Tag: Robert Redford

  • Crítica | Mais Forte Que a Vingança

    Crítica | Mais Forte Que a Vingança

    Bem antes de ser o cabeça da Hidra, organização criminosa do submundo do (ótimo) Capitão América – O Soldado Invernal, Robert Redford subiu as montanhas geladas dos EUA para desmistificar o mito do cavaleiro solitário, soberano e invencível. Este que vaga feio nômade de lugares isolados rumo a lugar nenhum, o que naturalmente nos faz refletir sobre o sentido da vida. E acima de tudo, sobre a figura que Clint Eastwood eternizou nos filmes de Sergio Leone que, antes de empunhar um rifle, sempre rápido no gatilho, empunha sua individualidade solitária. Tanto que, no contexto do western, eles não podem ver uma mulher (viúva, separada ou não) que logo se atracam com a dita cuja feito animais famintos num quarto rústico de pensão. O que também explica, se a intenção for essa, a sua falta de tato com outros do seu gênero, igualmente brutos a procura de tiroteios, algo que dificilmente acontecia no mundo real, e algumas moedas de ouro a recompensarem a solidão compartilhada senão pelos seus potros, mundo afora.

    É claro que o auge do bang-bang e suas reformulações se deram nas décadas de 50, e 60, respectivamente, e após alguns anos dominando a imaginação do público (assim como os filmes com super-heróis, hoje um dia, um fenômeno que provavelmente vai se esgotar mais rápido que o sucesso que foram os grandes westerns), algo precisava mudar. E mudou, com novas roupagens (Django Livre), testamentos (Os Imperdoáveis) e notórios fantasmas do gênero (Homem Morto), um impulso misto e iniciado pela produção de Mais Forte que a Vingança, nos gloriosos anos 70. Um título tão clichê que pode afastar muitos, aliás. Um legítimo filme pós-segunda guerra, com os efeitos desse conflito mundial sentidos numa América profunda, com seus índios mitológicos, seus senso de sobrevivência afiado, e com as raízes pessoais e nacionais de um homem mais conectadas e presentes do que nunca. Como se nem uma guerra fosse capaz de exterminar esses fatores de Jeremiah Johnson ao longo do tempo, atemporais como lhes são, principalmente, testemunhados.

    Pois, na jornada de Johnson pelos rincões da pátria-mãe que lhe é de direito, casa-se por imposição de uma tribo indígena com a filha do cacique, como se o símbolo mais arcaico do país, ou seja, a sua população ancestral, junto da icônica águia americana, ficasse pra sempre consigo, personificado na sua mais nova esposa de cocar, e roupas típicas. “Sob sol ou chuva, um homem sempre cavalgará para aonde sopra o vento”, diz o verso da canção enquanto Johnson cavalga de fato pelo deserto, já casado e obrigado agora a entender os costumes e a língua fundamental de sua inesperada parceira, quebrando estigmas e no mal-estar que essa experiência pode trazer a todos nós. Já noutra citação, como bem elucida o professor inglês Kwame Appiah, no maravilhoso livro Na Casa de Meu Pai: A África na Filosofia da Cultura, da editora Contraponto, no Brasil, lê-se: “nenhum de nós compreenderá a Modernidade enquanto não compreendermos uns aos outros”. Perfeito.

    Isso é evidenciado nesse belo filme do cineasta e ator Sidney Pollack quando o viajante pensa que já conhece parte do que move o seu país, mas descobre que ainda há muito a se desbravar, não em termos territoriais, mas obviamente culturais também, tendo de penetrar ainda mais a fundo, muito mais, a fim de sempre (re)aprender a América, evitando miopias e preconceitos típicos do homem branco colonizador, como a história recente dos povos tão bem nos prova. Essa é a verdadeira razão despercebida no começo da viagem de Johnson pelas veredas da sua nação continental: Descobrir, tal ainda não lhe (nos) fosse claro, que não há unidade (federativa, ou não) sem diversidade inerente a ela, e o que fazer quando o fato desafiador para tantos é ‘fatalmente’ constatado.

