Tag: Ben Whishaw

  • VortCast 102 | James Bond – 007: A Era Daniel Craig

    VortCast 102 | James Bond – 007: A Era Daniel Craig

    Bem-vindos a bordo. Flávio Vieira (@flaviopvieira | @flaviopvieira) e Mario Abbade (@marioabbade)  se reúnem para comentar sobre o encerramento da era Daniel Craig como James Bond nos cinemas. Quais foram os pontos altos e baixos, as polêmicas e o futuro da franquia.

    Duração: 74 min.
    Edição:
     Flávio Vieira
    Trilha Sonora: Flávio Vieira
    Arte do Banner:
     Bruno Gaspar

    Agregadores do Podcast

    Feed Completo
    iTunes
    Spotify

    Contato

    Elogios, Críticas ou Sugestões: [email protected].
    Facebook — Página e Grupo | Twitter Instagram

    Links dos Podcasts

    Agenda Cultural
    Marxismo Cultural
    Anotações na Agenda
    Deviantart | Bruno Gaspar
    Cine Alerta

    Materiais Relacionados

    007: As Canções da Franquia — Parte 1
    007: As Canções da Franquia — Parte 2
    10 atores que poderiam ter sido James Bond
    Estilos e Estilistas: construindo pontes entre a sétima arte e a vida
    Crítica | Everything or Nothing: The Untold Story of 007
    Agenda Cultural 47 | Western, Máfia e Agentes Secretos

    Filmografia 007 — Daniel Craig

    Crítica | 007: Cassino Royale
    Crítica | 007: Quantum of Solace
    Crítica | 007: Operação Skyfall
    Crítica | 007 Contra Spectre
    Crítica | 007: Sem Tempo Para Morrer

    Comentados na Edição

    No Time To Die — Goodbye, Mr. Bond

    Avalie-nos na iTunes Store | Ouça-nos no Spotify.

  • Crítica | 007: Sem Tempo para Morrer

    Crítica | 007: Sem Tempo para Morrer

    Após um grande início adaptando uma obra de Ian Fleming com Cassino Royale; uma sequência sem roteiro devido às greves de roteiristas em Quantum of Solace; uma queda e ascensão dividida entre tradição e o moderno de Operação Skyfall e a retomada da estrutura clássica em 007 Contra Spectre, o longevo personagem James Bond, personificado pela quinta e última vez por Daniel Craig, tem sua missão derradeira em 007: Sem Tempo Para Morrer.

    Finalizando a passagem do britânico pelo personagem, a produção do vigésimo quinto filme de James Bond foi carregada com uma maior expectativa do que suas predecessoras. O último filme com Craig, marco numérico sempre destacado pela mídia, foi marcado por entraves internos e externos à sua produção.

    A princípio, Danny Boyle foi escalado como diretor, mas se justificando com o batido “divergências criativas” abandonou a produção e, em seu lugar, Cary Joji Fukunaga assumiu a cadeira, tornando-se o primeiro americano a dirigir uma produção Bond. Com a mudança, o início das filmagens foi reagendado para abril de 2019 e a estreia programada para abril de 2020. Naturalmente, a necessidade do distanciamento social deixou o lançamento em espera até setembro desse ano quando grande parte do mundo possui uma estrutura mínima para, munidos de vacinas e máscaras, estar no conforto do cinema sem correr risco de vida. O risco, aliás, fica por conta do próprio personagem central.

    O início da nova trama se situa após os acontecimentos de Spectre e resume os elementos que definiram o novo Bond. Aposentado em um lugar idílico, ao lado de Madeleine Swann (Léa Seydoux), dá vazão aos laços sentimentais até o inevitável momento em que o passado retorna, explosivo. A grande cena de ação inicial é intensa, extremamente física, bem equilibrada entre a coreografia e um realismo possível, mantendo vigente a estética fundamentada por A Identidade Bourne e reverenciada pela versão de Craig. A cena intensa demonstra algo que o público da primeira temporada de True Detective já sabe: Fukunaga constrói cenas de ação com habilidade. A cena inicial injeta adrenalina antes da canção que abre o longa, No Time To Die de Billie Eilish.

