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  • Top 20 | Diretores de Fotografia – Parte 1

    Top 20 | Diretores de Fotografia – Parte 1

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    Direção de fotografia é uma forma de arte quase que subestimada. Quando muitas pessoas vão ao cinema, elas podem perceber que a fotografia foi bonita, mas são poucas as pessoas que vão atrás do responsável por dirigir esse trabalho. Na grande parte das vezes essa pessoa pode passar despercebida do público geral, tirando a ressalva dos indicados ao Oscar. Mas cinéfilos com a paixão pela fotografia sabem que a sétima arte é completamente um meio colaborativo que enquanto alguns diretores trabalham ao mesmo tempo na fotografia, a grande maioria dos resultados que vemos na grande tela envolve o diretor, fotógrafo, designer de produção, figurinista e etc.

    Quando a fotografia digital começou a aparecer, de repente houve um boom de diferentes novas maneiras de capturar o filme. Alguns realizadores abraçaram as vantagens do digital, enquanto outros optaram por isso como um recurso visual extra. No fim do dia a câmera é uma das muitas maneiras de dar vida ao visual do seu filme. E hoje posso dizer que, vivemos um momento muito interessante para a fotografia.

    Existe um número considerável de fotógrafos que tem trabalhos dignos de serem ressaltados, mas para fechar esse artigo eu selecionei apenas 20. Os citados aqui representam profissionais que atuam hoje na indústria, com diferentes maneiras e estilos para fascinar o espectador, o que ligam todos é que estão fazendo um trabalho fenomenal na sua área.

    20 – Roger Deakins

    Trabalhos: Skyfall, O Assassinato de Jesse James pelo covarde Robert Ford, Fargo.

    Roger Deakins é um mago. Ele vem lapidando seu talento há quatro décadas e só continua melhorando. Deakins recusou as escolhas óbvias, resultando na iconografia marcante que permeia Onde os Fracos não tem Vez e Um Sonho de Liberdade, e ele parece completamente confortável fotografando um longa cômico como Queime Depois de Ler assim como um épico histórico como Invencível. Suas colaborações mais frequentes são com certeza com os Irmãos Coen, mas comparando seu trabalho nesses filmes com A Vila ou Sicario de fato denota a competência do mesmo para atribuir diferentes estéticas para cada visão de diretor. Você conhece quando um filme é fotografado Deakins, mas o mesmo tem uma capacidade de camaleão de atravessar os gêneros. De uma maneira técnica Skyfall e  O Assassinato de Jesse James pelo covarde Robert Ford são suas obras-primas mesmo sendo filmes completamente diferentes.

    19 – Jody Lee Lipes

    Trabalhos: Manchester à Beira Mar, Girls (1ª Temporada), Martha Marcy May Marlene.

    Jody Lee Lipes é relativamente um novato em comparação aos outros nomes da lista, mas ele chegou com o pé direito, estreando sua carreira com o sombrio Martha Marcy May Marlene e a primeira temporada de Girls, da HBO. Com esse último, Lipes aceitou o desafio de capturar Nova York de maneira completamente diferente, e ele conseguiu. Cada episódio de Girls parece que foi artesanalmente enquadrado, e muita dessa impressão vem das influências anteriores do mesmo. Desde então, ele pegou projetos como a comédia de Judd Apatow e Amy Schumer, Descompensada, mas é sua colaboração com o diretor Kenneth Lonergan no obra prima dramática Manchester à Beira Mar que marca sua posição como um dos d. de fotografia mais promissores de hoje. Aos que não viram Machester fiquem avisados que verão tomadas extremamente envolventes durante o longa.

    18 – Bradford Young

    Trabalhos: Selma, O Ano mais Violento, A Chegada.

