Tag: Catherine Keener

  • Crítica | 8mm: Oito Milímetros

    Crítica | 8mm: Oito Milímetros

     

    8mm: Oito Milímetros, de Joel Schumacher, é produto do seu tempo e gênero, e se valeu de Nicolas Cage atuando como o detetive particular Tom Welles. Sua função primordial é a serviço da viúva de um homem rico que descobriu um filme de 8 milímetros dentro do seu cofre e quer saber se os fatos que aparecem ali são reais ou não.

    A história se passa em Miami com o protagonista no início chegando de avião, à noite. Logo é mostrado que ele é um homem de família, casado com Amy (Catherine Keener). Ele tem problemas bem comuns, tem que ganhar dinheiro o suficiente para sustentar sua família (incluindo sua filha), fuma escondido  de sua cônjuge, ou seja, tem problemas com vícios encarados socialmente como leves e lida com eles de maneira bem comum.

    Tal qual seria em O Custo da Coragem lançado algum tempo depois, em 8mm Schumacher é bem comedido. Traz uma obra que carece de exageros e arroubos visuais, que é bem pontuada inclusive pelo diretor de fotografia Robert Elswit, o contumaz parceiro de Paul Thomas Anderson, que consegue estabelecer bem um clima meio depressivo sobre a vida das pessoas – mesmo em Miami, que é uma cidade normalmente atribuída a farras e comemorações dado o eterno clima de verão e as praias. Além disso, as questões sujas envolvendo o filme encontrado no cofre do Sr.Christian são retratadas de maneira natural, apesar da visceralidade dos atos. Nota-se um incômodo em Welles quando assiste, servindo ele como representante do público (uma vez que aquelas são cenas chocantes), e essa sensação de estranhamento é alastrada ao longo da investigação e do passeio dele às ruas, onde habita a escuridão da pré madrugada, salientando uma obviedade que pode ser ignorada: toda cidade esconde segredos pesados e agressivos.

    O longa apresenta uma história e abordagem bem simples, com elementos típicos de romances detetivescos e suas adaptações para o audiovisual. Há na contratante  Sra. Christian (Myra Carter) uma figura aparentemente livre de suspeitas, uma música incidental que ajuda a aumentar o grau de tensão à medida que as investigações avançam. Também se apelam para cenários onde há destaque para cores de casas e estabelecimentos baseado em tons de cinza, para basicamente evocar que as almas das pessoas da história de Andrew Kevin Walker não são puras, longe disso, dado até sua filmografia que inclui participações nos roteiros de Se7en: Os Sete Crimes Capitais, Clube da Luta e A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça.

    A carreira de Joel Schumacher é bastante prolífica e  dividida por fases que são determinadas por fatores externos e até alheios aos seus filmes. Ele produziu fitas sérias como Um Dia de Fúria, outras mais voltadas para o humor nonsense em A Incrível Mulher que Encolheu, fez um clássico juvenil com Os Garotos Perdidos , até cair para si a responsabilidade de adaptar as historias do homem morcego, em dois filmes que tiveram muitas controvérsias, mas que na época foram exaltados (sobretudo Batman Eternamente). Depois que Christopher Nolan lançou seu Batman Begins e especialmente Batman: O Cavaleiro das Trevas, houve um revisionismo por parte do público na filmografia de Schumacher, que passou tanto pelos filmes do Batman, até as outras obras do diretor, que passaram a ser não só mal avaliadas, mas também mal frequentadas por gente de produção e atores principalmente da segunda metade dos anos 2000 para frente. As oportunidades para o diretor foram rareando, e bons parceiros também, o que é curioso, pois o roteirista responsável por boa parte da fragilidade dos produtos que Schumacher capitaneava ganha cada vez mais poder e influencia na industria. Akiva Goldsman tentou comandar os filmes de monstro da Universal (um fracasso retumbante), hoje escreve e produz a maioria dos produtos televisivos de Star Trek, que também não são unanimidade em crítica. Para o diretor, sobrou o ostracismo.

    Os personagens mostrados no filme são executados por atores que teriam seu apogeu pouco depois do lançamento em 1999, a participação de figuras como James Gandolfini, Joaquin Phoenix e Peter Stormare são bem pontuais, há carisma em cada um deles e é fácil acreditar em seus dramas.

    8mm: Oito Milímetros é um longa que fez muito sucesso durante o início dos anos 2000, mas hoje é bem pouco lembrada (e talvez até subestimada) e o que se vê nela é um mergulho bem fundo na alma da perversidade humana, além de um retrato do submundo BDSM que, apesar de caricato, não era tão agressivo em abordagem quanto tantos outros filmes de sua época. É tolice não se ater a fatos cronológicos, o filme é fruto de seu tempo e como Tempo de Matar tem pontos complicados na abordagem de algumas minorias. Além de não ser feito para todas as plateias, ele esbarra em um certo maniqueísmo (especialmente ao tratar as pessoas que fazem bondage como se fossem criminosas e más). Fora isso, a parte criminal é bem explorada, as atuações por mais canastronas que possam ser em alguns pontos são bem encaixadas e o ritmo do filme é frenético e honesto.

