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  • Crítica | O Retorno  de Mary Poppins

    Crítica | O Retorno de Mary Poppins

    A época de final de ano evoca em crianças e adultos mais crédulos e positivistas uma sensação de esperança do porvir, poderia ter nessa época estreando O Grinch da Illumination, mas o estúdio talvez sabendo da bomba que este seria o programou para Novembro, mesmo sendo um filme de temática natalina. Pois bem a versão de Rob Marshall do mito de P L Travers chegou aos cinemas , com O Retorno de Mary Poppins, um filme tão melódico e bonito que quase faz perdoar Caminhos da Floresta e Piratas do Caribe: Navegando em Águas Misteriosas.

    Em alguns aspectos, este filme lembra o fenômeno que foi O Rei do Show , lançado no final do ano passado, não só por serem ambos musicais, mas também pela temáticas sociais parecidas. A historia começa mostrando Michael Banks (Ben Whishaw) já adulto, cuidando de suas três crianças, Anabel, John e Georgie (Pixie Davis, Nathanael Saleh e Joel Dawson), sendo este um homem bem enrolado, que tem de lidar com sua viuvez recente, com oficio no banco onde seu pai trabalhava e uma queda brusca dos ganhos de sua família. O tempo todo a casa é visitada por sua irmã, Jane (Emily Mortimer), uma mulher linda, mas ainda solteira que usa seu tempo e trabalho para lutar a favor dos direitos dos menos abastados, como sindicalista. Claramente há uma evolução de quadro aqui, os personagens estão repaginados e logo, o chamado a aventura ocorre, com o risco da casa ser vendida ao banco por conta de uma dívida que Michael contraiu.

    É nesse contexto que Mary Poppins volta, mais uma vez cortando o céu com seu guarda chuva, agora feita por Emily Blunt, que a encarna com uma perfeição enorme, elegante, carismática e deslumbrante, igualmente bem como Julie Andrews mas diferente dela, uma vez que ela é mais sisuda, rígida e taxativa, tal qual era nos livros originais. Sua atitude é mais assertiva por serem aqueles outros tempos, e pelo fato de que era outra geração de crianças. O trio daqui é mais independente e até menos criativas que a dupla de irmãos do filme clássico, então para gerar neles a fantasia seria preciso uma abordagem diferenciada e mudança foi para o bem.

    As comparações com o original obviamente ocorrem, esta versão não inova tanto quanto a outra, e de certa forma isso é ótimo uma vez que Rob Marshall errou demais nas ultimas vezes que tentou inovar, vide Caminhos da Floresta. Há personagens espelhados, mas na maioria das vezes são ressignificados, como o Jack de Lin-Manuel Miranda, um iluminador que faz as vezes do Bert de Dick Van Dyke, mas que tem seus próprios causos e motivações. As crianças deste também são melhores, sobretudo os meninos, realmente se crê que elas podem ter vivido todo aquele conjunto de aventuras e desventuras.

    Há também um acréscimo na mitologia. Michael e Jane não acreditam que o que viveram na infância de fato ocorreu, desse modo eles falam sempre de maneira incrédula sobre os dotes de Poppins e sobre o que eles viveram naquela Londres aquarelada do filme de Robert Stevenson, e sempre que eles falam isso, há ao manos uma gag visual contrariando, seja Blunt deslizando pelos corrimões, ou algo realmente mágico passando perto deles, mas como seus olhos e mentes são incrédulos, eles não percebem o obvio, e não abraçam a magia que a sua antiga babá carrega, tal qual o discurso da própria personagem-título, isso tudo é nonsense, e o que não pode ser explicado pela lógica é simplesmente irreal, nesse ponto Blunt acerta perfeitamente no tom jocoso e irônico dos britânicos.