    Se você esta procurando por novos rostos no quesito direção de fotografia, Bradford Young deve estar no topo de sua lista. Nós sabíamos que pelo seu trabalho no Neo-Western Amor Fora da Lei que ele era capaz de capturar um gênero de maneira intimista, e Pariah provou sua capacidade de se adaptar a fotografia road-movie. Mas foi em 2014 com Selma que ele se mostrou muito mais que um fotógrafo competente. Young tem um controle intenso do ponto de vista do personagem, trabalhando em conjunto com Ava DuVernay, ele ajudou a narrar a solidão marcante que foi a vida de Martin Luther King Jr., fora a cena do terrível ataque na ponte Edmund Pettus. Com a ambientação oitentista de O Ano mais Violento, Young mais uma vez brilhou, e não é surpresa que ele foi escolhido pra substituir Roger Deakins no novo filme de Denis Villeneuve, o sci-fi/drama A Chegada.

    17 – Bill Pope

    Trabalhos: Matrix, Homem-Aranha 2, É o Fim.

    Bill Pope tem uma carreira fascinante. Passeando por gêneros completamente díspares, de Uma Noite Alucinante a um longa de estúdio engessado como As Patricinhas de Beverly Hills, ele pode ter como seu trabalho mais reconhecido o revolucionário Matrix, de 1999, mas seu currículo não para por aí. Pope reprisou seu talento nas sequências da franquia e se manteve em blockbusters como Homem-Aranha 2 e 3, e ainda arranjou tempo pra trabalhar em filmes conhecidos por terem sido produções muito problemáticas como Team America: Detonando o Mundo, e agora se tornou o Diretor de Fotografia oficial do diretor Edgar Wright depois de sua primeira colaboração em Scott Pilgrim contra o Mundo. Pope tem uma incrível capacidade de produzir imagens pop, mas de um maneira intrigante, ele sabe como prosseguir cenas de ação. Mas o mais importante, Pope não aparenta ter medo de tentar coisas novas. Sejam bonequinhos, super-heróis, ou até a série Cosmos. Pope se prova o mais versátil até hoje com o lançamento desse ano Mogli: O Menino Lobo  e o piloto da série Preacher mostram que ele se mantêm confortável tanto no ambiente em CG como numa cidadezinha no meio do nada no Texas, e os dois são incríveis!

    16 – Maryse Alberti

    Trabalhos: Creed, O Lutador, Velvet Goldmine.

    Maryse Alberti é um dos exemplos mais interessantes dessa lista. Ela começou no ramo dos documentários. Suas tomadas mostravam uma carreira já promissora como no filme Um Táxi Para a Escuridão e mostrando ser altamente capacitada para longas quando colaborou com o diretor Todd Haynes, em 1998, com Velvet Goldmine. O trabalho de Alberti alcança destaque para a maioria dos espectadores no filme de Darren Aronofsky, O Lutador, novamente mostrando assim como Bradford Young um enorme talento em capturar o ponto de vista do protagonista. Se já não bastasse, ela foi a primeira escolha de Ryan Coogler quando estava desenhando a ideia de sua sequência de Rocky Balboa, resultando numa obra contundente e emocionante tanto dentro quanto fora do ringue. De fato, existem dois planos-sequências em Creed: Nascido Para Lutar que não são apenas visualmente incríveis mas que tem um propósito em cena. Você consegue sentir a ansiedade de de Michael B. Jordan dentro da montagem da cena.

    https://www.youtube.com/watch?v=pqSSHmr8bR4

    15 – Darius Khondji

    Trabalhos: Se7en, A Imigrante, Meia-Noite em Paris.

    Lá em cima com Deakins, Darius Khondji é um veterano da fotografia cinematográfica, trabalho esse que sempre parece ficar melhor. Nascido no Irã, o diretor de fotografia já deixou sua marca colaborando com David Fincher no longa Se7en – Os Sete Crimes Capitais, capturando a sujeira e o desespero da cidade sem nome com um tipo de beleza mal assombrada. E mais tarde, se tornou co-diretor de fotografia de Woody Allen em Meia -Noite em Paris. Fora isso, foi seu trabalho no longa de James Gray, em 2013, no drama histórico A Imigrante que solidificou seu lugar como um dos melhores de todos os tempos. O filme é carregado de sequências inesquecíveis, mas é nos closes que ele se mostra genial, reforçando de maneira curiosa a temática do longa.

    14 – Claudio Miranda

    Trabalhos: As Aventuras de Pi, O Curioso Caso de Benjamin Button, Tron: O Legado.

