Tag: Brie Larson

  • Crítica | Descompensada

    Crítica | Descompensada

    Descompensada começa na infância da personagem Amy Townsend. Ela ao lado da irmã conversam com o pai, um homem que tenta explicar a crise em seu casamento com uma comparação esdrúxula, contrapondo as brincadeiras com bonecas no mesmo pé de igualdade com as traições conjugais que cometeu. Isso a marca de tal forma que mesmo adulta, já vivida por Amy Schumer, segue desacreditando por completo na monogamia de modo que ela não consegue manter uma relação por muito tempo.

    Judd Apatow faz mais uma comédia de situações bizarras. Já havia abordado os celibatários veteranos em O Virgem de 40 Anos, a gravidez indesejada em Ligeiramente Grávidos, a crise de meia idade em Bem-Vindo aos 40 e aqui usa a figura desconstruída de Schumer (também roteirista do longa) para brincar com a inadequação que algumas mulheres tem em lidar com o sexo casual, embora para ela a melhor opção seja não ter um par fixo. Obviamente a condição muda com o tempo, afinal, cinema é conflito. Mas o modo como ela encontra Aaron Conners (Bill Hader) que pode ser seu “outro alguém” é bastante bizarro e curioso. Amy é escalada para escrever uma matéria com um médico esportivo. Mesmo considerando os esportes como um modo de entretenimento inferior, sua possível promoção depende dessa matéria.

    Por mais que Schumer não varie tanto seus papeis, Townsend é bem diferente dela. Uma personagem hilária, humana, espirituosa e de espírito indomável, passiva em vários momentos (sobretudo os que envolvem seus familiares) e com um senso de humor único. Ela está sempre entediada, e seu incômodo produz momentos ótimos. As cenas humorísticas variam entre a sua dificuldade em se relacionar e momentos peculiares de seu trabalho como quando ela vomita ao assistir uma operação. Boa parte dessas piadas são mudas, Apatow sabe utilizar bem os dotes da humorista.

    A relação entre Aaron e Amy se desenrola muito bem, por mais que tenham personalidades e modos de encarar a vida bem diferentes, eles formam um belo par, e se relacionam de maneira interdependente, em que ambos se doam, a sua maneira, para suprir a carência e as necessidades um do outro, mesmo que estarem juntos fosse algo improvável.

    Os personagens secundários, mesmo com pouco tempo de tela, tem algum destaque, como Kim, irmã da protagonista, interpretada por Brie Larson. Ou um sujeito fanático por alimentação saudável e malhação, interpretado por John Cena, que fica com Kim. Alias, envolvendo essa relação, as cenas de sexo são bem feitas, tão constrangedoras como as de O Virgem de 40 Anos e em outros momentos da filmografia do diretor.

    O filme possui a participação especial de LeBron James, o jogador de basquete à época no Cleveland Cavaliers, que interpreta a si mesmo, tal qual Kevin Garnett fez em Joias Brutas. Aqui ele é um paciente de Aaron e um amigo super protetor dele, sendo até conselheiro amoroso do médico, além de muito preocupado com o parceiro. Os momentos entre eles beiram o genial, os dois tem um bom entrosamento, seja nas discussões ou nas disputas dentro de quadra.

    Descompensada é uma boa comédia sobre inadequações e sobre a dificuldade em aceitar a si mesmo, em que seus personagens não tem qualquer receio em fazer piada de suas próprias tristes figuras, fundamentando-se bem na dupla de protagonistas, dois bons atores de comédia que estão bem entrosados.

  • Crítica | Vingadores: Ultimato

    Crítica | Vingadores: Ultimato

    Não é de hoje que vinha sendo dito que Vingadores: Ultimato marcaria o encerramento da Saga do Infinito, que começou lá em 2008 com Homem de Ferro e que se estendeu por 11 vitoriosos anos e 22 filmes, ao todo. As Joias do Infinito foram aos poucos sendo introduzidas e cada filme mostrava um pouco daquilo que estava por vir. Tudo muito bem programado e arquitetado pela Marvel, que se mostrou uma estrategista sem igual no que diz respeito ao planejamento. Obviamente, ao longo de 22 filmes, vimos uma montanha russa no quesito qualidade. Alguns filmes são realmente bons, como o ótimo Capitão América: O Soldado Invernal, ou como o primeiro Guardiões da Galáxia, sendo que outros são bem fraquinhos e que não vale a pena nem comentar. Aliado a isso, tivemos o início desse encerramento em Vingadores: Guerra Infinita, que foi um dos grandes momentos da história do cinema, reunindo num só filme os principais heróis dessas histórias contadas por mais de 10 anos. E é com Vingadores: Ultimato que esse ciclo se encerra.