  • Crítica | S1m0ne

    Crítica | S1m0ne

    O início de S1m0ne, segundo filme do diretor Andrew Niccol se dá com cenas naturais, acompanhadas de uma música incidental belíssima, composta por Carter Burwell. Não demora a aparecer o obsessivo Viktor Taransky, um produtor comercial pilhado e sempre estressado vivido por Al Pacino, que em um primeiro momento, tenta controlar uma espécie de transtorno ligado ao TOC, separando jujubas e delicados em uma vasilha sem motivo ou razão aparente alguma. Dentro de seus pequenos dramas, ele tem que também lidar com o ego de artistas mais renomados, entre elas Nicola Anders (Winona Ryder), uma super modelo que desiste da campanha que ele faz.

    Viktor é um homem genioso, já foi nomeado ao Oscar pela direção de dois curta metragens seus, e o roteiro de Niccol resolve todas essas referencias em um espaço curto de tempo, entre a exibição de um dos cortes da propaganda e uma conversa entre ele e sua colega de produção, Elaine Christian (Catherine Keener) e é nesse ponto que ele percebe o fundo do poço, sendo despedido após mais um fracasso em sua carreira, mas apesar da melancolia, ele segue tentando parecer altivo.

    Niccol utiliza muito bem as cores. A desculpa de passear por estúdios propicia que os tons esverdeados e átonos sejam justificados como uma alternativa lógica e essa tonalidade que lembra o movimento de vômito ajuda a compor todo o quadro tragicômico de desespero e de aceitação que o protagonista tem junto a Hank Aleno (Elias Koteas). Um homem sem alternativas é mais suscetível a trabalhos de gosto e origem duvidosos.

    Há toda uma aura fantasiosa por trás do que ocorre após a morte de Aleno, o realizador recebe uma encomenda misteriosa, abre no computador, vê uma figura feminina feita por Rachel Roberts, e então chega com o filme de Valerie pronto, deslumbrante. Os momentos de Pacino aqui são de uma entrega absurda, ele faz o experiente e inseguro artista. A cena em que ele está refletindo desesperado no banheiro emula bem a jornada de conhecimento da causa do Mr. Anderson em Matrix, parece até que a tomada foi feita pelas irmãs Watchowski de tão fidedigna que está a aura, e isso não é um demérito para Niccol, até porque não se sabe se sua intenção foi referenciar isso. De todo modo, o exercício se assemelha muito a especialidade de Quentin Tarantino, de pegar uma tomada X de um diretor clássico, mudando seu significado.

    O conceito de Complexo de Frankenstein que o escritor Isaac Asimov tanto criticava dá conta do uso da robótica como algo necessariamente vil, e o que se vê aqui com a inteligência artificial denominada Simone é bem a gênese do que poderia ser isso, levando em conta inclusive o pontapé da ganância humana como estopim para essa possível revolta, embora a intenção do filme passe longe disso. Aqui se fala do vazio da alma humana, da  falta de escrúpulos e do uso da imagem de terceiros visando lucro, inclusive da parte dos que se julgam explorados e subestimados. As ações de Viktor não são livres de vis intenções, ou de desonestidades, ele surfa bastante nessas ondas e lucra com tudo isso.

    Pacino faz esse personagem cair no pecado que outro de seus personagens famosos da época provocava: a vaidade. Em O Advogado do Diabo, o ator fazia o Diabo, e seduzia as pessoas através de  seu ego. A falha de Taransky é exatamente essa, a tentativa de esconder Simone dos holofotes só aumenta a expectativa em torno dela, e faz até seu desejo de ser encarado como o único com méritos positivos em seus filmes cair em um mar de irrelevância. Todos só querem saber da atriz, mesmo que ela seja  um fantoche nas mãos digitais de Viktor.

    A dúvida que fica é, quem domina quem, pois as poucos, o personagem que era apenas um contador de historias se torna Relações Publicas, montador, ator, tudo para emular a atriz perfeita, que não tem escolhas próprias. Aos poucos, ele se torna refém de suas mentiras, e o quadro evolui tanto que se torna algo mitômano, a segunda hora de filme mostra todo o malabarismo do personagem masculino tentando não só emular o comportamento comum de uma mulher estrela, mas também toda sorte de eventos pitorescos para que ele possa ter uma vida amorosa saudável, ou algo que o valha, e não importa o que ela faça, ou como haja, há sempre quem a defenda e o comentário sobre a sociedade do espetáculo é muito mordaz e certeiro.

