Tag: Lashana Lynch

  • Crítica | 007: Sem Tempo para Morrer

    Crítica | 007: Sem Tempo para Morrer

    Após um grande início adaptando uma obra de Ian Fleming com Cassino Royale; uma sequência sem roteiro devido às greves de roteiristas em Quantum of Solace; uma queda e ascensão dividida entre tradição e o moderno de Operação Skyfall e a retomada da estrutura clássica em 007 Contra Spectre, o longevo personagem James Bond, personificado pela quinta e última vez por Daniel Craig, tem sua missão derradeira em 007: Sem Tempo Para Morrer.

    Finalizando a passagem do britânico pelo personagem, a produção do vigésimo quinto filme de James Bond foi carregada com uma maior expectativa do que suas predecessoras. O último filme com Craig, marco numérico sempre destacado pela mídia, foi marcado por entraves internos e externos à sua produção.

    A princípio, Danny Boyle foi escalado como diretor, mas se justificando com o batido “divergências criativas” abandonou a produção e, em seu lugar, Cary Joji Fukunaga assumiu a cadeira, tornando-se o primeiro americano a dirigir uma produção Bond. Com a mudança, o início das filmagens foi reagendado para abril de 2019 e a estreia programada para abril de 2020. Naturalmente, a necessidade do distanciamento social deixou o lançamento em espera até setembro desse ano quando grande parte do mundo possui uma estrutura mínima para, munidos de vacinas e máscaras, estar no conforto do cinema sem correr risco de vida. O risco, aliás, fica por conta do próprio personagem central.

    O início da nova trama se situa após os acontecimentos de Spectre e resume os elementos que definiram o novo Bond. Aposentado em um lugar idílico, ao lado de Madeleine Swann (Léa Seydoux), dá vazão aos laços sentimentais até o inevitável momento em que o passado retorna, explosivo. A grande cena de ação inicial é intensa, extremamente física, bem equilibrada entre a coreografia e um realismo possível, mantendo vigente a estética fundamentada por A Identidade Bourne e reverenciada pela versão de Craig. A cena intensa demonstra algo que o público da primeira temporada de True Detective já sabe: Fukunaga constrói cenas de ação com habilidade. A cena inicial injeta adrenalina antes da canção que abre o longa, No Time To Die de Billie Eilish.

    Após os créditos de abertura, a trama salta cinco anos no futuro. Como desenhado desde a produção anterior, é a tradição que rege essa aventura final. Se no enredo anterior se descobre que as intrigas foram orquestradas pelo SPECTRE, aqui outro elemento tão poderoso quanto surge em cena, contrabalanceando as forças, mas com objetivos semelhantes: a vingança e a destruição mundial, características comuns da maioria dos vilões megalomaníacos da franquia.

    Se em composições anteriores Bond pareceu um homem sem amarras, o personagem da geração 2000, composto de forma seriada em cinco produções, é formado com maior coesão cronológica e emocional. As perdas são lembradas com sentimento e dor e trazem a evidente constatação de que é necessário desapegar do passado para seguir, embora o passado profissional e as missões anteriores nunca fiquem, de fato, no passado. Entre o equilíbrio pessoal e emocional, e a frieza das missões cumpridas se destaque um personagem central que além da camada de espionagem, dos carros luxuosos, do esnobismo britânico e do diálogo feito de punhos, uma mensagem boba e simples de que os brutos também amam, sim.

    Em entrevista a GQ em 2020, o ator afirmou que elevou o nível do personagem para outros. Sem dúvida, o sucesso da franquia se deve a sua capacidade de manter suas estruturas básicas, mas, na medida do possível, se adaptar a novos formatos narrativos. Sob esse aspecto, talvez a era Craig tenha sido a modificação mais inventiva de Bond. Trouxe não apenas novas camadas trágicas aos personagens como também a possibilidade de quebrar a forma física do agente, pois, lembrem-se, o ator foi criticado no início por seu físico e por ser loiro demais. Foram modificações como essas que permitiram que Lashana Lynch surgisse em cena como a primeira 007.

    Sem Tempo Para Morrer é um falso título porque em um filme cuja missão é ser um desfecho a uma versão de Bond, tudo é uma celebração final. Em tudo há certo tom de morte e despedida como amigos que se desencontram, arqui-inimigos que se vão e, querendo ou não, não há nada de novo nessa narrativa. Mas, sim, uma conclusão natural de uma história iniciada em 2005 e que encerra seus enredos e o legado de Craig no papel.

    O ator e sua modéstia têm razão. O marco deixado em sua passagem será um desafio à execução do próximo Bond. Mas também abriu espaço para que novas facetas sejam exploradas, sem medo de reinvenções e sem o excesso de amarras da tradição. Como um personagem com maior aptidão para se reinventar, os produtores Michael G. Wilson e Barbara Broccoli devem ter algumas cartas na manga para o futuro dessa nova Bond.

  • Crítica | Capitã Marvel

    Crítica | Capitã Marvel

    Cercado de muitas expectativas, Capitã Marvel finalmente chega aos cinemas, dirigido pela dupla Anna Boden e Ryan Fleck, mais de dez anos depois do marco inicial do universo compartilhado da Marvel, com o Homem de Ferro de John Favreau, e o resultado é um filme divertido e despretensioso, mas que tem um desenvolvimento inicial um pouco desnecessário.