    Após reunir todas as Joias do Infinito, Thanos (Josh Brolin) dizimou metade da população de todo o universo e o filme se inicia bem nesse momento para, logo em seguida, situar seus principais personagens, como os Seis Originais, vividos por Capitão América (Chris Evans), Homem de Ferro (Robert Downey Jr.), Thor (Chris Hemsworth), Hulk (Mark Ruffalo), Viúva Negra (Scarlett Johansson) e Gavião Arqueiro (Jeremy Renner), juntamente com Máquina de Combate (Don Cheadle), Homem-Formiga (Paul Rudd) e os Guardiões da Galáxia, Rocket Racoon (voz de Bradley Cooper) e Nebulosa (Karen Gillan), sobreviventes no filme anterior. Se Guerra Infinita tinha uma pegada mais urgente e ainda assim sobrou tempo para trabalhar os personagens, em Ultimato, esse tempo não existe e se o espectador não for ligeiro, ficará sem entender nada em alguns momentos. Inclusive, vale destacar que algumas das teorias são verdadeiras e muitas coisas que fãs acreditavam que aconteceria, realmente acontecem! Só que ninguém falou que aconteceria logo na primeira meia hora de fita e o desenrolar, aos poucos, vai perdendo aquele tom de obviedade, tornando tudo uma grata surpresa.

    Importante dizer que Ultimato é bem diferente de seu antecessor, Guerra Infinita, tanto no que diz respeito ao tom, quanto no que diz respeito ao rumo que cada personagem tomou após o drástico evento. Embora parte dos Vingadores estivesse operando em vários locais do mundo e tentando seguir a vida da maneira como podem, outros foram terrivelmente afetados pela aniquilação. Alguns foram para caminhos muito sombrios e outros foram para caminhos extremamente bizarros e desnecessários. Estes em específico causaram uma notória divisão dentro da sala do cinema. Parte ria, parte se revoltava, principalmente com os rumos tomados por Thor, que foi a maior surpresa de Guerra Infinita.

    É interessante como os diretores Joe & Anthony Russo e os roteiristas Christopher Markus e Stephen McFeely se propuseram a criar uma história mais intrincada e épica que a anterior. Embora conte com um número mais reduzido de personagens, a missão dos Vingadores é maior e cheia de detalhes, sem contar que é a mais audaciosa de suas vidas. Audacioso também é o desafio proposto pela equipe criativa, porque paralelamente à história principal, após sua primeira hora, dá-se início a uma série de homenagens e surpresas que celebram os mais de 50 anos de histórias da Marvel Comics, além de celebrar os 11 anos do seu Universo Cinemático – UCM. São tantos detalhes, que talvez seja necessário um texto inteiro para apontar esses acontecimentos, que são desde cenas inteiras, passando por frases marcantes. E é aí que nas duas horas seguintes você para de analisar o filme com frieza e volta a ser criança, principalmente no último ato, quando a sala do cinema se entrega de vez à diversão, algo que acontece até o último segundo.

    Se Guerra Infinita era um filme sobre Thanos, Ultimato é um filme sobre os Vingadores. E é impressionante como Gavião Arqueiro, Viúva Negra, Homem de Ferro e Capitão América se destacam no meio de tanta coisa acontecendo ao mesmo tempo. Robert Downey Jr e Chris Evans tem uma atuação de gala e entregam neste filme suas melhores atuações no UCM. A carga emocional que os personagens enfrentam do primeiro ao último minuto de tela é transportado para os olhos do espectador com maestria pelos atores. Não é a toa que os (vários) melhores momentos do filme são protagonizados pelo Homem de Ferro e pelo Capitão América. E não é a toa que os momentos mais emotivos também são protagonizados pelos dois.

    Emoção é um sentimento que define bem Vingadores: Ultimato. Um filme que não só fecha a Saga do Infinito, mas que também coloca ponto final nos arcos de vários personagens, fecha algumas portas, abre outras e principalmente encerra um ciclo de pouco mais de uma década que foram relevantes para a história do cinema. Inclusive, após o seu final, o título original em inglês, Endgame passa a fazer mais sentido do que nunca. A Marvel Studios sai de cabeça erguida e com a promessa de se manter no topo, mas com um novo e mais complicado desafio. Avante, Vingadores!

