A série do Gavião Arqueiro, personagem criado por Stan Lee e Don Heck, lida com muitos assuntos: as repercussões de Vingadores: Ultimato, a morte da Viúva Negra, a culpa de Clint Barton em sua fase como Ronin e o treinamento de sua pupila. Por mais que o seriado de Jonathan Igla não seja tão audacioso em seu roteiro, acaba se perdendo em meio a todos esses objetivos.
De positivo, há o bom ingresso da personagem Kate Bishop, interpretada por Hailee Steinfeld, que faz um bom dueto com Jeremy Renner. Sua personagem tem um passado ligado ao heroísmo do personagem-título, e remonta aos Vingadores de Joss Wheddon, e sua motivação é bem desenvolvida — ainda que apressada —, mas os aspectos de qualidade param por aí.
Antes da pandemia, quando estavam em produção Wandavision, Falcão e o Soldado Invernal e Loki, havia a promessa por parte de Kevin Feige de que as produções anteriores, comandadas por Jeph Loeb seriam esquecidas, contando aí a subestimada Agentes da SHIELD, como também Demolidor, Jessica Jones, Inumanos, etc. Ainda não se sabe se esse trato foi descumprido, ainda mais após o advento de Homem-Aranha: Sem Volta Para Casa e tudo que o filme trouxe em participações e outras consequências, mas o desenrolar da série abre uma possibilidade mínima de que, ao menos em parte, as outras produções podem alguma influência.
O drama da série é urbano, mostrando a violência das grandes cidades. Como já se deu em outras séries de heróis urbanos envolvendo a parceria Marvel e Netlix. Além disso, o seriado brinca com os clichês de Nova York, arrumando espaço até para um número musical da Broadway, em um dos momentos mais inspirados em termos de humor na série.
Outro bom ponto é o drama de Clint, visto no desenrolar das desavenças do procedimento do Ronin, mas a busca frenética prometida na gênese é interrompida para dar vazão a uma enrolação e plots de vingança um pouco redundantes, além de não gerar interesse no espectador.
Mesmo tendo só seis episódios há muita enrolação, e nem mesmo participações de personagens como o Espadachim (Tony Dalton) e Yelena Belova (Florence Pugh) salvam a trama. Há um problema claro de ritmo. Metade da temporada é absolutamente parada, não se desenvolve quase nada, no máximo se apresentam easter eggs de personagens cuja aparição deveria ser bem guardada. É muito pouco.
Gavião Arqueiro não tem uma segunda temporada garantida, embora seus diretores tenham mostrado entusiasmo para um possível retorno. Fora a interação, ao estilo Máquina Mortífera, entre os protagonistas, não há com o que se empolgar. Fica a expectativa de que a série consiga trazer o roteiro de uma segunda temporada que faça jus a construção visual apresentada nessa temporada inicial, visto que o texto está abaixo da mediocridade típica das séries de heróis de quadrinhos recente, tanto em versões da Marvel quanto de suas concorrentes.
Não é de hoje que vinha sendo dito que Vingadores: Ultimato marcaria o encerramento da Saga do Infinito, que começou lá em 2008 com Homem de Ferro e que se estendeu por 11 vitoriosos anos e 22 filmes, ao todo. As Joias do Infinito foram aos poucos sendo introduzidas e cada filme mostrava um pouco daquilo que estava por vir. Tudo muito bem programado e arquitetado pela Marvel, que se mostrou uma estrategista sem igual no que diz respeito ao planejamento. Obviamente, ao longo de 22 filmes, vimos uma montanha russa no quesito qualidade. Alguns filmes são realmente bons, como o ótimo Capitão América: O Soldado Invernal, ou como o primeiro Guardiões da Galáxia, sendo que outros são bem fraquinhos e que não vale a pena nem comentar. Aliado a isso, tivemos o início desse encerramento em Vingadores: Guerra Infinita, que foi um dos grandes momentos da história do cinema, reunindo num só filme os principais heróis dessas histórias contadas por mais de 10 anos. E é com Vingadores: Ultimato que esse ciclo se encerra.
Após reunir todas as Joias do Infinito, Thanos (Josh Brolin) dizimou metade da população de todo o universo e o filme se inicia bem nesse momento para, logo em seguida, situar seus principais personagens, como os Seis Originais, vividos por Capitão América (Chris Evans), Homem de Ferro (Robert Downey Jr.), Thor (Chris Hemsworth), Hulk (Mark Ruffalo), Viúva Negra (Scarlett Johansson) e Gavião Arqueiro (Jeremy Renner), juntamente com Máquina de Combate (Don Cheadle), Homem-Formiga (Paul Rudd) e os Guardiões da Galáxia, Rocket Racoon (voz de Bradley Cooper) e Nebulosa (Karen Gillan), sobreviventes no filme anterior. Se Guerra Infinita tinha uma pegada mais urgente e ainda assim sobrou tempo para trabalhar os personagens, em Ultimato, esse tempo não existe e se o espectador não for ligeiro, ficará sem entender nada em alguns momentos. Inclusive, vale destacar que algumas das teorias são verdadeiras e muitas coisas que fãs acreditavam que aconteceria, realmente acontecem! Só que ninguém falou que aconteceria logo na primeira meia hora de fita e o desenrolar, aos poucos, vai perdendo aquele tom de obviedade, tornando tudo uma grata surpresa.
Importante dizer que Ultimato é bem diferente de seu antecessor, Guerra Infinita, tanto no que diz respeito ao tom, quanto no que diz respeito ao rumo que cada personagem tomou após o drástico evento. Embora parte dos Vingadores estivesse operando em vários locais do mundo e tentando seguir a vida da maneira como podem, outros foram terrivelmente afetados pela aniquilação. Alguns foram para caminhos muito sombrios e outros foram para caminhos extremamente bizarros e desnecessários. Estes em específico causaram uma notória divisão dentro da sala do cinema. Parte ria, parte se revoltava, principalmente com os rumos tomados por Thor, que foi a maior surpresa de Guerra Infinita.
É interessante como os diretores Joe & Anthony Russo e os roteiristas Christopher Markus e Stephen McFeely se propuseram a criar uma história mais intrincada e épica que a anterior. Embora conte com um número mais reduzido de personagens, a missão dos Vingadores é maior e cheia de detalhes, sem contar que é a mais audaciosa de suas vidas. Audacioso também é o desafio proposto pela equipe criativa, porque paralelamente à história principal, após sua primeira hora, dá-se início a uma série de homenagens e surpresas que celebram os mais de 50 anos de histórias da Marvel Comics, além de celebrar os 11 anos do seu Universo Cinemático – UCM. São tantos detalhes, que talvez seja necessário um texto inteiro para apontar esses acontecimentos, que são desde cenas inteiras, passando por frases marcantes. E é aí que nas duas horas seguintes você para de analisar o filme com frieza e volta a ser criança, principalmente no último ato, quando a sala do cinema se entrega de vez à diversão, algo que acontece até o último segundo.
Se Guerra Infinita era um filme sobre Thanos, Ultimato é um filme sobre os Vingadores. E é impressionante como Gavião Arqueiro, Viúva Negra, Homem de Ferro e Capitão América se destacam no meio de tanta coisa acontecendo ao mesmo tempo. Robert Downey Jr e Chris Evans tem uma atuação de gala e entregam neste filme suas melhores atuações no UCM. A carga emocional que os personagens enfrentam do primeiro ao último minuto de tela é transportado para os olhos do espectador com maestria pelos atores. Não é a toa que os (vários) melhores momentos do filme são protagonizados pelo Homem de Ferro e pelo Capitão América. E não é a toa que os momentos mais emotivos também são protagonizados pelos dois.