    Essa é outra questão ainda absolutamente atual: Mostra-se resistência, ou acata-se a possibilidade de aprender com o ‘novo’, o ‘diferente’? No descaso com a escolha, muitos optam por cegar-se ao dilema, tornando-o um problema velado, como nos mostra a situação dos moradores de rua e usuários de droga nas maiores metrópoles do mundo, ou mesmo a demarcação do patrimônio indígena (“Donos desse chão”, como canta Bethânia), questão essa esquecida e não-problematizada pela vã política brasileira, em 2018. Redford encarna bem esses dilemas essenciais que norteiam o filme desde as primeiras cenas do mesmo, e dá não somente movimentos mas uma consciência, clara e nítida, para um homem dividido entre o passado, e o futuro, diferente dos outros pistoleiros mercenários plenamente confusos entre o ser, e o ter da questão, uma noção bem capitalista por via de regra – por mais difícil que seja imaginar um Charles Bronson ou um John Wayne remoendo suas emoções, ou alguma noção existencial que poderia tomá-los de assalto.

    Em Mais Forte que a Vingança, Pollack assina um documento convertido em Cinema e cinemascope magníficos evidenciando que ainda havia, em 1972, e ainda resistem inúmeras possibilidades de se fazer um faroeste não apenas sob a narrativa e a ótica clássica de um John Ford, ou de um William Wellman, mas na cadência de ideias e ideais novos e/ou revistos, uma vez que o real espírito desbravador de um western nunca se esgota, podendo ser perfeitamente bem adaptado a outras culturas, nacionalidades e idos. Indo, tal como a USS Enterprise, nave fictícia de Star Trek, aonde ninguém jamais ousou ir. Ou voltar bravamente até lá, só pra constatar de uma vez por todas que, inevitavelmente, aquele logradouro já não é mais como um dia foi. Ou ainda, como talvez nunca foi só, ou não, da forma como acreditávamos ser. O que fazer, então, torna-se a pergunta principal.

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  • Crítica | Meu Amigo, o Dragão

    Crítica | Meu Amigo, o Dragão

    E como num dos deliciosos contos de Roald Dalh, autor de Matilda e o vergonhoso O Bom Gigante Amigo, eis um filme que não trata uma história excepcionalmente infantil de forma fraca ou como apoio para um exagero de efeitos especiais. Temos então o jovem Elliot, espécie de Mogli que vai parar na floresta após um incidente com seus pais. Lá, olha para cima e se depara com seu salvador de 25 metros de altura, 10 metros de cauda e 15 de asas, essas incrivelmente finas para aguentar o corpo do bichano, um dragão. Dentuço, predador, mas com um olhar âmbar irresistível de cão arrependido, no fundo do quintal onde os intolerados, por alguma razão, são mantidos desde sempre.

    Um roteiro que, facilmente, poderia ser o de um filme entre os anos 70 e 90 reprisado em loop na Sessão da Tarde, mas trata-se de um semi-invisível filme de 2016, por mais incrível que pareça. Trata-se, na verdade de um fenômeno nostálgico, desses que nunca perdem o brilho e não se camuflam nem como ‘conservadores’, nem como ‘revolucionários’. Pode-se dizer, ainda, que isso se dá pelo acolhimento à novas tecnologias para contar uma fantástica fábula dessas, já que sem fabulosos efeitos seria impossível recriar (na escala almejada) um dragão peludo cor-de-musgo, o céu onde voa, livre, e sua realidade fabulesca em paralelo com a de seus amigos e algozes bem realistas. Porém, a questão não é essa.