    Após os créditos de abertura, a trama salta cinco anos no futuro. Como desenhado desde a produção anterior, é a tradição que rege essa aventura final. Se no enredo anterior se descobre que as intrigas foram orquestradas pelo SPECTRE, aqui outro elemento tão poderoso quanto surge em cena, contrabalanceando as forças, mas com objetivos semelhantes: a vingança e a destruição mundial, características comuns da maioria dos vilões megalomaníacos da franquia.

    Se em composições anteriores Bond pareceu um homem sem amarras, o personagem da geração 2000, composto de forma seriada em cinco produções, é formado com maior coesão cronológica e emocional. As perdas são lembradas com sentimento e dor e trazem a evidente constatação de que é necessário desapegar do passado para seguir, embora o passado profissional e as missões anteriores nunca fiquem, de fato, no passado. Entre o equilíbrio pessoal e emocional, e a frieza das missões cumpridas se destaque um personagem central que além da camada de espionagem, dos carros luxuosos, do esnobismo britânico e do diálogo feito de punhos, uma mensagem boba e simples de que os brutos também amam, sim.

    Em entrevista a GQ em 2020, o ator afirmou que elevou o nível do personagem para outros. Sem dúvida, o sucesso da franquia se deve a sua capacidade de manter suas estruturas básicas, mas, na medida do possível, se adaptar a novos formatos narrativos. Sob esse aspecto, talvez a era Craig tenha sido a modificação mais inventiva de Bond. Trouxe não apenas novas camadas trágicas aos personagens como também a possibilidade de quebrar a forma física do agente, pois, lembrem-se, o ator foi criticado no início por seu físico e por ser loiro demais. Foram modificações como essas que permitiram que Lashana Lynch surgisse em cena como a primeira 007.

    Sem Tempo Para Morrer é um falso título porque em um filme cuja missão é ser um desfecho a uma versão de Bond, tudo é uma celebração final. Em tudo há certo tom de morte e despedida como amigos que se desencontram, arqui-inimigos que se vão e, querendo ou não, não há nada de novo nessa narrativa. Mas, sim, uma conclusão natural de uma história iniciada em 2005 e que encerra seus enredos e o legado de Craig no papel.

    O ator e sua modéstia têm razão. O marco deixado em sua passagem será um desafio à execução do próximo Bond. Mas também abriu espaço para que novas facetas sejam exploradas, sem medo de reinvenções e sem o excesso de amarras da tradição. Como um personagem com maior aptidão para se reinventar, os produtores Michael G. Wilson e Barbara Broccoli devem ter algumas cartas na manga para o futuro dessa nova Bond.

  • Crítica | O Retorno  de Mary Poppins

    Crítica | O Retorno de Mary Poppins

    A época de final de ano evoca em crianças e adultos mais crédulos e positivistas uma sensação de esperança do porvir, poderia ter nessa época estreando O Grinch da Illumination, mas o estúdio talvez sabendo da bomba que este seria o programou para Novembro, mesmo sendo um filme de temática natalina. Pois bem a versão de Rob Marshall do mito de P L Travers chegou aos cinemas , com O Retorno de Mary Poppins, um filme tão melódico e bonito que quase faz perdoar Caminhos da Floresta e Piratas do Caribe: Navegando em Águas Misteriosas.

    Em alguns aspectos, este filme lembra o fenômeno que foi O Rei do Show , lançado no final do ano passado, não só por serem ambos musicais, mas também pela temáticas sociais parecidas. A historia começa mostrando Michael Banks (Ben Whishaw) já adulto, cuidando de suas três crianças, Anabel, John e Georgie (Pixie Davis, Nathanael Saleh e Joel Dawson), sendo este um homem bem enrolado, que tem de lidar com sua viuvez recente, com oficio no banco onde seu pai trabalhava e uma queda brusca dos ganhos de sua família. O tempo todo a casa é visitada por sua irmã, Jane (Emily Mortimer), uma mulher linda, mas ainda solteira que usa seu tempo e trabalho para lutar a favor dos direitos dos menos abastados, como sindicalista. Claramente há uma evolução de quadro aqui, os personagens estão repaginados e logo, o chamado a aventura ocorre, com o risco da casa ser vendida ao banco por conta de uma dívida que Michael contraiu.