Emoção é um sentimento que define bem Vingadores: Ultimato. Um filme que não só fecha a Saga do Infinito, mas que também coloca ponto final nos arcos de vários personagens, fecha algumas portas, abre outras e principalmente encerra um ciclo de pouco mais de uma década que foram relevantes para a história do cinema. Inclusive, após o seu final, o título original em inglês, Endgame passa a fazer mais sentido do que nunca. A Marvel Studios sai de cabeça erguida e com a promessa de se manter no topo, mas com um novo e mais complicado desafio. Avante, Vingadores!
As primeiras imagens de Vingadores: Guerra Infinitaforam mostradas em julho durante o evento da Disney chamado D23 e causou furor entre os presentes. Os fãs que estavam lá tiveram o “privilégio” de ver que os Vingadores, Guardiões da Galáxia e demais heróis do chamado Marvel Cinematic Universe – MCU terão muito, mas muito trabalho para enfrentar Thanos e seus soldados da Ordem Negra.
Eis que a espera acabou e o resto do mundo pôde ver o que está por vir com a liberação do primeiro trailer oficial do filme. Informamos que a partir daqui, o texto poderá conter diversos spoilers, assim como teorias que poder ser verdades ou não.
Logo no início, Nick Fury, Tony Stark, Visão, Thor, Natasha Romanoff proferem aquilo que seria o embrião da Iniciativa Vingadores, iniciada há quase 10 anos com a cena pós créditos de Homem de Ferro, de que havia uma ideia de reunir pessoas incríveis para ver se eles poderiam ser algo mais e que, então, se as pessoas precisassem deles, eles poderiam lutar as batalhas que as pessoas jamais poderiam lutar. Nas imagens já vemos Tony Stark (Robert Downey Jr) completamente acabado em sofrimento, onde se acredita que ele está segurando a mão de alguém que veio a padecer. Vemos também Bruce Banner (Mark Ruffalo) caído e assustado dentro de um buraco, sendo observado pelo Dr. Estranho (Benedict Cumberbatch) e Wong (Benedict Wong), quando a imagem corta para o Visão (Paul Bettany), em sua forma humana, num momento de carinho com Wanda Maximoff (Elizabeth Olsen), ao mesmo tempo em que Thor (Chris Hemsworth) aparece a bordo da Millano.
As imagens a seguir já mostram Stark junto de Banner e Dr. Estranho dentro do Sanctum Sanctorum, enquanto Peter Parker (Tom Holland), dentro de um ônibus, tem seus pelos do braço completamente arrepiados para, logo após, observar uma enorme máquina circular pairando no céu de Nova Iorque. Embora as imagens sejam rápidas, é possível perceber que Stark tem um novo reator em seu peito e é muito provável que esse reator não seja somente um reator, mas também a fonte de onde sairá a sua armadura, o que remete, de certa forma, à armadura Extremis dos quadrinhos, muito embora, seu design seja bastante inspirado na Bleeding Edge, também dos quadrinhos.
Temos também imagens de Thanos (Josh Brolin) chegando provavelmente na Terra através de um portal, enquanto o Homem-Aranha, vestindo a sua armadura mais tecnológica apresentada ao final de De Volta ao Lar, procura um jeito de desativar a máquina circular, enquanto T’challa (Chadwick Boseman) ordena que a cidade seja evacuada, que todas as defesas sejam acionadas e que peguem um escudo para o homem que sai das sombras. O homem é nada mais nada menos que Steve Rogers (Chris Evans), que inclusive, aparece em cena segurando uma lança atirada pela vilã Próxima Meia Noite. Vale destacar que esse escudo do qual T’Challa menciona, não deverá ser o tradicional escudo do Capitão América, mas sim um escudo usado em Wakanda, onde o guerreiro possui duas placas retráteis de vibranium nos braços.
O trailer tem um caráter muito urgente e passa a impressão de que é mais tenso do que o primeiro trailer de Vingadores: Era de Ultron. Nas imagens, ainda podemos ver a Hulkbuster chegando em Wakanda, que inclusive receberá uma enorme batalha, onde Capitão América, Falcão (Anthony Mackie), Viúva Negra (Scarlett Johansson), Soldado Invernal (Sebastian Stan), junto do Pantera Negra, Máquina de Combate (Don Cheadle), Hulk e a líder das Dora Milaje, Okoye (Danai Gurira), liderarão o exército de Wakanda contra o exército do Titã Louco, formado pelos Batedores ou pelos Vrexllnexians que já apareceram na série Agents of S.H.I.E.L.D., o que, de certa forma, causa surpresa, uma vez que a decisão mais óbvia seria usar novamente o exército Chitauri do primeiro filme. O trailer termina com Thor perguntando quem são as pessoas para quem ele está olhando e a imagem aponta para os Guardiões da Galáxia, aqui formados por Senhor das Estrelas (Chris Pratt), ostentando um bigodão setentista, Groot (voz de Vin Diesel), em sua forma adolescente, Gamora (Zoe Saldana), Mantis (Pom Klementieff), Rocket Racoon (voz de Bradley Cooper) e Drax (Dave Bautista).
No que diz respeito ao enredo propriamente dito, é muito provável que o filme já comece com Thor sendo atropelado junto com outros destroços pelos Guardiões da Galáxia e que, ao ser resgatado pela equipe, começa a contar o que houve com ele, onde a nave contendo a Nova Asgard foi interceptada e destruída pela nave de Thanos. Existe a possibilidade dos Guardiões já estarem numa investigação com o intuito de saberem o que aconteceu com o Colecionador (Benicio Del Toro) e com a Tropa Nova, uma vez que nas imagens do trailer, o vilão possui duas Joias do Infinito e uma delas é justamente o Orbe, que estava sob a posse da tropa, sendo que a outra é o Tesseract, que deve ter sido entregue por Loki (Tom Hiddleston) durante o ataque à nave. E é durante esse ataque que existe a possibilidade de Heimdall (Idris Elba), sob às ordens do Deus do Trovão, enviar Bruce Banner para pedir socorro a Stephen Strange, o que justificaria sua queda exatamente dentro do Sanctum Sanctorum. Banner contacta Tony Stark e eles, provavelmente, serão os primeiros a receberem a investidas de Thanos e sua Ordem Negra. Uma imagem chocante é aquela em que vilão, após colocar a segunda joia em sua manopla, dá um duro golpe que nocauteia o Homem de Ferro de forma muito violenta.
Vale destacar que o filme deve possuir alguns núcleos separados e somente em certo momento que o Capitão América, Falcão e Viúva Negra irão para Wakanda requerer auxílio ao Pantera Negra e ao Soldado Invernal. Antes disso, o grupo deve estar junto de Visão e Feiticeira Escarlate que sofrem um ataque da Proxima Meia Noite e de Corvus Glaive e é nesse momento que deve acontecer a primeira baixa da equipe, quando o sintetizoide possivelmente terá a jóia que carrega em sua cabeça extraída por Glaive.
E deve ser Bruce Banner e o Coronel Rhodes que farão o elo de ligação entre os dois fronts de batalha, o de Nova Iorque com o de Wakanda. Por isso, acredita-se que é Banner quem pilota a Hulkbuster, que fará o transporte do cientista até o país africano. Curiosamente, a gigante armadura também aparece na batalha. Se for realmente Banner dentro dela, a teoria é que o herói esteja inseguro em se transformar em Hulk novamente, temendo que o Gigante Esmeralda tome por completo sua consciência, o que faz sentido, contudo, não vale de nada, uma vez que o monstro também aparece nas imagens.
