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  • Crítica | Amor, Sublime Amor (2021)

    Crítica | Amor, Sublime Amor (2021)

    West Side Story é um musical da Broadway, conhecido por suas várias versões, sendo a mais famosa vista no filme de Robert Wise e Jerome Robbins lançado em 1961. Sua história atualiza o conto shakesperiano de Romeu e Julieta, ambientando na cidade de Nova York  do século XX. A expectativa em relação à nova versão de  Amor, Sublime Amor não eram pequenas, ainda mais por ser conduzida por Steven Spielberg, que vem de uma fase de adaptações bastante elogiadas.

    As escolhas visuais e temáticas do cineasta foram bem diferentes da versão dos anos sessenta. O figurino das gangues Jets e Sharks, assim como a direção de arte é bem mais realista nesta abordagem. Como na primeira montagem cinematográfica, o longa também se inicia com uma tomada aérea sobre a cidade de Nova York, dessa vez, bem mais cinza e suja, combinando com o visual maltrapilho dos grupos de foras-da-lei.

    O roteiro fica a cargo de Tony Kushner, que já trabalhou antes com o realizador em Munique e Lincoln. Aqui há um subtexto diferente da versão de Wise: o território disputado estava em fase de realocação urbana, ou seja, estavam todos se despedindo e em vias de sofrer despejo, o pedaço de terra era utilizado apenas pelos miseráveis que não tinham condições de se mudar. Os personagens possuem problemas reais, faltam-lhe condições básicas de conforto e de sobrevivência. No entanto, esses trechos poderiam ser menos didáticos.

    O elenco é comandado por Ansel Elgort (Em Ritmo de Fuga), que faz o papel do recém-reabilitado Tony, fundador dos Jets, e que se submete a um trabalho simples para tentar se regenerar nesse momento de liberdade condicional, distante dos seus antigos colegas de vadiagem. Ainda assim, ele causa em Riff (Mike Faist) a esperança de poder, enfim, sobrepujar os seus rivais, de maneira “definitiva”, mas sem os eufemismos ou artifícios retóricos que tentam esconder a vontade de matar, e até mesmo de morrer, comum a tragédia de tantos jovens.

    Tony é a exceção dentro dos Jets. Ao contrário dos outros rapazes ele tem uma ocupação. Ele é como um dos Sharks, dado que do grupo, todos trabalham, mesmo os que estudam. De maneira simples o roteiro demonstra como funciona a realidade diferenciada deles, pois mesmo sendo pobres, os brancos podem se dar ao luxo de não trabalhar, enquanto os hispânicos precisam lutar para viver.

    Tanto Riff quanto Bernardo (David Alvarez) são inspiradores se comparados aos seus capangas, mas os melhores diálogos e canções caem sobre a protagonista, Maria (Rachel Zegler), uma menina inocente e disposta a amar infinitamente. Já Anita (Ariana DeBose), é uma moça que não se permite domar nem pelo namorado violento, e nem pelas pressões comuns a um jovem latino na América. Dos arcos dramáticos, este é o mais profundo e plausível, seu intento de ser uma desenhista de moda é um bom resumo do desejo de vencer na vida.

    Os amores são mostrados quase sempre de maneira trágica e melancólica, em especial os que envolvem os personagens latinos. Tony e Maria tem química, se sentem unidos mesmo em meio ao mar de gente no momento de seu encontro. A atração pelo olhar e pela alma é pontuado de forma intensa, fato que faz essa versão contemplar bem o mito de William Shakespeare. Pode-se dizer o mesmo de Anita e Bernardo.

    Os coadjuvantes têm seu espaço, protagonizam cenas de dança grandiosas, além de números de sapateado igualmente bons. A maior parte das cenas são maiores aqui do que em comparação com a versão de Wise, além de não se depender tanto de Tony ou Riff para acontecerem os momentos musicais dos Jets. A música de Gustavo Dudamel está muito bem encaixada, e a melodia, letra e coreografia fluem muitíssimo bem. A atmosfera de musical moderno faz invejar obras recentes como La La Land: Cantandos Estações e Os Miseráveis, no sentido de popular e épico.

    Amor, Sublime Amor é divertido, consegue variar bem entre o escapismo e a violência. Spielberg captura bem a atmosfera da delinquência juvenil que residia nos Estados Unidos no pós-Segunda Guerra. Sua forma de contar história certamente agradará o público afeito a musicais, e consegue saciar até quem não costuma consumir esse gênero, mas sua maior qualidade é a de atualizar bem os temas do clássico, com alma, emoção e energia. O único senão fica com as legendas que poderiam ter um maior cuidado com o que é dito nas músicas. Não é preciso ser especialista em língua inglesa para perceber que os textos não casam com o que é cantado e tudo é completamente modificado em sentido e espírito.

  • Crítica | O Fantasma da Ópera (2004)

    Crítica | O Fantasma da Ópera (2004)

    Em 2004, Joel Schumacher lançou sua versão para O Fantasma da Ópera, começando seu drama sem cores, remetendo ao clássico de 1925, de Lon Chaney. Somos apresentados ao Teatro de Ópera Popular de Paris, com os espetáculos sendo organizadas, até que o patrono do lugar, LeFevre (James Fleet), anuncia sua aposentadoria, liberando o papel para que Raoul de Ghagny (Patrick Wilson) seja o novo financiador do negócio, junto ao seu pai, Firmin (Ciarán Hinds).

    Esta versão se foca bastante na trama romântica, apresentando as bailarinas, Meg Giry (Jennifer Allison) e Christine Daee (Emmy Rossum), por meio de uma conversa sobre o novo responsável pelo lugar, além da busca pelo sucesso como artistas. Quando a diva Carlotta Guidicelli (Minnie Driver) se retira, abre uma oportunidade para Christine ir ao centro do palco.

    As músicas de Andrew Lloyd Webber são impecáveis, o desempenho vocal do elenco é igualmente acertado. Até Batman & Robin, lançado sete anos antes havia uma aura mais fantasiosa e colorida típica dos musicais, aqui o que se vê é uma segurança e austeridade tão desnecessárias que soam até covardes. Talvez tenha sido a crítica frequente ao diretor que não o permitiu um pouco de ousadia, optando por trabalhar numa linha mais conservadora.

    Sobre o Fantasma, a maioria dos personagens é bastante consciente sobre a lenda que ronda o teatro, ao ponto de se falar abertamente sobre deixarem um camarim vazio para ele – e até mesmo um salário. Talvez o maior pecado do filme resida exatamente no papel principal, Gerard Butler tem uma presença que varia entre uma face calma e tediosa, e um lado histérico-agressivo que até faz convencer. No entanto o ator é irregular, acertando em alguns pontos, mas seu tom dramático não convence nenhum pouco.

    Os acertos de Schumacher moram nas cenas de ação, a luta de espadas entre o Fantasma e Raoul é bem feita, mas o filme carece de identidade. Se comparar com versões musicais com outro diretor de filmes do Batman, Sweeney Todd: O Barbeiro Demoníaco da Rua Fleet de Tim Burton por mais criticado que seja, tem a cara de seu cineasta, e Schumacher parece mais preocupado em trazer uma versão austera, segura e econômica. Seu filme carece de alma, nenhuma atuação sai do tom, é tudo muito higiênico, e os protagonistas masculinos são fracos.

    Emy Rossum tenta salvar o filme, mas não tem força suficiente para isso. Quanto a música de Webber funcionam à perfeição, assim como todo o design de produção de Anthony Pratt. O ato final carece de verve e emoção, Wilson e Butler não repetem os bons momentos do primeiro duelo, o que é de fato uma pena, pois um musical prescinde de um final apoteótico, e aqui é bastante anticlimático. Schumacher poderia ter ter feitos escolhas melhores.

  • Crítica | Mary Poppins

    Crítica | Mary Poppins

    Em 1964, uma época em que Walt Disney ainda dava muitos pitacos nas produções de seu estúdio, chegava as grandes telas o simpático e mágico Mary Poppins, um musical todo focado na figura que dava título ao filme e que era interpretada por Julie Andrews, a mesma que brilhou muito na Broadway mas que ainda não havia feito nenhum filme. A atriz acostumada a produções teatrais havia ganhado notoriedade por fazer a peça My Fair Lady, que ganhou as telas em uma produção da Warner também neste ano, com o nome de Minha Bela Dama no Brasil.

    Andrews não fez Minha Bela Dama, no lugar dela escolheram Audrey Hepburne, que quis que o papel recaísse sobre a interprete de Poppins, mas os estúdios temiam que a inexperiência da atriz comprometesse o projeto, e Andrews fez o clássico da Disney, e ganhou o Oscar de melhor atriz. A partir daí foi inventada uma rivalidade entre as duas que claramente jamais existiu, ao contrário, ambas eram bem simpáticas entre si.

    O cenário da casa dos Banks, onde se passará boa parte da trama do filme é de certa forma caótico. A dona da casa Winifred (Glynis Johns) tem uma aparência submissa e angelical, mas é claramente uma agitadora, uma feminista, sufragista que quer garantir as mulheres o direito ao voto, e isso por si só na primeira década do século XX já era demais. Alem disso a governanta que já era acostumada com as crianças e com George W. Banks (David Tomlinson) acaba de se demitir, e a família fica de novo em apuros, sem saber quem cuidará dos infantes, mesmo após testarem seis babás em quatro meses.

    Durante o filme se veem alguns personagens periféricos tão nonsenses que beiram a fantasia. Os vizinhos dos Banks são marinheiros que dão tiros de canhão toda vez que o marcam uma hora e essa demonstração de poderia e arsenal talvez fosse uma mostra da autora do livro, P L Travers, do quão bobo e elementar pode ser o homem, embora ela claramente não tenha um viés progressista em sua visão de mundo, vide a esposa dos Banks e sua construções. Ainda no campo lúdico, Poppins torna o corriqueiro, o comum como os afazeres de arrumar o quarto em passatempos com músicas e ainda indica algo não recomendável, como inserir açúcar nos remédios que as crianças precisam tomar, aparentemente os anos sessenta eram mais selvagens e ler a bula não era tão usual.