    Como a fotografia em CG ganhou popularidade, a quantidade de diretores de fotografia para CG cresceu progressivamente. Claudio Miranda se tornou referência quando o assunto vem à tona. Miranda se tornou algo como a ponte entre a fotografia real e o CG, do realista O Curioso caso de Benjamin Button até o sci-fi Tron: O Legado. Ele sabe o seu caminho através do cada enquadramento, e nenhum deles é tão atraente quanto em As Aventuras de Pi, de Ang Lee. Os cenários e personagens são todos em CG, o ator Suraj Sharma é o único elemento real enquadrado em boa parte do filme e mesmo assim Miranda encontrou beleza que salta os olhos no longa, resultando em muitas indicações e estatuetas no Oscar.

    13 – John Guleserian

    Trabalhos: Questão de tempo, Paixão Inocente, Casual.

    O diretor de fotografia John Guleserian marcou sua trajetória em passos largos. Iniciando sua carreira com a série Tim and Eric Awesome Show, Great Job!, foi seu trabalho com Drake Doremus em Loucamente ApaixonadosPaixão Inocente, e o último lançado Quando Eu Te Conheci que realmente mostraram o potencial do fotógrafo. Existe algo crespo no universo imagético de Guleserian que traz o espectador para muito perto do que ocorre em tela, e o uso frequente de câmera na mão apenas aumenta essa impressão dos personagens no filme. Mesmo com filmes muito focados em luz como em Questão de Tempo, algo permanece urgente e próximo que permeia até as cenas mais periféricas.

    12 – Jeff Cronenweth

    Trabalhos: Clube da Luta, Retratos de Uma Obsessão, Abaixo o Amor.

    Se tem dito muitas vezes que David Fincher é um diretores que sabe fazer seu trabalho melhor que ninguém, mas existe um motivo pelo qual ele colaborou Jeff Cronenweth em Clube da Luta além de seus últimos três filmes seguidos. A diversidade na paleta entre A Rede Social e Os Homens que não amavam as Mulheres é chocante e o controle de Cronenweth sob cada enquadramento não é menos impressionante. O imagético muitas vezes de natureza estéril reflete a frieza de muitos dos personagens da trama, mas em filmes como Garota Exemplar e até Hitchcock, Cronenweth provou que ele pode manter esse consistência de qualidade a cada enquadramento até hoje.

    11 – Emmanuel Lubezki

    Trabalhos: Árvore da VidaAliA Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça.

    A lista não poderia estar completa sem Emmanuel Lubezki, que está destinado a ser um dos maiores diretores de fotografia que já viveu. Foi indicado ao seu primeiro óscar por A Princesinha, de 1996, mas esse foi apenas o começo. Sua colaboração com Alfonso Cuaron trouxe um trabalho impactante para diversos filmes como E Sua Mãe TambémFilhos da Esperança e Gravidade. A inclinação de Lubezki para a fotografia “câmera-na-mão” é a primeira vista surpreendente e intimista, permitindo que a audiência sinta que elas também são parte importante da trama. Sua parceria com Terrence Malick provou francamente ser um pioneiro, trazendo a audiência tão próxima que chega a ser desconfortável, e mesmo assim conseguiu construir algo bonito e poético com A Árvore da Vida, onde a técnica parece tornar o longa de outro mundo. E nem precisamos citar Birdman e O Regresso. O homem é um mestre na fotografia, mago da natureza e acima de tudo um realizador excitante.

    Gostaram até aqui? Continue acompanhando o Vortex Cultural que em breve postaremos a segunda parte!

    Texto de autoria de Halan Everson.

  • Crítica | A Chegada

    Crítica | A Chegada

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    O começo do novo filme de Dennis Villeneuve mistura docilidade com melancolia, mirando um evento bastante sentimental antes de adentrar na questão central da vinda de alienígenas pelo globo terrestre. A Chegada tenciona ser poético e reflexivo, resgatando conceitos antigos de Carl Sagan a fim de reimaginá-los, mas esbarra em um maniqueísmo que já havia sido ofensivo em Sicário e que aqui, é suavizado. O drama é contado através da vivência da doutora em linguística Louise Banks, vivida por sua vez por Amy Adams.