    Embarcamos na história, pois a intervenção aqui de um mito vivendo no mundo real, e contemporâneo, sofre uma bela releitura totalmente inofensiva numa ‘lavagem Disney’ do mesmo feijão com arroz de anteontem, já requentado (sob arquétipos familiares narratológicos) numa porção de ensejos anteriormente já explorados, sobre como a magia ainda pode interferir e remodelar o cotidiano de qualquer cultura, lugar, e em qualquer faixa de tempo. E daí que os efeitos especiais sejam iguais aos de Eragon, de 2005, e muito inferiores ao Smaug de O Hobbit? Eis aqui um êxito que ambas as produções não conseguiram tomar pra si, fazer o coração do robô pulsar. E nisso, justiça seja feita, a Disney humilha a concorrência desde que lápis e papel eram a única maneira de transmitir a imaginação que nunca nos abandona, mesmo longe da infância ou daquela janela do ônibus.

    Como já foi apontado antes em outros tratados críticos meus, no site, qualquer significado mais aprofundado sobre ‘Mito’ na Terra de 2017 (ou sabe-se lá o ano chinês e judaico que nos encontramos) já nos deixou faz tempo; inocência virou burrice e a magia, esta já desacreditada por ratos de laboratório e seus códigos binários. Um dragão habitando hoje nosso planeta, mesmo escondido na floresta mais distante é tão impensável que dói, mesmo que embora não saibamos nem 40% dos segredos que o oceano esconde, mas não seria “Acreditar” o verbo que a Disney sempre mais promoveu e vem nos ensinando, incansavelmente, junto à vassouras, super-heróis e príncipes encantados? A gente não acredita mais no que não pode ser comprovado, essa época já passou, enquanto a ciência tenta provar que o Homem de Ferro pode sim existir no mundo real, e Deus seria apenas uma partícula a ser decodificada boiando numa convidativa infinidade interestelar.

    Talvez por isso que o filme foi desacreditado por boa parte do público, e merece ser descoberto num domingo à tarde. Simples dos pés à cabeça, e grande nos significados e na moral tímida que ostenta – tal sua criatura mitológica com jeito de cachorro domesticado -, Meu Amigo, o Dragão aprimora a cada cena a mistificação e o brilho da situação, sem jamais modernizar o conto a ponto de racionalizar a existência do fantástico, do elemento espetacular de vários carros correndo atrás de um bicho descomunal que voa, voa alto e cospe fogo no alto de uma ponte; no final das contas, assistimos tudo através da ótica infantil e despretensiosa do menino Elliot, tratando o monstro seja no chão ou no céu banhado pela aurora da mesma forma que por ele, também é tratado: Seu melhor amigo de infância. Um filme de infância, em primeiro lugar.

     

  • Crítica | Conspiração e Poder

    Crítica | Conspiração e Poder

    Conspiração e Poder

    Os meios de comunicação se modificaram na década anterior com a rede virtual, possibilitando que qualquer pessoa em potencial noticiasse sobre um acontecimento presente. Mesmo que a divulgação de uma notícia esteja ao alcance de todos, o jornalismo como profissão permanece como veículo de denúncia, registrando fatos e apresentando reportagens eficientes para gerar opinião pública. Um bom corpo editorial ainda é capaz de trazer à tona assuntos polêmicos, ainda que seja notável um interesse empresarial além da divulgação de uma notícia, fator que mantém seus profissionais entre idealistas e desencantados.

    Em tempos em que o espaço editorial e opinativo se torna restrito, com grandes redes apenas noticiando fatos e sendo replicadas por periódicos de menor circulação, o jornalista e sua equipe são protagonistas para fundamentarem uma notícia, apurando fontes e criando uma estrutura coesa e coerente para um furo de reportagem.

    Conspiração e Poder configura a estreia na direção do produtor e roteirista James Vanderbilt, responsável por filmes medianos como O Espetacular Homem-Aranha, Bem Vindo à Selva e O Ataque, e de uma grande obra, Zodíaco. A trama acompanha a produtora Mary Papes da CBS em uma suspeita contra o presidente George. W Bush, que teria utilizado sua influência para não combater na Guerra do Vietnã.