    Nem mesmo o aspecto de contos de fadas do filme faz o espectador não perceber o obvio, a família Banks é carente de muitas coisas. George não consegue ser amoroso com ninguém, a mãe é atenciosa, mas também precisa ser ativa politicamente, desse modo ela não pode se ocupar em tempo integral da educação de seus filhos, afinal, como é com o pai, ela também tem seus afazeres e não deixará essa questão de lado, mas incrivelmente o seu lado é bem mais culpabilizado que a de seu esposo, mesmo ela tendo mais contato com as crianças que ele. Já os pequenos Jane e Michael ( Karen Dotrice e Matthew Garber) tentam traçar o perfil de uma babá perfeita para ajudar seu pai, mas tudo o que eles falam é desconsiderado pelo mesmo, tratado como nonsense. Essa falta de diálogo seria solucionada, ainda que tardiamente pela intervenção da protagonista, que teria acesso aos pedidos das crianças, mesmo que as folhas redigidas com as palavras dos filhos tivessem voado.

    Depois de Mary assumir seu trabalho, ela passeia com as crianças e encontra seu velho amigo, Bert (Dick Van Dyke) e eles passam a cantar e dançar em meio animações de duas dimensões. Aos poucos, a perfeita babysitter passa a afeiçoar a atenção das crianças e o inverso também ocorre, e tudo isso flui de uma maneira bastante natural.

    Lá pelo meio do filme a competência de Poppins é posta a prova, em seu dia de folga as crianças ficam impossíveis de lidar, e não conseguem entender a necessidade que a mulher tem de ter seu espaço e sua folga garantida. Evidentemente que a rebeldia das crianças é super comedida, assim como as lições de moral que seu pai recebe não é super pesada, afinal, são pessoas falhas (e mimadas) mas não são exatamente más.

    Proximo de terminar o filme demonstra todo o seu problema com o feminismo. A mãe que começa como sufragista depois muda de ideia , acha toda sua luta uma  loucura, e decide ser ela própria a cuidadora dos filhos enquanto mr banks continua sua rotina. Não há problema nenhum em ela decidir ser do lar, mas o roteiro literalmente debocha da ideologia feminista, mostrando-a como uma fase de ocupação mental de uma mulher rica, tornando tudo isso em mais um evento meio fútil. Isso quase põe toda a magia do clássico abaixo, mas claramente essa mentalidade não tem a ver com a personagem principal.

    Mary Poppins é mágica, uma mulher forte e decidida a fazer o que quer. Por mais que a natureza de seu trabalho seja o tradicional relegado as mulheres da época – cuidar de crianças – ela o faz ao seu estilo, sabe seus limites, briga por suas folgas e considera que seus direitos são irrevogáveis, e a forma como ela faz unir os Banks é bem singela e bonita. Seus últimos momentos reproduzem a mágica do começo, embora claramente os adultos da familia não tenham digerido bem tais ensinamentos. Toda a magia presente no filme é muito mérito de Stevenson, que equilibra bem os momentos de tensão e sentimento e principalmente é culpa de Andrews, que une todo o jeito angelical e autoritário em alguns pontos com outros que culminariam na figura de mulher perfeita e memorável que era, sem deixar de ter personalidade e identidade, como muitos dos homens de sua época achavam que as mulheres deveriam ser e agir.

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  • Crítica | Bohemian Rhapsody

    Crítica | Bohemian Rhapsody

    A produção da cinebiografia do Queen é antiga, passou por inúmeros cineastas, intérpretes e depois de uma produção conturbada, finalmente chega aos cinemas o filme que começou com Bryan Singer conduzindo, mas teve filmagens adicionais de Dexter Fletcher que aqui assina como produtor executivo. Bohemian Rhapsody acaba por ser a oportunidade perfeita para Rami Malek interpretar Freddie Mercury, com um pequeno aceno para a história da banda que tinha o descendente de paquistaneses como frontman.

    Ao longo das duas horas e 14 minutos, a história de Anthony McCarten e Peter Morgan passa de maneira didática, de certa forma até rasa, a trajetória da banda. O fator que faz o filme soar sério é a performance de Malek, que apesar de soar um tanto caricatural graças a dentadura e perucas que utiliza, consegue trazer à luz uma versão bastante fiel do que era o fenômeno à frente do Queen.

    Por outro lado, as passagens de tempo são problemáticas, ainda que bastante críveis todas as relações de Freddie, e apesar do filme todo girar ao seu redor, os personagens secundários tem boas participações. Tanto o primeiro amor do cantor, Mary Austin (Lucy Boynton) quanto a banda inteira tem seus momentos de brilho, Ben Hardy que faz Roger Taylor (baterista) sobretudo funciona perfeitamente como a pessoa que bate de frente ao ególatra que protagoniza o filme, assim como Gwilym Lee parece demais Brian May (guitarrista) e Joseph Mazzelli também encarna fidedignamente o tímido baixista John Deacon. Além disso, a trilha com as músicas do Queen ajudam a tornar toda a experiência algo apoteótico, emulando em alguns momentos o estilo Opera Rock tão familiar ao grupo.

    Se a montagem acerta nos pontos onde entram as músicas, embalando o espectador aficionado pelo conjunto musical britânico, o mesmo não se pode dizer das relações carnais de Mercury. Ao mesmo tempo em que há um acerto em mostrar o vazio emocional do personagem, se peca por só mencionar os exageros que o homem por trás do mito praticava. Se fala sobre as festas com anões, com palhaços, artistas circenses e crossdressers, e há alguns momentos em que isso aparece mas sem qualquer peso dramático ou atenção maior. Isso é problemático demais, pois parece quase uma autocensura e dado todos os problemas da produção é difícil identificar o maior culpado disso, se foi o estúdio, Singer ou Fletcher – ou um pouco de cada um.

    Em se tratando de um filme que demorou tanto a ser filmado e finalizado e com tantos detalhes negativos de bastidores, Bohemian Rhapsody se mostra como uma cinebiografia que apesar de não fazer jus a complexidade de seus biografados, ao menos é divertida. Um passatempo sem dúvida divertido e que seria melhor apreciado se não fosse tão conservador em sua fórmula.

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  • 10 Grandes Musicais da Era de Ouro de Hollywood

    10 Grandes Musicais da Era de Ouro de Hollywood

    Da revolução técnica de O Cantor de Jazz, ao moralismo cínico mas muito popular de La La Land (o filme mais premiado da história do Globo de Ouro), talvez o gênero da aventura rivalize com o musical a simbolizar os valores que Hollywood tanto se esforça desde o primeiro estúdio do fatídico MGM para passar ao mundo: Escapismo, entretenimento, diversão, diversidade… Entre os anos de 1920 e 1960, nenhuma era na indústria do cinema americano reuniu tantos sucessos: A era de ouro. A seguir, separamos uma dezena de exemplos cheios de uma vivacidade irresistível.

    O Cantor de Jazz (Alan Crosland, 1927)

    O Cantor de Jazz é o representante perfeito para atestar a importância dos musicais para a história do Cinema mundial. A revolução sonora que o filme provocou ainda reverbera feito marolas na técnica empregada num sem-número de obras, de lá pra cá. Mais que um mero expoente revolucionário, é de uma beleza lírica e de uma suavidade narrativa totalmente fora de moda hoje em dia. Um fóssil cinematográfico indispensável, e preso no seu próprio tempo.

    Melodia da Broadway (Harry Beaumont, 1929)

    O primeiro musical da MGM, prestes a completar 90 anos, é muito mais do que um marco, dois anos após o triunfo sonoro do Cinema em O Cantor de Jazz. Melodia da Broadway é o avanço do espetáculo hollywoodiano equilibrando, numa alegoria de romance e muita graça impressa em quadros estáticos e pompa típica dos anos 20, imagens e sons verdadeiramente vibrantes.

    O Mágico de Oz (Victor Fleming, 1939)

    Um desses contos imortais que registram tudo de fantástico de uma época, quando a magia era necessária após a primeira grande guerra, feito antídoto as agruras de uma realidade violenta. Talvez O Mágico de Oz, sobre a aventura da pequena Dorothy, seu Totó e amigos contra a bruxa do oeste seja o filme mais poderoso (e encantador) a atingir o alvo da nossa imaginação.

    Fantasia (James Algar, Samuel Armstrong, Ford Beebe Jr., Norman Ferguson, David Hand, Jim Handley, T. Hee, Wilfred Jackson, Hamilton Luske, Bill Roberts, Paul Satterfield, Ben Sharpsteen, 1940)

    Nunca mais houve um musical na Disney igual Fantasia. Não houve, e talvez não haverá a ousadia histriônica de explorar as possibilidades da animação 2D, na época uma revolução sem igual na arte do espetáculo, através da ótica de composições eruditas clássicas e de energia irrefreável, muitas vezes alucinógena e delirante. Uma viagem do céu ao inferno com Mickey, sua vassoura encantada e o cenário inteiro obedecendo apenas ao ritmo imprevisível das músicas. Mágico e perturbador.

    Sinfonia de Paris (Vincente Minnelli, 1951)

    A grande cena, entre tantas outras de apoteose acachapante, do artista (Gene Kelly) se aplaudindo é heartbreaking num nível pouquíssimas vezes concebível em outros musicais, historicamente falado, e o tempo prova esses momentos como absolutamente atemporais. Um sábio uso de efeitos visuais práticos e truques de edição, todos inesquecivelmente mágicos.

    Cantando na Chuva (Stanley Donen e Gene Kelly, 1952)

    É Teatro e Cinema numa simbiose insuperável, nos tornando reféns de tamanha hipnose. Poucas vezes um filme de estúdio foi tão bem sucedido por ser um filme de estúdio. Um dos grandes entretenimentos que Hollywood já produziu em qualquer gênero da sua história centenária.

    A Roda da Fortuna (Vincente Minnelli, 1953)

    Por mais bem intencionados que foram os irmãos Coen com a refilmagem de 1994 (leia nossa crítica), o filme com Tim Robbins não chega nem perto da genialidade desse verdadeiro épico de Vincente Minnelli, um dos maiores nomes dessa colorida e descompromissada Era de Ouro. Visionário, A Roda da Fortuna pode ser facilmente o símbolo dessa era, revitalizando muito do que já tinha acontecido e apontando para um futuro abarrotado de possibilidades artísticas.