    Ao contrario do que os cartazes e material promocional de S1m0ne fazia acreditar que o personagem de Pacino se apaixonaria pela figura cibernética, mas isso não ocorre de modo carnal, e sim como fonte de uma fama que ele jamais teve, e que sempre jogou como merecida a si. Se livrar dela provou-se algo praticamente impossível e o final surpreendente fecha bem a historia, mostrando que o pragmatismo e vontade de manter o status quo poderia ser maior que a necessidade de uma lição moral, e Niccol sabe conduzir bem todas as questões envolvendo vaidade, luxuria e cobiça presentes na vida e clara na trama que pensou para este longa.

  • Crítica | Corra!

    Crítica | Corra!

    Jordan Peele tem uma carreira bastante curiosa. Seu background como ator inclui uma porção de programas televisivos e filmes de comédia, indo das dublagens de Bobs Burguer, Frango Robô e American Dad, até os live action Key and Peele e MadTv. Após contribuir em alguns roteiros, Peele decide realizar seu primeiro filme como diretor, que seria Corra (Get Out no original)um filme de terror que utiliza elementos de discussão a respeito do racismo vigente na parcela conservadora dos Estados Unidos.

    Apesar de ter um caráter único, vê-se muitas semelhanças deste filme com Corrente do Mal, em especial pela condução de discursos contra questões progressistas atualmente em voga. O filme de David Robert Mitchell discorre sobre a sexualidade feminina e sobre os abusos que ocorrem tradicionalmente com mulheres, enquanto a vivência de Chris Washington (Daniel Kaluuya), um jovem negro que vai visitar a família de Rose Armitage (Allison Williams), uma moça branca que aparenta ter uma mentalidade em nada conservadora. Ao chegar no lugar, ele se depara com Dean (Bradley Whitford) e Missy (Catherine Keener), os pais da moça, que agem de maneira suspeita, cada uma a seu modo, causando estranhamento no rapaz.

    Ocorre então alguns eventos estranhos com o rapaz, que durante uma festa, é indagado pela maioria das pessoas sobre seus dotes físicos, sobre seus talentos com a câmera – uma vez que é fotografo – e sobre os hábitos de sua raça. Tudo ali causa estranhamento no sujeito e as atitudes dos visitantes são ditas como alvos de curiosidades, sendo na verdade atos puramente passivo agressivos, e causando no espectador uma reflexão importante, ainda mais se o público estiver disposto a repensar suas atitudes, de que todo o circo nonsense praticado por essas pessoas é também comum no cotidiano do homem moderno.

    A construção do suspense torna-se quase perfeita ao misturar os elementos que já foram estabelecidos nos trailers e demais materiais de divulgação. O uso de estereótipos raciais tem uma inversão de intento muito bem urdida, seja nos serviçais da casa dos Armitage, ou no amigo de Chris e alívio cômico visto em Rod (LilRel Howery). Peele toma cuidado para dar razões profundas para utilizar os arquétipos do negro servil e do negro engraçado, engrossando inclusive a questão central de ilusão hipnótica contra o pensamento de teoria da conspiração.

    Se apenas seguisse a premissa que aparentava até então, Corra já seria um filme muito rico em temática, pela quantidade de discussões que suscita, mas ele não se limita a ser um produto que levanta questões pontuais, mesmo que tenha um plot twist , que por sua vez, também  não soa desonesto e que causa espécie em quem o assiste. Mais do que isso, a direção de Peele é arrojada e suas cenas causam tanta tensão quanto a espera que seu roteiro sustenta ao desenvolver a descoberta da verdade, assim como não fica refém de suas viradas dramáticas e se valendo bem inclusive das partes humorísticas, além é claro de desconstruir qualquer possibilidade por parte de detratores mais retrógrados, que gostam de afirmar de associar o discurso de defesa contra preconceitos raciais como vitimistas ou paranoicos, uma vez que toda perseguição dita no script acontece todos os dias com a população negra.

    Acompanhe-nos pelo Twitter e Instagram , curta a fanpage Vortex Cultural no Facebook, e participe das discussões no nosso grupo no Facebook.

  • Crítica | Mesmo Se Nada Der Certo

    Crítica | Mesmo Se Nada Der Certo

    Poster Mesmo se Nada Der Certo

    O produtor musical Dan Mulling (Mark Ruffalo) era tão ocupado que precisa utilizar qualquer tempo livre que tem para ouvir os aspirantes a cantor que aparecem para ele. Mesmo quando preso no trânsito, ele passa um bom tempo escutando os pretensiosos artistas. Retirado de uma sucessão de clichê de comédia romântica, o estereótipo tem seu ápice no homem confuso, sem identidade, que ainda não achou o amor verdadeiro, e até sua vida familiar é bagunçada. O protagonista chega ao fundo do poço ao se deparar com a demissão da produtora musical que fundou.