Obviamente, tudo isso se trata de suposições, afinal, alguns personagens e heróis ainda não apareceram, como o Gavião Arqueiro (Jeremy Renner), Homem-Formiga (Paul Rudd) e a Nebulosa (Karen Gillan), além do fato dos trailers serem montados de maneira aleatória. De qualquer forma, as primeiras imagens de Vingadores: Guerra Infinita fizeram tanto sucesso que bateram recorde de visualizações em menos de 24 horas de seu lançamento.
Taylor Sheridan teve uma carreira de pouco expressão como ator. Talvez ele seja lembrado por seu xerife David Hale na série Sons of Anarchy. Entretanto, como roteirista, Sheridan vem tendo uma carreira de grande sucesso. Terra Selvagem é seu segundo filme a estrear no circuito nacional no ano de 2017 – o primeiro foi o sensacional A Qualquer Custo que lhe uma indicação ao 02 de melhor roteiro – e o seu primeiro filme como diretor. Mais uma vez, Sheridan desempenha um grande trabalho como roteirista e mostra que é capaz de ser um grande diretor.
Na trama, uma jovem agente do FBI é designada para investigar a misteriosa morte de uma jovem dentro da reserva indígena Wind River, localizada no Wyoming. A vítima possui sinais de violência sexual, mas nenhum outro que possa indicar a sua causa mortis. Devido à natureza hostil do lugar, a agente solicita a ajuda de um rastreador radicado no local, uma vez que o local é extremamente frio e isolado. Entretanto, ao passo que a investigação se aprofunda, a dupla começa a perceber que as implicações desse assassinato são muito maiores do que imaginavam.
O agora também diretor Taylor Sheridan bebe muito da fonte de David Mackenzie e Denis Villeneuve, diretores de A Qualquer Custo e Sicario (filmes baseados em roteiros seus), o que significa longos planos que delineam as gélidas e desoladoras paisagens da reserva Wind River. Ao passo que tudo se desenrola, novos elementos são introduzidos à trama. O que poderia vir a fazer o filme perder o rumo, vai o tornando cada vez mais intrigante, muito graças à mão firme do diretor e ao seu roteiro conciso. Interessante observar que os longos discursos explanativos, sempre presentes no cinema hollywoodiano, não tem lugar aqui. A história vai sendo contada sem que o espectador seja subestimado, com um desenvolvimento bem ágil, entremeado por algumas sequências tensas e eletrizantes.
O roteiro trabalha com esmero as questões polêmicas e pertinentes a respeito da falta de estatística sobre mortes em reservas indígenas e, principalmente, da morte de mulheres indígenas. Tanto que a película é baseada em eventos reais. Porém, existe uma questão que é trabalhada de uma forma muito comovente e com uma sutileza difícil de ser encontrada: o luto. O personagem de Jeremy Renner é apresentado como um homem que sofreu algumas grandes perdas pessoais. Ao ser integrado à investigação, seu personagem funciona como fio condutor de vários eventos que decorrem a partir daí. Entretanto, ele é o elemento principal que ajuda na empatia do espectador com o que é apresentado em tela. Sua interação com o pai da moça morta, vivido pelo excelente Gil Birmingham (que trabalhou em A Qualquer Custo) rende os grandes momentos do filme, pois retratam dois homens enlutados cada qual à sua maneira, destruídos pela vida tentando se apoiar da maneira que for possível no momento. Outro ponto bem interessante são os diálogos breves sobre a perda dos valores culturais dos indígenas. Ainda no concernente às atuações, Elisabeth Olsen entrega um grande trabalho como a agente novata e idealista do FBI destacada para a investigação e o veteraníssimo Graham Greene entrega a habitual competência como o xerife cético que deixou suas raízes indígenas, mas que ainda possui grande consideração pelos seus pares.
Em suma, Terra Selvagem é mais um espetacular trabalho do talentoso roteirista Taylor Sheridan e que também demonstra seu potencial para consolidar uma bela carreira como um grande diretor.
O começo do novo filme de Dennis Villeneuve mistura docilidade com melancolia, mirando um evento bastante sentimental antes de adentrar na questão central da vinda de alienígenas pelo globo terrestre. A Chegada tenciona ser poético e reflexivo, resgatando conceitos antigos de Carl Sagan a fim de reimaginá-los, mas esbarra em um maniqueísmo que já havia sido ofensivo em Sicárioe que aqui, é suavizado. O drama é contado através da vivência da doutora em linguística Louise Banks, vivida por sua vez por Amy Adams.
Louise é uma mulher bem resolvida, inteligente, solteira e de pensamento progressista. No passado ela já havia auxiliado o governo americano com uma situação com árabes, da qual se arrependeu, já que os americanos cercearam a vida de seus adversários sem piedade. Quando ocorre um evento global de invasão de alienígenas, é a linguista que chamam, após uma situação de calamidade e comoção que se assemelhava demais ao ocorrido em 11 de Setembro de 2001.
Villeneuve é indiscutivelmente um diretor interessante, seu trabalho de imagens é de uma qualidade ímpar e o mesmo está sempre acompanhando por bons cinematógrafos. No episódio anterior, o diretor canadense havia trabalhado com Roger Deakins, e neste sci-fi a direção de fotografia está a cargo de Bradford Young, que já havia mostrado um olho apurado para cenas de suspense e tensão tanto em Selmaquanto em O Ano Mais Violento. Young apresenta imagens lindíssimas e consegue harmonizar o CGI fruto do orçamento milionário com cenas emocionantes e carregadas de melodrama, fazendo toda a questão soar naturalista apesar do aspecto fantasioso presente na adaptação do livro de Ted Chiang, Story Of Your Life.
O principal problema no texto é compartilhado com o nome da literatura do qual foi baseado, uma vez que todos os aspectos positivos do filme e toda a filosofia por trás dos visitantes giram em torno de uma experiência individual, no caso de Louise. A personagem de Adams é forte mas há um claro desequilíbrio narrativo. Todo e qualquer personagem da trama soa caricato e forçado, para fazer a protagonista brilhar sozinha, sub aproveitando os préstimos de gente tarimbada como Forest Whitaker e Michael Stuhlbarg, e outros famosos como Jeremy Renner. O enfoque na mulher soaria ainda mais interessante se aqueles que a envolvem não fossem tão incapazes de gerar nuances diante das câmeras.
O estabelecimento do primeiro contato é feito gradativamento, pautado no talento da linguista que consegue em pouco tempo estabelecer uma empatia com os visitantes. A questão da gravidade é recorrentemente mencionada dentro do argumento, e a demonstração gráfica dela soa interessante. A questão é que esse escopo de realidade e pragmatismo é levado em conta em alguns momentos e em outro não, fazendo com que toda a suspensão de descrença para alguns graves furos de roteiro de Eric Heisserer soe ofensiva. O paradoxo estabelecido dentro da história beira o deus ex machina, fator que infelizmente está cada vez mais em uso nos blockbusters, quase jogando o filme em uma vala comum e medíocre.
O cenário sócio político é risível, mais uma vez se apelando para uma paranoia que cabia mais na época da Guerra Fria do que em 2016, ao mostrar os Estados Unidos como o povo mais compreensivo com os problemas de comunicação e os chineses como seres teimosos, que só se veem compelidos a mudar sua atitude depois de uma revelação pessoal e certeira em uma de suas autoridades. A inteligência do roteiro mora também em um de seus defeitos, já que apesar da glamourização do auto sacrifício soar pueril e oportunista, também acaba fazendo paralelo com o pensamento freudiano de que a simples ciência de um diagnóstico de uma condição de doença não necessariamente a soluciona, semelhante ao visto na dor que Louise teria de sentir mesmo tendo consciência do que ocorreria no futuro. A Chegada mira uma versão moderna de Contato e entrega um desfecho de dádiva bastante parecido com o de Highlander, ainda que a seriedade da película de Villeneuve em nada tivesse semelhança com a de Russel Mulcahy. Ainda assim, pelas questões propostas e pelo fascínio ao que o humano desconhece, Arrival soa interessante apesar de suas falhas de concepção.