    Um dos graves problemas do filme original é de certa forma ressignificado aqui.  A mãe do primeiro filme, Winnifred Banks é mostrada como uma sufragista a favor do direito das mulheres ao voto, e Glynis Johns de maneira bem alegre no começo do filme, e no final ela deixa esse lado feminista, achando que aquilo era uma maluquice e usa o cordão do sufrágio que carrega como rabiola da pipa verde que as crianças carregam. Sua filha, já adulta é uma ativista política, que não depende de homem para viver – inclusive ela abrigaria seu irmão e sobrinhos em sua casa se fosse necessário e se o banco tomasse a casa que seus pais construíram – e isso é uma bela desconstrução do argumento anterior, aliás, os vizinhos marinheiros que davam tiros de canhão a cada hora também aparecem no filme, ainda que estejam atrasados em cinco minutos e há anos, sendo esse um comentário bem inteligente do roteirista David Magee sobre o quão bobo e atrasado é o pensamento macho que sente necessidade de provar sua masculinidade através do uso de armas e pólvoras.

    Alias, a configuração familiar é bem diferente nesta versão, os pais são emocionais e falhos, com dificuldades e situações financeiras e com uma situação que evoca urgência maior, assim como claramente Michael é bem mais próximo de suas crianças do que era seu pai. A todo tempo se lembra e se lamenta a perda e a saudade da mãe que partiu, as vezes essas memórias são alegres mas na maioria das outras , são melancólicos e agridoces.

    Os personagens vilanescos são um pouco caricatos e fazem a historia demorar um pouco, e o final flerta com a intervenção Deus Ex Machina mas é acompanhada de uma participação tão bela que faz esse aspecto ser bastante perdoável. Com tudo isso, O Retorno de Mary Poppins é um filme muito caro e emotivo, os personagens semelhantes aos do filme anterior funcionam bem e fogem do arquétipo de serem meras copias. As musicas são lindas apesar de não tão boas como as do clássico, a mistura de animação com atores reais faz lembrar o original, a questão  dos lumes dançando no lugar dos limpadores de chaminés também é uma boa sacada e os atores estão muito bem, tanto Whishaw como o homem que sofre o agouro, quanto Blunt e Miranda como dueto musical, além do que ambos imprimem uma mágica muito bem vinda e condizente com a obra de P L Travers.

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  • Crítica | Mary Poppins

    Crítica | Mary Poppins

    Em 1964, uma época em que Walt Disney ainda dava muitos pitacos nas produções de seu estúdio, chegava as grandes telas o simpático e mágico Mary Poppins, um musical todo focado na figura que dava título ao filme e que era interpretada por Julie Andrews, a mesma que brilhou muito na Broadway mas que ainda não havia feito nenhum filme. A atriz acostumada a produções teatrais havia ganhado notoriedade por fazer a peça My Fair Lady, que ganhou as telas em uma produção da Warner também neste ano, com o nome de Minha Bela Dama no Brasil.

    Andrews não fez Minha Bela Dama, no lugar dela escolheram Audrey Hepburne, que quis que o papel recaísse sobre a interprete de Poppins, mas os estúdios temiam que a inexperiência da atriz comprometesse o projeto, e Andrews fez o clássico da Disney, e ganhou o Oscar de melhor atriz. A partir daí foi inventada uma rivalidade entre as duas que claramente jamais existiu, ao contrário, ambas eram bem simpáticas entre si.

    O cenário da casa dos Banks, onde se passará boa parte da trama do filme é de certa forma caótico. A dona da casa Winifred (Glynis Johns) tem uma aparência submissa e angelical, mas é claramente uma agitadora, uma feminista, sufragista que quer garantir as mulheres o direito ao voto, e isso por si só na primeira década do século XX já era demais. Alem disso a governanta que já era acostumada com as crianças e com George W. Banks (David Tomlinson) acaba de se demitir, e a família fica de novo em apuros, sem saber quem cuidará dos infantes, mesmo após testarem seis babás em quatro meses.