    A cidade de Nova York constitui o cenário perfeito para o alvorecer de uma estrela, e é em meio a um bar pé-sujo no subsolo que Dan se depara com algo subvalorizado pelo público presente, mas que lhe acende a criatividade e um bocado do prazer. Para (não) surpresa do público, a figura que encanta o desolado homem é a bela Gretta (Keira Knightley), uma cantora resignada, que somente faz composições, apesar de ter uma bela voz. O motivo do asco pela fama é justificado pela atribulada intimidade dela como cônjuge e compositora anônima de Dave Kohl (Adam Levine). O namorado faz um sucesso enorme, mas esconde a real autoria de suas canções, muito pela timidez de Gretta, mas também por uma canalhice, que se provaria maior pelo motivo que o faz romper a relação.

    Juntos, os pares desordenados começam a planejar uma nova empreitada musical, com músicos que aparecem repentinamente para colaborar de graça com a produção da fita demo, todos inspiradíssimos, como se algo cósmico estivesse prestes a ocorrer. A harmonia com que o clipe é conduzido é de fazer inveja a qualquer musicista profissional. Até os percalços das locações externas onde a fita é gravada colaboram para a perfeita feitoria da canção, convenientemente.

    O “casal” torna-se tão perfeito em suas ações que Gretta consegue conquistar a afeição da filha dele, Violet (Hailee Steinfeld), sendo uma conselheira amorosa, dando um banho de loja na garota e descobrindo um talento musical que fugia aos olhos do pai. O estado de perfeição só é quebrado após ambos comentarem como suas relações acabaram, entrando em um novo nível de intimidade, onde máscaras de hipocrisia não poderiam mais prevalecer. A conversa a partir daí evolui para uma amizade de apoio mútuo, com potencial para se tornar algo mais.

    O par se conheceu no pior momento de suas vidas, onde a aflição imperava. Seria uma comédia repleta de bordões e banalidade, não fosse a mola central da engrenagem. O modo como a musicidade é percorrido pelo roteiro faz todas as repetições terem um sentido maior do que o normal, com significado e profundidade acima das baboseiras pré-fabricadas e de cunho publicitário. A condução delicada de John Carney faz tudo isso soar naturalmente.

    Mesmo as cenas irreais ganham uma aura de fantasia graças ao místico da música. As paragens, que normalmente seriam barulhentas ao extremo, prostram a melodia presente na alma de Gretta, funcionando de modo despretensioso, como uma comédia chapa branca, mas sincera em cada acorde. Nenhuma interferência externa, fora os personagens centrais, os músicos e seu entorno, consegue subsistir ante a magia musical da banda quando está em forma.

    Mesmo Se Nada Der Certo é um filme sobre essência, que apesar de apegar a fórmulas tem em sua mensagem a fuga da formatação, tanto das músicas quanto do cotidiano. O ineditismo está intrinsecamente ligado à obsessão de Gretta e Dan, e é por isso que as vidas de ambos eram tão miseráveis antes. Soterrados pelo tédio, eram incapazes de usufruir dos momentos simples e felizes de suas vidas. Mesmo diante de uma saída fácil, em que poderia reunir os dois com um romântico par, Carney prefere mostrar a evolução de pensamento, tanto de Gretta quanto de Dan, com frieza de espírito suficiente para decidirem suas vidas de modo calmo e correto, costurando um desfecho plausível com toda a duração do drama e de modo extremamente positivo.

  • Crítica | O Último Concerto

    Crítica | O Último Concerto

    O Ultimo Concerto - poster nacional

    Composto por um incrível elenco talentoso, com Christopher Walken, Philip Seymour Hoffman, Catherene Keener e Mark Ivanir, O Último Concerto, primeiro filme dirigido por Yaron Zilberman, apresenta um quarteto de cordas de longa carreira musical para discorrer sobre a arte, o cotidiano e as relações pessoais corroídas pelo tempo.

    A figura dos quatro músicos do quarteto The Fugue (A Fuga) é um extremo do roteiro para intensificar a discussão destas relações. Qualquer grupo duradouro, seja ele artístico ou qualquer união diária focada em uma missão específica, reconhece que, em algum momento, fissuras começam a surgir. Aos poucos, a possibilidade de união completa de um determinado número de pessoas perde a neutralidade e tensões se tornam flutuantes.

    O agravante que desencadeia a desarmonia surge ao acaso, em um acorde dissonante que o violoncelista Peter Mitchell (Christopher Walken) produz, não conseguindo a perfeição exigida de sua habilidade. O músico descobre que está desenvolvendo o estágio inicial da doença de Parkinson e pede ao grupo um curto período para tentar se reabilitar ou deixar o grupo nesta temporada.