    É nesse contexto que Mary Poppins volta, mais uma vez cortando o céu com seu guarda chuva, agora feita por Emily Blunt, que a encarna com uma perfeição enorme, elegante, carismática e deslumbrante, igualmente bem como Julie Andrews mas diferente dela, uma vez que ela é mais sisuda, rígida e taxativa, tal qual era nos livros originais. Sua atitude é mais assertiva por serem aqueles outros tempos, e pelo fato de que era outra geração de crianças. O trio daqui é mais independente e até menos criativas que a dupla de irmãos do filme clássico, então para gerar neles a fantasia seria preciso uma abordagem diferenciada e mudança foi para o bem.

    As comparações com o original obviamente ocorrem, esta versão não inova tanto quanto a outra, e de certa forma isso é ótimo uma vez que Rob Marshall errou demais nas ultimas vezes que tentou inovar, vide Caminhos da Floresta. Há personagens espelhados, mas na maioria das vezes são ressignificados, como o Jack de Lin-Manuel Miranda, um iluminador que faz as vezes do Bert de Dick Van Dyke, mas que tem seus próprios causos e motivações. As crianças deste também são melhores, sobretudo os meninos, realmente se crê que elas podem ter vivido todo aquele conjunto de aventuras e desventuras.

    Há também um acréscimo na mitologia. Michael e Jane não acreditam que o que viveram na infância de fato ocorreu, desse modo eles falam sempre de maneira incrédula sobre os dotes de Poppins e sobre o que eles viveram naquela Londres aquarelada do filme de Robert Stevenson, e sempre que eles falam isso, há ao manos uma gag visual contrariando, seja Blunt deslizando pelos corrimões, ou algo realmente mágico passando perto deles, mas como seus olhos e mentes são incrédulos, eles não percebem o obvio, e não abraçam a magia que a sua antiga babá carrega, tal qual o discurso da própria personagem-título, isso tudo é nonsense, e o que não pode ser explicado pela lógica é simplesmente irreal, nesse ponto Blunt acerta perfeitamente no tom jocoso e irônico dos britânicos.

    Um dos graves problemas do filme original é de certa forma ressignificado aqui.  A mãe do primeiro filme, Winnifred Banks é mostrada como uma sufragista a favor do direito das mulheres ao voto, e Glynis Johns de maneira bem alegre no começo do filme, e no final ela deixa esse lado feminista, achando que aquilo era uma maluquice e usa o cordão do sufrágio que carrega como rabiola da pipa verde que as crianças carregam. Sua filha, já adulta é uma ativista política, que não depende de homem para viver – inclusive ela abrigaria seu irmão e sobrinhos em sua casa se fosse necessário e se o banco tomasse a casa que seus pais construíram – e isso é uma bela desconstrução do argumento anterior, aliás, os vizinhos marinheiros que davam tiros de canhão a cada hora também aparecem no filme, ainda que estejam atrasados em cinco minutos e há anos, sendo esse um comentário bem inteligente do roteirista David Magee sobre o quão bobo e atrasado é o pensamento macho que sente necessidade de provar sua masculinidade através do uso de armas e pólvoras.

    Alias, a configuração familiar é bem diferente nesta versão, os pais são emocionais e falhos, com dificuldades e situações financeiras e com uma situação que evoca urgência maior, assim como claramente Michael é bem mais próximo de suas crianças do que era seu pai. A todo tempo se lembra e se lamenta a perda e a saudade da mãe que partiu, as vezes essas memórias são alegres mas na maioria das outras , são melancólicos e agridoces.