    Texto de autoria de David Matheus Nunes.

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  • Crítica | Loja de Unicórnios

    Crítica | Loja de Unicórnios

    As primeiras cenas da vida de Kit aparecem na tela em gravações caseiras datadas do início dos anos 1990, quando ela ainda era um bebê, e seguem seu crescimento. O filme protagonizado e dirigido por Brie Larson foi exibido durante festivais pelo mundo em 2017, e mostra a personagem deprimida após ser expulsa da faculdade de arte, tendo que voltar a morar com seus pais

    Loja de Unicórnios tem como ponto de partida o sentimento de autocomiseração de sua protagonista, que passa seus dias sentada ou deitada vendo desenhos infantis antigos. Ela literalmente não tem vontade para nada até que seus pais permitem que Kevin (Karan Soni), seu antigo amigo se aproxime. O tom de melancolia só aumenta, e a música de Alex Greenwald aprofunda esse sentimento de tristeza.

    Ao ser admitida em um emprego burocrático, num escritório, ela tem contato com pessoas mesquinhas e fúteis. O roteiro de Samantha McIntyre mostra essas personagens com lente de aumento. Kit conhece o personagem de Samuel L. Jackson por meio de um convite estranho, mas o primeiro contato de ambos é acompanhado de uma recusa da parte dela, procurando ser mais organizada e agir como adulta, fazendo tarefas repetitivas sem sentido típicas da rotina do trabalho corporativo.

    O filme começa bem na função de debochar das grandes empresas e das pessoas sem perspectiva que se empregam nesses lugares, mas no decorrer do longa ele acaba se perdendo demais em meio a essa crítica, soando bobo e infantil, tornando Kit uma personagem imatura e incapaz de ouvir “não”. Kit não aprende com as pancadas que a vida lhe dá, ao contrário, ao ganhar uma nova missão que poderia dar um novo significado a sua vida ela simplesmente se perde.

    Boa parte do elenco é sub-aproveitado, Hamish Linklater e Mamoudou Athie só parecem estar ali para cumprir contrato, o que é estranho visto ser um filme independente e barato. O final tenta conversar com uma filmografia mais cult e menos mainstream, revelando semelhanças e reverência ao cinema de Miranda July mas sem conseguir replicar o mesmo espírito, caráter e abordagem nonsense, por isso, acaba parecendo mais um panfleto de auto-ajuda mal pensado e pretensioso, um conto estranho sobre personagens que se julgam superiores unicamente por não se encaixar nas regras que a sociedade impõe, no entanto, não há um bom drama bom a explorar nesse quesito, afinal eles não são vítimas sociais, nem tem uma condição de vida precária ou algo que o valha. Nem mesmo a entrega de Larson salva o filme da mediocridade, ao contrário, faz ele parecer ainda mais arrogante.

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  • Crítica | Capitã Marvel

    Crítica | Capitã Marvel

    Cercado de muitas expectativas, Capitã Marvel finalmente chega aos cinemas, dirigido pela dupla Anna Boden e Ryan Fleck, mais de dez anos depois do marco inicial do universo compartilhado da Marvel, com o Homem de Ferro de John Favreau, e o resultado é um filme divertido e despretensioso, mas que tem um desenvolvimento inicial um pouco desnecessário.

    Carol Danvers (Brie Larson) nos quadrinhos sempre foi uma personagem controversa, teve fases entre os codinomes de Miss Marvel, Binária e Warbird em que tratou de temas pesados como alcoolismo e abuso sexual, e de certa forma, o ponto de início da personagem no filme conversa com isso, estabelecendo no roteiro que a heroína teve um passado que não se recorda, e por algum motivo, não há esforço ou curiosidade para se explorar esse ponto. É como se ela estivesse se distanciando dessa época, simplesmente pelo fato de ali habitar traumas tão grandes que fazem a moça esquecer quem era.

