Tag: James Corden

  • Crítica | Mesmo Se Nada Der Certo

    Crítica | Mesmo Se Nada Der Certo

    Poster Mesmo se Nada Der Certo

    O produtor musical Dan Mulling (Mark Ruffalo) era tão ocupado que precisa utilizar qualquer tempo livre que tem para ouvir os aspirantes a cantor que aparecem para ele. Mesmo quando preso no trânsito, ele passa um bom tempo escutando os pretensiosos artistas. Retirado de uma sucessão de clichê de comédia romântica, o estereótipo tem seu ápice no homem confuso, sem identidade, que ainda não achou o amor verdadeiro, e até sua vida familiar é bagunçada. O protagonista chega ao fundo do poço ao se deparar com a demissão da produtora musical que fundou.

    A cidade de Nova York constitui o cenário perfeito para o alvorecer de uma estrela, e é em meio a um bar pé-sujo no subsolo que Dan se depara com algo subvalorizado pelo público presente, mas que lhe acende a criatividade e um bocado do prazer. Para (não) surpresa do público, a figura que encanta o desolado homem é a bela Gretta (Keira Knightley), uma cantora resignada, que somente faz composições, apesar de ter uma bela voz. O motivo do asco pela fama é justificado pela atribulada intimidade dela como cônjuge e compositora anônima de Dave Kohl (Adam Levine). O namorado faz um sucesso enorme, mas esconde a real autoria de suas canções, muito pela timidez de Gretta, mas também por uma canalhice, que se provaria maior pelo motivo que o faz romper a relação.

    Juntos, os pares desordenados começam a planejar uma nova empreitada musical, com músicos que aparecem repentinamente para colaborar de graça com a produção da fita demo, todos inspiradíssimos, como se algo cósmico estivesse prestes a ocorrer. A harmonia com que o clipe é conduzido é de fazer inveja a qualquer musicista profissional. Até os percalços das locações externas onde a fita é gravada colaboram para a perfeita feitoria da canção, convenientemente.

    O “casal” torna-se tão perfeito em suas ações que Gretta consegue conquistar a afeição da filha dele, Violet (Hailee Steinfeld), sendo uma conselheira amorosa, dando um banho de loja na garota e descobrindo um talento musical que fugia aos olhos do pai. O estado de perfeição só é quebrado após ambos comentarem como suas relações acabaram, entrando em um novo nível de intimidade, onde máscaras de hipocrisia não poderiam mais prevalecer. A conversa a partir daí evolui para uma amizade de apoio mútuo, com potencial para se tornar algo mais.

    O par se conheceu no pior momento de suas vidas, onde a aflição imperava. Seria uma comédia repleta de bordões e banalidade, não fosse a mola central da engrenagem. O modo como a musicidade é percorrido pelo roteiro faz todas as repetições terem um sentido maior do que o normal, com significado e profundidade acima das baboseiras pré-fabricadas e de cunho publicitário. A condução delicada de John Carney faz tudo isso soar naturalmente.

    Mesmo as cenas irreais ganham uma aura de fantasia graças ao místico da música. As paragens, que normalmente seriam barulhentas ao extremo, prostram a melodia presente na alma de Gretta, funcionando de modo despretensioso, como uma comédia chapa branca, mas sincera em cada acorde. Nenhuma interferência externa, fora os personagens centrais, os músicos e seu entorno, consegue subsistir ante a magia musical da banda quando está em forma.

    Mesmo Se Nada Der Certo é um filme sobre essência, que apesar de apegar a fórmulas tem em sua mensagem a fuga da formatação, tanto das músicas quanto do cotidiano. O ineditismo está intrinsecamente ligado à obsessão de Gretta e Dan, e é por isso que as vidas de ambos eram tão miseráveis antes. Soterrados pelo tédio, eram incapazes de usufruir dos momentos simples e felizes de suas vidas. Mesmo diante de uma saída fácil, em que poderia reunir os dois com um romântico par, Carney prefere mostrar a evolução de pensamento, tanto de Gretta quanto de Dan, com frieza de espírito suficiente para decidirem suas vidas de modo calmo e correto, costurando um desfecho plausível com toda a duração do drama e de modo extremamente positivo.