    Os personagens vilanescos são um pouco caricatos e fazem a historia demorar um pouco, e o final flerta com a intervenção Deus Ex Machina mas é acompanhada de uma participação tão bela que faz esse aspecto ser bastante perdoável. Com tudo isso, O Retorno de Mary Poppins é um filme muito caro e emotivo, os personagens semelhantes aos do filme anterior funcionam bem e fogem do arquétipo de serem meras copias. As musicas são lindas apesar de não tão boas como as do clássico, a mistura de animação com atores reais faz lembrar o original, a questão  dos lumes dançando no lugar dos limpadores de chaminés também é uma boa sacada e os atores estão muito bem, tanto Whishaw como o homem que sofre o agouro, quanto Blunt e Miranda como dueto musical, além do que ambos imprimem uma mágica muito bem vinda e condizente com a obra de P L Travers.

    Facebook – Página e Grupo | Twitter Instagram | Spotify.

  • Crítica | Paddington 2

    Crítica | Paddington 2

    Muita gente cresceu assistindo Sessão da Tarde, contudo, o espaço vespertino da Rede Globo para exibir filmes com o tempo foi perdendo o peso, mas ainda hoje é lembrado pelos seus clássicos. Inclusive, “sessão da tarde” virou quase uma categoria de filme, no Brasil, sempre associada a longas de classificação livre, de tons leves e infantis, e em grande parte com narrativas fantásticas e envolvendo animais. O programa perdeu espaço e a produção de filmes desse tipo foi diminuindo, a indústria mudou e o público infantil também, mas Paddington 2 chega mais uma vez dando frescor ao estilo e nos faz lembrar como é incrível não levar tudo a sério no cinema.

    Agora Paddington (Ben Whishaw) está devidamente instalado e feliz na família Brown, virou literalmente o amigão da vizinhança, sendo conhecido e adorado por todos os moradores da rua. Mas o aniversário de sua tia Lucy (Imelda Staunton) está chegando e ele decide encontrar um trabalho para comprar o presente perfeito para ela, até ele ser roubado pelo mágico frustrado da cidade, Phoenix Buchanan (Hugh Grant). Com um plot simples, o longa engata rapidamente e nos primeiros dez minutos de duração todos os personagens e tramas já são apresentadas e o ritmo só cresce.

    O texto também é mais ágil e divertido que o do primeiro filme, diálogos curtos conseguem definir todo o primeiro ato, desde a dinâmica na casa dos Brown até o relacionamento de Paddington com os vizinhos. Casada com a agilidade do roteiro, a montagem faz o belo serviço de injetar dinamismo nas sequências engenhosas de câmera durante todo esse início. Justo ressaltar a criatividade do diretor Paul King nessas sequências, sabendo muito bem posicionar sua câmera, desde pequenas escolhas como se manter na altura de Paddington quando necessário e sempre enchendo a tela com o corpo do pequeno urso, como também em cenas dinâmicas e marcadas por movimentos mais sofisticados. Sinal de sua visão certeira em relação ao personagem principal, esse que é pura computação gráfica.

    Se King sabe filmar Paddington, a equipe de efeitos visuais o sabem construir, a fisicalidade do urso é inacreditável. Digo de seu design, como pelugem, olhos, e focinho, mas principalmente de como seus movimentos e corpo contribuem para a história, seja narrativamente quanto pela veia do humor — é uma comédia física que funciona durante todo o tempo e torna Paddington cada vez mais carismático. Seu corpo não é humano, mas suas feições e reações exageradas e irreais o fazem rico e por isso mais relacionável.

    Paddington 2 também acerta no restante do visual, o design de produção é rebuscado, com cores saturadas em figurinos e cenários, lindamente ressaltadas pela fotografia, fazendo com que o clima bem-humorado e inocente marque presença, assim também com a trilha musical pontual e clássica. O elenco dos personagens humanos faz um bom trabalho, mas beira um caricato não muito bem-vindo em certos momentos, principalmente em um novo núcleo de personagens que surge no segundo ato, já os que repetem seus papéis nessa sequência ainda carregam bastante carisma, destaque para a sempre suave Sally Hawkins. Grant, que assume o papel de vilão depois da interessantíssima Nicole Kidman no último filme, se diverte no corpo de um mágico mau caráter e assim como Paddington, tem um ótimo humor britânico e físico.