    A composição visual desta parte soa estranha e artificial, bastante genérica, curiosamente há um efeito oposto ao visto em Homem de Aço, com Krypton sendo a melhor configuração visual do filme de Zack Snyder para logo depois cair sobre um texto sofrível. Em Capitã Marvel ocorre o exato oposto disso. Neste ponto há uma boa relação do personagem de Jude Law com a protagonista, variando entre a figura do mentor, preocupado com sua talentosa aprendiz, e o sujeito castrador, que impede sua aluna de voar, apelando sempre para o clichê da humanidade, de que ela é muito emocional, afirmando que isso atrapalha sua função de protetora da cultura Kree. A grande questão é o que ocorre depois, onde as curvas dramáticas de certa forma invertem um pouco o sentido desse relacionamento, e caem sobre clichês batidos. Essa pecha de desqualificar a pessoa por conta das suas emoções é um clichê muito utilizado para desqualificar as mulheres e a maior riqueza do roteiro é a desconstrução desta questão, resultando inclusive nesse ser o diferencial da personagem enquanto guardiã da justiça.

    O retorno à Terra é sem dúvida nenhuma um dos melhores momentos do longa. Tudo que envolve a chegada da heroína ao planeta é carregada de paranoia extrema, que começa pelo conflito entre Krees e Skrulls. Essa dicotomia traz ecos da Guerra Fria, e é acertada demais à época em que o filme de passa, nos anos noventa, com a humanidade que já viveu a Guerra Fria e que se permite não ser mais tão maniqueísta e preocupada quanto os dois povos em conflito. De inteligente também existe o comentário sobre o quão vazias podem ser as razões para a guerra, além da desconstrução da demonização de ambos os lados, pois durante as mais de duas horas de filme os dois povos alienígenas são mostrados como cruéis e honrados quase na mesma medida.

    O Nick Fury de Samuel L. Jackson se torna um coprotagonista, a quantidade de tempo e de importância que tem no filme talvez seja maior do que toda a soma de suas participações nos outros capítulos do MCU. A reconstrução visual de sua juventude é muito bem feita, a maquiagem o deixa mais jovem e ele claramente está em boa forma. Não faz lembrar o seu personagem Zeus em Duro de Matar: A Vingança, mas ainda assim ele aparenta ter entre 30 e 40 anos. Boa parte das piadas e momentos engraçados do longa passam por ele, e a relação entre ele e a personagem-título flui muito bem entre o receio mútuo dos dois e a parceria franca e crédula. A dinâmica de filmes policiais com parceiros diferentes funciona bem demais, fazendo o fracasso de Homem de Ferro 3 soar ainda maior por ter tentado isto com os filmes da Marvel e simplesmente não ter conseguido.

    As piadas com a tecnologia descartável da década de 90 são muito boas, e apesar de não ter um vilão muito inspirado tal qual a maioria absoluta dos filmes da Marvel, as relações de Capitã Marvel são muito críveis, seja as de Larson com Annette Benning, que faz uma mentora que se baseia em um personagem clássico dos quadrinhos, mas com diferenças importantes, ou com Talos, o personagem de Ben Mendelsohn, que faz um sujeito desconfiado, sorrateiro mas que é capaz de travar uma amizade que varia entre a rivalidade e a cooperação amistosa com Fury — aliás poucas vezes se viu uma versão tão acertada e diferenciada dos Skrulls quanto aqui.

    Há uma outra relação interessante, embora não tenha muito tempo de tela, entre Danvers e sua amiga e antiga copilota Maria Rambeau, interpretada por Lashana Lynch, que além de carregar o sobrenome da personagem Monica Rambeau (a primeira Capitã Marvel), ainda dá ares de antigo par romântico de Danvers, ainda que isso não seja dito com todas as letras, de qualquer forma é louvável que tenha se levantado essa possibilidade, ainda mais se tratando de um filme feito para o público nerd, que tem sido um reduto de conservadores nos últimos anos.

    Apesar de alguns problemas com a história muito formulaica, a obra de Boden e Fleck tem mais acertos do que equívocos, sobretudo no que não é dito e no que é implícito. Se Larson não é tão brilhante, ao menos seus coadjuvantes são, em especial Jackson e Mendelsohn, que pavimentam bem o caminho para que a personagem heroica consiga atingir seu apogeu, a despeito até do fraco desempenho de Law no ingrato papel que lhe cabe. Ao menos nesse filme não existe a mesma problemática de tantos outros filmes de origem, embora seja um pouco necessário ter assistido Capitão América: O Primeiro Vingador e Guardiões das Galáxias para relembrar alguns personagens e situações. As cenas pós-créditos pouco acrescentam e ao menos neste filme não se justifica o fato de Fury não ter chamado através do pager uma mulher tão forte e poderosa em Vingadores, Vingadores: Era de Ultron ou em Capitão America: O Soldado Invernal, e as possibilidades para o futuro da Marvel nos cinemas seguem como antes do lançamento do filme, intactas, abrindo a possibilidade para talvez terem histórias mais fechadas em si, como esta, onde o escapismo e a falta de pretensão cronológica possam reinar de modo livre e sem pudor de ser somente isso.