    Carmen Jones (Otto Preminger, 1954)

    Antes dos musicais ficarem cada vez mais, e mais realistas, e afirmarem entre canções e coreografias que não é possível ser feliz na América se você não for branco(a), um tal de Otto Preminger pegou uma ópera e transformou em festa a identidade negra, encapsulada em cinemascope, grandes músicas, atuações e uma glorificação tão própria que até hoje não ganhou concorrente. Carmen Jones é muito mais que pura festa.

    Minha Bela Dama (George Cukor, 1964)

    Logo após o impacto sociocultural de Amor, Sublime Amor, Hollywood refez a cartilha romantizada de um gênero através do classicismo de Minha Bela Dama, com um elenco ímpar e grande inteligência, ao invés de Mary Poppins, este limitado aos vícios que se espera de uma realidade esquizofrênica em que todos dançam no compasso duma infantilidade quase ofensiva.

    A Noviça Rebelde (Robert Wise, 1965)

    O delírio (sustentável apenas pela música) do american life style do recente pós-segunda guerra, em doce movimento, contextos familiares, resgate da magia e canções – essas, sim, mais que deliciosas. A cena da montanha resume toda a graça que pode conter um musical. Se já é difícil ficar indiferente a doçura de A Fantástica Fábrica de Chocolate (desculpe o trocadilho), quanto mais à Noviça Rebelde, e tudo que podemos extrair dele. Que nunca ganhe uma refilmagem.

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  • Crítica | New York, New York

    Crítica | New York, New York

    A única coisa creditável em New York, New York, um dos pouquíssimos clássicos superestimados de Martin Scorsese, junto dos frágeis Kundun e A Época da Inocência, são na verdade duas: O brilho absolutamente irresistível dos olhos de Liza Minnelli, e o fato de Robert de Niro não saber tocar saxofone, claro como o dia o quanto ele apenas maneja o instrumento, sem habilidade alguma no timbrar do mesmo. Em meio a um deserto de surrealismo imaturo, e mal aplicado, o filme de 1977 é a tentativa mais clara e deslocada de Scorsese de dialogar com o cinema mainstream de Hollywood, com um star casting e um visual mais apurados e trabalhados pra isso (nem tanto, na verdade). Junto do fraco Gangues de Nova York, a tão aclamada metrópole do diretor nunca pareceu tão falsa e tão estilizada como se mostra, aqui.

    Tudo começa numa festa entre soldados e outras figuras, todos celebrando a vitória do Tio Sam logo em seguida das últimas bombas terem parado de cair, ao redor do mundo. Nisso, Jimmy conhece Francine, a cantora cheia de coração que atrai o músico egoísta de imediato. Uma história de amor a partir deste encontro infiltrando-se, como todas as outras da época, na frieza e nas lágrimas de toda uma nação ainda refém da dura veracidade eternizada, hoje, nos livros de história. Um romance no maior estilo A Dama e o Vagabundo encaixado na última cena de O Resgate do Soldado Ryan, quando o veterano de guerra vê o quanto que o tempo passou, como o mundo mudou. Pretexto perfeito para Scorsese tentar animar o mundo a partir da Big Apple, colorir os ânimos a partir da principal personagem do filme: Nova York. Nós, enquanto espectadores, sabemos disso, mas alguns de nós podemos ter uma séria dificuldade em sentir o mesmo.

    A intenção central do realizador na verdade foi mais que recolorir o mundo pela vibração da música, ou da voz de Minelli, mas foi ambiciosa demais: Evidenciar o impacto da segunda guerra na cultura dos EUA, e em plena efervescência metropolitana que a Nova York do pós-guerra oferecia. Não que Scorsese não domine qualquer tema, sendo o mestre indiscutível que se tornou no cinema americano, mas sente-se a cada momento a indecisão confusa, e pesada, um tanto insensível também, sobre como injetar a ficção que a música representou na realidade dura e crua que a época oferecia, mesmo vivenciando o frescor que o jazz, as canções de cabaré e os artistas agregavam ao contexto histórico que arrebatou a normalidade nacional, ainda traumatizada pelo conflito de proporções globais.

    Scorsese pretendeu subverter o lado feio da história, apegando-se apenas ao irreal? Pode-se dizer que não, o que explica, no desenvolvimento do equilíbrio narrativo entre o real e o ficcional, a longa duração de New York, New York. Provável indício acerca das indecisões em torno e dentro do projeto, afinal de contas, parece-se estar assistindo a perspectiva de dois apaixonados que veem o mundo de forma lírica, ao passo que isso não nos é bem comunicado também devido ao excesso de metragem, ao ponto da epifania apaixonante, e musical que Scorsese se esforçou em alcançar, e transmitir fique um tanto inalcançada, ou melhor, semi alcançada. Nós vivemos cada cena, mas é como se cada cena fosse apenas uma vitrine de algo que poderíamos, de fato, vivenciar, fenômeno certamente da incomunicabilidade que certos filmes apresentam. Talvez Scorsese e De Niro não tenham nascido para musicais, devendo muito na história do Cinema ao grande musical da década de setenta, o memorável Os Embalos de Sábado a Noite.

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  • Crítica | Rocky Horror Picture Show: Let’s Do the Time Warp Again

    Crítica | Rocky Horror Picture Show: Let’s Do the Time Warp Again

    Após muita expectativa, o filme de Kenny Ortega finalmente é exibido na televisão, com uma música introdutória executada pela bela Ivy Levan (que interpreta The Usherette), a bilheteira de um cinema sci-fi, que canta Science Fiction de maneira sensual e extremamente provocante. Rocky Horror Picture Show: Let’s Do the Time Warp Again tem a trama praticamente idêntica ao filme original de Jim Sherman, tendo inclusive uma participação especial de Tim Curry, que faz o criminologista nessa versão, já bem envelhecido e sem trabalhar com atuação live action há um bom tempo. A reverência é justa e cabível.

    Ortega tem uma larga experiência com a temática musical, foi dele a condução do especial de Michael Jackson: This is It e de alguns filmes da franquia High School Musical. Essa parte da sua carreira explica um pouco do visual mais clean e mainstream do remake, principalmente se comparado com Rocky Horror Picture Show, de 1975. A estética é menos naturalista, os personagens residentes do castelo parecem já esperar chegar alguém para exibir o show que preparavam, ao contrário do clima de festa do capitulo original.

    O cineasta opta por revelar todas as engrenagens de cenário, de modo que quem já está habituado a história percebe exatamente quando acontecerão as aparições dos personagens. Não há uma construção de suspense sequer para a cena de apresentação do Dr. Frank Furter, interpretado pela estrela trans Laverne Cox, a mesma que estrela Orange is The New Black.

    Cox é bastante tímida em sua performance, característica essa que se estende para o resto do elenco, que parece se segurar para que ela possa brilhar sozinha. O caráter sexualmente transgressor é bastante aliviado e o filme parece querer sempre louvar cada um dos personagens clássicos que aparecem, mas sem dar a eles a mesma importância esotérica que teriam em sua gênese. As cenas de violência são explicitas e não sugeridas como antes, e ainda assim tem menos impacto.

    Em alguns momentos o programa parece suavizado, pasteurizado, a fim de atingir plateias mais conservadoras, até os números com os homens vestidos de drag queens são mais comedidos. A preocupação maior é em fazer um grande show, e não mais soar como um espetáculo de choque da plateia como era a proposta anterior. Como reverencia, Rocky Horror Picture Show: Let’s Do the Time Warp Again funciona bem, mas tem sérias dificuldades em não parecer uma versão light do original.

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  • Crítica | Sepultura Endurance

    Crítica | Sepultura Endurance

    O documentário de Otavio Juliano tem a intenção de recapitular as fases importantes da banda de metal brasileira oriunda de Minas Gerais. Sepultura Endurance destaca as três décadas de existência do grupo musical, a despeito até dos protestos de Max e Igor Cavalera quanto ao seu feitio. Os primeiros momentos do longa mostram Phil Anselmo (Pantera), Lars Ulrich (Metallica) e Corey Taylor (Slipknot) destacando a identidade musical única da banda, em especial pelo modo como empregam os vocais, além é claro de carregar em si uma identidade diferente do visto na cena usual de metal.

    A maior parte dos comentários gira em torno da mistura que o Sepultura sempre fez, incluindo aí a energia hardcore californiano com o thrash metal. Andreas Kisser, em uma conversa informal com Jean Dolabella – baterista que substituiu Igor Cavalera – sobre a dificuldade que existe em ter que viver em turnês, longe da família, dos amigos e do Brasil. A fala do guitarrista e líder da banda destaca que Igor também passou por um problema parecido, e começou a se distanciar da música e dos shows.

    O resgate às origens mergulha fundo, relembrando dos primeiros momentos dos ensaios na casa dos irmãos Cavalera, entrevistando Jairo Guedes, primeiro guitarrista da banda. Nos depoimentos se percebe que eles eram muito precárias as condições em que ensaiavam e se apresentavam inclusive no quesito talento. Guedes fala até de um vocalista presepeiro, que mais cuspia bananas do que cantava e isso se torna uma anedota curiosa. Em sua fala, também se nota uma aceitação de seu destino como anônimo, e uma colaboração voluntária para o seu sucessor Andreas Kisser seguisse como guitarra ao lado de Max.

    Depois de Arise e Chaos A.D. , os rapazes começaram a olhar mais para a musica tipicamente brasileira, resgatando assim as origens sertanejas da musicalidade brasileira inserindo elas no som pesado e sujo. É nesse interim que Kisser assume que a relação que ele tinha com Max era o diferencial da banda, e que se perdeu em um processo lento e gradual, começado a partir da relação com a empresária Gloria que mais tarde, casaria com o vocalista e seria segundo os relatos do documental, o elemento que ajudaria primordialmente na cisão da banda. Aparentemente, Max deixaria o Sepultura sem brigar por absolutamente nada, nem pelo nome, direitos musicais e afins, essa é talvez a questão mais polêmica e Juliano faz questão de não resolver todas as dúvidas nos minutos que lhe restam, deixando as pontas soltas e preocupando-se mais em louvar a recuperação da banda, que se reergueu mesmo sem gravadora, sem frontman e sem empresário.