    A trama se desenvolve a partir da composição da reportagem exclusiva para o 60 Minutos com cópias de documentos que comprovavam a denúncia. Conforme as fontes negam a veracidade das informações, a história se aprofunda na destruição da reputação da produtora e de seu parceiro profissional, o âncora Dan Rather. O que deveria se tornar uma reportagem de impacto, potencializando uma queda de popularidade do presidente, que na época concorria à reeleição, adquire maior carga dramática quando os envolvidos são atacados e suas credibilidades discutidas.

    Dois interesses em conflito permanecem em oposição. A prova em si, apoiada pela legalidade ou não, e seu significado intrínseco. Além dos relatórios, há fontes que inicialmente confirmaram a ausência de Bush nas Forças Armadas, evidenciando um interesse político em esconder tal fato, ainda mais considerando a campanha eleitoral (em tempo, o tema também foi destacado no documentário de Michael Moore, Fahrenheit: 11 de Setembro).

    As provas são delicadas. Remetem a documentos antigos e opiniões que devem ser confiados para estruturar um caso e, assim, uma reportagem. Mesmo que consideremos que faltou maior apuro à procura de fontes, a equipe de Papes se transforma em um alvo ao lado da CBS. A empresa decide apurar os fatos e a reportagem, que é apresentada no filme como tendenciosa, para evitar grandes revelações sobre o presidente em comando.

    Se o jornalismo sempre é apresentado em cena com certo idealismo, o roteiro é eficiente em equilibrar a ambição e ética pessoal de uma equipe, em contraposição com uma corporação midiática, esta sim com interesses além da divulgação de notícias como verdade absoluta. A visão é desencantada e abala a editora e seu âncora, cujas reputações foram destruídas no caso, registrando demissão de todos os funcionários envolvidos. Em cena, Cate Blanchett mantém seu alto nível interpretativo, transitando entre a confiante editora para uma vacilante profissional que perde o prazer pela profissão ao reconhecer que a estratégia de sua empresa foi altamente defensiva e não favorável aos seus trabalhadores.

    Em meio a este desequilíbrio, Conspiração e Poder é eficiente em demonstrar as facetas que compõem a profissão, um jogo entre a necessidade da elaboração de notícias, e de certo idealismo, perante a luta de poder que vai além de um mero exercício informativo no qual a política é equação primordial.

  • Crítica | Até o Fim

    Crítica | Até o Fim

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    A sensação desesperadora de que tudo se findou, especialmente a esperança, é deveras desalentadora. O monólogo de Robert Redford dá vida ao solitário sujeito, que enfrenta a duras penas o isolamento em alto mar e que aos poucos, desconstrói a imagem de macho alfa que a própria carreira deste como ator, aos poucos construiu. O segundo filme de J. C. Chandor é bem mais intimista que o seu anterior (o “drama econômico” Margin Call: O Dia Antes do Fim), e com diversos signos visuais discute a resolução do homem e sua autossuficiência.

    Após um contêiner bater em sua embarcação, o homem tenta remediar o rombo que ficou em seu veículo, uma vez que era o único tripulante em sua embarcação. Nem as rugas, que evidenciam uma longa jornada já vivida e nem a perda de alguns dos possíveis contatos seus com o mundo civilizado – computadores, celulares, etc – fazem o sujeito parar ou esmorecer em sua busca por conserto, afinal, sua subsistência dependeria naturalmente disto. O modo com que ele se movimenta prioriza as ações comuns e subterfúgios mais fáceis, só que até esse planejamento se mostra falho.