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  • Crítica | O Castelo de Vidro

    Crítica | O Castelo de Vidro

    Você já teve a oportunidade de assistir o filme Short Term 12? Se não, assista, é um filme de 2013 lindamente escrito e dirigido por Destin Daniel Cretton e entrega uma atuação de Brie Larson superior até do que sua atuação em O Quarto de Jack, que a rendeu o Oscar. Os dois, Destin e Brie, refizeram a parceria no ano passado em O Castelo de Vidro e o resultado não poderia ter sido mais decepcionante.

    O filme é baseado no livro escrito por Jeannette Walls (personagem de Larson) e conta sua história real (pode ser encontrado aqui ou aqui). Revezando entre o início da década de 90 e flashbacks de sua infância, acompanhamos Jeannette, suas duas irmãs e um irmão e a relação com seus pais nômades e disfuncionais, a mãe é uma artista frustrada e o pai, grande centro da história, é um alcoólatra.

    O longa é mais do que qualquer coisa um filme confuso, enquanto a temática vai se revelando cada vez mais pesada e complexa, o longa faz questão de ir jogando panos quentes e evitando que determinadas vertentes não sejam tão aprofundadas ou tenham o espaço suficiente para serem notadas pelos olhos mais desatentos. Rex, o pai da família e interpretado por Woody Harrelson, é um personagem detestável e esse é o maior gás do filme, são as ações controversas desse pai de família que fazem a história de Jeannette tão interessante, e o próprio ator entendeu isso muito bem e entrega uma das suas maiores atuações da carreira, mas isso acaba sendo invisibilizado pelo melodrama barato que o diretor injeta nessa problemática.

    A mãe, que é interpretada por Naomi Watts, não chega nem a ser de fato uma personagem, ela está sempre nos fundos, reagindo ás coisas e soando cada vez mais caricata, até a maquiagem feita em Watts para lhe fazer parecer mais velha é caricata. O trabalho da atriz é o pior de sua carreira e não que isso seja total culpa sua, é clara a falta de interesse que o roteiro tem em tridimensionar a personagem, assim como outros personagens e temas. Ela só não fica atrás do noivo de Jeannete, que além de ser outro personagem caricato, é sem personalidade e protagoniza as cenas mais vergonhosas e desinteressantes do longa.

    Assim como Harrelson, a protagonista também entendeu sua personagem mais do que o diretor e entrega bons momentos, mas absurdamente prejudicada pela direção não inspirada de Destin. Direção essa que faz bem em retratar várias fases do espírito norte-americano, é notável o objetivo do cineasta em recriar ideais norte-americanos através das décadas, ainda mais quando se fala em polaridade, mas ele falha quando vai contar a história de seus personagens.

    O Castelo de Vidro entretém, pode se relacionar com muitos filhos e pais e até emocionar, mas é o tipo de filme que precisava de um olhar minucioso e responsável, não que o filme não possa ser inspirador ou “bonito”, mas que faça isso de forma coerente, não é te forçando a gostar de um personagem que você acabou de ver deixar os filhos três dias sem comida, ainda mais sem dar mais camadas a ele. Faltou coragem e uma mão firme para contar essa história, o final tenta triunfar ao falar sobre perdão e legado, mas sabe-se que nada disso funciona quando o caminho até ali não foi bem construído. Então repito, se quer ver um bom filme, que trate de temas complexos, perdão e família, deixe este filme de lado e dê uma chance a Short Term 12.

    Texto de autoria de Felipe Freitas.

  • Crítica | Kong: A Ilha da Caveira

    Crítica | Kong: A Ilha da Caveira

    King Kong foi imaginado originalmente em 1933, clássico pro seus efeitos visuais e pela história poderosa de amor entre uma fera gigantesca e sua musa. A relação entre doçura e ferocidade animalesca de um gorila gigante, tão assustado quanto brutal, tão perigoso quanto amoroso. A cena no topo do Empire States Build provavelmente é uma das mais famosas do cinema, tão perfeita é sua criação. Anos após e diversos filmes revisitaram sua história, em versões mais ou menos fiéis, incluindo uma versão com o intuito de praticamente reproduzir o original, e lindamente filmada por Peter Jackson.