    Louise é uma mulher bem resolvida, inteligente, solteira e de pensamento progressista. No passado ela já havia auxiliado o governo americano com uma situação com árabes, da qual se arrependeu, já que os americanos cercearam a vida de seus adversários sem piedade. Quando ocorre um evento global de invasão de alienígenas, é a linguista que chamam, após uma situação de calamidade e comoção que se assemelhava demais ao ocorrido em 11 de Setembro de 2001.

    Villeneuve é indiscutivelmente um diretor interessante, seu trabalho de imagens é de uma qualidade ímpar e o mesmo está sempre acompanhando por bons cinematógrafos. No episódio anterior, o diretor canadense havia trabalhado com Roger Deakins, e neste sci-fi a direção de fotografia está a cargo de Bradford Young, que já havia mostrado um olho apurado para cenas de suspense e tensão tanto em Selma quanto em O Ano Mais Violento. Young apresenta imagens lindíssimas e consegue harmonizar o CGI fruto do orçamento milionário com cenas emocionantes e carregadas de melodrama, fazendo toda a questão soar naturalista apesar do aspecto fantasioso presente na adaptação do livro de Ted Chiang, Story Of Your Life.

    O principal problema no texto é compartilhado com o nome da literatura do qual foi baseado, uma vez que todos os aspectos positivos do filme e toda a filosofia por trás dos visitantes giram em torno de uma experiência individual, no caso de Louise. A personagem de Adams é forte mas há um claro desequilíbrio narrativo. Todo e qualquer personagem da trama soa caricato e forçado, para fazer a protagonista brilhar sozinha, sub aproveitando os préstimos de gente tarimbada como Forest Whitaker e Michael Stuhlbarg, e outros famosos como Jeremy Renner. O enfoque na mulher soaria ainda mais interessante se aqueles que a envolvem não fossem tão incapazes de gerar nuances diante das câmeras.

    O estabelecimento do primeiro contato é feito gradativamento, pautado no talento da linguista que consegue em pouco tempo estabelecer uma empatia com os visitantes. A questão da gravidade é recorrentemente mencionada dentro do argumento, e a demonstração gráfica dela soa interessante. A questão é que esse escopo de realidade e pragmatismo é levado em conta em alguns momentos e em outro não, fazendo com que toda a suspensão de descrença para alguns graves furos de roteiro de Eric Heisserer soe ofensiva. O paradoxo estabelecido dentro da história beira o deus ex machina, fator que infelizmente está cada vez mais em uso nos blockbusters, quase jogando o filme em uma vala comum e medíocre.

    O cenário sócio político é risível, mais uma vez se apelando para uma paranoia que cabia mais na época da Guerra Fria do que em 2016, ao mostrar os Estados Unidos como o povo mais compreensivo com os problemas de comunicação e os chineses como seres teimosos, que só se veem compelidos a mudar sua atitude depois de uma revelação pessoal e certeira em uma de suas autoridades. A inteligência do roteiro mora também em um de seus defeitos, já que apesar da glamourização do auto sacrifício soar pueril e oportunista, também acaba fazendo paralelo com o pensamento freudiano de que a simples ciência de um diagnóstico de uma condição de doença não necessariamente a soluciona, semelhante ao visto na dor que Louise teria de sentir mesmo tendo consciência do que ocorreria no futuro. A Chegada mira uma versão moderna de Contato e entrega um desfecho de dádiva bastante parecido com o de Highlander, ainda que a seriedade da película de Villeneuve em nada tivesse semelhança com a de Russel Mulcahy. Ainda assim, pelas questões propostas e pelo fascínio ao que o humano desconhece, Arrival soa interessante apesar de suas falhas de concepção.

  • Crítica | O Ano Mais Violento

    Crítica | O Ano Mais Violento

    Um Ano Mais Violento 1

    O Ano Mais Violento se passa no árido inverno de 1981 em Nova York, e inicia-se já apresentando o histórico violento da cidade bem como o seu futuro incerto e desajustado. Índice de assassinatos em alta, roubos não investigados, e um sistema judiciário inchado e coberto de interesses políticos.