Após Missão: Impossível – Protocolo Fantasma, a carreira de Tom Cruise foi novamente consolidada, lhe garantindo a popularidade costumeira graças aos blockbusters, vertente primordial de sua filmografia. Em Missão: Impossível – Nação Secreta, o ator volta a trabalhar com o roteirista e diretor Christopher McQuarrie, cuja parceria foi iniciada em Operação Valquíria e com o qual estreitou laços em Jack Reacher – Um Tiro, adaptação da obra de Lee Child.
Em história desenvolvida e roteirizada por McQuarrie, a produção segue a linha da narrativa anterior, equilibrada e bem ponderada entre ação e humor sutil. Nessa nova aventura, a força-tarefa Missão Impossível lida com as consequências da missão anterior, enquanto um membro senior da CIA (Alec Baldwin) deseja desativar a equipe, considerando-a secreta demais para a vertente política de transparência do governo. Enquanto a equipe sofre o abalo político, Ethan Hunt se torna alvo do grupo terrorista que investigava há mais de um ano, o Sindicato.
Considerando uma franquia com quatro bons filmes, a nova trama tem base na estrutura do impossível, que confere estilo à série e leva-a a um novo patamar ao mostrar um grupo terrorista cuja função primordial é sabotar o IMF, bem como outros grupos secretos de espionagem – o Sindicato é uma organização criminosa à altura dos espiões mundiais. Desde sua divulgação, o enredo foi bem conduzido. O trailer, que apresenta a história e sintetiza a força da série em uma grande cena de ação – também presente em um dos posteres –, é apenas uma sequência de alto impacto que introduz a trama. Uma estratégia que esconde os grandes atos de ação desta aventura, cuja intenção é provar a importância da força-tarefa e de Ethan Hunt como um dos agentes ativos mais brilhantes da equipe e um dos personagens mais cativantes do cinema de ação. Em nenhum momento, Hunt trata suas desventuras como uma vingança pessoal, mas trabalha sempre com técnica para provar seu ponto de vista e destruir qualquer plano que o acuse de traidor.
Como nas histórias anteriores, a ação conduz a trama em três grandes atos, enquanto a investigação é responsável por levar a equipe a pontos diferentes do globo e proporcionar belas cenas equilibradas, com tensão e drama. O primeiro ato, passado inteiramente dentro de um teatro durante uma apresentação de ópera, é um belo trabalho apurado de perfeição e composição narrativa. Sem nenhuma trilha sonora fora de cena, as canções do libreto proporcionam a tensão sonora necessária para as cenas, ampliando o conflito de Hunt tentando descobrir um assassino para evitar a morte de um político. Um ato que eleva a linguagem narrativa do filme.
Explorando caminhos diferentes dos anteriores, essa quinta aventura segue a estrutura fundamentada mas distorcendo-a sempre quando possível. Se anteriormente os picos de ação necessitavam da habilidade física de Hunt e, consequentemente, da forma física de Cruise, um dos pontos atos de um segundo ato se desenvolve em uma cena submersa, e a respiração do agente é fundamental para a sua sobrevivência. A potência física é trocada por outro tipo de treino rigoroso, mais técnico e mental, modificando os clichês de ação e provando que há maneiras diferentes de criar tensão necessária para promover uma outra grande sequência, filmada de maneira excepcional.
A composição do vilão líder do Sindicato, um grupo que espelha a IMF, se expande além de um terrorista com um plano de dominação mundial. Trata-se de um embate de inteligências: uma espécie de Moriarty que usa sua sagacidade e técnica a favor do crime ou daquilo que considera verdadeiro, ainda que sempre seja difícil compreender doutrinas diferentes. Solomon Lane (Sean Harris) foge da loucura de grandes vilões para realizar uma interpretação mais sutil, mantendo o aspecto assustador de frieza, sem afetação. Uma vertente que explicita a espionagem ligada à origem da série, que inclui a participação de uma personagem dúbia, Ilsa Faust (Rebecca Ferguson), simultaneamente agente britânica e infiltrada no Sindicado. É ela que trabalha ao lado de Hunt, além de Benji.
A personagem de Simon Pegg, presente a partir de Missão Impossível III, também merece destaque por sua evolução desde sua primeira aparição na franquia. Benji foi além do alívio cômico, se transformando em um ativo de campo em Protocolo Fantasma, e, nessa história, está envolvido diretamente na ação. Assim, sua personagem cresceu, adquiriu contornos dramáticos e maior presença em cena como um parceiro não-usual de Hunt, demonstrando bom entrosamento entre os personagens.
O exagero do impossível está presente em cena, mas situado em momentos precisos, com atenção e qualidade. A câmera de McQuarrie demonstra talento e apuro para a ação, e compõe cenas ágeis e, ao mesmo tempo, esteticamente belas, como a luta de facas de Ilsa filmada em dois planos paralelos devido às sombras das personagens – um jogo semelhante ao de Sam Mendes no primeiro ato de 007 – Operação Skyfall. Nação Secreta rompe os contornos de uma série blockbuster para engrandecer sua história, entregando, além da vertente habitual – ação, queda e ascensão, tríade vista nos filmes anteriores, com uma linguagem própria de cada diretor –, um novo patamar narrativo que retoma a vertente de espionagem e aprofunda-a na política, dando margem a possíveis novas aventuras dentro de uma mitologia própria. Um grande filme de ação (possivelmente figurando na lista de melhores filmes de 2015) que evidencia o talento de Tom Cruise, e seu ainda evidente carisma, e aponta um futuro talentoso para McQuarrie na direção.
O começo do ano 2000 foi bom para Tom Cruise devido ao sucesso de bilheteria e sua participação em filmes blockbuster, como a adaptação de Guerra dos Mundos de Steven Spielberg. Foi aproximadamente em 2005 que seu nome perdeu parte do status, graças a seus afastamento nas telas ao se dedicar ao casamento com Katie Holmes, um enlace lembrado pelo público nos pulos desenfreados no sofá de Oprah, fato que fez a mídia chamar-lhe de maluco para baixo. No ano seguinte, o nascimento da filha foi o centro de suas atenções e, ainda assim, o ator estrelou Missão: Impossível 3, seu último filme de grande sucesso.
Em seguida, participou de longas-metragens interpretando personagens menores ou diferentes de seus heróis habituais: um congressista em Leões e Cordeiros, drama político de Robert Redford; Operação Valkyria como um militar que deseja acabar com os planos da Alemanha, e se destacou com muita maquiagem e pelo em Trovão Tropical. A produção Encontro Explosivo foi lançada para realocar o astro em seu papel de ação, um status que sempre foi constante em sua carreira, muitas vezes em detrimento do ator potencialmente talentoso em certos papéis. O filme foi um fracasso, marcou mais um passo ruim de sua carreira e parecia anunciar a morte de um dos últimos astros de Hollywood.
O sucesso de Tom Cruise surgiu em uma época em que astros eram a grande estrela sem depender da qualidade. Mesmo filmes com uma bilheteria mais fraca alcançavam o esperado pelas produtoras. Um reflexo do mercado que hoje não mais se vê motivo pelo qual muitos outros colegas de profissão hoje estão em papeis secundários ou produções duvidosas, seja por opção ou por um mal gerenciamento da carreira que ainda os vê como astros acima de qualquer produção.