    A discussão envolvendo um novo integrante no quarteto desperta as tensões submersas escondidas pelo amor a música. Após tantos anos de trabalho em conjunto, o grupo reconhece que qualquer mudança necessita de um novo começo. A troca de um violoncelista produzirá outras texturas sonoras.

    Um quarteto de cordas é um dos grupos de câmara mais conhecidos da música clássica. É um grupo mínimo que concentra em seus integrantes a capacidade de grandiosas interpretações. Normalmente, é formado por uma viola, um violoncelo e dois violinos, o primeiro produzindo a linha melódica, e o segundo acrescentando interpretações mais graves ou outras variações. Além de cada integrante representar uma base para a harmonia sonora, os músicos desempenham um papel dentro do quarteto. Peter Mitchell, o mais velho da equipe, foi o professor de música convidado a participar do conjunto idealizado por Daniel Lerner (Mark Ivanir), o primeiro violino. Por ter promovido a seleção de participantes, Lerner se sente uma parte maior do quarteto. A viola e o segundo violino são executados por um casal, Julliete Gelbart (Catherene Keener) e Robert Gelbart (Philip Seymour Hoffman), vivendo uma tensão interna a respeito do talento do marido e o desejo de se tornar, um a um, alternadamente, o primeiro violino. A corrupção do grupo, outrora uma entidade unificada, produz reações diversas em cada um de seus integrantes.

    Christopher Walken compõe o músico de idade avançada que tem consciência de que o corpo físico começa a ser um desafio à paixão pela música. Trata-se de um entardecer de sua grande carreira de músico. Uma fragilidade que o aproxima da falecida esposa, reconhecendo que, em breve, se juntará a ela novamente.

    A briga interna do casal de músicos surge com a insegurança do marido, que se sente deslocado e desacreditado do desejo da esposa em não modificar a harmonia musical, não o apoiando como o primeiro violinista. A rejeição musical afasta-o da construção familiar, e Robert encontra conforto em um caso com uma dançarina que o considera brilhante. Uma vaidade do processo artístico representada por este homem.

    A dupla de músicos possui uma filha adolescente (Imogen Poots), que segue os passos dos pais, mas se incomoda com a profissão. Com a família vivendo da arte em viagens itinerantes, entre turnês e eventos de divulgação, a filha foi deixada em segundo plano. Provavelmente, dedica-se a música como uma maneira de chamar atenção dos progenitores, fato que se concretiza na relação com Daniel, o primeiro violino do quarteto, fechando o círculo de degradação da equipe consagrada.

    A fragilidade destes acontecimentos demonstra que não são necessárias mudanças bruscas para que o sistema de relações se modifique. Basta um acorde fora do tom repetidas vezes para ocorrer uma explosão de sentimentos, que destroem a neutralidade, a harmonia, o amor.

    A obra apresenta a inevitabilidade do fim. Devido à presença de quatro personagens centrais, observamos a maneira de cada um lidar com as dissonâncias relacionadas ao que consideram inaceitável dentro destas relações. A música funciona como um objeto-símbolo, a paixão maior que une os personagens, lhes proporcionando anos de sucesso, infelizmente incapaz de mantê-los unidos quando as notas parecem mais amargas do que antes. Uma bonita ode ao trabalho do artista e uma destruição do mito de perfeição que costuma circundá-lo.

  • Crítica | Capote

    Crítica | Capote

    capote

    Benett Miller estréia na direção de longas-metragens lançando mão da história de uma das personalidades mais controversas e polêmicas do ambiente literário/jornalístico. Capote começa focando o caso investigado pelo cronista e registrado em seu último livro A Sangue Frio. O horrendo massacre do Clã Clutter e todas as relações provindas dele são se tornam crives graças a magistral interpretação de Phillip Seymour Hoffman – sua transformação é assustadora, a afetação, a voz, os trejeitos, tudo nele é distinto e diferente do que havia feito em filmes anteriores e extremamente parecido com a figura do individuo biografado.

    A eloqüência de Truman é louvada pelos seus chegados. Em uma mesa de jantar ele é mostrado discursando sobre o roteiro de Bonequinha de Luxo, contando de forma hilária os causos junto a Blake Edwards (diretor do filme) para logo depois, começar um relato emocionado a respeito da perda de sua mãe, e como auxiliaria seu desolado padrasto – cujo qual retirou o seu sobrenome. O registro de Miller é perfeito, não soa piegas, é real, tocante e consegue mudar a abordagem de forma rápida, ajudando a angariar ainda mais empatia das pessoas dentro e fora de tela, de uma forma absolutamente manipulativa sim, mas não pedante.