    Em poucos momentos o silêncio é cortado, são passados quase vinte minutos entre a primeira fala – uma confissão do Homem a qualquer alguém que ele perdeu ou perderá – e a segunda – uma transmissão de rádio não concluída por ele. O navegador em questão não é tão habilidoso, visto que diante de uma dificuldade ele lança mão de um manual de instruções para conseguir manejar a situação difícil que tem em mãos, ele representa o homem comum, que em busca de sobreviver às agruras da vida, acaba se alimentando de fórmulas mil e de listas que a priori o ajudariam a enfrentar com mais facilidade seus problemas cotidianos, mas que na prática, constituem-se máximas inúteis e que funcionam apenas no discurso. Não existem soluções fáceis, e nenhum manual para superar a vivência e a experiência adquirida depois de tais fatos ocorridos.

    A lente de Chandor flagra todo o desespero do rosto presente nas expressões impingidas pelo veterano ator. O naufrágio iminente pode ser usado como alegoria para inúmeras questões comuns a vida do homem: velhice, condições de saúde precárias, morte anunciada. A fotografia de Frank G. DeMarco e Peter Zuccarini ajuda muito a aumentar a expectativa do público em saber qual será o destino do seu herói. A câmera é trôpega e periquitante, como toda a trajetória do personagem retratado em tela, ela emula toda a dificuldade que o sujeito tem em manter-se vivo.

    O mesmo mar revolto, antagonista da jornada do Homem, pode ser palco de exibições sublimes, de pequenas e inofensivas criaturas marinhas, incapazes de fazer qualquer coisa que não embelezar a paisagem.

    A experiência de Até o Fim é muito melhor vivenciada quando se faz no ambiente do espaço cinema, onde a ausência de luz e de ações externas permitem ao espectador mergulhar fundo na história contada. Desse modo a empatia pelos dramas vividos pelo personagem de Redford tornam-se mais profundas e a identificação torna-se maior. A possibilidade de escapar através da intervenção de uma outra embarcação, maior e mais carregada de significados é frustrada, mas, uma vez se refutando as respostas usadas pelo senso comum, o homem está inexoravelmente só.

    O homem, ao tentar atingir os seus iguais, que estão em melhores condições, se farta da insistência e decide despedir-se daquela situação. A carta redigida representa o adeus resignado, a antiga fome pela vida dá lugar a irremediável conformidade, ainda que ainda lhe sobre um pouco de esperança, lá no fundo. A sua última tentativa de chamar a atenção dos “grandes” acaba por dar muito errado. Subjugado por dois elementos básicos da natureza, o Homem sucumbe, graças ao seu isolamento, só conseguindo emergir de volta à vida depois de angariar o auxílio de outros. Até o Fim é um estudo sobre o presente, sobre o quão cega pode ser a percepção de quem está em uma posição privilegiada a respeito dos que estão necessitados e sobre o quão devastadora pode ser a presença da soledade na vida do homem. O esforço e esmero de Redford e Chandor é muitíssimo recompensado, trazendo à luz um filme reflexivo e profundo, sem abrir mão da simplicidade.

  • Crítica | Capitão América 2: O Soldado Invernal

    Crítica | Capitão América 2: O Soldado Invernal

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    Apreensão. Medo. Angústia. A situação não era confortável após as duas derrapadas da Marvel Studios em sua Fase 2. Thor: O Mundo Sombrio e principalmente Homem de Ferro 3 sinalizavam que o estúdio perdia a mão após todos os acertos da Fase 1, os quais conduziram ao evento chamado Os Vingadores. Para a alegria dos decenautas recalcados, que finalmente tinham certa razão em sua ladainha de que a Marvel só faz filmes medianos e/ou para crianças. Pois bem: beijinho no ombro para os invejosos de plantão, pois o segundo filme do Sentinela da Liberdade se mostrou não apenas uma volta aos trilhos, mas também uma das melhores produções do gênero.