    Essa sequência confia em seu público e vai direto ao ponto, apresenta novas façanhas de sua personagem principal, ressalta suas virtudes, expande seu universo e mais uma vez traz belas mensagens em meio a diversão. Paddington 2 reacende aquela criança dentro de nós, que amava sentar em frente a TV e se relacionar com histórias como essa, realizando isso sem forçar,pois é de uma leveza tão genuína que o sorriso no rosto é certo do início ao fim, podendo até rolar uma participação especial de lágrimas, das boas.

    Texto de autoria de Felipe Freitas.

  • Crítica | Negócio das Arábias

    Crítica | Negócio das Arábias

    Negocio das Arabias - poster

    Tom Tykwer é um diretor interessante, mas pouco efetivo em seus projetos. Tendo em sua filmografia Corra, Lola, Corra como seu filme mais reconhecido, bem como Cloud Atlas, o qual dividiu a direção com as irmãs Wachowski, não é possível prever sua assinatura nos filmes, mas é possível dizer que ele carrega uma certa estranheza estrangeira na forma com que filma o mundo, e agora o faz voltando seu olhar para a crise da meia-idade e moagem do passado.

    Em Um Negócio das Arábias (Um Holograma para o Rei), ele se une com um Tom muito mais popular e artisticamente efetivo, mas que também não escapa da crise da meia-idade: Tom Hanks. Baseado no livro de David Eggers, o filme se inicia com o impacto que Alan Clay (Hanks) parece suportar diariamente em sua vida, fazendo-se de adaptável e confortável, mas que, de tanto acumular tensões, acaba por sentir-se como uma vidraça que precisa ser quebrada. Sua missão é vender uma tecnologia de conferência holográfica para o Rei saudita, o qual nunca está disponível, e assim pagar a faculdade de sua filha. Sua participação no negócio ocorre por uma coincidência antiga na qual conheceu o príncipe saudita em uma festa ao contar uma piada. Buscando retomar a satisfação pessoal, busca reprisar esta mesma forma simpática de conquistar as pessoas, mas suas piadas já não têm tanta graça, nem mesmo para si.

    Optando por ser um filme de construção de personagem, podemos ver o grandioso e indiferente Reino da Arábia Saudita sob a ótica de alguém que precisa se reencontrar, e o faz em um país em que a temática frequente é a desertificação do ser. Não à toa as religiões abraâmicas nasceram no deserto e são monoteístas, pois se trata de um ambiente onde a solidão e silêncio incitam o contato consigo mesmo e a necessidade de buscar relações causais entre você e o mundo. A paisagem, sempre tão semelhante a ponto de parecer que se está indo sempre para o mesmo lugar, incita a busca de algum sentido para as coisas. Em última instância, você precisa de algo para culpar.

    Durante seu passeio pequenos flashbacks vêm à sua mente em formas de sonhos incômodos e crises de ansiedade, que surgem quase como intervenções surrealistas da realidade.

    A interpretação de Tom Hanks é sempre brilhante e esbanja sua capacidade de burlar qualquer descrença que alguém possa ter sobre as ações de seus personagens. É possível senti-lo ao caminhar por aquele país tão diferente ao lado de seu sábio e divertido motorista Yousef, vivido por Alexander Black. É possível ver a dificuldade enfrentada ao viver numa monarquia tão rigorosa e constrangedoramente retrógrada, mas que faz tudo com a aparência de quem segue em frente. “Eles estão varrendo a areia do deserto” diz Yousef em determinado momento. Sim, a opulência é mostrada e suas consequências, como as situações de escravidão em que trabalhadores filipinos se encontram, e nestes momentos o filme ganha um contorno soturno, assim como ocorre ao relatar as dificuldades enfrentadas pelas mulheres no país.