    É neste cenário que o empresário e imigrante Abel Morales (Oscar Isaac) e sua esposa Anna (Jessica Chastain) lutam para progredir no negócio de venda de combustível enquanto tentam lidar com suas éticas internas e com a violência opressora da cidade. Vítimas constantes de roubos e da vigilância do ambicioso promotor local (David Oyelowo), os personagens empalidecem sua aparência civilizada a cada novo golpe que sofrem, cada vez mais tendendo à opção de moldarem-se ao modus operandi da cidade.

    Em plena ascensão, Abel é mostrado como um homem rígido e eventualmente caridoso que subiu na vida através do seu talento e do casamento com Anna, e tendo como carta final a compra de um terreno de logística privilegiada que lhe garantirá o poder que tanto almeja. Seu destaque empresarial e resiliência pessoal contrastam-se, porém, com a trajetória de seu jovem empregado Julian, que se quebra frente à pressão de suas próprias incapacidades até apresentar-se como um problema para Abel e suas ambições.

    Uma das preocupações do roteiro é não mostrar apenas a violência urbana. Está claro que na verdade estamos falando de uma época mais civilizada que antes. Esse “antes” é a época dos gângsteres, que dominavam o mercado na violência e na troca de tiros. O que faz desse ano descrito o mais violento não é a violência física em si, mas a recente desinstitucionalização dessa violência.

    Não é incomum pessoas que viveram sua infância na década de 1940, por exemplo, rascunharem o relato de uma época mais pacífica, saudável e solidária que a atual, mesmo que esta tenha sido a década em que 40 milhões de pessoas morreram tão violentamente em uma guerra mundial. O motivo é que, quando sob aval social, a violência perde impacto, e com o tempo acaba por ser digerida pelo sistema.

    Usando Oscar Isaac (Inside Llewyn Davis – Balada de um Homem Comum) como astro, é notório que, apesar de seu talento, o ator desaparece cada vez que Jessica Chastain (A Hora Mais Escura) aparece em cena. Isso não é por acaso, pois a direção de J.C. Chandor faz questão de iluminá-la e destacá-la em todas suas aparições, demonstrando todo o magnetismo daquela mulher que, ao contrário do marido, é capaz de fazer o que é necessário. Cria de uma sociedade gângster, ela se mostra capaz de adaptar-se à sociedade atual, mais civilizada e de sobretudo, mas sem deixar suas garras de lado.

    Subliminarmente perversa desde o início, Chastain faz um belíssimo papel demonstrando que, como disse Mario Puzo, por trás de toda grande riqueza sempre há um grande crime, fazendo do “American Dream” tudo, menos um sonho.

    Texto de autoria de Marcos Paulo Oliveira.

  • Crítica | Selma: Uma Luta Pela Igualdade

    Crítica | Selma: Uma Luta Pela Igualdade

    Selma - Luta pela Liberdade - poster brasileiro

    Vulgarizamos o que não entendemos, essa é uma das verdades sobre nós. Assim é com a matemática, quando esta deixa de ser divisão e vira fração na terceira série, ou com aquela redação dada em uma época que ainda não sabemos como segurar a caneta corretamente. Estende-se essa negação quando muitos veem um casal gay na calçada, e, se não atravessam a rua, preferem cometer barbaridades a deixar que cada um viva como queira viver.

    Desculpas ao riso são músicas em inglês em ouvidos treinados em uma única língua, ou alguém que veste amarelo aos olhos de quem só gosta de verde. Não menos que um negro, hoje o homem mais poderoso do mundo ocidental, disputando eleições na maior democracia consolidada do planeta. Fato risível, isso sim, na penosa, quase cármica época que o leve e forte filme da (ótima) cineasta Ava DuVernay se apropria em recriar com fidelidade, dor e esperança no Cinema, sem quaisquer apologias emocionais ou de caráter caricatural como nos recentes 12 Anos de Escravidão, Django Livre ou Gran Torino – neste último caso, racismo explícito contra japoneses.