Missão: Impossível – Protocolo Fantasma carregava a responsabilidade de demonstrar que o astro ainda era uma figura rentável na indústria, ao mesmo tempo que era um desafio para Brad Bird na direção. Até então, o diretor havia feito apenas grandes animações, como Gigantes de Ferro, Os Incríveis e Ratatouille. Como nas três histórias anteriores, a produção é coerente com sua temporalidade no quesito linguagem cinematográfica enquanto manter certa personalidade de seu diretor. O filme já está situado na era do realismo Bourne, porém, como a franquia permite cenas mirabolantes, o roteiro de Josh Appelbau e André Nemec preservam a coesão em grandes cenas impossíveis e ao mesmo tempo realistas, um paradoxo que parece impossível.
Assim como o James Bond em Skyfall representava uma queda e reinvenção da personagem, o protocolo fantasma do título é instaurado após um ataque terrorista ao Kremlin, fortaleza russa, encerrando a força-tarefa Missão Impossível. Fora de um campo de restrições implicitamente anacrônicos, Ethan Hunt e sua equipe atuam para recuperar dados de diversos mísseis nucleares roubados durante a explosão. Interceptando a compra destes dados, a equipe segue em missão por diversos locais do globo – Rússia, Dubai e Índia – à procura do vilão terrorista. Cenários que não só engrandecem a trama visualmente como proporcionam grandes cenas de ação, como a insana escalada de Junt no lado externo do prédio Burj Khalifa, conhecido com o mais alto do mundo.
No papel de Hunt, Tom Cruise continua sendo um grande símbolo. Demonstra não só seu antigo status de astro como também sua dedicação ao não utilizar nenhum dublê em suas cenas, trazendo mais autenticidade para a história. Bird, em seu primeiro filme live action, sabe trabalhar as cenas de ação tanto em seus picos máximos de tensão quanto aproveitando pequenos detalhes que trazem conflito à missão. Como destaque, a sensacional perseguição em meio a uma tempestade de areia em Dubai, claustrofóbica e tensa ao mesmo tempo, e que encerra o ato nesta cidade dos Emirados Árabes. Uma diferença das histórias anteriores é o tratamento dado às cenas de ação exageradas: a própria equipe assume o perigo e incredulidade diante de alguns atos de Hunt, como se soubessem que, diante de uma situação sem fugas, é necessário encontrar um caminho mesmo que seja, aparentemente, impossível. O jogo de rir de si quebra o exagero que os filmes anteriores consideravam normal e reforça o teor realista – na medida do possível – da história.
A nova trama alinha um novo personagem, William Brandt, parceiro que se iguala com Hunt como um espião bem treinado, além de retomar Simon Pegg como bom alívio cômico, bem composto para descontrair certas cenas sem destoar por completo do foco da ação, além de trazer uma participação de Ving Rhames como o parceiro Luther Stickell. A produção conseguiu 694.713.380 milhões na bilheteria mundial. Não só o maior retorno para a franquia – atualmente, Missão Impossível – Nação Secreta chegou a marca dos US$300.000.000 – como também uma das maiores bilheteiras da carreira de Cruise. Prova de que o astro conseguiu ser uma exceção no mercado, e manteve seu status de astro capaz de se reinventar no melhor que consegue fazer: sendo um astro de ação carismático, rentável e autêntico.
Três anos, quatro filmes e uma série (e meia). Isso é que separa as duas aventuras dos Maiores Heróis da Terra no já mais do que estabelecido Universo Marvel cinematográfico. Mas a sensação em A Era de Ultron é de que pouca coisa teve importância nessa pós-Batalha de NY. Para o bem e para o mal: as besteiras de Homem de Ferro 3 sumariamente ignoradas é de lavar a alma, não deixa de ser um desperdício os elementos de O Soldado Invernale de Agentes da S. H. I. E. L. D. (fim da Shield, Hidra, Inumanos) na prática não fazerem muita diferença.
A Hidra está lá, claro, mas apenas como um gatilho para o início da trama. Após atacar a última base da organização terrorista, os heróis recuperam o cetro de Loki. Fazendo uso do imenso poder do artefato, Tony Stark coloca em prática um projeto de inteligência artificial que deveria ser a solução final em termos de paz mundial (e substituir os Vingadores). Como em qualquer história com esse tema, as coisas obviamente dão errado, e surge o vilão Ultron, uma ameaça que vai colocar à prova não somente a capacidade da super equipe de proteger o planeta, como também a confiança entre seus membros.
A força do filme, a exemplo do primeiro, está no equilíbrio que já virou marca registrada da Marvel no cinema. Há um passo além no desenvolvimento de personagens e no que se pode chamar de maior maturidade, mas as cenas de ação de encher os olhos e o bom humor (felizmente bem dosado e colocado) estão lá. E enquanto sequência, o longa habilmente se aproveita do universo e indivíduos já familiares para se concentrar em contar sua história em ritmo acelerado, sem qualquer enrolação ou preocupação com didatismo ao introduzir os vários novos personagens.
Wanda e Pietro são rapidamente estabelecidos como “vilões por engano”, e organicamente fazem a transição. Havia potencial para maior exploração de ambos, principalmente do velocista, mas como micro origem num contexto maior, a participação dos gêmeos foi satisfatória. Em relação ao vilão de fato, Ultron sofreu um pouco com a expectativa: os trailers sugeriam algo muito mais sinistro. Contudo, considerada a proposta Marvel de ser, ele desempenhou bem seu papel de ameaça da vez. Além de claramente servir muito mais como ferramenta para desenvolver outros personagens, como Stark e o Visão.
Visão, aliás, que foi a mais gratificante das novidades e talvez o grande acerto do filme. O conceito de um ser que está entre o artificial e o humano ficou bem representado, passando pela inteligente adaptação da origem do personagem e pela atuação precisa de Paul Betany. A dignidade semifilosófica e semimelancólica do herói foi transposta com perfeição dos quadrinhos para a telona.
Dentre os velhos conhecidos, é interessante notar as relações de afinidade entre os membros da equipe, moldada a partir dos ideais e visões de mundo de cada um. Capitão América e Thor aparecem bem entrosados em batalha, o soldado e o guerreiro, ambos confortáveis em continuar travando o bom combate em prol dos inocentes. Na contramão, claramente, Stark e Banner. Cientistas, não lutadores, ambos concordam que o foco deve ser o de acabar com a necessidade de lutar. E por sua vez, Clint e Natasha ficam num meio-termo, mostrando um certo cansaço dessa vida, mas cientes de seu papel. Os dois também se assemelham no sentido de que o roteiro busca humanizá-los ainda mais; só que enquanto o espaço maior dedicado ao Gavião Arqueiro surpreende e agrada muito, o romance da Viúva com o Hulk soa pouco convincente.
Em linhas gerais, A Era de Ultron sem dúvida entrega o que promete, perdendo talvez alguns pontos por não trazer nada efetivamente bombástico ou inovador. Como uma boa megassaga dos quadrinhos, o filme é divertido, grandioso, traz mudanças no status quo e entrega pistas do que vem por aí. Mas, como nos quadrinhos, há a sensação de mais do mesmo, ainda não um problema de fato, mas já perceptível. Fica a expectativa para as cenas dos próximos capítulos: a discordância entre Tony e Steve, Wakanda e mais uma vez as Joias do Infinito são elementos que até podem passar sem grande alarde para os não entendedores, mas mantêm aceso o interesse dos fãs.
Em sua estreia dirigindo longas-metragens para o cinema, Michael Cuesta destaca o discurso público dos políticos iniciado pelo conservador presidente Ronald Reagan, falando da profunda luta e perseguição ao comércio de drogas no território estadunidense. Após os créditos iniciais estilizados, a câmera passa a acompanhar o drama biográfico do repórter, infiltrado em um esquema de tráfico de drogas, Gary Webb (Jeremy Renner), que é logo cooptado em uma operação policial.
