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  • Crítica | Operação Fronteira

    Crítica | Operação Fronteira

    O cinema de ação, ao contrário de vários gêneros e subgêneros compreendidos pelo cinema, não é um sobrevivente, e sim uma constante; se há variações de estilo e graus de comprometimento com certas estéticas e abordagens narrativas, há também a segurança de que sempre haverá espaço, tanto nas telonas quanto nos serviços de streaming e demanda, para tiroteios, explosões e dinâmicas agressivas para personagens igualmente agressivos (se não em essência, ao menos em método). Desta forma, os filmes de ação carregam um estandarte de entretenimento que só é rivalizado pela fantasia, e nos últimos anos, a cruza entre ambos promovida pelo boom de filmes de super-heróis e super-heroínas tem sido o padrão deste tipo popular (em todos os sentidos) de produção; de filmes da Marvel a Velozes & Furiosos e John Wick, personagens icônicas e sagas crescentes tomam os holofotes, mesmo que não existam super-poderes em cena. Às vezes, no entanto, há tentativas de valorizar maneiras diferentes e mais tranquilas de se realizar ação – e Operação Fronteira, novo filme de J. C. Chandor, responsável por Margin Call, Até o Fim e O Ano Mais Violento, é um bom exemplo da contramão a estes exemplares recentes em voga.

    Protagonizado por um elenco carismático e mais estrelado do que o normal para produções (em tese) mais modestas, puxado por Oscar Isaac e Ben Affleck, Operação Fronteira traz um grupo de ex-combatentes de elite das forças armadas estadunidenses, liderados por Redfly (Affleck) e reunidos por Santiago (Isaac), tentando empreender um roubo à mansão de um narcotraficante, situada em uma tripla fronteira sul-americana, com base nas informações obtidas por uma informante de Santiago (Adria Arjona) enquanto este atuava como consultor para as polícias colombianas (a frequente adesão de soldados dos Estados Unidos a PMCs, private military contractors, ou seja, mercenários de exércitos de aluguel, é brevemente citada pelo personagem de Charlie Hunnam, William Ironhead Miller). Redfly, um estrategista nato que tenta (e fracassa em) levar uma vida pacata, é convencido por Santiago, e logo se junta a Ironhead, Ben (vivido por Garrett Hedlund, irmão de Ironhead) e Francisco Catfish Morales (Pedro Pascal, continuando sua onipresença hollywoodiana) para o golpe no criminoso local, Lorea (Rey Gallegos).

    Obviamente nem tudo sai conforme o planejado e mesmo que a competência dos envolvidos seja à prova de balas, suas fibra moral e resiliência não são, e é neste aspecto que Operação Fronteira consegue se libertar um pouco das amarras de um roteiro medíocre e de uma trama francamente desinteressante. A casualidade do planejamento do roubo e a violência (muitíssimo bem orquestrada e demonstrada) contida porém impactante desencadeada pelas ações dos ex-militares tornados em ladrões lembra alguns dos melhores momentos de Michael Mann em filmes como Colateral e Miami Vice, mas as semelhanças são mais espirituais do que visuais ou técnicas; Chandor não parece interessado em compor cenas emblemáticas e grandes sequências de ação, e sim nas consequências imediatas das deturpações à ordem natural dos lugares por onde Santiago e sua equipe passam, e o fato de Operação Fronteira ser em grande parte um filme suspeitosamente mais silencioso e marásmico do que a imensa gama do cinema de ação dá suporte a esta impressão. O filme não entra em excessivos detalhes acerca de suas personagens e dos procedimentos que estas conduzem, nem mesmo no ato que motiva a reunião dos soldados desiludidos e dá nome (extraoficial) à produção.

    Se por um lado a superficialidade da construção das personagens, de suas motivações, e as próprias preparação e execução dos planos soa mais sossegada (ou até preguiçosa) do que se espera, a própria falta de estofo dos protagonistas e o empenho trivial em suas ações denota a estatura social e emocional lastimável na qual se encontram, especialistas em serviço de ideias efêmeras e improdutivas, de acordo com suas (expositivas) falas. Ainda assim, a história de Mark Boal (colaborador de Kathryn Bigelow em filmes igualmente dúbios mas bem mais aflitos), roteirizada em conjunto com o diretor, não investe muito na desilusão do grupo de militares ao léu — apenas o suficiente pra impulsionar a curta trama e contextualizar certas atitudes (e até alguns atalhos dramatúrgicos meio esquisitos). Além desta franqueza roteirística, existe uma curiosa e irônica honestidade para um filme a respeito de um roubo perpetrado por soldados norte americanos em solo latino. O espectador é poupado de visões redentoras e de discursos sociopolíticos sobre a intervenção de gringos em solo brasileiro, paraguaio, colombiano ou peruano, sobretudo de tentativas de explicar ou mesmo compreender os panoramas do crime organizado e do narcotráfico regional. Nem haveria tempo para palestras fora de propósito: o ritmo de Operação Fronteira também consente sua proposta; embora pautado por vários eventos de extrema urgência, todas as sequências tomam um tempo suficiente e compreensível, sem muitos apelos artificiais aos comuns momentos de frenesi e corrida contra o tempo que caracterizam o nicho que ocupa.