    Kong: A Ilha da Caveira se afasta de praticamente todos seus anteriores ao não só focar em um trecho bastante específico da mitologia do herói gorila, que é seu reinado na ilha da caveira, como em uma época bastante específica, que é o período da Guerra do Vietnã. A datação é inclusive usada como justificativa para o achado da ilha fantástica, coberta por tempestades magníficas e quase inacessível. Também faz parte de algo maior, já anunciado pela Warner e Legendary, parte de um universo todo de monstros gigantes que inclui o Godzilla de 2014. Percebe-se alguma ressonância nos dois filmes, principalmente na intenção de expor uma visão ecológica desses animais fantásticos.

    Eu sou a morte, o destruidor de mundos

    A mensagem é aquela, mais bem trabalhada em Godzilla que em King Kong, de que a natureza é poderosa e age independente de nossa pequenez. Como se fôssemos insetos, ela passa por nós todos os anos, seja com tsunamis, furacões, terremotos devastadores, erupções vulcânicas e toda sorte de intempéries. A natureza nos ignora, e somos resultado dessa displicência. A nós e nossa falsa sensação de magnitude, nosso reinado de sal, nosso olhar de folha e pensamento de raiz, olhando de cima todo o mundo enquanto pensamos de maneira primitiva e irracional. Nosso sabor pela guerra, a visão de um inimigo à espreita em cada esquina e a necessidade de destruir uns aos outros e tudo aquilo que nos cerca. O ser humano como um vírus pronto para ser expurgado. Mas os anticorpos não são os monstros protagonistas, seja King Kong ou Godzilla. Eles são os reis benevolentes que em sua não necessidade de compaixão, demonstram benevolência. King Kong é nosso herói, o rei leal e piedoso, atento ao sofrimento e pressionado na amargura da solidão de ser único. Único tal qual é cada um de nós. Um universo inteiro em uma casca de noz. O problema sempre está em impor este universo particular ao outro e assim achar que se é o único universo.

    O antagonismo é representado em duas frentes, os lagartos da caveira, animais gigantes de design impiedoso, com falsos olhos demoníacos, e o general interpretado por Samuel L. Jackson. Ambos representam a face da morte, seja a morte da seleção natural, seja aquela imposta por nossa seleção artificial e empáfia na escolha sobre quem vive e quem morre. Parafraseando o brilhante cientista Oppenheimer, chefe de pesquisas do projeto Manhattan, que desenvolveu as primeiras bombas nucleares e todo o seu conceito, ao citar Bhagavad Gita diante do sucesso do projeto. A citação refere-se à cena onde Vishnu ao persuadir o príncipe a cumprir seu dever, para pressiona-lo ergue-se em sua forma com múltiplos braços:

    “Agora eu tornei-me a Morte, a destruidora de mundos”.

    Kong: A Ilha da Caveira pode ser definido de diversas formas, mas dificilmente será enquadrado em algo, seja gênero ou tom. A forma como melhor se define este filme é como algo genuinamente único, mesmo que nem sempre bom. É um filme pensadamente híbrido,usando diversas referências da cultura pop de forma natural e poderosa. Estrelas ninjas nas mãos de gorilas, samurais, bom humor, non sense, quebras de expectativa que surpreendem com competência e ousadia, diversas homenagens à clássicos do cinema como Apocalipse Now, uma cafonice linda e elegante, Tom Hiddlestom com uma espada só por que ele fica lindo na cena. Tudo está lá, e a dinâmica na mudança de tom do filme acontece na maioria das vezes de forma orgânica.

    Falta, porém, personagens que fossem além de peças para o roteiro. Ao menos seus protagonistas, pois apesar de Brie Larson destacar-se em sua interpretação e entrega de uma heroína, que em outros tempos mocinha pronta para ser salva, falta um pouco mais de elaboração e tempo de tela para que seja possível identifica-la como o eixo da história de amor entre vida e natureza, coisa que fica subentendida por repetidamente o filme olhar em volta a partir da visão de sua câmera, delicada e atenta as belezas ao redor, garantindo À ela uma sabedoria anti-destruição.