    A persona de Perry Smith (Clifton Collins Jr.) mobiliza a alma do escritor e o faz sentir algo além da misericórdia por sua alma desgostosa e amargurada. Os sentimentos que acometem o protagonista são confusos para o próprio e o interesse do dramaturgo aumenta notadamente, visto o tamanho que seu texto ganha, de um simples artigo para um livro inteiro: “Meu livro vai devolve-lo ao reino da humanidade, eu nasci para escrever isto” – mesmo sem ter rabiscado uma palavra sequer, mas o autor classifica o futuro escrito como o romance documental do século.

    O detetive responsável indaga Truman a respeito do título da futura publicação (A Sangue Frio) se este seria pela referencia óbvia a crueza dos assassinatos ou pela relação dele com os ditos criminosos. O processo de concepção das palavras é flagrada com uma câmera acima dos ombros e da cabeça do escritor, a lente mostra ele na máquina de escrever com pilhas de folhas empilhadas de forma organizada. Também é aventada a dificuldade dele em encontrar um final para a sua história, o desfecho teima em ficar em suas mãos.

    A diferenciação entre os momentos dele como centro das atenções, nas festas dentro das mansões e nos momentos dentro do cárcere junto ao seu objeto de análise é pontuada pelo comportamento completamente diverso. Há um abismo entre as duas formas de agir, o que demonstra a perfeição de Hoffman em viver e retratar as nuances do Capote homem.

    A questão proposta pelo realizador não é até onde a relação Perry/Truman  chegou, mas até onde ela poderia chegar e como esta evoluiu dentro da psique de cada um dos envolvidos. Esta passou por momentos de amizade, cumplicidade, amor platônico e por meros interesses profissionais – todos esses estágios explorados um a um e de forma verossímil em todos eles. Enquanto a sentença de Smith não é cumprida, Capote não consegue levantar o lápis, a melancolia em que mergulha nos últimos 30 minutos desmentem qualquer negação que fizera dantes negando seu envolvimento emocional com o encarcerado analisado, as feridas em si causadas foram profundas, e jamais um cineasta conseguira captar tal faceta da curiosa figura que Truman Capote era como nesta fita.

  • Crítica | À Procura do Amor

    Crítica | À Procura do Amor

    enough-said-poster

    A vida de Eva (Julia Louis-Dreyfus) está um caco, sua rotina no trabalho é mostrada como algo desprazeroso e pesaroso, e sua vida amorosa não tem tido grandes momentos ou empolgações… Até que esta vai a uma festa, e sua perspectiva muda após conhecer Marianne (Catherine Keener), uma mulher resoluta e interessante, e um pouco mais tarde, um sujeito de meia-idade e não muito atraente chamado Albert (James Gandolfini), que mesmo com esses atributos, se destacou da maioria dos homens presentes por seu ar de indiferença.

    Algo incomum ocorre nas relações de Eva, mesmo com os amigos mais íntimos, as conversas não acontecem face a face quando não são necessárias – ela faz largo uso do skype, artifício que poderia ser encarado como um substituto ao telefone, mas que também dá margem para a interpretação disto ser um traço de impessoalidade em sua senda, principalmente se analisados os seus defeitos. Sua insegurança se apresenta sob diferentes formas, seja nas relações distantes já destacadas como também na necessidade de aceitação que tem junto as pessoas, de precisar sempre agradar terceiros para se sentir bem. Isso só parece ser realmente quebrado com a aproximação de Albert.

    Enough Said é uma comédia que se baseia bastante nos constrangimentos inerentes a meia-idade. Eva passa por conflitos comuns, como a falta de atração por seu parceiro sexual, insegurança quanto ao futuro da relação e, levemente, teme o que terceiros poderão achar de uma relação que começa após os 40/50 anos, período em que as “expectativas” (com muitas aspas, para não correr o risco de parecer um comentário preconceituoso) são mais prováveis para a chegada de netos, ao invés de namorados.

    Eva e Albert estão em momentos muito parecidos, são divorciados, sentem-se como almas ao leo, fora de seu lugar de direito, não só quanto ao amor, mas também se enxergam deslocados quando se vêem a frente de suas filhas. O claro choque de gerações os constrange, os hábitos alimentares e sexuais de seus rebentos os deixam admirados de forma negativa, mas eles não precisam fazer grandes dramas em relação a isto, a reação de ambos a isso é de resignação, como quase todas as respostas que dão para as situações corriqueiras.

    A situação constrangedora que chega a Eva a faz mudar ao ponto dela deixar de ser ela mesma, e passa a emular as reclamações e experiências de outrem. Passa a ser taxativa com Albert e o critica de tal forma que ele sente-se magoado. Os remendos que faz tornam sua vida ainda mais difícil que antes, e ela experimentara cada vez mais a rejeição daqueles que importam para ela. Uma postura tão dobre pouco combina com uma pessoa adulta, e Eva abusa disso quando não consegue administrar seus sentimentos. À Procura do Amor trata do medo da criação de expectativas e da permissividade de (re)viver sensações tipicamente juvenis.

