pessimista e até conformista, dependendo é claro dos olhos que a analisam. Mais do que isso, High Fidelity é um filme sobre como as escolhas da vida são feitas e sobre o que se deve insistir.

    John Cusack faz Rob Gordon, um rapaz já não tão jovem, com idade aproximada de três décadas, mas que guarda em seu estilo de vida algo de infanto-juvenil. Não é um loser completo por possuir uma loja de discos que mais se assemelha a um sebo nos moldes brasileiros, onde emprega dois desajustados que não saem de lá mesmo com os baixos salários que recebem, mas que ainda assim, se permitem acreditar que são melhores do que os clientes que por lá passam. Em uma fala, vinda de um amigo dos três, em que ele compra um disco raro e que o vendedor se recusara a vender para um cara “comum”, exemplifica bem essa máxima (que é também o resumo a auto-imagem que alguns blogs nerds brasileiros se encaixariam – entre eles, este Vortex Cultural):

    “- Por que o vendeu para mim e não para ele?
    – Você não é tonto, Louis.
    – Vocês são esnobes.
    – Não somos.
    – É sério. São totalmente elitistas. Julgam-se os eruditos, depreciados e desprezam as pessoas que sabem menos que vocês, que é todo mundo.
    – Sim.
    – É muito triste, só isso.”

    Rob tem uma estranha tara por querer ranquear tudo, passando todo o seu tempo junto a Barry – Jack Black – fazendo listas Top 5, de setlists, bons filmes ou momentos marcantes da vida. Tais ações lembram muito os maneirismos do comportamento obsessivo, a ânsia por qualificar a tudo e a todos é reflexo de outra máxima dos personagens, de que o que faz uma pessoa importante é o que o indivíduo gosta, não o que ele é. A declaração soa superficial, e é, segundo o protagonista, mas corresponde a realidade daqueles que são mostrados em tela, e é obviamente crível visto a ótima construção dos personagens.

    A estrutura narrativa que Frears escolheu não poderia ser melhor, a narração de Rob tratando de quase todos os assuntos diretamente com o público não soa estranho em momento algum, e deixa de ser estranha com poucos momentos de exibição. O modo como o conjunto de nerds é retratado é engraçado, pitoresco, mas não é super caricato. A falta de tato social dos personagens é mostrado de forma verossímil, e eles não precisam ser os estereótipos em todo o tempo, cada um deles é mostrado com nuances, complexidade e dimensionalidades múltiplas.

    As relações mostradas constituem um dos pontos fortes do roteiro, que contempla na relação de Rob e Laura – Iben Hjejle – uma linha guia, mas que ramifica por cada um dos namoros que ele teve durante sua vida. O resgate aos momentos anteriores de sua vida representam em alguns momentos nostalgia e em outros pontos de puro terror,  mas tem em comum a interessante tarefa de análise do caráter e do comportamento de Rob diante das tão temíveis relações amorosas, explicitando as inseguranças e os medos do sujeito medíocre diante do temível gigante chamado solidão – que se solidifica com a decisão dele de parar de pular de galho em galho. Gordon não termina o filme como um sujeito perfeito, mas demonstra que seu personagem evoluiu, e aprendeu que deve tentar se arriscar mais, ousar e tentar ser algo mais além do ordinário.

    Apesar da mensagem final ter um tom de auto-ajuda, a criatividade em como as coisas se desenrolam passam por cima de qualquer possibilidade de pieguismo barato, graças ao roteiro de Cusack, Steve Pink, Scott Roserberg e D V DeVincentis, além é claro, da portentosa lente de Stepher Frears, que soube condensar todo o humor cáustico e nonsense com toda a metalinguagem presente no script e tirando de seu elenco as melhores atuações possíveis.

  • Resenha | Alta Fidelidade – Nick Hornby

    Resenha | Alta Fidelidade – Nick Hornby

    Alta-Fidelidade-Nick-Hornby

    Paixões, romances, amores… A maioria de nós tivemos um (quiçá, vários) relacionamento que de alguma forma nos marcou, para o bem ou para mal, e que dificilmente conseguiríamos conceituar ou definir o que aquela relação significou. Essas questões cotidianas têm muito mais relação com as coisas que acreditamos que valem a pena, somada aquela valorização da honestidade, e da dúvida de que somos o que achamos, ou o que as pessoas acham de nós, do que necessariamente físicas. Essas são algumas questões levantadas por Nick Hornby, em Alta Fidelidade.