    A beleza do filme emociona diversas vezes, e é talvez um dos filmes mais bonitos feitos por Hollywood nos últimos anos, pareado com Mad Max: Estrada da Fúria. O filme esmera-se em fazer de cada cena uma pintura, sejam nas poses ensaiadas e estereotipadas de suas personagens, seja na forma como filma a destruição como um misto de beleza e sadismo.

    Diante de tanta beleza e ousadia, torna-se difícil não se esforçar pra amar o filme. Porém sua montagem repetidamente confunde a ordem dos acontecimentos e apressa o passo da história; há uma necessidade de alcançar check points de quem irá morrer agora que, apesar de surpreender, tornam as mortes e vidas dos personagens um pouco descartáveis fazendo com que esqueçamos quem ainda está vivo e quem não. Algumas de suas cenas parecem trechos de um filme melhor do que este que vemos montado, e isso somado à grande quantidade de personagens relevantes e a baixa densidade de suas elaborações, em alguns momentos fica difícil se engajar no ritmo que o filme tenta impor. Um filme necessário pela forma como enxerga o mito do King Kong e a forma como enxerga entretenimento, de maneira artística e elegante, Kong: A Ilha da Caveira é um bela obra de arte, mas que eventualmente se esvazia e transborda em sua grandeza, desperdiçando parte daquilo que poderia ser.

    Texto de autoria de Marcos Paulo Oliveira.

  • Crítica | O Quarto de Jack

    Crítica | O Quarto de Jack

    O Quarto de Jack - poster

    Um ano após realizar Frank, obra metafórica sobre a criação artística, o diretor Lenny Abrahanson volta às telas em O Quarto de Jack, produção com maior apelo cinematográfico e com maior sensibilidade em sua narrativa. Baseada no romance de Emma Donoghue, a qual também assina o roteiro, a obra apresenta a delicada história de Joy e seu filme Jack, isolados em um quarto há sete anos, cativos de um homem conhecido como Velho Nick.

    O difícil tema do abuso sexual e psicológico vivido pelas personagens é narrado sob a ótica do garoto Jack ao recém completar cinco anos de idade. Local em que é concebido, o quarto, ao qual o título original se refere, representa o mundo palpável do garoto. A escolha de uma criança como ponto de vista narrativo faz parte de uma vertente literária que transforma a voz infantil em um observador diferente do usual, nem sempre capaz de compreender com profundidade os atos dos quais é testemunha. Obras como Pelos Olhos de Maisie, de Henry James, e Extremamente Alto e Incrivelmente Perto de Jonathan Safran Foer partem de premissas comuns a diversos romances mas reciclam seu contexto ao explorar a psicologia infantil dentro de situações-limite. Inserido neste contexto, o menino é como um personagem criado com lobos, vivendo uma visão à parte daquela narrada pela mãe e vista na televisão. Sob um espaço determinado e condicionado a uma situação desde que nasceu, o garoto observa a tudo com intensa novidade, mesmo que seja um observador limitado, como um representante de um mito da caverna.

    Mesmo sendo uma história ficcional, o enredo atinge o espectador pelo choque e se transforma em um símbolo que representa de maneira ampla, devido ao alcance do cinema, os casos anônimos de sequestro e cárcere privado. A escolha de adaptar um romance ficcional diante de histórias reais sobre casos de sequestro é favorável na exploração dramática do roteiro sem recorrer a liberdades artísticas para esconder nomes ou intensificar o relato. Ainda que não seja um testemunho, a veracidade da história se projeta em casos reais, como o de Jaycee Dugard, raptada aos onze anos de idade e encarcerada nos 18 anos seguintes em um local semelhante ao visto na produção. Autora do livro Vida Roubada, sobre seu longo período vivendo sobre o jugo de uma família, Dugard narra sem nenhuma projeção o drama vivido ano após ano em companhia de seu captor. Se literariamente a obra não transcende nenhuma barreira, é forte suficiente pelo intenso relato.

    A trama delimita bem o espaço-tempo em cena, desenvolvendo tanto a intensa agonia das personagens no cárcere, e a maneira pela qual mãe e filho se unem para viver um universo paralelo sob o peso da dor, como demonstrando quanto seria difícil um processo de adaptação de volta à sociedade. A narrativa é bem conduzida no limite entre um tema explosivo, de alto impacto, e a vertente dramática, ainda que em sua parte final o drama se estabeleça em um tom mais leve do que inicialmente. Em cena, Brie Larson se destaca centralizando a agonia dos anos aprisionada e a dor de uma personagem que perde a liberdade devido ao delito doentio de outra pessoa. À procura de verossimilhança para a interpretação, a atriz revelou que se condicionou em espaços fechados para compreender a sensação de aprisionamento de sua personagem. Sem recorrer a uso de maquiagens, aliado a uma fotografia pálida de Danny Cohen, O Quarto de Jack se transforma em uma cruel representação da realidade em um bom drama.