Após o susto, a trama acompanha o meticuloso trabalho de Webb, averiguando fontes e correndo atrás de notícias que municiassem sua investigação. A obra ora alterna cenas de seu cotidiano familiar, em casa, relembrando sua condição de normal humanidade, ora o ambiente de trabalho, em uma redação nada glamourosa na época modorrenta dos anos 1990, quando se passa a história. O modus operandi do jornalista é igualmente monótono, repleto de noites em claro, representando a classe comunicóloga, assim como O Espião Que Sabia Demais o fez em relação ao serviço de inteligência e investigação das grandes nações.
A construção da figura heroica de Webb é feita ao modo do cinema hollywoodiano: tentando diferenciá-la dos muitos personagens amorais que cedem a pressões psicológicas e às tentações sexual e monetárias comuns em biografias. Seu personagem é fiel em ideais, exibindo tão somente uma atuação quando é jornalista gonzo nas matérias em que se dedica. Sua posição é o meio-termo entre o anti-herói americano e o clássico paladino, que tem de se ver “corrupto” somente quando necessário, mas que, mesmo ao mergulhar no mundo inimigo, consegue manter-se são e distante daquele padrão de conduta, num fino equilíbrio do roteiro de Peter Landesman. Como um texto de denúncia, apresenta-se um personagem apolíneo sem soar falso ou chapa branca.
A trajetória do biografado tem dois momentos distintos, e, como em uma peça do teatro grego, tem seu apogeu e uma queda bem distinta. O movimento começa lentamente após a segunda metade das quase duas horas de duração do filme, apesar de já dar indícios do que ocorreria ao longo de todo o filme, especialmente de seu início. Após lançar com sucesso seu livro, Webb passa a ter de dar “satisfações” às autoridades que acusou através de seus relatos, fundamentados, claro, em fatos investigados por fontes plausíveis. A odisseia pela qual o personagem passa faz com que ele se envolva mais na história, a ponto de se deparar com grandes mandatários do narcotráfico ao receber uma inesperada visita no território de John Cullen (Ray Liotta), tendo a própria vida e as dos seus em perigo.
Praticamente não há nenhuma cobertura por parte de sua editora Anna Simons – de uma surpreendentemente performance madura de Mary Elizabeth Winstead –, tampouco do resto de seus superiores. A batalha passa a ser do exército de um homem só, que tenta provar a própria inocência, zelando por seu nome e pela segurança de seu seio familiar. Por jamais ter cedido aos apelos dionisíacos que se apresentavam a ele, a situação agrava-se.
A superação das questões que se puseram à frente do personagem central tem um fim inesperado, com a opinião pública tomando rumos tão controversos quanto o desfecho de todo o momento dificultoso. Seus relatórios serviram muito à investigação do tráfico de drogas nos Estados Unidos, e toda a construção de persona non grata tem finalmente sua justiça, visto que ele para de trabalhar com sua paixão, levando-o a um fim trágico, sabiamente não mostrado pelas lentes de Cuesta. O Mensageiro tem em seu nome original – Kill The Messenger – uma sucinta mensagem, exibindo um conto enxuto, equilibrado e muito necessário a uma figura que foi controversa e calada – apesar da tão louvada primeira emenda.
Na última década, o cinema tem explorado muito os contos escritos pelos IrmãosGrimm, responsáveis por Branca de Neve, Cinderela, João e Maria, Chapeuzinho Vermelho, Rapunzel e A Bela Adormecida, todos estes conhecidos por todo o planeta por conta das adaptações infantis de grande sucesso feitas pela Disney. Com o sucesso da Saga Crepúsculoe se aproveitando do fato de que todos os contos citados estão em domínio público, Hollywood resolveu reaproveitar o vasto material, trazendo um conceito um pouco diferente, mostrando ao espectador uma abordagem mais adulta, gótica e com teores de suspense.
Assim como A Garota da Capa Vermelha (que adapta Chapeuzinho Vermelho), Alice (que adapta Alice No País das Maravilhas), Branca de Neve e o Caçador (que adapta Branca de Neve), Jack: O Caçador de Gigantes (que adapta João e o Pé de Feijão) e Malévola (que adapta A Bela Adormecida), João e Maria: Caçadores de Bruxas adapta, de maneira divertida, João e Maria, dois irmãos que, após passarem por um evento traumático, sendo sequestrados por uma bruxa, decidem dedicar suas vidas a caçá-las.
Diferente das outras adaptações, a história de João (Jeremy Renner) e Maria (Gemma Arterton) que conhecemos é contada apenas nos 10 minutos iniciais do filme, dando mais espaço para a fase adulta do casal de irmãos e isso, talvez, tenha sido um erro, uma vez que não haveria problema se a infância deles fosse novamente retratada, já que o tempo de fita é muito curto, resultando em apenas um hora e vinte minutos de filme (sem contar os créditos), o que prejudicou, de certa forma, não só o desenvolvimento dos personagens, mas também o da história escrita pelo também diretor Tommy Wirkola .
O desenrolar da trama é muito simples, sendo que, por conta de sua fama, os irmãos chegam a uma cidade com o intuito de investigar o desaparecimento de crianças, entrando em confronto direto com a bruxa Muriel, vivida por Famke Jansen. Como dito, os personagens são mal desenvolvidos e, dentre todas as bruxas que aparecem no longa, Muriel não chega a ser tão ameaçadora ou poderosa quanto parece. E o destaque, ironicamente, fica para as outras bruxas, todas bem distintas umas das outras, carregadas de maldade, com visuais lindos, porém grotescos e que, ainda assim, necessitam de algum pedaço de madeira para que possam voar. As bruxas siamesas ligadas pelas costas são fantásticas.
Um outro ponto bastante curioso, mas muito divertido é que João (responsável pelo lado cômico), por conta do consumo excessivo de doces na época em que estava encarcerado pela bruxa, sofre de diabetes e precisa aplicar sempre uma injeção de insulina. Inclusive, João é o único que tem uma trama paralela no longa, ao libertar da fogueira uma mulher do vilarejo que estava sendo acusada de bruxaria.
O destaque fica para a parte técnica e artística, que desenvolveu um filme com bastante violência visual, sabendo trabalhar bastante a parte fotográfica, trazendo uma cidade medieval que elucida a tristeza pelo sumiço de suas crianças, se utilizando de cores frias, sem vida, numa época do ano que está sempre com o céu nublado, mas de qualquer forma, uma diversão para um dia frio e chuvoso.
Trapaça trata de um grupo marginal de trambiqueiros com um nível de atuação modesto a princípio, visto o perigo que os acomete a todo momento. O caminho da quadrilha é atravessado por um agente da lei, que após idas e vindas (e trocas amorosas), decide por unir forças a fim de pegar peixes maiores para sua rede – por parte do agente – e livrar a própria cara – por parte do bando.
O “cabelo” bagunçado e colado no topo da cabeça de Irving Rosenfeld (Christian Bale) prenuncia os percalços que seu personagem sofrerá a frente da operação. O exercício de contenção que ele faz ao ter o topete desarrumado é impagável e serve inclusive para demonstrar a tensão dentro do ramo que escolheu e o quanto de cautela é necessário para ter uma longa subsistência.