  • Crítica | Caminhos da Floresta

    Crítica | Caminhos da Floresta

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    Não é incomum que as pessoas guardem certo ranço pelo musical como gênero cinematográfico. Uma das alegações mais recorrentes diz respeito à dificuldade de envolvimento devido ao uso narrativo da música. É, no entanto, interessante que Disney e Broadway desde seus primórdios lancem mão deste recurso em suas obras, as quais, eventualmente, sejam tão bem aceitas pelo público em geral – como a clássica Hakuna Matata (O Rei Leão) e a recente Let it Go (Frozen – Uma Aventura Congelante) – mas cuja aceitação não seja a mesma quando o gênero é aplicado no formato live action ou o material encenado fora dos palcos. Entre tantos outros exemplos, Caminhos da Floresta encaixa-se na categoria dos que merecem ser vistos sem este tipo de filtro.

    Vindo na esteira de uma leva de filmes propondo reformulações menos monocromáticas nos contos de fadas, como ocorreu com Malévola e o já citado Frozen, Caminhos da Floresta maximiza essa tendência e une os principais contos de fada recontados ou elaborados pelos irmãos Grimm em um mashup capaz de unir, mais do que suas tramas, as discussões morais e éticas já presentes desde sempre nestes contos. Para tal tarefa, a Disney chamou o veterano Rob Marshall, diretor de Nine e Chicago, para reunir todas essas tendências e criar uma paleta mais sutil e atual com o uso de charmosas canções.

    O que vemos aqui é uma única história contada de maneira fracionada com o uso de personagens, de comportamento tipicamente maniqueísta, mas que unidos tornam-se mais profundos. Nos contos originais, a trama desenrola-se a partir do erro ingênuo da jornada dos heróis (chamado de Hermátia, que pode ser traduzida do grego como “Errar o Alvo”). Mas o que Rob Marshall faz com esse material é uma discussão sobre a real inocência deste erro e como ele pode afetar a vida de todos, e faz isso usando como fio condutor o conto de Rapunzel – ironicamente, deslocado e abandonado de acordo com a conveniência do roteiro -, levando adiante a história de sua origem ao nos apresentar as consequências adquiridas pelas próximas gerações do conto.

    A apresentação dos personagens é feita através da narração de suas ocupações e de uma canção que permeia os cenários dos protagonistas exibindo seus desejos e aflições. Neste ponto, podemos separar os protagonistas como alegorias para “O mundo”; a floresta como “A vida”; e a Bruxa (Meryl Streep, merecidamente indicada ao Oscar novamente) como “Os percalços da vida”. E assim está posta a mesa sobre os dilemas da vida, o que faz todo o sentido neste contexto, já que todos os contos de fada usados são “arquétipos universais”, assim chamados por reproduzirem-se mesmo em culturas distintas e não relacionadas entre si.

    Apesar da proposta ambiciosa de buscar o sentido da vida – ou o sentido da floresta -, a produção frequentemente peca pela literalidade com que aborda boa parte de suas teses, o que é uma pena, pois, quando consegue se desfazer deste cacoete, sempre acerta, como na cena de renascimento de Chapeuzinho Vermelho, ou de sua transformação interna com a substituição de sua capa vermelha de menina por uma capa de mulher, fruto de seus erros que será carregada para que possa enfrentar o mundo.

    Com uma metragem maior do que deveria, o filme tropeça em algumas ambiguidades por ceder à falácia do meio-termo como situação ideal, mostrando os extremos e então forçando-os a alcançar um ponto de equilíbrio dito ideal, como quando, após expor o machismo dos contos e dos cafonas príncipes encantados, a adúltera é punida pela vida sem a menor cerimônia; ou, quando fala sobre onde colocar nossos desejos sexuais, argumenta a possibilidade de que no fundo a moça sabia que não deveria ter provocado ou se excitado.

    Mas não adianta buscar culpados apenas, pois afora passar por esta floresta e seus caminhos – pela falta de caminhos, atalhos ou estradas – passa pela aceitação do outro como parte da resolução, assim como foi parte do problema, tendo o sentido de pertencimento como essencial para lidar com os defeitos do mundo, a vida e seus problemas.

    Texto de autoria de Marcos Paulo Oliveira.

  • Crítica | Apenas Uma Chance

    Crítica | Apenas Uma Chance

    apenas uma chance

    Baseado na história do surpreendente cantor de ópera – e celebridade da internet – Paul Potts, o filme de David Frankel conta de modo detalhado toda a difícil jornada do solista rumo ao estrelato, sem poupar o público das mil situações constrangedoras que ocorreram em sua vida.