    Durante o filme se veem alguns personagens periféricos tão nonsenses que beiram a fantasia. Os vizinhos dos Banks são marinheiros que dão tiros de canhão toda vez que o marcam uma hora e essa demonstração de poderia e arsenal talvez fosse uma mostra da autora do livro, P L Travers, do quão bobo e elementar pode ser o homem, embora ela claramente não tenha um viés progressista em sua visão de mundo, vide a esposa dos Banks e sua construções. Ainda no campo lúdico, Poppins torna o corriqueiro, o comum como os afazeres de arrumar o quarto em passatempos com músicas e ainda indica algo não recomendável, como inserir açúcar nos remédios que as crianças precisam tomar, aparentemente os anos sessenta eram mais selvagens e ler a bula não era tão usual.

    Nem mesmo o aspecto de contos de fadas do filme faz o espectador não perceber o obvio, a família Banks é carente de muitas coisas. George não consegue ser amoroso com ninguém, a mãe é atenciosa, mas também precisa ser ativa politicamente, desse modo ela não pode se ocupar em tempo integral da educação de seus filhos, afinal, como é com o pai, ela também tem seus afazeres e não deixará essa questão de lado, mas incrivelmente o seu lado é bem mais culpabilizado que a de seu esposo, mesmo ela tendo mais contato com as crianças que ele. Já os pequenos Jane e Michael ( Karen Dotrice e Matthew Garber) tentam traçar o perfil de uma babá perfeita para ajudar seu pai, mas tudo o que eles falam é desconsiderado pelo mesmo, tratado como nonsense. Essa falta de diálogo seria solucionada, ainda que tardiamente pela intervenção da protagonista, que teria acesso aos pedidos das crianças, mesmo que as folhas redigidas com as palavras dos filhos tivessem voado.

    Depois de Mary assumir seu trabalho, ela passeia com as crianças e encontra seu velho amigo, Bert (Dick Van Dyke) e eles passam a cantar e dançar em meio animações de duas dimensões. Aos poucos, a perfeita babysitter passa a afeiçoar a atenção das crianças e o inverso também ocorre, e tudo isso flui de uma maneira bastante natural.

    Lá pelo meio do filme a competência de Poppins é posta a prova, em seu dia de folga as crianças ficam impossíveis de lidar, e não conseguem entender a necessidade que a mulher tem de ter seu espaço e sua folga garantida. Evidentemente que a rebeldia das crianças é super comedida, assim como as lições de moral que seu pai recebe não é super pesada, afinal, são pessoas falhas (e mimadas) mas não são exatamente más.

    Proximo de terminar o filme demonstra todo o seu problema com o feminismo. A mãe que começa como sufragista depois muda de ideia , acha toda sua luta uma  loucura, e decide ser ela própria a cuidadora dos filhos enquanto mr banks continua sua rotina. Não há problema nenhum em ela decidir ser do lar, mas o roteiro literalmente debocha da ideologia feminista, mostrando-a como uma fase de ocupação mental de uma mulher rica, tornando tudo isso em mais um evento meio fútil. Isso quase põe toda a magia do clássico abaixo, mas claramente essa mentalidade não tem a ver com a personagem principal.

    Mary Poppins é mágica, uma mulher forte e decidida a fazer o que quer. Por mais que a natureza de seu trabalho seja o tradicional relegado as mulheres da época – cuidar de crianças – ela o faz ao seu estilo, sabe seus limites, briga por suas folgas e considera que seus direitos são irrevogáveis, e a forma como ela faz unir os Banks é bem singela e bonita. Seus últimos momentos reproduzem a mágica do começo, embora claramente os adultos da familia não tenham digerido bem tais ensinamentos. Toda a magia presente no filme é muito mérito de Stevenson, que equilibra bem os momentos de tensão e sentimento e principalmente é culpa de Andrews, que une todo o jeito angelical e autoritário em alguns pontos com outros que culminariam na figura de mulher perfeita e memorável que era, sem deixar de ter personalidade e identidade, como muitos dos homens de sua época achavam que as mulheres deveriam ser e agir.

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