    É positivamente surpreendente, aliás, que esta obra seja tão despida de ambições e tentativas de fazê-la emplacar de qualquer maneira; Operação Fronteira vagou num limbo hollywoodiano por pelo menos oito anos, tendo diversos nomes e estúdios associados à sua produção, e só ganhando tração a partir da aquisição de seus direitos pelo Netflix. Nem sempre estes construtos cinematográficos ganham vida, e quando ganham, costumam exibir as marcas de tantas ideias diferentes acopladas ao longo do tempo (além de pressa nas suas realizações, o que raramente permite resultados acima da média).

    Evitando construir e concluir o filme ao redor de momentos de catarse, e emprestando uma dignidade quieta mesmo aos instantes mais impactantes e enérgicos, J. C. Chandor acabou concebendo Operação Fronteira como um filme de ação desprovido de solenidade e eficiente em encapsular heist movies e militaria sem glorificar, suavizar ou exagerar os cacoetes das obras de mesmo gênero e/ou subtipo. Seus filmes anteriores compartilham componentes similares de andamento e parcimônia, e seu mais que bem-vindo acerto foi comandá-lo da mesma forma, sem dar espaço a certas distrações e tendências. Sem dúvida um tempero mais forte nas personagens e na tensão poderia dar a quem assiste uma forma mais impressionante, mas é possível celebrá-lo tanto pelo que Operação Fronteira é quanto pelo que não é, e se a norma é fazer filmes pretensamente ribombantes e espetaculares, entupidos de *camadas* e elementos a descobrir (sequer sabendo se vale a pena fazê-lo), é bom o suficiente que este título a desafie.

    Texto de autoria de Henrique Rodrigues.

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  • Crítica | O Ano Mais Violento

    Crítica | O Ano Mais Violento

    Um Ano Mais Violento 1

    O Ano Mais Violento se passa no árido inverno de 1981 em Nova York, e inicia-se já apresentando o histórico violento da cidade bem como o seu futuro incerto e desajustado. Índice de assassinatos em alta, roubos não investigados, e um sistema judiciário inchado e coberto de interesses políticos.

    É neste cenário que o empresário e imigrante Abel Morales (Oscar Isaac) e sua esposa Anna (Jessica Chastain) lutam para progredir no negócio de venda de combustível enquanto tentam lidar com suas éticas internas e com a violência opressora da cidade. Vítimas constantes de roubos e da vigilância do ambicioso promotor local (David Oyelowo), os personagens empalidecem sua aparência civilizada a cada novo golpe que sofrem, cada vez mais tendendo à opção de moldarem-se ao modus operandi da cidade.

    Em plena ascensão, Abel é mostrado como um homem rígido e eventualmente caridoso que subiu na vida através do seu talento e do casamento com Anna, e tendo como carta final a compra de um terreno de logística privilegiada que lhe garantirá o poder que tanto almeja. Seu destaque empresarial e resiliência pessoal contrastam-se, porém, com a trajetória de seu jovem empregado Julian, que se quebra frente à pressão de suas próprias incapacidades até apresentar-se como um problema para Abel e suas ambições.

    Uma das preocupações do roteiro é não mostrar apenas a violência urbana. Está claro que na verdade estamos falando de uma época mais civilizada que antes. Esse “antes” é a época dos gângsteres, que dominavam o mercado na violência e na troca de tiros. O que faz desse ano descrito o mais violento não é a violência física em si, mas a recente desinstitucionalização dessa violência.

    Não é incomum pessoas que viveram sua infância na década de 1940, por exemplo, rascunharem o relato de uma época mais pacífica, saudável e solidária que a atual, mesmo que esta tenha sido a década em que 40 milhões de pessoas morreram tão violentamente em uma guerra mundial. O motivo é que, quando sob aval social, a violência perde impacto, e com o tempo acaba por ser digerida pelo sistema.

    Usando Oscar Isaac (Inside Llewyn Davis – Balada de um Homem Comum) como astro, é notório que, apesar de seu talento, o ator desaparece cada vez que Jessica Chastain (A Hora Mais Escura) aparece em cena. Isso não é por acaso, pois a direção de J.C. Chandor faz questão de iluminá-la e destacá-la em todas suas aparições, demonstrando todo o magnetismo daquela mulher que, ao contrário do marido, é capaz de fazer o que é necessário. Cria de uma sociedade gângster, ela se mostra capaz de adaptar-se à sociedade atual, mais civilizada e de sobretudo, mas sem deixar suas garras de lado.