    A versão da companheira do atual líder das bandas Soulfly e Cavalera Conspirancy diz que os antigos amigos sequer falam com Max e por isso ele e o irmão não participaram do filme biográfico. Já Igor, segundo o atual homem forte da banda, saiu sem maiores brigas e entreveros, ainda que ele também não tenha prestado qualquer depoimento ao cineasta.

    Os bastidores da gravação do último trabalho, Machine Messiah na Suécia permeiam os 104 minutos, fazendo este Endurance lembrar muito a dicotomia que já havia ocorrido com o Metallica entre o filme Somekind a Monster e o disco Saint Anger, ainda que a atmosfera no filme brasileiro seja mais de louvor, enquanto seu semelhante é bem mais melancólico. Como registro de uma importante banda do cenário de metal no mundo, o filme de Otavio Juliano acerta em cheio, embora deixe de lado grande parte da problemática da briga entre os Cavalera e seus antigos amigos, restando então um relato interessante sobre a rotina do Sepultura na estrada ao longo de mais de trinta anos.

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  • Crítica | Sing : Quem Canta Seus Males Espanta

    Crítica | Sing : Quem Canta Seus Males Espanta

    Sing : Quem Canta Seus Males Espanta mais nova animação dos criadores de Meu Malvado Favorito, chega cheio de energia e recheado de canções capazes de encantar o público.

    Na história um Coala que preside um decadente teatro, resolve inovar e promover um gigantesco concurso de talentos musicais, visando assim trazer o anfiteatro de volta para seus tempos áureos. Desde o início somos apresentados aos futuros concorrentes que buscam seu lugar ao sol no mundo do show business através de seu talento musical, personagens que vão desde um Gorila que contraria as expectativas de seu pai para buscar seu sonho de ser cantor até uma Elefoa dona de uma bela voz que espera ansiosamente ser descoberta e provar seu valor.

    A animação segue uma cartilha bastante habitual e nada ousada e é aí que reside seu grande ponto falho. Por mais que o filme seja bem feito e conte com grandes dublagens, ele não ousa ir além e se acomoda em sua fórmula. A obra tem boas sacadas como à escolha da trilha que se alterna o tempo todo e acentua bons momentos com canções que vão do clássico ao pop, de Stevie Wonder até Carly Rae Jepsen. Infelizmente a pluralidade de sua ótima playlist acaba não conseguindo se sustentar por si só.

    Há medida que história avança, ela vai deixando pelo caminho a oportunidade de explorar melhor tudo àquilo do qual ela (a história) dispõe, não se aprofundando em seus personagens e acabando com isso por não gerar ou estabelecer uma grande conexão entre suas estrelas centrais e o telespectador. O final que vai sendo construído o para ser catártico o tempo todo,  acaba se transformando em uma simples resolução dos fatos apresentados. O tão almejado grand finale inerente há musicais e há histórias que buscam consagrar seus indivíduos acaba por soar sem peso suficiente.

    Curiosamente, o filme não é de todo descartável, a narrativa tem seus ápices ao conseguir muitas vezes encantar através da suas respectivas interpretações musicais, é competente em sua comicidade e de certa maneira inspiradora na retratação da obstinação de suas personagens e seus sonhos. Sing : Quem Canta Seus Males Espanta pode não acertar o tempo todo, porém, está longe de ser um desastre. No frigir dos ovos vale a pipoca, vale a diversão.

    Texto de Tiago Lopes.

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  • Crítica | Rocky Horror Picture Show

    Crítica | Rocky Horror Picture Show

    Após a abertura com uma boca enorme, pintada com um batom vermelho de tonalidade intensa cantando Science Fiction, Rocky Horror Picture Show começa mostrando um matrimônio, e já jogando os atores que seriam os transgressores dentro da história como os religiosos  sacerdotes que ministraram o casamento. Tim Curry era o padre, enquanto Richard O’Brien – que também era escritor do longa e compositor – é parte de um casal de fazendeiros como na pintura American Gothic, de Grant Wood. Antes mesmo da primeira música cantada pelos personagens já se estabelece uma inversão de valores, e claro, da jornada normativa do herói clássico.

    O roteiro do diretor Jim Sharman e O’Brien estabelece como lugar comum uma cidade interiorana, onde o pacato e tedioso Brad Majors (Barry Bostwick) pede sua amada Janet Weiss (Susan Sarandon) em casamento, logo após a cerimônia. O argumento brinca com a noção conservadora de felicidade, mostrando que a ligação básica entre romance e bom mocismo normalmente esconde um argumento falacioso. As pouco mais de uma hora e meia de duração do show são dedicadas a desconstruir isso, e o chamado à aventura acontece quando o casal resolve visitar um antigo professor que era muito próximo de ambos.

    No trajeto que fazem em uma noite chuvosa, o pneu do carro fura e eles não tem estepe. Eles vão então em direção de um castelo, que por sua vez é outra expectativa invertida se comparado ao universo normativo e conservador de Janet/Brad, já que o  visual do lugar onde eles buscam refúgio é um lugar fantasmagórico e gótico, parecida com a morada do Dr Viktor Frankenstein. O interior do local é mais subversivo ainda, já que lá vive um grupo de pessoas alegres, com vestes coloridas e chamativas, ainda que guardem semelhanças com o figurino de filmes de terror clássicos, como os movie monsters da Universal. A fala desses personagens normalmente mostra uma avidez por sexo e a libido como base da maioria das interações, diálogos esses acompanhados de músicas excelentes em melodia, letra e coreografias.. Outro fato curioso é o do criminologista (e narrador) Charles Gray, que apresenta um tutorial da dança, enquanto Brad e Janet tentam fugir, assustados.

    O medo que a mocinha tem dos caseiros Riff Raff, sua irmã Magenta (Patrícia Quinn) e a groupie Columbia (Nell Campbell) é só um preambulo para a aparição da real estrela, não só da morada, mas também da história. É de Dr. Frank-N-Furter (Curry) o motivo de existir o filme. Após demonstrar suas origens, como visitante de outro planeta, e como ser capaz de criar vida, Frank assedia os seus visitantes, praticando uma sedução bissexual que em um primeiro momento soa abusiva, mas que aos poucos se torna recíproca, estabelecendo ali uma quebra de recalque sexual.

    A partir desse choque há uma mudança radical de postura, em especial de Janet. O desempenho de Sarandon chega a ser quase tão brilhante quanto o de Curry, tanto musicalmente, já que ela alcança os melhores agudos entre o elenco, quanto em dramaturgia, já que ela consegue transitar entre a boa moça e uma mulher fatal e repleta de libido, que finalmente alcança seu ápice sexual e se permite viver sem amarras.

    Por ter uma libido ativa e quase impossível de controlar, os naturais da Transilvânia passam a discutir seus papéis sexuais o tempo inteiro, não só dando vazão a temática homo afetiva, mas também desmistificando o paradigma do amor livre e poligâmico, mostrando como algo que pode esconder sentimentos egoístas e mesquinhos, como os que movem Frank. Sua postura de descartar seus parceiros passa a ser duramente criticada, e sua resposta é a de transformar em pedra todos que se opõem a sua vontade.

    Mesmo após as mostras de ingratidão e egocentrismo, Furter é capaz de causar em seus prisioneiros um transe sexual, somente interrompido por seus conterrâneos, que o buscam, deixando claro que apesar do texto transgressor, a lei da semeadura vale também nesse universo. A despedida do protagonista é emotiva e piegas, como é comum entre os terráqueos, e as referências a Crepúsculo dos Deuses denuncia a referência de uma história que busca mostrar uma estrela que brilhou intensamente, mas que estava em franca decadência. A ousadia de Rocky Horror Picture Show está o todo, de dar vazão a um espectro sexual visto como marginal e de não fazer concessões a qualquer parcela do público mais conservadora, sem também redimir os personagens falhos que, apesar de não serem necessariamente terráqueos, eram bastante humanos em suas manifestações de alma.

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  • Flash e Supergirl: O Crossover Musical

    Flash e Supergirl: O Crossover Musical

    Os crossovers entre os seriados do chamado arrowverse, que é basicamente o universo da DC Comics na televisão criado em Arrow, tiveram início ainda na 2ª temporada da série do arqueiro esmeralda com a participação de Barry Allen, que culminou com o seu acidente que o transformou em Flash. Desde então, os heróis de Arrow, Flash, Supergirl e Legends of Tomorrow se reúnem para enfrentar alguma ameaça realmente perigosa, como a primeira vez que enfrentaram Vandal Savage ou combateram uma invasão alienígena que adaptou a saga Invasão, da DC Comics. Fora essas reuniões que duram mais de um episódio, existem outras menores onde os personagens do universo compartilhado sempre aparecem ao menos uma vez nas outras séries e foi assim que Flash conheceu Kara Zor-El, a Supergirl.

    Devido a um intercâmbio entre os canais CW, que produz as séries do universo compartilhado e o canal CBS, que cuidava de Supergirl, o velocista escarlate, durante um treinamento para derrotar o vilão Zoom, acabou por cair sem querer na Terra 3 e assim, ajudou a última filha de Krypton a derrotar uma ameaça. A parceria deu certo comercialmente e os produtores resolveram arriscar ainda mais, desta vez, trazendo a Supergirl para o seriado do Flash. E foi fantástico.

    Tanto Grant Gustin, quanto Melissa Benoist faziam parte do cast do premiado seriado musical, Glee, e, por conta desse passado, os produtores decidiram que o encontro do dois seria em formato de musical. Com isso, se aproveitaram da situação atual de ambas as séries, onde os protagonistas se encontravam em situações semelhantes em suas vidas e trouxeram o vilão Mestre da Música, vivido pelo também ator de Glee, Darren Criss, para ensinar uma lição a Barry e Kara.