    O roteiro de Apenas Uma Chance é construído com a mesma estrutura de uma ópera, com todos os elementos tragicômicos de uma comédia em três atos, onde o personagem principal assume um papel épico e é acompanhado como se estrelasse uma espetáculo. Paul é mostrado como um rapaz perseguido desde sua infância, sofrendo bullying por ser gordo – condição que se repete por anos a fio. Ele cresce, e em sua vida adulta é interpretado magistralmente por James Corden. Porém, apesar de ter crescido, o rapaz mantém vivas as mesmas sombras que povoaram sua infância, como a total solidão, o pouco tato com as mulheres, decorrente da criação debaixo das asas da mãe, e o mais importante, a enorme paixão pelo canto lírico, que, obviamente servia como máscara para o seu eloquente talento.

    Impressiona como o conhecimento de mundo de Paul Potts é infantil. Suas ações são carregadas de ingenuidade, tanto em relação aos seus agressores como no relacionamento que tem com Julz (Alexandra Roach), uma namorada que ele pouco conhece e que o surpreende, quando o personagem se dá conta de que realmente é uma mulher. Tais papéis influenciam diretamente a sua perspectiva do que deveria ser a vida, e o motivam a buscar a realização de seus sonhos. Julz torna-se, então, a musa inspiradora de seu maior desejo, estudar canto em Veneza, despertando nele a vontade de partir, sensivelmente encenada nos vinte minutos que precedem esse momento singular.

    A partir dali, o personagem é chamado de Paolo, e com a mudança nominal ensaia também uma mudança de postura e amadurecimento, já que seria preciso mais do que um coração puro para alcançar o tão almejado posto de solista. Viajando pelo interior do país, ele é aconselhado a encontrar a sua própria voz e não tentar mudá-la somente para agradar às pessoas, o que, na verdade, é um paralelo com o seu excesso de peso e com a busca pela aceitação social. O personagem atinge seu ponto máximo nesse ato, ao ser convidado para apresentar um solo a Luciano Pavarotti, momento em que falha terrivelmente e, movido por sua insegurança, mal consegue cantar diante de seu herói. A reprovação do tenor provoca uma mudança tão grande em sua vida, que ele encerra o seu sonho e decide não mais cantar, recolhendo-se a sua solidão e afastando-se de sua amada, a única mulher que permanece ao seu lado por toda a vida e que o ajuda a suportar todas as adversidades dali para frente.

    O casal é conduzido por uma timidez de beleza ímpar e de singeleza ainda mais rara, o que demonstra ser um dos maiores acertos de Frankel, já que a sensibilidade de sua abordagem ajuda a maximizar as sensações e a empatia do público com seu herói. Outro fator notável na construção da película é a delicadeza na escolha das cores, que simbolizam o estado de espírito do protagonista. Após o seu casamento, Potts vê todo o cenário se desenhar de azul, em evidente contraste com o preto que dominava a tela quando sofria com a violência alheia. Dessa forma, Frankel atribui ao espetáculo a importância e o valor de um cenário principal, lugar onde Paul brilharia, onde cairia em desgraça, onde retornaria ao seu dom e onde também sofreria com seus azarados problemas.

    A rotina enterra os sonhos de Paul e o faz renunciar suas ideias mais grandiloquentes, transformando-o em um adulto deprimido, inválido e sem perspectivas de futuro. Após ver sua vida financeira tornar-se um caos, graças às dívidas que contraiu, e após uma das mais severas brigas que teve com seu pai, ele decide retomar seu anseio maior, inscrevendo-se em um reality show que debocha dos participantes que buscam ser o maior talento da Grã-Bretanha.

    É curioso como, na terceira tentativa, e não na “única chance” – sugerida pelo título do filme e também nome do primeiro álbum de Potts – ele finalmente alcança o êxito, apesar das limitações de sua saúde, de todo o triste passado que vivenciou, de sua inabilidade social e de sua capacidade quase infinita de gerar vergonha para si mesmo. O trabalho de roteiro que Justin Zackham imprime é perfeito no quesito emoção, trazendo à baila questões comuns que valorizam ainda mais a bela história de amor e superação de Paul Potts, desde os tempos imemoriais de anonimato até a fama que, finalmente, o acomete.