    Fica difícil imaginar um fim feliz em um país tão difícil, e esta dificuldade é sentida quando a ligação entre seu encontro e a necessidade de estar naquele país para fazê-lo melhor é feita com um pequeno diálogo minutos antes de seu final, o que é pouco para dizer que o personagem de Hanks não está apenas novamente se alienando no lugar de encontrar um caminho ou propósito. Desta forma, as imagens de denúncia das pesadas condições que enfrenta ao habitar aquele país se torna um novo comercial. O que sobra é fazer do filme sua própria jornada no deserto, e buscar nele as lições clichês que sempre ouvimos, mas nunca aprendemos, e que por isso não fazem mal em serem repetidas.

    Texto de autoria de Marcos Paulo Oliveira.

  • Crítica | As Sufragistas

    Crítica | As Sufragistas

    As Sufragistas - Poster

    Na história das civilizações, os domínios de poder sempre foram associados aos homens, fazendo da mulher um habitante de um universo paralelo, ambos unidos apenas na composição da sociedade. Diante destes papéis, a luta feminina por uma voz igualitária eclodiu em diversos momentos conforme o desejo da época: a procura de salários igualitários, presença na sociedade pelo voto e outros temas atuais comprovando a necessidade constante desta discussão.

    Dirigido por Sarah Gravon, As Sufragistas é lançado em momento oportuno aproveitando discussões em voga sobre o feminismo contemporâneo, para apresentar um movimento feminino no início do século XX, na Inglaterra, quando um grupo lutou pelos direitos de voto no Reino Unido. Focado na trabalhadora Maud Watts (Carey Mulligan), a trama apresenta o cotidiano da classe operária britânica e a pressão diária enfrentada pelas mulheres, tratadas socialmente como inferiores e cuja remuneração também era menor do que os homens no mesmo posto de trabalho. Mesmo sem formação política, diante de um cotidiano de violência, a moça assume uma postura ativa para combater tais desigualdades e passa a colaborar com o movimento sufragista, marcado por protestos a favor da mulher.

    A roteirista Abi Morgan (Shame, A Dama de Ferro) opta por uma personagem central para representar o contexto da época, tentando fugir de outros filmes históricos que apresentam grandes personagens e falham em sua execução. Porém, a trama não entrega uma personagem forte para representar este importante tema. Mesmo que se compreenda que Watts é uma mulher reprimida e se entenda suas motivações em, a princípio, não querer se envolver com o movimento, as demais personagens que surgem em cena parecem mais ricas dramaticamente, como a líder do movimento Emmeline Pankhurst, na época conhecida suficiente para aparecer pouco em público, evitando a polícia que tentava prendê-la. Ainda que esteja presente no pôster de divulgação, a personagem de Meryl Streep aparece pouco e tem somente uma cena como principal e nem mesmo forte suficiente para causar comoção. Uma participação que parece um chamariz de público – ainda mais considerando suas recentes declarações sobre feminismo e direitos iguais – e que nos deixa a impressão de que se a trama fosse focada nesta personagem histórica haveria maior intensidade narrativa.

    Com uma composição semelhante ao filme Pride, lançado ano passado, sobre os levantes trabalhistas da era Thatcher em simultâneo com a luta por direitos iguais do homossexual, a narrativa se destaca mais por abordar uma época importante do que como um bom filme a respeito. A dramatização de fatos históricos é primordial para o debate mas necessita também de apelo dramático para que se conecte com seu público além da vertente informativa. As Sufragistas funciona como obra que destaca um movimento importante da história mas não se sustenta ao representar este momento. À procura de um didatismo histórico, a trama perde fôlego e força quando deveria comover e ser um símbolo significativo de um período específico.