David O. Russell sabe como ninguém trabalhar a imagem de Amy Adams. Todo filme que ele a dirige, a atriz parece ficar ainda mais bela se comparada a outras produções, sem falar que sua atuação só ascende quando contrastada com trabalhos de outros realizadores (exceção, claro, de O Mestre, de Paul Thomas Anderson). Graças ao seu cuidado, inteligência para os negócios e aos seus talentos dramatúrgicos, Sidney Prosser (ou Edith) constitui o par perfeito para os ardis e mirabolantes planos de Irving, fazendo-o praticar algo inédito para si: utilizar-se de sinceridade com uma mulher. A sensualidade que a ruiva passa para tela é absurda e é de causar frisson em senhores que não se acham mais viris. Grande parte disso deve-se a atuação, uma dos elementos mais acertados do filme, a outra boa parte é graças aos seus belíssimos predicados.
A movimentação de Richard DiMaso (Bradley Cooper) ainda no início da película reconfigura os papéis apresentados, mostrando um poder de adaptação ímpar por parte dos personagens. A narração de alguns deles garante multiplicidade de óticas relativas ao golpe que será aplicado e lembra a abordagem escolhida por Scorsese em Cassino.Não que isto seja um problema, longe disso.
A predileção do cineasta por relacionamentos fracassados e baseados em infidelidade ganha mais um capítulo nesta produção. A associação da incorreção conjugal à charlatanice repete o que foi visto em Huckabees: A Vida é uma Comédia, jogando os pecados de “integridade honrosa” no mesmo caldeirão, ainda que, dessa vez, a criminalidade, de fato, faça parte da equação. A diferença básica é que neste roteiro a poligamia é uma bandeira levantada: sua validade não é muito discutida, mas a situação é real e tratada como só mais uma forma de relação entre os homens, sem escolher um partido ou mensagem moral.
Victor Tellegio é um ótimo retorno de Robert De Niro a um de seus papéis mais confortáveis. O ator é magistral mesmo aparecendo durante pouco tempo na tela, tirando a má impressão após sua decepcionante participação em A Família, de Luc Besson. Outros coadjuvantes com presenças diminutas se destacam, como Jack Huston fazendo um mafioso que, ao contrário de seu personagem em Boardwalk Empire, não usa máscara, mas que rouba a cena sempre que a câmera o enquadra. Destaque também para Louie C. K. que melhora a cada participação em longas-metragens.
Obviamente que as atenções (ainda) estão voltadas para Jennifer Lawrence. Sua personagem é uma das mais imprevisíveis, não é a melhor coisa do filme, evidentemente – nem é a melhor atuação, se comparada a de Amy Adams – mas, ainda assim, sua caracterização guarda boas surpresas e evoca alguns dos bons twists da história. As desventuras da beldade de orgulho ferido garantem situações das mais curiosas e interessantes do roteiro.
O trâmite do plano final é tão dúbio que chega a ludibriar até o espectador mais atento, visto que é complicado tentar prever os próximos passos do grupo de Irving graças à imprevisibilidade e raciocínio caótico de seu líder. O nível de envolvimento de cada personagem só é comprovado após o desfecho, e, mesmo com os destinos finais, os que (aparentemente) têm um bom fim, não o têm sem questões incômodas; a perfeição passa longe de suas vidas. O roteiro de Russell e Eric Warren Singer é finalizado com uma mensagem aparentemente idílica e otimista, mas não tão clara, mais uma vez emulando Martin Scorsese (e Nicholas Pileggi) em Os Bons Companheiros. Trapaça é uma ode ao cinema de Scorsese, especialmente à filmografia ligada à temática da criminalidade, e é reverencial, em suma. Portanto, não desrespeita suas referências, ao contrário, as idolatra e lhes dá um tempero de atualidade e contemporaneidade sem maiores complicações.
James Gray começa seu quinto longa-metragem retratando o drama de estrangeiros aportando nos Estados Unidos nos anos 10, focando principalmente na dupla de irmãs polonesas, Ewa Cybuslki (Marion Cotillard) e Magda. As personagem são impedidas de entrar no país por motivos diferentes, a segunda supostamente por ter contraído tuberculose, e a primeira em virtude de um boato que só se comprovaria mais a frente. Ewa é impedida de ser deportada por um agente da Ilha Ellis, chamado Bruno Weiss, Joaquin Phoenix, que é aparentemente um sujeito bom e respeitável, mas esconde uma faceta bastante sombria.
O filme explora um assunto bastante controverso e não faz cerimônia ao mostrá-lo logo de cara: a prostituição de imigrantes quase como única forma de sustento para uma mulher solteira e recém-chegada à “terra das oportunidades”. O cotidiano é mostrado de forma horrenda para a maioria das profissionais, apesar de não haver nenhuma cena explícita dos atos ou abusos sexuais, nesse ponto o roteiro é bastante ameno, até porque o assunto a ser discutido é outro.
O enfoque é em Ewa e nas ações que ela se vê obrigada a tomar, para obter uma pequena fortuna, no intuito de libertar sua irmã da deportação de volta à Polônia, ações essas que passam a reduzir a auto-estima dela a zero. A premissa é muito boa e a atuação de Marion Cotillard é esplêndida como sempre, mas a abordagem da temática é muito leve e morna, seu personagem sofre com uma construção de caráter mal resolvida, pois ela é absurdamente desconfiada de Bruno, e com razão, mas é completamente crédula na bondade das outras pessoas, se agarrando desesperadamente a qualquer chance de fuga do seu inferno. O seu erro persiste até mesmo em seu derradeiro final e na confissão de culpa de seu nêmesis.
O filme é morno, apresenta uma rivalidade familiar que possui um passado interessante, mas que se perde em meio a uma confusão de roteiro. Alguns personagens não tem muito aprofundamento e tal coisa foi assim idealizada para manter uma aura misteriosa em torno deles, mas falha miseravelmente ao criar curiosidade no espectador, o que poderia ser um ponto fortíssimo no filme torna-se absolutamente desprezível, a despeito até das boas atuações de Jeremy Renner e Phoenix.
Apesar da entrega de Marion Cotillard e da culpa que consome a alma de sua Ewa Cybulski, a maneira como o roteiro conduz até o final é tristemente mal executada. Apesar de não ser mal escrito e ter em seu conteúdo uma boa quantidade de situações emocionantes, falta ineditismo e sem razão, visto que o tema não é tão explorado de forma competente no passado. A temática contestadora e polêmica poderia ser mais visceral com facilidade, mas ao invés de ter um enfoque maior nas agruras e no sofrimento de Ewa, tem a atenção voltada para a confusão mental/emocional de Bruno, o cafetão apaixonado e arrependido de ter deixado o seu bem mais precioso escapar por entre seus dedos, da forma mais natural possível para um homem como ele, transformando um sentimento que poderia ser terno em puro ressentimento, carregado de sujeira e podridão.
Extermínio 2 é uma grata surpresa. A continuação de Extermínioé inesperadamente superior ao seu antecessor. O filme começa com o estado de caos instaurado, assim como no primeiro, e é tão auto-contido que para se entender a trama não é necessário sequer assistir a prequência. As cenas de perseguição agora são fechadas, claustrofóbicas e amedrontadoras, a velocidade dos ataques continua, mas aqui elas são melhor realizadas.
Após o prólogo, é mostrada uma Inglaterra em reconstrução, após inúmeras etapas de descontaminação. É feito um cerco onde os não infectados são postos separados dos doentes, numa espécie de área segura – ainda que essa segurança seja muito discutível.
O ponto alto da narrativa é a relação familiar construída entre os protagonistas, e por mais que haja mil macguffins, é nesse ponto que o espectador atento deve focar. Juan Carlos Fresnadillo demonstra não só um bom tato com a câmera, mas também com as atuações. O elenco está em suas mãos e mesmo nas pequenas participações só há acertos.