    O episódio começa com Mon-El (Chris Wood) e J’onn J’onzz (David Harewood), atravessando o portal e chegando aos Laboratórios S.T.A.R, em Central City, com a Supergirl em coma, pedindo ajuda, ao mesmo tempo que o Mestre da Música invade o local e coloca Barry no mesmo estado de Kara. Ao acordar, Barry percebe que está numa espécie de boate noir, onde Kara é a cantora. Não demora para os dois perceberem que estão presos num musical e que, para escapar da transe, teriam que seguir o roteiro passo a passo.

    Assim como em qualquer musical, tudo é muito bonito e alegre e é realmente satisfatório ver os atores de todo o universo compartilhado cantando e dançando, sendo que a escolha de seus representantes foi muito bem acertada. Como o episódio era do Flash, todo seu cast estava lá, mas somente Barry, Iris (Candice Patton), Joe (Jesse L. Martin) e Cisco (Carlos Valdes) participaram da viagem atribuída pelo Mestre da Música, assim como Kara, Mon-El e Winn (Jeremy Jordan) representando a série da Supergirl. Vale destacar que os veteranos Dr. Martin Stein (Victor Garber), que é uma das metades do herói Nuclear, representou Legends of Tomorrow e Malcolm Merlyn, o Arqueiro Negro (John Barrowman), representou Arrow. A título de curiosidade, todo o background de formação artística de Barrowman foi feito na Broadway, fazendo com que o ator seja mais que competente para sua participação, em vez de qualquer outro personagem de Star City.

    O episódio em si foi muito dinâmico, deixando aquela sensação de que passou muito rápido e isso se deve à boa trama do musical, aliada à trama paralela daquilo que acontecia nos Laboratórios S.T.A.R. No que diz respeito ao musical, este totalmente ambientado na máfia noir da primeira metade do século XX, somente Barry e Kara eram eles mesmos e o restante do elenco, apesar de estarmos familiarizados com os atores e seus personagens, interpretavam outras pessoas com nomes diferentes. Merlyn, por exemplo, é um dos chefões da máfia e dono da boate onde Barry, Kara, Cisco e Winn trabalham. Já Joe e Stein chefiam outra facção da máfia e são inimigos mortais de Merlyn, sendo que ambos os criminosos estão atrás de seus filhos, Iris, que é filha de Joe e Stein (sim, é isso mesmo) e Mon-El, filho de Merlyn.

    Enquanto Barry e Kara, com seus poderes drenados, tentam seguir o roteiro, Wally West/Kid Flash (Keiynan Lonsdale), Cisco Ramon/Vibro e J’on J’onzz, devidamente transformado no Caçador Marciano, perseguem o Mestre da Música por Central City. Aqui cabe um destaque porque os três heróis trabalham de maneira cooperativa semelhante aos X-Men na abertura do filme Dias de Um Futuro Esquecido.

    Como dito, o ótimo episódio pareceu muito curto (mesmo tendo o tempo regular característico), fazendo com que certas resoluções tivessem seus desfechos de forma um pouco mais urgente. De qualquer forma, o Mestre da Música é um ótimo vilão e realmente seria muito legal se ele retornasse, aparecendo nos demais seriados, já que o antagonista atinge exatamente determinado ponto da mente daqueles que são afetados. Seria muito interessante ver a mente deturpada e sofrida de Oliver Queen ambientada num musical que se passa na 2ª Guerra Mundial, por exemplo.

    Texto de autoria de David Matheus Nunes.

  • Crítica | La La Land: Cantando Estações

    Crítica | La La Land: Cantando Estações

    A carreira de Damien Chazelle ainda está no início. O musical La La Land: Cantando Estações é apenas o terceiro longa metragem até aqui, e o segundo no formato cantado, precedido pelo pulsante  Whiplash: Em Busca da Perfeição. A nova produção do diretor mira uma história metalinguística, levando em conta dois personagens bastante diferentes entre si mas com algo em comum: a paixão não correspondida pelas artes.

    O primeiro personagem mostrado é o pianista e aficionado por jazz, Sebastian (Ryan Gosling), um homem belo, talentoso e genioso, que anseia por construir seu próprio bar de jazz, para poder reverenciar em paz seus ídolos que ficaram no passado. Sua trajetória envolve a aceitação de empregos degradantes e supressão de seus sonhos e talentos em detrimento de ganhar dinheiro com o que gosta de fazer, fator que se repete também na jornada de Mia Dolan (Emma Stone), uma atriz também frustrada que sempre vai mal nas audições de dança e que trabalha em uma cafeteria.

    Já na primeira cena, em meio a estação invernal, há um número belíssimo de canto e dança, com as pessoas se retirando dos carros engarrafados em uma via de Los Angeles, celebrando um dia de sol em meio a estação que deveria ser a mais fria do ano. Nesse momento já se estabelece o cenário de muitas luzes, holofotes e contato direto com as celebridades e com as locações hollywoodianas, soando irônica essa proximidade, uma vez que o fato dos dois personagens – e de tantos outros que o cercam – viverem sob aquela localidade não garante a eles uma facilidade maior para a realização das suas aspirações.

    Diferente de Whiplash, a via crucis para o auge do artista não é mostrada sob um olhar megero e de extremo sacrifício, embora haja sim uma enorme dose de entrega dos protagonistas, que demoram inclusive a engrenar o romance entre ambos, a despeito até da química previamente estabelecida entre Stone e Gosling, que já contracenaram em Caça aos Gângsteres e Amor à Toda Prova. O enlace entre os dois somente ocorre após algumas insistências, dificuldades essas que facilitam a empatia do público com a dupla.

    Chazelle consegue misturar bem os elementos triviais com os mais rebuscados em seu roteiro. Ao mesmo tempo em que todas as coincidências soam naturais os comentários metalinguísticos também, em especial no destino reservado a Mia, trajetória essa que lembra demais a do próprio cineasta, que antes de conseguir elevar seus textos a um patamar premiável, teve que se submeter a trabalhar nos scripts de filmes visivelmente menos inspirados, como os de Toque de Mestre e O Último Exorcismo Parte 2. As ligações entre autor e obra se dão principalmente na parte final do caminho que Mia percorre, mas os acontecimentos não são descuidados ao ponto de deixar a série de eventos soar banal ou sem emoção, todo o percurso é extremamente cativante e surpreendente em cada fato.

    Muito se fala do desempenho de Stone, que normalmente é deixada de lado por grande parte da crítica por não ter uma beleza típica das mulheres fatais. De fato em La La Land todos os esforços de trabalho e feições da moça funcionam a perfeição, já que ela varia entre a menina comum e de repertório extraordinário e é bonita na medida para deixar qualquer homem encantado com sua docilidade. Mas é a Gosling que resta o melhor papel, e após um hiato de atuações arrebatadoras é muito gratificante observar os seus trejeitos e suas respostas rápidas para as mais diversas situações, principalmente as cômicas. Suas manias e obsessões o tornam um sujeito irresistível e carisma magnético. Apesar dos dois atores já terem uma história de trabalho em conjunto antiga, é aqui que ocorre o ápice da performance romântica, que varia entre o melodrama, a paixão gratuita e o agridoce típico do destino.

    Musicais normalmente tem uma dificuldade para findar suas histórias, e mais uma vez La La Land foge à regra, já que é nos momentos finais que se gera a discussão mais madura e poética do longa, pondo de lado a vaidade e os sonhos mais infantis em comparação com a obrigação adulta de ter uma renda. A aceitação do destino e a visão plena de que para se realizar a maioria dos sonhos é preciso ser pragmático e escolher vias menos agradáveis são elementos que tornam o argumento bem inteligente, tornando-o imune a maioria das críticas ranzinzas que sofreu no início das exibições testes. O modo como é conduzido a cisão com os sonhos idílicos mostra o quão cruel pode ser a vida, expondo uma realidade crua e que não permite que algumas idealizações andem lado a lado.

    A mensagem final é explicita de que é preciso escolher um rumo para prosseguir, e de que observar o passado com nostalgia pode até ser prazeroso, mas ainda assim é um exercício fútil e sem sentido. Impressiona como esse recado soa tão harmônico com uma proposta tão poética e doce, fazendo lembrar o espectador que apesar de doer deixar passar os sentimentos mais profundos da alma humana, ainda é possível suplantar esse vazio com outros suportes emocionais, sem necessariamente se apoiar em placebos ou em discursos fáceis de aceitação da dor e da perda.

  • Crítica | A Very Murray Christmas

    Crítica | A Very Murray Christmas

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    O modelo de comédia americana está cada vez mais falido, a molecada não ri mais de Woody Allen ou Jerry Lewis, nem sabem quem foi Buster Keaton ou Harold Lloyd, já que os padrões de riso e de susto morrem a cada filme lançado, ou melhor, a cada risada ou calafrios desperdiçados! Assustar e emocionar é difícil, sem dúvida, mas rir, provocar risada com a mesma piada para todas as pessoas e culturas do mundo não é algo fácil. Com Borat se oficializou, em 2006, um modo pelo menos temporário de fazer as novas gerações rirem, senão delas mesmas, num espelho anacrônico e, porque não, irônico do mundo real tão contemporâneo, globalizado, ridículo, cheio de memes e comediantes stand-up. Mas tem uma figura que o americano ama mais que black friday, SuperBowl e Amy Poehler juntos!

    Olhando pra Bill Murray, ele é o tipo (em um milhão) que causa empatia simplesmente por se deixar ser simpático, nada mais. Nos almoços de família, ninguém tem coragem de dizer que não curte um tipo assim, até fazer falta quando deixa de aparecer (pelo menos uma vez por ano, e no caso de Murray, mesmo que para um público restrito que razoavelmente sabe o que precisa assistir). Ai chega a Netflix, dona de tudo e mais um pouco hoje em dia e lança A Very Murray Christmas, sem tradução, abraçando a causa Murray e natalina, afinal juntas elas combinam que só, coisa leve e lenitiva aos cético de plantão, nesse espírito mágico, balsâmico da tradição anual.