  • Crítica | Como Não Perder Essa Mulher

    Crítica | Como Não Perder Essa Mulher

    Para um espécime do sexo masculino, é natural entender o que move a psiquê do personagem de Joseph Gordon Levitt, chamado de Don Jon por seus amigos devido a sua fama de conquistador. Ele é claramente um ninfomaníaco, porém afirma que não há nada no mundo como a pornografia, nem mesmo o sexo. Sem muitos rodeios, o discurso é proferido pelo protagonista, frustrado por não conseguir na vida real quase nada do gozo idealizado pelos X rate movies.

    Questões como sexo oral e a necessidade de reciprocidade, as posições pouco vantajosas para quem gosta de analisar as curvas femininas durante a transa, entre outros apontamentos, são argumentos válidos se o espectador estiver inserido na mesma linha de pensamento do protagonista. A evolução disto é a constatação da solidão, clichê típico de uma comédia romântica, gênero em que o ator/realizador sente-se muito à vontade. No entanto, neste filme, as regras são levadas ao limite, exageradas propositalmente para alcançar um público pouco usual do filão.

    A quebra de expectativa, quando Jon não conquista o sexo imediato com a nova parceira, funciona para ele, pois desperta curiosidade e consequente idealização que ele não conseguiria sustentar com seus hábitos antigos. Inclusive, a quebra da rotina se torna menos árdua quando o objeto de adoração é Scarlett Johansson (Barbara). Ao contrário dos filmes água-com-açúcar, há um bocado de pimenta nesta película, ainda que seja acompanhada de um irremediável corta-gozo.

    A cena que registra um dos flagras é filmada com a câmera na mão, emulando a improvisação – e com ela a típica desculpa dos parceiros Y a suas cônjuges X de que o flagrante foi um incidente isolado, quando claramente não o é. Demonstra-se, com isso, a obsessão do personagem em encontrar alternativas para consumir vídeos adultos quando não os consegue em sua casa, acompanhado de Barbara.

    Curioso como a Igreja pede uma menor penitência quando a pornografia é interrompida na vida de Johnny, como se  o fato de consumi-la fosse mais culposo que o de ter relações de verdade, o que demonstra como a sociedade culpa o voyeurismo de forma demoníaca. Conviver com os próprios pecados não é um grave problema para Johnny, visto que este administra suas penitências através do treinamento físico, tentando levar o aprimoramento do corpo junto a seu pretenso perdoado espírito, ainda que, em última análise, ele se sinta culpado por tudo.

    A possessividade de sua parceira o faz sentir-se invadido. Ainda que o seu receio seja o de ser descoberto, a preocupação retratada em tela pode ser encarada como metáfora para praticamente qualquer questão de relacionamento vista como empecilho. Há um bocado de crítica à vaidade excessiva e ao narcisismo, ao egocentrismo, e, é claro, à enorme tendência de um relacionamento cair nestas armadilhas, ao invés de ser baseado em trocas – de amor, carinho e respeito –  e tornar-se uma relação de puro interesse mesquinho.

    O sorrisinho sem graça que o personagem sempre carrega quando se retira de sua idílica rotina evidencia que ele se enxerga como o errado. Don Jon é centrado na atuação de Joseph Gordon Levitt e sua direção é um exercício de valorização de seus dotes dramatúrgicos. O filme é um épico sobre um rapaz numa jornada (um tanto tardia) rumo ao amadurecimento e à aceitação que depende de outros seres humanos – no fim ele é só mais uma alma amargurada e carente. E, neste ponto, nada difere dos heróis das comédias cor-de-rosas: o foco no alvo errado, o aprendizado, a mutação do herói, a trajetória edificante.

    Para os mais incautos, Como Não Perder Essa Mulher pode ser um filme tocante – e ele pretende ser, mas não acerta nisso. No entanto, os acertos são maiores que os erros. As atuações são competentes, especialmente a da mentora que Juliane Moore exerce. No entanto, o mérito especial certamente vai para a desconstrução inofensiva dos contos de fadas para o público masculino.