    Subliminarmente perversa desde o início, Chastain faz um belíssimo papel demonstrando que, como disse Mario Puzo, por trás de toda grande riqueza sempre há um grande crime, fazendo do “American Dream” tudo, menos um sonho.

    Texto de autoria de Marcos Paulo Oliveira.

  • Crítica | Até o Fim

    Crítica | Até o Fim

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    A sensação desesperadora de que tudo se findou, especialmente a esperança, é deveras desalentadora. O monólogo de Robert Redford dá vida ao solitário sujeito, que enfrenta a duras penas o isolamento em alto mar e que aos poucos, desconstrói a imagem de macho alfa que a própria carreira deste como ator, aos poucos construiu. O segundo filme de J. C. Chandor é bem mais intimista que o seu anterior (o “drama econômico” Margin Call: O Dia Antes do Fim), e com diversos signos visuais discute a resolução do homem e sua autossuficiência.

    Após um contêiner bater em sua embarcação, o homem tenta remediar o rombo que ficou em seu veículo, uma vez que era o único tripulante em sua embarcação. Nem as rugas, que evidenciam uma longa jornada já vivida e nem a perda de alguns dos possíveis contatos seus com o mundo civilizado – computadores, celulares, etc – fazem o sujeito parar ou esmorecer em sua busca por conserto, afinal, sua subsistência dependeria naturalmente disto. O modo com que ele se movimenta prioriza as ações comuns e subterfúgios mais fáceis, só que até esse planejamento se mostra falho.

    Em poucos momentos o silêncio é cortado, são passados quase vinte minutos entre a primeira fala – uma confissão do Homem a qualquer alguém que ele perdeu ou perderá – e a segunda – uma transmissão de rádio não concluída por ele. O navegador em questão não é tão habilidoso, visto que diante de uma dificuldade ele lança mão de um manual de instruções para conseguir manejar a situação difícil que tem em mãos, ele representa o homem comum, que em busca de sobreviver às agruras da vida, acaba se alimentando de fórmulas mil e de listas que a priori o ajudariam a enfrentar com mais facilidade seus problemas cotidianos, mas que na prática, constituem-se máximas inúteis e que funcionam apenas no discurso. Não existem soluções fáceis, e nenhum manual para superar a vivência e a experiência adquirida depois de tais fatos ocorridos.

    A lente de Chandor flagra todo o desespero do rosto presente nas expressões impingidas pelo veterano ator. O naufrágio iminente pode ser usado como alegoria para inúmeras questões comuns a vida do homem: velhice, condições de saúde precárias, morte anunciada. A fotografia de Frank G. DeMarco e Peter Zuccarini ajuda muito a aumentar a expectativa do público em saber qual será o destino do seu herói. A câmera é trôpega e periquitante, como toda a trajetória do personagem retratado em tela, ela emula toda a dificuldade que o sujeito tem em manter-se vivo.

    O mesmo mar revolto, antagonista da jornada do Homem, pode ser palco de exibições sublimes, de pequenas e inofensivas criaturas marinhas, incapazes de fazer qualquer coisa que não embelezar a paisagem.

    A experiência de Até o Fim é muito melhor vivenciada quando se faz no ambiente do espaço cinema, onde a ausência de luz e de ações externas permitem ao espectador mergulhar fundo na história contada. Desse modo a empatia pelos dramas vividos pelo personagem de Redford tornam-se mais profundas e a identificação torna-se maior. A possibilidade de escapar através da intervenção de uma outra embarcação, maior e mais carregada de significados é frustrada, mas, uma vez se refutando as respostas usadas pelo senso comum, o homem está inexoravelmente só.

    O homem, ao tentar atingir os seus iguais, que estão em melhores condições, se farta da insistência e decide despedir-se daquela situação. A carta redigida representa o adeus resignado, a antiga fome pela vida dá lugar a irremediável conformidade, ainda que ainda lhe sobre um pouco de esperança, lá no fundo. A sua última tentativa de chamar a atenção dos “grandes” acaba por dar muito errado. Subjugado por dois elementos básicos da natureza, o Homem sucumbe, graças ao seu isolamento, só conseguindo emergir de volta à vida depois de angariar o auxílio de outros. Até o Fim é um estudo sobre o presente, sobre o quão cega pode ser a percepção de quem está em uma posição privilegiada a respeito dos que estão necessitados e sobre o quão devastadora pode ser a presença da soledade na vida do homem. O esforço e esmero de Redford e Chandor é muitíssimo recompensado, trazendo à luz um filme reflexivo e profundo, sem abrir mão da simplicidade.