    O musical mais inofensivo desde Nine, só que Rob Marshall não queria que fosse assim. Aqui, Sofia Coppola acerta o ritmo e compõe uma sinfonia lenitiva a um mundo que não faz parte do palco, com George Clooney, Maya Rudolph (comediante do Saturday Night Live), Chris Rock e Miley Cyrus, cantando “silent night” (“Noite feliz”, em português) com o Paul do David Letterman no piano, sendo a cena um possível clássico americano do humor involuntário, já que Miley não é conhecida por cantar canções sobre Jesus… enfim!

    Passar uma hora com celebridades agradáveis de Hollywood é isso, cantar em sua companhia e degustar em meia-dúzia de cenas síntese do filme, como a noiva triste que após ouvir uma canção de natal, retoma seu casamento como se nada tivesse acontecido. Nem Murray ou Coppola, nem ninguém aqui quer entregar um filme doce demais, dai o comedimento nas canções e o evitar de muitos confetes, sendo A Murray Christmas um especial honesto, chique, econômico na sua graça.

     

    https://www.youtube.com/watch?v=XJP3db3R014

  • Crítica | Grease: Live

    Crítica | Grease: Live

    grease live - vortex cultural

    Grease é um musical que conta a história de uma garota inocente, bela, recatada e do lar que se apaixona por um delinquente juvenil que tenta abusar sexualmente dela em um drive-in. A garota então percebe que precisa mudar todo seu modo de vida para agradar a seu homem e passa então a assumir comportamentos de risco, sendo submissa aos seus desejos. Vendo dessa forma, não parece nem um pouco com a divertida história que nos vem à memória ao nos lembrarmos do filme de 1978, com John Travolta e Olivia Newton John nos papéis principais. Mas a versão original, apresentada nos palcos de Chicago em 1971, era ainda mais crua e rude. Então, para chegar ao século XXI com uma nova roupagem este ano, Grease: Live teve que se tornar mais “família” do que suas versões anteriores.

    Exibido ao vivo pela Fox no dia 31 de janeiro de 2016, o musical mistura produção cinematográfica e teatral, com cenários móveis e tomadas externas. Embora um ou outro corte de cena pareçam segundos atrasados ou adiantados, em geral temos uma edição muito boa para uma apresentação ao vivo. A cena de abertura, com uma tomada contínua durante a belíssima interpretação de Jessie J. para Grease is the word mostra que problemas relacionados ao tempo chuvoso nas filmagens da externas foram solucionados incorporando o clima à história.

    Com Julianne Hough no papel de Sandy Young e Aaron Tveit como Danny Zucko, a história nos é apresentada de forma mais moderna, não apenas normatizando as relações e papéis atribuídos aos gêneros, mas até mesmo, levemente, questionando-os. Sandy não é apenas uma garotinha ingênua, pois também demonstra ter desejos sexuais durante todo o filme (não apenas no final, como na versão de 78), embora seja bastante reprimida. O comportamento “escroto” de Zucko se mostra mais evidentemente como pressão dos pares, e em alguns momentos fica bastante claro que ele também está apaixonado por Sandy, mas não sabe como lidar com esses sentimentos.

    A peça segue a mesma estrutura narrativa da versão de 1978, porém com alguns acréscimos bastante válidos. Um deles é a representatividade de pessoas negras no elenco –  ausentes na versão original. Duas canções tiveram palavrões retirados de suas letras (o carro Grease Lightening era um vagão de quê mesmo?), o que é compreensível em uma apresentação diurna de classificação livre. Mesmo assim, as menções e piadas de estupro continuam (“se um dos dois quer, então não há problema” é uma frase um tanto quanto ofensiva, e até mesmo a música mais conhecida, Summer Nights, ainda sugere sexo forçado em determinada parte). Keke Palmers faz uma excelente interpretação de Marty Mascarino (a garota que tem vários namorados estrangeiros) e corrige um problema do filme anterior, no qual ela flertava com um apresentador de televisão bem mais velho que ela. Na nova versão, o apresentador Vince Fontaine interpretado por Mario Lopez (o eterno Slater, de Uma Galera do Barulho) é dispensado pela garota, evitando uma possível apologia à pedofilia.

    Vanessa Hudgens faz uma excelente Betty Rizzo, e sua performance se torna mais significativa ainda quando sabemos que o pai da atriz havia falecido um dia antes da apresentação ao vivo. Carly Rae Jepsen interpreta Frenchy e além de ter uma música inédita escrita especialmente pra ela, ainda contracena com Didi Conn – a Frenchy original!

    O filme tem mais canções do que a versão anterior, e o clima geral ao fim é de bastante otimismo. As coreografias estão bastante sincronizadas e a escolha de se filmar com plateia é bem acertada. Embora tenha alguns problemas devido ao formato ao vivo, Grease: Live supera em muito o clássico, por mais que fãs mais acalorados possam negar.

  • VortCast 40 | Frank Sinatra e o Cinema

    VortCast 40 | Frank Sinatra e o Cinema

    Vortcast 40

    Bem-vindos a bordo. Flávio Vieira (@flaviopvieira), Filipe Pereira (@filipepereiral), Carlos Britto e Mario Abbade (@fanaticc) se reúnem para celebrar o centenário do Blue Eyes. Dono de uma bela carreira no cinema, tendo atuado em quase 70 filmes, o que lhe rendeu indicações e premiações importantíssimas no Óscar, BAFTA, Globo de Ouro, trabalhou ao lado de grandes diretores e ainda veio a dirigir, acompanhem conosco um pouco da trajetória daquele que é considerado o interprete do sofrimento, a voz dos perdedores, Frank Sinatra.

    Duração: 163 min.
    Edição: Victor Marçon
    Trilha Sonora: Victor Marçon
    Arte do Banner: 
    Bruno Gaspar

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    Filmografia Comentada

    Crítica Marujos do Amor (George Sidney, 1945)
    Crítica A Um Passo da Eternidade (Fred Zinnemann, 1953)
    Crítica O Homem do Braço de Ouro (Otto Preminger, 1955)
    Crítica Chorei Por Você (Charles Vidor, 1957)
    Crítica Meus Dois Carinhos (George Sidney, 1957)
    Deus Sabe Quanto Amei (Vincente Minnelli, 1958)
    Crítica Onze Homens e um Segredo (Lewis Milestone, 1960)
    Crítica Sob o Domínio do Mal (John Frankenheimer, 1962)
    Crítica Os Bravos Morrem Lutando (Frank Sinatra, 1965)
    O Expresso de Von Ryan (Mark Robson, 1965)
    Crítica Crime Sem Perdão (Gordon Douglas, 1968)
    O Primeiro Pecado Mortal (Brian G. Hutton, 1980)

    Dicas

    Frank – A Voz – James Kaplan – Compre aqui
    Frank – O Chefão – James Kaplan – Compre aqui
    Fama e Anonimato – Gay Talese (“Frank Sinatra está resfriado“) – Compre aqui
    Sinatra: All or Nothing at All
    Infográfico Estadão – Centenário Sinatra
    Infográfico O Globo – Centenário Sinatra

  • Crítica | Sinfonia da Necrópole

    Crítica | Sinfonia da Necrópole

    Sinfonia da Necrópole

    A história de Sinfonia da Necrópole, primeiro longa solo de Juliana Rojas, cinco anos após realizar Trabalhar Cansa com seu parceiro de longa data Marco Dutra, começa em um cemitério, acompanhando a estranha rotina de agentes funerários, especialmente do coveiro Deodato (Eduardo Gomes), que tem sérios problemas com seu ofício, uma vez que se assusta e desmaia quase sempre que vê um morto. Para surpresa do rapaz resignado, e do público, os funcionários começam a cantar, poetizando em formato musical o oficio da construção da derradeira morada do homem.

    O fato de tocar em um assunto mórbido faz com que a leveza do roteiro seja ainda mais curiosa. Os números musicais são pontuais e discretos, sem exageros exorbitantes ou arroubos repletos de afetação. As ações ocorrem da maneira bastante sóbria. O acréscimo da personagem de Luciana Paes, Jaqueline, faz elevar tanto o serviço dos agentes funerários quanto a peregrinação por outras locações na tentativa de expandir os negócios.

    As cenas externas são bem filmadas, vibrando sobre a condição da metrópole paulista, como o belo cenário da mortandade comum a um mundo moderno e apressado como o da atualidade. É engraçado notar como são diferentes as partes cantadas e atuadas das que se passam num salão de videokê, com desafinações enormes, mostrando a diferença da entrega dos personagens nos eventos comuns e nesses exercícios bobos, como em tentativas de diversão não alcançadas com sucessos.

    A realidade de Sinfonia da Necrópole mistura aspectos agridoces com pitadas leves de realismo fantástico, especialmente nos sonhos.  As canções de Rojas e Dutra fazem sentido dentro da trama, e são bem executadas, tanto vocal quanto instrumentalmente, em um exercício que não é totalmente inspirado, mas que funciona minimamente dentro da proposta de sua diretora, a de falar levemente sobre algo grave.

  • Crítica | Chorei Por Você

    Crítica | Chorei Por Você

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    “Porque está tão sério?”O Cavaleiro das Trevas. “Eu vou fazer uma oferta que ele não vai recusar.”O Poderoso Chefão. “Precisamos de um barco maior.”Tubarão. “Não se pode chegar aqui sem grana, e também não se pode sair daqui sem ela.”Chorei Por Você. Todo filme, peça e livro possui uma frase que resume tudo. Faz parte do show.

    Ao pintar em preto e branco a energia dos musicais, o mundo sentia o colorido que deles emanava com uma vibração superior as matizes que hoje se apropriam, em bizarrices feito Chicago ou Moulin Rouge. Talvez o sapateado e a cantoria numa tela de cinema seja a última das tangentes que precisam de cor, dada a sensação naturalmente radiante que se sente, e depois se assiste, perante a espetáculos de pirotecnia, luzes e fumaça artificial. O mundo da Broadway sempre teve urgência pelo som, vide O Cantor de Jazz, o primeiro filme falado, mas também carrega a democracia em usar, ou não, a paleta que ilustra o pulsar das coreografias e o retumbar dos corais. A maioria apela a este estilo. Outros como o brasileiro Quem Roubou Meu Samba e este Chorei Por Você, deixam suas frases, ritmo e sua história ditando seu lugar na história de uma arte.