    É estranho como alguns livros têm uma importância diferenciada na sua vida de acordo com a época em que você esteja vivendo. Alta Fidelidade é um ótimo exemplo disso. Já tive o livro em mãos há cerca de uns 7 ou 8 anos atrás, li algumas páginas, abandonei ele por algumas semanas e acabei devolvendo ao dono pouco tempo depois. Não que a história seja ruim, pelo contrário, apenas não embarquei nela. Hoje sei o motivo.

    No auge dos meus 20 anos, iniciando uma vida universitária, efervescência de pessoas ao seu redor, um mar de possibilidades à sua frente e o que parecia o início de um promissor relacionamento, não me fizeram absorver aquele universo de um homem de 30 e poucos anos com crise de meia-idade. Aquilo parecia estragar minhas perspectivas e o que eu poderia esperar do futuro. Definitivamente não era um bom momento para lê-lo.

    Alguns anos mais tarde, um pouco mais calejado pela vida e após um difícil término de relacionamento, eis que chega novamente em minhas mãos um novo exemplar de Alta Fidelidade, dessa vez a nova edição reeditada pela Companhia das Letras. Achei que dessa vez era o momento certo para encará-lo.

    Hornby nos apresenta a Rob Flemming, um sujeito de trinta e poucos anos, que vive em Londres nos anos 90, proprietário de uma loja de discos, onde passa o dia com seus amigos listando suas canções, álbuns e filmes preferidos. Rob não sabe bem o que fazer de sua vida, já começou uma faculdade, mas não chegou a conclui-la, teve alguns relacionamentos sérios, mas recentemente foi trocado por outro pela sua namorada, Laura, com quem vivia já há algum tempo. O livro inicia com Rob listando seus cinco términos de namoro mais memoráveis e complementa da seguinte forma:

    “Esses foram os que doeram de verdade. Tá vendo seu nome aí no meio, Laura? Acho que, raspando, até entrava nos dez mais, mas entre os ‘top five’ não tem lugar pra você; essa lista está reservada para aquele tipo de humilhação e desgosto que você simplesmente não é capaz de causar. Isso provavelmente soou mais cruel do que eu pretendia, mas o fato é que a gente passou da idade em que é capaz de deixar o outro na pior, o que é uma coisa boa, e não uma coisa ruim, então não precisa levar pro lado pessoal o fato de não ter entrado na lista. Essa época já era e, porra, demorou; ser infeliz realmente significava alguma coisa antes. Agora é só aporrinhação, tipo um resfriado ou falta de dinheiro. Se você queria detonar comigo de verdade devia ter aparecido antes na minha vida.”

    E assim, Hornby já nos constrói a dinâmica do que veremos ao longo da leitura. Rob é um cara egocêntrico, ranzinza, mesquinho e que passa por uma crise, que aparentemente não é apenas uma fase passageira, mas algo que qualquer homem próximo dos 30 sabe muito bem do que se trata. Rob evita falar sobre seus problemas ou encará-los, e quando tudo dá errado decide reorganizar sua vida arrumando sua coleção de discos, quando isso não é o bastante, parte em uma jornada para conversar com suas ex-namoradas e questionar o fim de cada relacionamento que ele já teve, desde o colégio até os dias atuais, e claro, tentar descobrir como sua vida chegou até aquele ponto.

    Hornby pouco a pouco cria um universo palpável de boa parte dos homens ao retratar receios comuns nessa idade, como um certo medo de intimidade, a incapacidade de se envolver demais, além de outros medos. Coisas banais que praticamente todos passamos ou iremos passar. O autor não pretende escrever um tratado sobre uma geração, apenas um romance geracional, reconhecível para a maioria de nós. E acerta em cheio.

    O texto é muito bem escrito e com uma leitura extremamente prazerosa. Os personagens menores são bem construídos, fortes e muito distantes de qualquer aspecto maniqueísta. Se isso não fosse o bastante, Hornby é um aficionado por música, e ao longo do texto despeja inúmeras referências com um certo ar crítico de quem sabe do que está falando.

    Alta Fidelidade não é um retrato de uma época, mas mais do que isso, é um livro sobre inseguranças, relacionamentos, fraquezas, dúvidas afetivas, existencialismo, sexo, e tantos outros questionamentos que nos fazemos todos os dias, tudo isso exposto de maneira extremamente simples, mas ao mesmo tempo autêntica, como poucos conhecem. Daquelas leituras que você termina com um sorriso idiota na cara e que levará consigo por anos. Que bom que decidi dar uma segunda chance a ele.

    * Escrito ao som de The River, do mestre Bruce Springsteen.

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