    Todos esses filmes, bons ou regulares, atestam a ignorância humana a favor do desumano, enquanto Selma – Uma Luta Pela Igualdade opta pela ausência dessa ignorância em troca da presença do medo que poderosos brancos tinham de dividir um grama de seu poder com uma voz… diferente. Não é ignorância frente ao desconhecido, é medo de perder o poder, pois sabiam e sabem que, se uma voz consegue reunir duas pessoas, pode reunir 200 ou 3000 para protestar contra o que as impede de ser feliz na tentativa de sobreviver. E assim como Doze Homens e Uma Sentença, clássico de Sidney Lumet, um filme americano novamente discute, sem medo e com um fôlego renovado, as dívidas morais de uma sociedade, procurando um calor progressista em um conservadorismo congelado e congelante.

    Há muitos paralelos entre a obra de Lumet e esta de Ava, em especial o debate temático mostrado em tela, o suficiente para inspirar o espectador a se posicionar ante o certo e o errado, diante do que sente, sobretudo na perspicácia de explorar recantos intrínsecos ao status de cidadania, como a criminalidade, direitos civis e meritocracia, com um background repleto de questões atemporais e principalmente ricas em perspectiva e grau de tratamento artístico.  Ao “reescrever” a história de Martin Luther King, primeiro o homem e depois o herói, o escritor Paul Webb, de Lincoln (um ótimo roteiro, fragilmente adaptado por Steven Spielberg) volta aos malabarismos com o racismo e a segregação temporal, numa verdadeira lucidez temática sobre o assunto, e finalmente muito bem traduzido por Ava. A diretora, em seu terceiro longa-metragem – quase Like a Virgin, mas habilidosa a ponto de deixar ações e trilha sonora falarem mais alto que palavras – não se apoia nos recursos de liderança já citados, mas no gênio da artista de extrair bom senso, leveza e ponderação ética do material escrito por Webb. Trabalho de veterano(a) com garra de principiante.

    Faça a Coisa Certa, Fruitvale Station: A Última Parada, Compasso de Espera e, agora, este belo tratado sobre as fraturas do convívio humano… Ressacas sociais filmadas como rito de consciência e inteligência interemocional, fazendo, através de um arranjo tão forte, grandes filmes. Filmes além de pretensões para com gregos e troianos, senão com a harmonia entre a realidade e a ficção, com o contraponto da política teórica de gabinete e a política violenta das calçadas, valorizando a força real das situações graças à potência empregada com uma câmera de Cinema (um toque de parcialidade quanto ao drama vivido), e o poder deste em recriar uma época, suas cicatrizes e implicações com o hoje e, certamente, o amanhã.

    Selma carrega uma grande e imperturbável estabilidade emocional, transmitindo-nos segurança para a veracidade de fatos e relatos demonstrados em imagens difíceis de esquecer, como as impressionantes marchas de negros nas ruas e pontes de uma nação de mentalidade ainda escravista, excomungando cidadãos não reconhecidos como tal, com forças policiais caninas e leis de separação étnica, como se não bastasse. Cenário ainda retratado no Brasil, graças à violência policial e outras expressões de poder igualmente apodrecidas de dentro para fora. No filme, um retrato sem moldura, um alívio da realidade. Em cada olhar de uma atuação coletiva impecável, notam-se as expressões reproduzidas nos jornais, de famílias removidas de suas casas, e feições em protestos a favor de uma qualidade de vida melhor – e proibida.

    Extrovertido em suas conclusões, com alma introvertida em momentos mais íntimos, onde o Sr. e a Sra. King tiram a limpo suas disposições à causa negra e devoções conjugais. O que é para muitos um drama, tachado como melodrama, tamanha a sensibilidade, feminina ou não, para com o seio a nutrir e transmitir forças ao herói em frente a Casa Branca, num discurso de políticas igualitárias histórico, num dos momentos decisivos da história americana. Selma é um símbolo que vai além de justificar, por sinal, apenas o nome da cidade onde os negros foram primeiramente reconhecidos como gente antes do resto do mundo, assim como o bairro Castro, em São Francisco, o foi para os homossexuais, e todas as veredas ainda a se tornarem marcantes para “populações inferiores”, no futuro. Assim, a partir de tais verdades compartilhadas ao leitor, nenhuma tecnologia evitará que o futuro seja o espelho do passado, enquanto quem usa verde desprezar quem gosta de amarelo.