Extermínio 2 é muito competente em causar pavor em quem o vê, não é pretensioso e passa uma mensagem final um pouco catastrófica, mas ainda assim real: a de que a esperança por uma descontaminação – e consequente retorno a um estado de vida normal – é quase nula.
A direção de Fresnadillo é algo extraordinário, a variação de estilos de filmagens com a câmera em primeira pessoa em determinado momento, em outros se utiliza de steadicam, se valendo de ambientes fechados e com pouca luz. Esses artifícios enriquecem demais a película, e proporciona a quem assiste um clima de pavor e suspense poucas vezes visto. Há outros elementos dentro do roteiro também interessantes, como a questão primordial sobre a proteção e o cerco que se faz ao Reino Unido, se este seria eficaz ou não, e se os métodos empregados pelo grupo de militares funcionariam numa condição tão calamitosa – estas indagações servem como metáfora para muitas questões cotidianas, e deixa uma resposta pouco agradável para a pergunta principal da franquia: A humanidade teria condições reais de combater uma praga tão avassaladora quanto a retratada na franquia?
O casal primeiramente mostrado – Robert Carlyle e Catherine McCormack – está ótimo, tanto na química, quanto no decorrer da história, mesmo com todos os desdobramentos e agruras pelas quais seus personagens passam. A dupla de crianças – Mackintosh Muggleton e Imogen Poots – também estão a vontade em seus papéis, emprestando ao drama familiar uma carga enorme de verossimilhança. No fim das contas, a história é quase que exclusivamente uma perseguição particular dentro do grupo de parentes citados. A relação entre eles é recheada de escolhas entre a vida e a morte (de seus membros) e a consequente dicotomia entre abandonar os entes queridos ou permanecer unidos como uma família normativa, ainda que o mundo – e a vida – tenha mudado totalmente.
Depois de surpreender o público com uma boa direção em Medo da Verdade, Ben Affleck dá sequência a sua nova carreira sem se desapegar de uma história policial. Atração Perigosa comprova que Affleck não teve sorte de principiante e, ao contrário de sua naufragada carreira como ator, apresenta domínio ao narrar uma história.
Baseada no romance Prince Of Thieves, de Chuck Hogan, a trama se passa em Boston, no bairro de Charlestown — alardeado no início do filme como um local conhecido pelo alto índice de assaltos a banco, um ambiente em que pais passam seus ensinamentos aos filhos como uma tradição.
Doug MacRay (Affleck) é o mentor de um grupo de ladrões que, mesmo em um assalto bem sucedido, decide levar uma refém como segurança. Encarregado de resolver a situação, Doug se aproxima da moça à procura de um novo rumo para sua vida.
A tensão se produz tanto dentro do próprio grupo, com MacRay desconfortável ao executar um novo golpe que colocaria o grupo em desnecessário destaque em investigações policiais, como na relação que estabelece com a vítima Claire, que acreditar viver um relacionamento saudável.
Além da direção bem executada também nas cenas de ação, a fotografia de Robert Elswit destaca a crueza do ambiente de uma cidade que não parece encontrar espaços para a ternura e para novas oportunidades de mudança de vida. Porém, a temática de ladrão arrependido que busca mudar de vida não é nova.
Com a receptividade positiva do filme, Affleck reconquistou parte do carisma perante ao seu público e planeja realizar uma continuação desta trama que, mesmo com algumas qualidades evidentes, me deixa com a sensação de que poderia ser melhor. Ainda que não consiga explicar a razão.
Era grande o desafio da Universal Pictures ao continuar sua lucrativa franquia Bourne, uma vez que tanto o diretor Paul Greengrass quanto o astro Matt Damon decidiram não retornar após o terceiro filme. Sobrou então para Tony Gilroy, presente desde o início na trilogia como roteirista e produtor, assumir também a direção e descascar o abacaxi. Felizmente, ele não optou por transformar de vez Jason Bourne em James Bond, trocando simplesmente o intérprete e contando uma história qualquer. Isso jamais funcionaria num série tão bem amarrada quanto esta. A solução foi partir para uma trama paralela e, entre a necessidade de conectar-se ao que veio antes e ao mesmo tempo desenvolver vida própria, pode-se dizer que O Legado Bourne tropeçou um pouco mas conseguiu esse complicado equilíbrio.
A história começa em paralelo aos eventos de O Ultimato Bourne, quando a merda cai no ventilador e a imprensa começa a divulgar informações sobre Jason e o Projeto Treadstone. Uma equipe governamental chefiada pelo Coronel Eric Byer (Edward Norton) se encarrega do controle de danos, e o principal temor é quanto à exposição de outros projetos secretos destinados à criação de super-espiões. O mais ameaçado deles é o chamado Outcome, que, além das técnicas de reprogramação psicológica vistas nos filmes anteriores, envolve até mesmo alterações genéticas nos pacientes. Quando começa a queima de arquivo, um dos agentes, Aaron Cross (todo espião tem nome maneiro, isso é regra), e a Dra. Marta Shearing se unem na fuga pela sobrevivência.
Seria inevitável comparar este filme com os anteriores, sendo eles tão bem conceituados pela crítica. Mas o quarto capítulo não faz feio diante dos demais, principalmente por apresentar uma história mais complexa, com mais cenários e desdobramentos políticos. Ponto positivo: dessa vez não ficamos limitados a ver perseguições e incessantes cenas da central de monitoramento. Os dois protagonistas são desenvolvidos antes de se encontrarem, e mesmo depois têm um objetivo mais claro do que puramente fugir e buscar informações. Por outro lado, essa preocupação comprometeu um pouco o ritmo do filme, que oscila entre o interessante o maçante. Também questionável é a decisão de eliminar de forma radical o Projeto Outcome: ficou a impressão de que uma abordagem mais cirúrgica eliminaria os riscos e permitiria manter o programa.
Jeremy Renner segue tentando se firmar como astro de ação e, após várias participações como coadjuvante após Guerra ao Terror, finalmente tem um filme pra chamar de seu. Ainda não foi dessa vez que ele chegou lá – não tem o carisma de um Tom Cruise ou Jason Statham -, mas se mostrou competente e conseguiu segurar o rojão. Está bem à frente de Sam Worthington ou Taylor Kitsch, por exemplo (não que isso seja algum mérito, mas enfim). Edward Norton, se é que alguém tinha alguma dúvida, interpreta ele mesmo e o faz bem, mesmo com o espaço limitado. Rachel Weisz, já meio veterana mas ainda linda, até no automático é uma atriz fantástica, e ganha como bônus alguns momentos para brilhar. De resto, uma pena que Joan Allen e David Strathairn tenham aparições relâmpago; seria legal ver mais desses ótimos atores.
Em linhas gerais, este poderia ter sido um filme à parte, já que Jason Bourne serve simplesmente como uma desculpa para tudo acontecer. Só que aí seria quase um plágio, pois o plot de projetos secretos de aperfeiçoamento de agentes e o clima de conspiração política justificam (ou quase) o “Bourne” no título. E, próximo ao final, temos as célebres marcas da franquia: parkour numa cidade exótica, perseguição no trânsito com a câmera fechada, e a música Extreme Ways, do Moby, chamando os créditos. Só faltou, e esta foi provavelmente a maior falha do filme, o épico combate mano-a-mano com um rival do mesmo nível, apesar da finalização desse inimigo ter sido muito inspirada. Com o final aberto, claramente deixando a intenção de prosseguir a franquia dentro da franquia, é triste que O Legado Bourne passe um tanto despercebido em meio aos vários lançamentos do verão norte-americano. Mas, como sonhar não custa nada, bem que Matt Damon podia mudar de ideia pra termos Jason Bourne ao lado de Aaron Cross num quinto filme.