  • Crítica | No Coração do Mar

    Crítica | No Coração do Mar

    No Coração do Mar - poster

    A tradição oral sempre esteve presente conosco. Ela, sem dúvida, é um dos ritos mais antigos que ainda carregamos, e através dela, antes mesmo de conseguirmos ler, são passados medos, lições e principalmente as histórias. E é através do interlocutor que essas passam a ganhar vida, mesmo que verdade ou não. Basicamente, é questão de acreditar no que está ouvindo. E é nessa passagem que todo o clima e atmosfera do filme No Coração do Mar, que estreia nos cinemas no próximo 3 de dezembro, constrói sua narrativa.

    O cinema do diretor Ron Howard tem se dedicado nas suas últimas obras a relatar histórias reais através de suas produções, e certamente atingiu muitos acertos, como Uma Mente Brilhante, obra na qual realiza uma cinebiografia, ou em conflitos reais como Frost e NixonRush – No Limite da Emoção. Mesmo que hoje possamos perceber com enorme frequência filmes voltados a contar histórias reais, origens de grandes fatos históricos e personagens numa tentativa de ressurgi-los mais uma vez, arrecadando milhões em bilheteria, é muito fácil destacar esses três filmes como obras muito bem realizadas no meio de tantos produtos semelhantes. Mas o que acontece quando ele decide contar uma história que na verdade deu origem a uma obra que é tão poderosa quanto a história que a inspirou?

    Na trama de No Coração do Mar, o futuro autor de Moby Dick, Herman Melville (Ben Whishaw) convence o velho Thomas Nickerson (Brendan Gleeson) a contar a história de quando ainda era um marujo (interpretado por Tom Holland) e o que ocorreu de fato por trás da destruição do navio Essex em 1820, que saiu em busca de caçar baleias, comandado pelo capitão George Pollard Jr. (Benjamin Walker) e seu Imediato Owen Chase (Chris Hemsworth)

    Já que o filme se passa unicamente no mar, seria mais do que função dessa produção trabalhar bem a construção do que se passa exatamente dentro e fora de um navio. O filme não só faz isso com excelência, mas consegue dosar numa montagem competente a simples busca por um vento favorável como algo completamente emocionante. As cores dos enquadramentos são propositalmente sóbrias nas cenas externas no mar para dar vida ao navio muitas vezes, assim como as cores das roupas do capitão Pollard, dourado das armas da tripulação e dos olhares dos tripulantes.

    Infelizmente, como muitas produções hoje carecem de uma imersão fidedigna ao que elas se propõem, existe um excesso de enquadramentos em close nos atores quando é necessária uma cena que exija um movimento mais preciso, ou uma ação coordenada em alguma direção da câmera. E, por outro lado, é muito difícil dizer quando estamos encarando uma baleia por CG ou por uma gravação pré-produzida com uma montagem competente. Vale ressaltar que, apesar da trilha claramente Hans Zimmeriana, ela encaixa perfeitamente nas cenas, assim como os efeitos sonoros da grande baleia branca que aterroriza a tripulação do Essex.

    Durante toda a passagem do filme, foi difícil não pensar no fato de que ele por si só já era a metalinguagem de outra história já contada, sendo contada para o seu autor. Os poucos momentos em que os personagens do Essex têm diálogos expositórios sobre sua condição, é muito claro a contraposição com a própria natureza da obra Moby Dick e que se estende até o fim do filme. Seu desfecho, amargo e doloroso, é resultado de uma condição miserável em que alguns poucos seres humanos sobreviveram para contar. Apesar de alguns veículos de comunicação terem divulgado a foto do ator Chris Hemsworth com pouquíssima massa muscular para interpretar o período à deriva da tripulação é possível dizer que o filme não abusa em demonstrar tal aspecto físico, exibindo-o pontualmente durante alguns trechos,

    A tradição oral é talvez um dos espelhos mais poderosos que temos para revelar o que se esconde de sombrio no coração do homem; tornar simples palavras em monstros e em assombrações depende unicamente do que existe de mais sombrio em cada um de nós. Quem sabe transpor o que deveria nos atormentar de tamanha forma com palavras em imagens talvez não seja a maneira mais efetiva de contar essa história.

    Texto de autoria de Halan Everson.