    A imaturidade da protagonista é uma demonstração de que a prudência não necessariamente vem acompanhada da idade ou do tempo de vida. A realizadora Nicole Holofcener faz uma direção comedida, dando espaço para as boas atuações de seu elenco. Gandolfini e Dreyfus trabalham bem. O fato de não haver muita química entre os dois é desconfortável e serve a trama, enfatizando o quanto ambos são deslocados e se sentem inadequados. Eles não são um casal típico de filmes açucarados, tanto que o desfecho do filme não se dá com um romântico beijo, e sim com uma piada constrangedora, mais uma vez sobre as expectativas que cada um carrega para si e para os outros.

  • Crítica | Irresistível Paixão

    Crítica | Irresistível Paixão

    irresistivel paixao poster

    Um multi-astro é aquele que, em determinado momento, resolve tentar outros movimentos para sua carreira e abrir novas oportunidades. Sempre que um cantor intenta estrelar um filme, a recepção é receosa, principalmente porque, boa parte dos críticos, torce para que o filme se torne um fracasso.

    A cantora Jennifer Lopez é uma daquelas que não desistiu e, ainda hoje, participa de algumas produções. Sua base são filmes românticos cheios de açúcar, mas já se arriscou no terror, dramas densos e protagonizou, ao lado de Ben Affleck, um dos maiores fracassos de bilheteria de todos os tempos. Diante dessa pequena carreira, que muitos poderiam denegrir como duvidosa, somente Steve Soderbergh seria capaz de reuni-la com um eterno galã para apresentar uma história marginal sobre o amor.

    Baseado na obra de Elmore Leonard – prolífico escritor policial, com filmes e séries adaptadas – a história promove o acaso e encontro entre um bandido em fuga e uma agente penitenciária que estava no local. A narrativa de Irresistível Paixão – realizada antes do hype em cima de Soderbergh – dialoga bem com um estilo alternativo de cinema sem perder a narrativa sem floreios de Leonard. George Clooney está perfeito como George Clooney, o sexy ladrão sem escrúpulos que não resiste à agente penitenciária Karen Sisco, em uma trama que, ao colocar personagens em lado opostos da lei, exemplifica que é possível encontrar o amor em qualquer lugar.

    A estranheza é um dos elementos centrais da história. O amor que surge de um lugar estranho e que, mesmo assim, produz encantamento por sua condução, pelo acaso bem inserido na história. Os diálogos merecem um destaque à parte, explicitando o estilo de produção que, além das imagens, pede pela atenção das palavras. São doses de ironia bem calculadas, declarações de amor em poucas palavras. Dando-nos uma breve dimensão de como o autor Leonard trabalha suas personagens e situações.

    Soderbergh utiliza-se do corte de cenas e dos espaçamentos temporais para dar maior agilidade a trama, que não tem medo de utilizar os datados efeitos de imagem congelada para destacar situações de limite. Caminhando do passado ao presente, explicando a motivação das personagens e aprofundando as relações.

    Desenvolvendo-se em um ambiente possivelmente hostil, entre diálogos ferinos e uma edição veloz, uma história de amor que beira a marginalidade pelas personagens nada elevadas mas que, como a maioria das histórias de amor, tem seu charme.

  • Crítica | A Filha do Meu Melhor Amigo

    Crítica | A Filha do Meu Melhor Amigo

    the-oranges-poster1

    Julian Farino é um diretor londrino acostumado a encabeçar episódios de séries como Byron, The Office-US, Sex And City, Roma entre outras muitas. Em seu primeiro longa-metragem, faz uma comédia dramática que emula alguns dos elementos de filmes indie – a saber a temática, fotografia e disposição de cores – bastante populares e com público cativo, vide Juno, 500 Dias com Ela, Ruby Sparks etc.

    O roteiro de Ian Helfer e Jay Reiss, também estreantes no cinema mainstream, foca em duas famílias vizinhas em Nova Jersey, e que tem na rotina a segurança de suas vidas – mesmo que todos ali passem longe do contentamento com a condição em que existem. A história é narrada por Vanessa (Alia Shawkat), uma menina frustrada profissionalmente, que aparenta ter bastante ambições, mas que faz pouco esforço para alcançar seus objetivos. Apesar disso, a base do guião não é nela, e sim na geração anterior – pelo menos nesse primeiro momento – especialmente no casamento malfadado entre Paige  e David – pais da relatora, e na vida privada dos seus melhores amigos Terry e Carol.