    Se isso é bom, ou ruim? Depende da referência. Não porque é impossível imaginar O Mágico de Oz em preto e branco, mas porque técnica é tudo quando o filme se apoia nela pra existir. Chorei Por Você é o típico filme de maré: existe (e persiste como boa obra) pelos acontecimentos que, na realidade, são extra-filme e permeavam os fatos que obrigam a arte a se apoiar no real em suas narrativas de heroísmo e redenção, vez ou outra. Nada mais natural que, do lado de cá das câmeras, os desdobramentos da vida continuem a insuflar as artes. Essas sim, dependentes uma da intervenção da outra, diferente das relações abertas entre cor e celuloide. Até mesmo para Sinatra e sua inconfundível voz. O mito tinha outra arma, e tão boa quanto: era também um belo ator.

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    A exposição de Sinatra está proporcional a esta obra como um estudo fundamental de personagem, com um homem à beira da culpa e de um caminho sem volta: a odisseia rumo a fama, e às consequências que a mesma acarreta na vida de quem a vive, além daqueles coadjuvantes que o observam brilhar nos palcos, enquanto poucos reconhecem os bastidores da alegoria. A culpa do comediante e músico, daí motivo pelos gêneros entrelaçados do filme, cresce e viabiliza leves pinceladas de metalinguagem na trajetória de quem se arrisca, aos poucos, nas veredas dos holofotes. O que vem quando as cortinas fecham, senão a tristeza do palhaço? O filme não investiga, tampouco critica, mas apenas relata, num roteiro simples e previsível à praxe das fitas regulares da época.

    Uma história forjada na expectativa de traçar uma espiral em torno de uma alma dividida entre o certo, o errado e a necessidade de agir na competição primitiva do show business. O cantor Joe E. Lewis ganha profundidade no olhar de Sinatra, com ombros pesados sobretudo por uma crise existencial e corrosiva, porém, sem fim. Quando o artista leva uma surra, logo no começo do filme, nota-se a fragilidade de um status pueril. O que busca essa gente que vivem pela fama? Diz-se que, de qualquer forma, um grande homem não existe sem a grande mulher de sua vida, no caso, as paixões do cantor que tornam seu andar um pouco mais leve, e sua respiração, tal como a fluidez da história, mais equilibrada e identificável, perante a plateia.

    É claro que, no contexto de uma época, no qual se situa outro filme estrelado por Sinatra, o clássico A Um Passo da Eternidade, a guerra se torna um conceito onipresente muito longe dos campos de batalha, mas nos conflitos interiores de quem imprime sua voz em diálogos afiados e canções a base de piano e bebida. Um filme boêmio, sim, com ecos de um realismo que, em plena era de ouro (os anos 50), ainda não ia muito longe, emoldurando uma sociedade americana, muito antes de ser global, em seus costumes e na aurora de seus valores ainda em desenvolvimento. Uma sociedade do espetáculo, tal como é descrita pelo filósofo Guy Debord. Isto, sobretudo, é o grande trunfo deste misto de drama, comédia e musical, sob a ciência artística de que é possível mixar tanto som, quantos gêneros. Ser o espelho que registra um mundo de carência, lenitivos aplausos e doce ilusão. Filmes nascidos sob a premissa de qual realidade se pode extrair da ficção.

  • Crítica | Marujos do Amor

    Crítica | Marujos do Amor

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    A era de ouro… Quando Hollywood era mais Hollywood, os filmes mais Cinema e menos como a linha de montagem exibida em Tempos Modernos; tudo na América era digno de celebração e orgulho, e a sociedade do espetáculo crescia. O próprio americano confiava mais em seu país e nos valores da nação do que hoje em dia. Se hoje os EUA ainda ostentam a imagem de grande pátria, são filmes como Marujos do Amor a chave para essa reputação de país heroico e impávido colosso. A glória tinha mais pompa: As cores, mais vibrantes; tudo parecia ser mais original (o que, a bem da verdade, não era tanto assim) e os filmes de estúdio, rodados em grandes cenários, começavam a ganhar o mundo. Foi nos triunfos de John Ford e companhia que Hollywood se sabotou, aos poucos, com seu próprio estilo faraônico do fazer cinema consumindo suas eras, suas divas, seus astros e seus valores. O entretenimento era mais puro, e a inocência na tela, como muitos diálogos de Marujos nos faz lembrar, era aquilo que comandava o show.

    O gênero musical é a síntese dos anos trinta ao cinquenta, afinal o cinema tinha que alegrar o mundo enquanto a 2º Guerra explodia. As moças ainda não usavam jeans e os homens não tiravam seus chapéus nem se fosse pra dançar. Também era comum os musicais apresentarem uma metalinguagem simples, (um filme dentro de outro) ainda sem se aprofundar no subtema. Nunca, e repito: nunca o cinema soube marcar tão bem uma época, ainda refém dos costumes do século 19, estilizando (com uma grande liberdade artística de expressão) figurinos e ambientes inesquecíveis. Nem mesmo Fellini resistiu a moda dos grandes cenários e rodou em 1973 seu Amarcord, uma das melhores comédias da história, numa cidade de mentirinha. A própria composição visual do filme de 1945, de George Sidney, é de cair o queixo. As cores fazendo jus a fama da época, remetendo a paleta usada anos depois nos filmes de Nicholas Ray e Michael Powell, outros dos argonautas das naus do passado.

    Em Marujos do Amor até a luz da lua parecia mais brilhante, como quando os três principais personagens se encontram, numa sala de visitas, e as cortinas laranjas são cortadas por um luar azulado, no clássico estilo homenageado com primor em 2011 em A Invenção de Hugo Cabret. Nos idos que o país defendia suas forças armadas, um garoto quer entrar para a marinha, custe o que custar. E cabe a dois marujos, vividos por Sinatra e Gene Kelly, levar o garoto a mãe. A partir dai, os dois mulherengos e a dona de casa se envolvem em torno de temas apresentados com uma naturalidade deliciosa, irreverente, mas com números musicais pouco inspirados e que, apesar da técnica, não chegam aos pés dos pés de Kelly e da diva Jean Hagen, em Cantando na Chuva (1952).

    Quer dançar? Quer dizer… eu gostaria se você quisesse, também.

    O filme acaba sendo um ensaio para um musical muito menor, mas melhor: Um Dia em Nova York, onde Kelly e Sinatra se juntam, de novo, para fazer quem não gosta do gênero, passar a gostar. Todavia, é no inofensivo e romântico Marujos do Mar, com um forte pano de fundo político para os mais atentos, aonde as cores têm mais tons, são mais quentes, mais vivas, e o visual exala um equilíbrio, uma leveza e um frescor despretensioso que os romances perderam ao longo do tempo. Ficou na memória, ou melhor: gravado em celuloide. Mas tudo se torna irresistível a medida que Gene Kelly, a lenda da dança, permeia um número ao lado de Jerry, o ratinho, e outros desenhos animados. Uma cena fantástica que resume a essência (e a magia) do filme inteiro.

    Fato é que a música, sendo a alma de um filme, torna-o um delírio, uma representação aumentada da realidade, e também nos faz amá-lo mais rápido, como bem canta Sinatra num solo de piano. Divertidíssimo, e simpático, o filme, marco de uma época, é a típica obra de estúdio que tenta agradar a todos, como quando os dois marinheiros, orgulhosos por serem quem são, tentam afastar um pretendente da mãe do garoto para preservar a mulher e competir apenas entre si por ela. Incrível como, antes, homens procurando por damas sob o luar não significava sexo, mas beijos, cantoria, jantares à luz de vela e romance – talvez até uma serenata, com sapateado completando a proposta divertida dos musicais; os musicais de era de ouro! Um charme incontestável.

  • Crítica | Jersey Boys: Em Busca da Música

    Crítica | Jersey Boys: Em Busca da Música

    cartaz

    O poder da música, como nenhum musical americano não mostrava desde… Muito tempo. A música cura, liberta, ela expande, ela cobra preços, devoção, custa sua liberdade, suas amizades, na vontade de vencer na vida com o talento que existe em si. Porque o poder da música não vem do glamour das apresentações do MTV Movie Awards, e o veterano Clint Eastwood, cobrindo aqui três décadas do cenário radiofônico da América, volta ao pré-MTV e conscientiza o fato que ainda se encontrava puro e confiante nos tempos de Inside Llewyn Davis, dos irmãos Coen, para as novas plateias, para a geração 2000 que prefere assistir a videoclipes no Youtube a ver um musical de primeiríssima linha, à moda antiga, com duas horas sobre a história e o ar que entra nos pulmões de quem respira, e vive, cada acorde e cada nota, no grande shopping center chamado América.

    É notório como a escolha perfeita de cada ator representa a alma do filme, como ela é precisa para garantir a nossa identificação com o exibido e o ouvido, nosso sorriso ao ver Christopher Walken, o sério e discreto Rei de Nova York, de Abel Ferrara, dançando What a Night, clássico pop dos Four Seasons. É através do exercício de acompanhar os caminhos da banda dos anos 50 aos 70 que o filme se apropria do espírito Beatles de outrora para investigar, uma vez mais, o que faz da América a América. O Eastwood de Menina de Ouro (o cineasta que no fundo se pergunta se vale a pena amar seu país), retoma o gingado de Bird e seus documentários sobre jazz e blues sendo tradicional, sem jamais ser conservador. Jersey Boys nos faz refletir, no inconsciente, através dos conflitos e fases do Four Seasons, grupo talentoso mas inconstante e frágil, o que essa América, tanto a de ontem quanto a de hoje, enxerga no espelho depois do banho: O Superman, ou um soldado forte por fora e fraco por dentro esperando um super-herói pra lhe salvar.

    “Volta quando for preto!”

