Tag: John Carney

  • Crítica | Sing Street: Música e Sonho

    Crítica | Sing Street: Música e Sonho

    Sing Street: Música e Sonho tem sua história centralizada em um jovem que quer fazer de sua banda não apenas um cover, mas algo novo, e o próprio filme soa como algo deste tipo, um ar revigorante e diferente de imagem e principalmente som. Tendo a música como uma de suas protagonistas, o longa se inicia com o jovem Conor (Ferdia Walsh-Peelo) tocando violão enquanto seus pais discutem fervorosamente no cômodo ao lado, já nos dando uma luz do que a produção promete, um coming of age recheado de pontes propícias a identificação.

    Quem nunca se enfiou de cabeça em algum hobby aos dezesseis anos para fugir dos pais, da escola, de todos os problemas que insistem em começar a aparecer? O filme roteirizado e dirigido por John Carney (Apenas Uma Vez, Mesmo Se Nada Der Certo) retrata bem uma época em que se criam laços fortes e se nascem sonhos, dosando bem um humor britânico carregado de drama ao decorrer que o longa expõe de maneira mais profunda seus personagens. O principal, Conor, ao ser obrigado a mudar de escola pelos pais que beiram um divórcio, decide criar uma banda para se aproximar de Raphina (Lucy Boynton), uma jovem modelo misteriosa.

    Os anos 80 muito bem representados dão um toque nostálgico bem-vindo a Sing Street, que apesar de aparentar ser um clichê, acerta em fazer de sua época não apenas uma retratação, mas uma ambientação que vende sua história e sua música, trazendo toques especialmente originais nas cenas mais sutis. De início, Raphina é a típica cool girl idealizada, sendo filmada com bastante maquiagem e sempre num contra-plongée ressaltando o quanto sua personagem parece intocável, mas isso muda quando aos poucos vamos a entendendo, a câmera passa a trabalhar no nível de seus olhos e a sutileza fica evidente em um belo diálogo dela com Conor em um parque, inclusive, os dois atores têm uma química muito cativante.

    Dos demais personagens, como os membros da banda, apenas dois têm espaço para pelo menos demonstrar certa personalidade, mas Eamon (Mark McKenna) nos entrega as melhores cenas do longa quando compõe as músicas com Conor, o que faz com que qualquer fã de Beatles pense em Paul e John. Porém, o destaque dos coadjuvantes é do irmão de Conor, Brendan (Jack Reynor), uma espécie de mentor para uma jornada do herói simbólica. É nele que Sing Street encontra todos seus temas e dramas, a música, os sonhos, a juventude, e a frustração.

    Carney sabe muito bem contar uma história musical, ele provou isso no seu Mesmo Se Nada Der Certo (Begin Again), mas aqui ele parece buscar um cinema mais autobiográfico, tratando a juventude, a tarde com os amigos fugindo dos problemas de casa, a paixão que parece eterna, família, e acima de tudo a irmandade de uma forma sútil, extremamente humanizada, onde até o personagem que comete bullying tem sua cena “justificatória”. É um filme realizado para se identificar, para terminar de assistir, ler a mensagem escrita que John deixa após o plano final, e refletir sobre seus amigos, seus irmãos e como a música já te influenciou.

    Com um final minimamente surpreendente, o longa se destaca como um coming of age diferente das produções do gênero, sendo mais profundo do que uma primeira assistida pode entregar. Confiem, Sing Street além de ter algo pra você ouvir e cantar, tem também algo para te falar.

    Texto de autoria de Felipe Freitas.

  • Crítica | Mesmo Se Nada Der Certo

    Crítica | Mesmo Se Nada Der Certo

    Poster Mesmo se Nada Der Certo

    O produtor musical Dan Mulling (Mark Ruffalo) era tão ocupado que precisa utilizar qualquer tempo livre que tem para ouvir os aspirantes a cantor que aparecem para ele. Mesmo quando preso no trânsito, ele passa um bom tempo escutando os pretensiosos artistas. Retirado de uma sucessão de clichê de comédia romântica, o estereótipo tem seu ápice no homem confuso, sem identidade, que ainda não achou o amor verdadeiro, e até sua vida familiar é bagunçada. O protagonista chega ao fundo do poço ao se deparar com a demissão da produtora musical que fundou.

    A cidade de Nova York constitui o cenário perfeito para o alvorecer de uma estrela, e é em meio a um bar pé-sujo no subsolo que Dan se depara com algo subvalorizado pelo público presente, mas que lhe acende a criatividade e um bocado do prazer. Para (não) surpresa do público, a figura que encanta o desolado homem é a bela Gretta (Keira Knightley), uma cantora resignada, que somente faz composições, apesar de ter uma bela voz. O motivo do asco pela fama é justificado pela atribulada intimidade dela como cônjuge e compositora anônima de Dave Kohl (Adam Levine). O namorado faz um sucesso enorme, mas esconde a real autoria de suas canções, muito pela timidez de Gretta, mas também por uma canalhice, que se provaria maior pelo motivo que o faz romper a relação.

    Juntos, os pares desordenados começam a planejar uma nova empreitada musical, com músicos que aparecem repentinamente para colaborar de graça com a produção da fita demo, todos inspiradíssimos, como se algo cósmico estivesse prestes a ocorrer. A harmonia com que o clipe é conduzido é de fazer inveja a qualquer musicista profissional. Até os percalços das locações externas onde a fita é gravada colaboram para a perfeita feitoria da canção, convenientemente.

    O “casal” torna-se tão perfeito em suas ações que Gretta consegue conquistar a afeição da filha dele, Violet (Hailee Steinfeld), sendo uma conselheira amorosa, dando um banho de loja na garota e descobrindo um talento musical que fugia aos olhos do pai. O estado de perfeição só é quebrado após ambos comentarem como suas relações acabaram, entrando em um novo nível de intimidade, onde máscaras de hipocrisia não poderiam mais prevalecer. A conversa a partir daí evolui para uma amizade de apoio mútuo, com potencial para se tornar algo mais.

    O par se conheceu no pior momento de suas vidas, onde a aflição imperava. Seria uma comédia repleta de bordões e banalidade, não fosse a mola central da engrenagem. O modo como a musicidade é percorrido pelo roteiro faz todas as repetições terem um sentido maior do que o normal, com significado e profundidade acima das baboseiras pré-fabricadas e de cunho publicitário. A condução delicada de John Carney faz tudo isso soar naturalmente.

    Mesmo as cenas irreais ganham uma aura de fantasia graças ao místico da música. As paragens, que normalmente seriam barulhentas ao extremo, prostram a melodia presente na alma de Gretta, funcionando de modo despretensioso, como uma comédia chapa branca, mas sincera em cada acorde. Nenhuma interferência externa, fora os personagens centrais, os músicos e seu entorno, consegue subsistir ante a magia musical da banda quando está em forma.

    Mesmo Se Nada Der Certo é um filme sobre essência, que apesar de apegar a fórmulas tem em sua mensagem a fuga da formatação, tanto das músicas quanto do cotidiano. O ineditismo está intrinsecamente ligado à obsessão de Gretta e Dan, e é por isso que as vidas de ambos eram tão miseráveis antes. Soterrados pelo tédio, eram incapazes de usufruir dos momentos simples e felizes de suas vidas. Mesmo diante de uma saída fácil, em que poderia reunir os dois com um romântico par, Carney prefere mostrar a evolução de pensamento, tanto de Gretta quanto de Dan, com frieza de espírito suficiente para decidirem suas vidas de modo calmo e correto, costurando um desfecho plausível com toda a duração do drama e de modo extremamente positivo.