    Não havia espaço em Os Vingadores para focar o desenvolvimento da luta de Steve Rogers para adaptar-se ao mundo atual. Desta vez, naturalmente, sua jornada pessoal assume o centro da trama. Ele está vivendo em Washington e estudando incansavelmente para situar-se na História e cultura mundiais das últimas décadas. Mas como herói não tem vida mansa, o Capitão está trabalhando para a SHIELD, em missões secretas ao lado da Viúva Negra e de uma equipe especial chamada S.T.R.I.K.E.R. Porém, para um cara que lutava por uma idealizada liberdade, não é fácil aceitar nossos cínicos tempos de vigilância massiva e ataques preventivos, o que o leva a alguns atritos com Nick Fury. E as coisas se complicam de vez quando uma gigantesca conspiração dentro da agência é revelada, e mais de um elemento do passado de Steve voltam à tona.

    O Capitão América é um super-herói com um leve diferencial. Idealizado como um soldado, não faria sentido vê-lo, hoje em dia, simplesmente patrulhando um cenário urbano, como Batman ou Homem-Aranha. E pegaria muito mal colocá-lo na linha de frente do Iraque ou Afeganistão — até porque, convenhamos, lá não há tanta ação que justifique a presença de um supersoldado. A abordagem mais coerente para o personagem é aquela trabalhada com maestria pelo roteirista Ed Brubaker numa fase recente dos quadrinhos: espionagem, black ops, terrorismo. A partir dela, o filme não adapta uma história específica, mas transpõe todo o clima, ambientação e estilo narrativo. O próprio Soldado Invernal — com visual emocionalmente idêntico ao das hqs —, ao contrário do que o título do filme faz pensar, não é o coração da trama, mas sim uma peça de uma engrenagem muito maior. O que funciona muito bem, aliás.

    O roteiro é muito equilibrado, alterna de forma bastante orgânica os momentos calmos e expositivos e aqueles mais movimentados e frenéticos. Mas o que chama realmente a atenção é o bom uso dos vários personagens, em suas diferentes escalas de importância, mesmo os que aparecem bem pouco, como Batroc, Agente 13 e Maria Hill. Para os fãs, é ótimo ver nomes conhecidos dos quadrinhos em vez de figuras genéricas. Ajuda na sensação de que o universo do herói, e não apenas ele próprio, está sendo transposto. Ainda nesse campo, o filme destroça aquele velho e simplório argumento de que vários inimigos numa mesma história nunca dá certo. O problema é querer criar um arco individual para todos — abraço para Homem-Aranha 3. Sabendo dosar a importância e o espaço de cada um, Capitão América 2 emprega nada menos do que cinco vilões.

    Sempre massacrado, Chris Evans mostrou de novo que quase toda a implicância pra cima dele é injusta. Sua performance pode não emocionar ou ser tão marcante quanto a do colega Robert “Tony Stark” Downey Jr, mas o cara está inegavelmente mais maduro e confortável no papel. É possível, sim, enxergar Steve Rogers nele. Quem é limitado de fato é Sebastian Stan — isso é spoiler? sinto muito —, o que não atrapalha a construção do Soldado Invernal como figura ameaçadora. Mesmo quando a máscara cai, o ar de drogado cansado, que Stan já tem por natureza, ironicamente se encaixa no personagem. Como dito antes, ele acaba tendo uma participação pequena, mas sua introdução para uso futuro foi bem realizada. E o nome Soldado Invernal é legal sim, muito mais estiloso que “do inverno”, parem de reclamar.

    Os aliados do herói também receberam merecida atenção; todos têm seu lugar ao sol. Nick Fury é uma espécie de gatilho para movimentar a trama, e em relação a ele — e à própria SHIELD — o filme empresta argumentos de outra hq recente, Guerreiros Secretos, escrita por Jonathan Hickman. E falar qualquer coisa de Samuel L. Jackson seria chover no molhado: ele É o personagem e pronto. Scarlett Johansson não consegue ser menos que maravilhosa, e surpresa nenhuma, mantém muito bem o posto de co-protagonista. Interessante ver um lado mais humano e espirituoso da Viúva Negra, além de aparecerem mais migalhas sobre seu passado. Ela menciona ter desertado da KGB, o que por consequência confirma que é também mais velha do que aparenta. Mas o filme não se importa em explicar isso — filme solo da Viúva, quando quiserem, viu.