    Quando a câmera sobe, por fora de um prédio de largas janelas abertas, e andar por andar vai revelando a diversidade e a variedade de ritmos cantados, em cada piso de uma gravadora cheia de talentos, negros, gays e fechaduras (e aonde a clássica frase acima é dita por um produtor, antes de bater a porta na cara da banda), o fantástico Jersey Boys justifica seus elogios e se confirma como uma adaptação primorosa da Broadway, lendária casa teatral, com essa e outras inúmeras cenas inesquecíveis, talvez até com um potencial a mais no Cinema, como a crise (e a tensão) enfrentada pelos entusiastas musicais na sala de um mafioso para debater uma dívida da banda. São tantas emoções ao longo do filme que um soneto não daria conta do recado, ainda que a sensação, muito bem pensada, é que os Goodfellas de Scorsese entraram de vez na aura de um musical, e o perigoso Henry Hill, de Ray Liotta, trocou as armas pelo microfone e virou o Frankie Valli, cantor inocente e cheio das melhores intenções, ainda entre gangsteres, mas preferindo depender dos palcos.

    Como se não bastasse os passos de Walken e a ambiguidade da obra, Eastwood resgata o espírito descompromissado e puro de musicais como West Side Story e Grease, e nos faz voltar no tempo, numa era perfeitamente bem recomposta além da tela, nos energizando com o espírito de uma época ainda recorrente nas entrelinhas do que move a produção cultural do Ocidente – e de boa parte do mundo. Jersey Boys carrega mensagens universais, ainda que nos mesmos ombros seja um belo, carismático e tragicômico retrato da sociedade de um país, tudo junto e misturado, no auge e na plenitude serena da carreira de um cineasta, livre da preocupação de produzir filmes grandes e antológicos (e talvez, por isso, produzindo.). E tem o sério Walken soltando a franga no meio da rua de terno e gravata, já avisei isso? Vale cada minuto. E que se dane a quarta parede, aqui.

    Compre: Jersey Boys – Em Busca da Música

  • Crítica | Magic Mike XXL

    Crítica | Magic Mike XXL

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    A arte imitando a vida, por mais que não seja possível saber, realmente, o que é arte aqui. Um Pequena Miss Sunshine com tanquinhos e suor, numa viagem ao (retorno ao) show business. E que bundinha é essa, sr. Tatum? Difícil desgrudar os olhos da tela, mas mais difícil ainda é tentar curtir a sequência de Magic Mike (2012) sem ter meio litro de álcool nos rins. Um desafio, sóbrio, se o que se SEMPRE procura é uma história com algo a mais para contar. Quando um stripper entra num mercadinho para provar que ainda pode seduzir com seu corpo já não tão jovem assim, o filme merece aplausos. Por ser mais raso que uma piscina de 20ml, seria? Não, mas por ser honesto. Explícita e cruelmente honesto, desde o começo até o fim! A putaria é olfativa, é ouvida, quase degustada, mas vista? Jamais.

    Porque é possível sentir essa putaria exalar das músicas de gente como Rihanna, Beyoncé e Lady Gaga. Elas cantam/dançam, fervem sexo e muito mais; despertam a imaginação nos fazendo dançar. Com os strippers é o oposto, e o resultado é o mesmo. Magic Mike XXL é tanto, é essas divas também, e ao mesmo tempo não é nada. É, sobretudo, o extinto (talvez) cine-privê da Band, que começava às 3 da manhã na madruga de sábado e durava meia-hora, atraindo a audiência da molecada ao mostrar um mamilo por minuto, mas sem esquecer uma historinha a envernizar as insinuações. Simples. Produto honesto, e no caso do musical de strippers, Tatum e companhia encarnam o que uma geração inteira sente e ama; puro reflexo de geração. Sorte de Clark Gable e outros cânones do cinema americano antigo. Eles já não precisam assistir cine-privê.

    Todos querem se provar. Em Tampa, Flórida, o povo encontra seu ópio na corda bamba, entre grana e travestis após torneios de hip-hop e sexo primeiro, amor depois – beijo pra Rita Lee. O tesão vibra no ritmo dos passos e cores de um universo misterioso, com muita coisa que nem o filme de 2012, nem este em 2015 ousa mostrar (faz parte do show). O trabalho de câmera nos palcos, seja no inspirado clímax ou onde quer que os dançarinos escolham dançar, é de longe o melhor aspecto do filme. Intimidade é uma coisa difícil de capturar, ainda mais quando a intenção é nos fazer sentir parte dela, e não como observadores, apenas. Von Trier não conseguiu isso, mesmo apostando no formato informal nos seus imbecis Ninfomaníacas, mas por incrível que pareça a sensação de “zero privacidade” é facilmente obtida aqui, talvez pela necessidade de mostrar o proibido até o limite do possível. Rolamos entre as pernas de todos e o suor parece pingar do lado de cá, aliás, porque ninguém pensou no recurso 3D para aproveitar isso? Love, o pornô-francês de Gaspar Noé, provou-se mais perspicaz… O que não quer dizer nada! Sexo pode ser putaria, mas putaria não é erotismo. Não é tão fácil atingir o efeito erótico. Esse erotismo que, no Cinema, um tal de Nagisa Oshima fez dele uma arte.

    Imagina se o Brad Pitt dos tempos de Clube da Luta tomasse formol e continuasse daquele jeito? 1 bilhão de bilheteria, por favor! Os dois Magic Mike são icônicos, na verdade, por não ser milagrosamente protagonizados por mulheres, até porque, na música, nossas divas modernas são divas por isso. Por falar nisso, não havia alguém na produção para a trilha-sonora combinar mais com o estilo do filme, e apelar um pouco na escolha das músicas? Previsíveis e toscas, como som de fim de balada, embaladas, contudo, com o que sabemos que vamos assistir: muita, muita gente rasgando calça e camisa ou falando de fama num Showgirls com testosterona. O filme tenta insuflar a alma de discos como Exile on Main Street, dos Stones, mas não consegue mostrar liberdade: É tudo libertinagem, numa cena mais oca que a outra, mas nenhuma surpreende mais que o close final em Channing Tatum, forte, gostoso, admirando fogos de artifício na praia, e revirando seus olhos para baixo, sentindo, talvez, um vazio insondável, e para si mesmo, um tanto inexplicável.

  • Crítica | Mesmo Se Nada Der Certo

    Crítica | Mesmo Se Nada Der Certo

    Poster Mesmo se Nada Der Certo

    O produtor musical Dan Mulling (Mark Ruffalo) era tão ocupado que precisa utilizar qualquer tempo livre que tem para ouvir os aspirantes a cantor que aparecem para ele. Mesmo quando preso no trânsito, ele passa um bom tempo escutando os pretensiosos artistas. Retirado de uma sucessão de clichê de comédia romântica, o estereótipo tem seu ápice no homem confuso, sem identidade, que ainda não achou o amor verdadeiro, e até sua vida familiar é bagunçada. O protagonista chega ao fundo do poço ao se deparar com a demissão da produtora musical que fundou.

    A cidade de Nova York constitui o cenário perfeito para o alvorecer de uma estrela, e é em meio a um bar pé-sujo no subsolo que Dan se depara com algo subvalorizado pelo público presente, mas que lhe acende a criatividade e um bocado do prazer. Para (não) surpresa do público, a figura que encanta o desolado homem é a bela Gretta (Keira Knightley), uma cantora resignada, que somente faz composições, apesar de ter uma bela voz. O motivo do asco pela fama é justificado pela atribulada intimidade dela como cônjuge e compositora anônima de Dave Kohl (Adam Levine). O namorado faz um sucesso enorme, mas esconde a real autoria de suas canções, muito pela timidez de Gretta, mas também por uma canalhice, que se provaria maior pelo motivo que o faz romper a relação.

    Juntos, os pares desordenados começam a planejar uma nova empreitada musical, com músicos que aparecem repentinamente para colaborar de graça com a produção da fita demo, todos inspiradíssimos, como se algo cósmico estivesse prestes a ocorrer. A harmonia com que o clipe é conduzido é de fazer inveja a qualquer musicista profissional. Até os percalços das locações externas onde a fita é gravada colaboram para a perfeita feitoria da canção, convenientemente.

    O “casal” torna-se tão perfeito em suas ações que Gretta consegue conquistar a afeição da filha dele, Violet (Hailee Steinfeld), sendo uma conselheira amorosa, dando um banho de loja na garota e descobrindo um talento musical que fugia aos olhos do pai. O estado de perfeição só é quebrado após ambos comentarem como suas relações acabaram, entrando em um novo nível de intimidade, onde máscaras de hipocrisia não poderiam mais prevalecer. A conversa a partir daí evolui para uma amizade de apoio mútuo, com potencial para se tornar algo mais.

    O par se conheceu no pior momento de suas vidas, onde a aflição imperava. Seria uma comédia repleta de bordões e banalidade, não fosse a mola central da engrenagem. O modo como a musicidade é percorrido pelo roteiro faz todas as repetições terem um sentido maior do que o normal, com significado e profundidade acima das baboseiras pré-fabricadas e de cunho publicitário. A condução delicada de John Carney faz tudo isso soar naturalmente.

    Mesmo as cenas irreais ganham uma aura de fantasia graças ao místico da música. As paragens, que normalmente seriam barulhentas ao extremo, prostram a melodia presente na alma de Gretta, funcionando de modo despretensioso, como uma comédia chapa branca, mas sincera em cada acorde. Nenhuma interferência externa, fora os personagens centrais, os músicos e seu entorno, consegue subsistir ante a magia musical da banda quando está em forma.

    Mesmo Se Nada Der Certo é um filme sobre essência, que apesar de apegar a fórmulas tem em sua mensagem a fuga da formatação, tanto das músicas quanto do cotidiano. O ineditismo está intrinsecamente ligado à obsessão de Gretta e Dan, e é por isso que as vidas de ambos eram tão miseráveis antes. Soterrados pelo tédio, eram incapazes de usufruir dos momentos simples e felizes de suas vidas. Mesmo diante de uma saída fácil, em que poderia reunir os dois com um romântico par, Carney prefere mostrar a evolução de pensamento, tanto de Gretta quanto de Dan, com frieza de espírito suficiente para decidirem suas vidas de modo calmo e correto, costurando um desfecho plausível com toda a duração do drama e de modo extremamente positivo.