    A vida de todos é imutável, e eles são incapazes de quebrar qualquer paradigma, até que a filha do casal Ostroff retorna para casa, após ter seus planos de casamento frustrados. Nina (Leighton Messter) volta desiludida e pouco preocupada com qualquer coisa que não seja os seus próprios desejos, e se mete em uma relação que rompe a amizade entre as duas famílias. O subúrbio é utilizado como o avatar da rotina e do medo da variação, o argumento toca em temas como crise de meia-idade, término de casamento, ótica adolescente sobre divórcio dos pais etc. Outro ponto de interessante discussão é até que ponto é valido apelar para a tradição e para os laços familiares quando estas coisas se interpõem a felicidade própria.

    As atuações são razoáveis, Hugh Laurie que ainda possui muito do Doutor Casa em sua caracterização, mas dá uma personalidade diferente ao seu personagem passivo de meia-idade. Messter não compromete, mas faz pouco acreditar em seus dramas. Entretanto o destaque certamente é Catherine Keener, até por ter em mãos o personagem mais rico da película, e que apresenta maior evolução deixando de ser a esposa dedicada, simulada e ilusória para se tornar uma mulher cheia de ideais e que dedica sua vida a atingi-los – além é claro de ter protagonizado a cena mais cômica e agridoce do filme, onde destrói parte da decoração de natal da fachada de sua antiga casa para logo depois agir de forma calma e serena no interior da festa natalina.

    O caso de Nina foi o catalisador da mudança, o evento que modificou o status quo e fez todos perceberem o quanto os personagens estavam insatisfeitos com as próprias vidas, o que inclui a própria Nina, Paige, David, Carol, Terry e mesmo Vanessa, além é claro de trazer clareza de o quanto eles precisavam se transformar.

    Sair da zona de conforto é difícil, mas é necessário em alguns pontos da vida. David percebe tarde demais que certos caminhos não têm volta. The Oranges é uma comédia de incômodos e constrangimentos, um pouco pretensiosa, mas ainda assim de divertimento fácil.

  • Crítica | Onde Vivem Os Monstros

    Crítica | Onde Vivem Os Monstros

    Where-The-Wild-Things-Are-Movie-Poster

    Onde Vivem os Monstros é o último filme de Spike Jonze, diretor de Adaptação e Quero ser John Malkovich.  Trata-se de uma adaptação de um clássico da literatura infantil americana e conta a história de Max, um menino endiabrado que foge de casa e vai parar em uma ilha fantástica onde vivem “coisas selvagens”.

    Jonze toma uma história muito curta e adiciona elementos conhecidos de seu cinema, uma certa estranheza e uma tendência para o obscuro, e confere profundidade e melancolia a fábula infantil, tornando-a um filme sobre amadurecimento e solidão.

    Desde o início  Max é apresentado como uma pequena coisa selvagem: quando os amigos da irmã destroem seu iglu, a raiva que ele sente só pode ser extravasada destruindo o quarto dessa; quando ele vê a mãe com o novo namorado sua reação é vestir uma fantasia de lobo, correr pela casa e mordê-la. A mãe de Max está certa quando diz ao menino que ele está fora de controle, as coisas começaram a mudar e ele é só uma criança que ainda não sabe lidar com fato de que o mundo nem sempre responde as expectativas.

    A ideia de um abrigo percorre todo o filme: Max constrói um iglu e uma tenda em casa, já na ilha ele desenha um forte (que é na verdade um enorme casulo) e dorme com os monstros em um bolinho. Os próprios monstros são fofos, peludos e aconchegantes. O que o menino busca é a sensação de proteção e cuidado, a certeza de que estará seguro não importa o que aconteça.

    É isso que ele acredita achar na ilha, os monstros o acolhem, selvagem como ele é, e o amam e elegem rei apenas por ele ter prometido um “escudo anti-tristeza”. Jonze contrasta muito bem o mundo real ao de fantasia: a primeira parte do filme tem cores frias e uma textura quase de vídeo caseiro, enquanto na ilha a luz é dourada e a fotografia tem uma beleza notável.

    No entanto esses monstros são bastante humanos e Carol se parece demais com o próprio Max, principalmente na violência com que reage ao abandono. Ao nomear Max como rei o que essas criaturas buscam é exatamente o que o menino também quer, alguém que os projeta e evite que machuquem uns aos outros, alguém que nunca se decepcione ou fique bravo, mesmo quando eles são terríveis.

    Ao cuidar de seres tão vulneráveis quanto ele mesmo Max percebe a fragilidade e a solidão da própria mãe e começa a entender que não tem nada que ela possa fazer para evitar que sua vida mude, ou para que ele lide melhor com os próprios sentimentos. Ele então volta para casa, consideravelmente mais velho.

    Jonze contrasta a violência das coisas selvagens com a organização exigida pela vida adulta e cria um filme repleto de nuances, símbolos e sutilezas, mas que ao mesmo tempo é engraçado e divertido. Onde Vivem os Monstros talvez seja seu filme mais complexo e um dos mais subestimados dos últimos tempos.

    Texto de autoria de Isadora Sinay.