    Carol Danvers (Brie Larson) nos quadrinhos sempre foi uma personagem controversa, teve fases entre os codinomes de Miss Marvel, Binária e Warbird em que tratou de temas pesados como alcoolismo e abuso sexual, e de certa forma, o ponto de início da personagem no filme conversa com isso, estabelecendo no roteiro que a heroína teve um passado que não se recorda, e por algum motivo, não há esforço ou curiosidade para se explorar esse ponto. É como se ela estivesse se distanciando dessa época, simplesmente pelo fato de ali habitar traumas tão grandes que fazem a moça esquecer quem era.

    A composição visual desta parte soa estranha e artificial, bastante genérica, curiosamente há um efeito oposto ao visto em Homem de Aço, com Krypton sendo a melhor configuração visual do filme de Zack Snyder para logo depois cair sobre um texto sofrível. Em Capitã Marvel ocorre o exato oposto disso. Neste ponto há uma boa relação do personagem de Jude Law com a protagonista, variando entre a figura do mentor, preocupado com sua talentosa aprendiz, e o sujeito castrador, que impede sua aluna de voar, apelando sempre para o clichê da humanidade, de que ela é muito emocional, afirmando que isso atrapalha sua função de protetora da cultura Kree. A grande questão é o que ocorre depois, onde as curvas dramáticas de certa forma invertem um pouco o sentido desse relacionamento, e caem sobre clichês batidos. Essa pecha de desqualificar a pessoa por conta das suas emoções é um clichê muito utilizado para desqualificar as mulheres e a maior riqueza do roteiro é a desconstrução desta questão, resultando inclusive nesse ser o diferencial da personagem enquanto guardiã da justiça.

    O retorno à Terra é sem dúvida nenhuma um dos melhores momentos do longa. Tudo que envolve a chegada da heroína ao planeta é carregada de paranoia extrema, que começa pelo conflito entre Krees e Skrulls. Essa dicotomia traz ecos da Guerra Fria, e é acertada demais à época em que o filme de passa, nos anos noventa, com a humanidade que já viveu a Guerra Fria e que se permite não ser mais tão maniqueísta e preocupada quanto os dois povos em conflito. De inteligente também existe o comentário sobre o quão vazias podem ser as razões para a guerra, além da desconstrução da demonização de ambos os lados, pois durante as mais de duas horas de filme os dois povos alienígenas são mostrados como cruéis e honrados quase na mesma medida.

    O Nick Fury de Samuel L. Jackson se torna um coprotagonista, a quantidade de tempo e de importância que tem no filme talvez seja maior do que toda a soma de suas participações nos outros capítulos do MCU. A reconstrução visual de sua juventude é muito bem feita, a maquiagem o deixa mais jovem e ele claramente está em boa forma. Não faz lembrar o seu personagem Zeus em Duro de Matar: A Vingança, mas ainda assim ele aparenta ter entre 30 e 40 anos. Boa parte das piadas e momentos engraçados do longa passam por ele, e a relação entre ele e a personagem-título flui muito bem entre o receio mútuo dos dois e a parceria franca e crédula. A dinâmica de filmes policiais com parceiros diferentes funciona bem demais, fazendo o fracasso de Homem de Ferro 3 soar ainda maior por ter tentado isto com os filmes da Marvel e simplesmente não ter conseguido.

    As piadas com a tecnologia descartável da década de 90 são muito boas, e apesar de não ter um vilão muito inspirado tal qual a maioria absoluta dos filmes da Marvel, as relações de Capitã Marvel são muito críveis, seja as de Larson com Annette Benning, que faz uma mentora que se baseia em um personagem clássico dos quadrinhos, mas com diferenças importantes, ou com Talos, o personagem de Ben Mendelsohn, que faz um sujeito desconfiado, sorrateiro mas que é capaz de travar uma amizade que varia entre a rivalidade e a cooperação amistosa com Fury — aliás poucas vezes se viu uma versão tão acertada e diferenciada dos Skrulls quanto aqui.

    Há uma outra relação interessante, embora não tenha muito tempo de tela, entre Danvers e sua amiga e antiga copilota Maria Rambeau, interpretada por Lashana Lynch, que além de carregar o sobrenome da personagem Monica Rambeau (a primeira Capitã Marvel), ainda dá ares de antigo par romântico de Danvers, ainda que isso não seja dito com todas as letras, de qualquer forma é louvável que tenha se levantado essa possibilidade, ainda mais se tratando de um filme feito para o público nerd, que tem sido um reduto de conservadores nos últimos anos.

    Apesar de alguns problemas com a história muito formulaica, a obra de Boden e Fleck tem mais acertos do que equívocos, sobretudo no que não é dito e no que é implícito. Se Larson não é tão brilhante, ao menos seus coadjuvantes são, em especial Jackson e Mendelsohn, que pavimentam bem o caminho para que a personagem heroica consiga atingir seu apogeu, a despeito até do fraco desempenho de Law no ingrato papel que lhe cabe. Ao menos nesse filme não existe a mesma problemática de tantos outros filmes de origem, embora seja um pouco necessário ter assistido Capitão América: O Primeiro Vingador e Guardiões das Galáxias para relembrar alguns personagens e situações. As cenas pós-créditos pouco acrescentam e ao menos neste filme não se justifica o fato de Fury não ter chamado através do pager uma mulher tão forte e poderosa em Vingadores, Vingadores: Era de Ultron ou em Capitão America: O Soldado Invernal, e as possibilidades para o futuro da Marvel nos cinemas seguem como antes do lançamento do filme, intactas, abrindo a possibilidade para talvez terem histórias mais fechadas em si, como esta, onde o escapismo e a falta de pretensão cronológica possam reinar de modo livre e sem pudor de ser somente isso.

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