    O Falcão vivido por Anthony Mackie é um ótimo coadjuvante e responsável por boa parte do humor do filme sem ser um alívio cômico — aliás, a comédia está presente mas bem dosada, voltando ao velho estilo da Marvel e corrigindo a principal falha da Fase 2, ALELUIA SENHOR. Nos quadrinhos, Sam Wilson é um dos melhores amigos do Capitão, e isso ficou bem retratado. A rápida e total fidelidade dele para com Steve, quase um bromance, pode parecer meio exagerada. Mas isso é perdoável, pois Sam é um militar, e se o Capitão é um ídolo geral da nação, imagine para essa classe. Alexander Pierce, vivido com elegância por Robert Redford, tem um papel importantíssimo, mas nesse caso é melhor evitar spoilers. Só vale dizer que faltou coragem: seria épico e coerente se certo boato tivesse se confirmado e outro conceito de Brubaker fosse aproveitado.

    Em relação a aspectos visuais, o longa merece todos os elogios e mais alguns. Não quanto aos efeitos, isso já é o básico do básico que se espera de grandes produções. Também não necessariamente às cenas de ação, que são maravilhosas. Chega a emocionar as perseguições no trânsito nas quais é possível VER com clareza os carros batendo e se destruindo, fugindo da maldita estética Bourne de câmera fechada e tremida. Não: o ponto mais satisfatório de Capitão América 2 são as lutas. Os realizadores normalmente esquecem que em filmes de super-heróis a “ação” não pode ser resumida apenas em correria, tiroteio, explosões. Tem que ter o combate. O mano-a-mano. PORRADA. Nele esse elemento foi trabalhado com perfeição, coreografias dignas de filmes orientais de artes marciais. O Capitão está mais ágil e fodão do que nunca. A luta contra Batroc é qualquer coisa de sensacional, e sempre que o Soldado Invernal aparece, dá vontade de mandar o projetor repetir a cena.

    Esse nível elevado acaba conduzindo a um dos pontos fracos do filme, que é a sequência final. Após tanta criatividade, decepciona um pouco a resolução genérica de “apertar um botão”, com explosões e destruições que já viraram carne de vaca no cinema blockbuster. Fica também um sentimento de que a Viúva e o vilão principal poderiam ter um papel mais grandioso no final. Finalizando o trabalho ingrato de apontar os defeitos, fica muito vago o que será a SHIELD daqui pra frente. Esse ponto acabou sendo explicado na série Agents of Shield, num episódio altamente conectado com Capitão América 2. Em termos de universo expandido, a conexão entre as mídias e valorização do seriado dão nota 10. Mas não deixa de ser uma falha do filme.

    Fugindo desse mundo mesquinho onde tudo funciona na base da comparação, cabe dizer apenas que Capitão América 2: O Soldado Invernal não deve nada aos melhores exemplares do gênero. Muitíssimo bem executado, é o filme que a Marvel e os fãs precisavam nesse momento. Os diretores Joe e Anthony Russo já estão confirmados na terceira parte aguardada para 2016, o que só comprova a confiança e satisfação com esse projeto. Antes, porém, como a ótima cena pós-créditos nos faz lembrar, o Capitão marca presença num tal de Vingadores: A Era de Ultron.

    Texto de autoria de Jackson Good.

  • Crítica | Todos os Homens do Presidente

    Crítica | Todos os Homens do Presidente

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    O filme começa como uma reportagem jornalística, recurso metalinguístico usado por Alan J. Pakula com narração em off, mostrando o presidente Richard Nixon diante do Congresso Nacional. O objetivo era mostrar ao público a boa condição do político antes do escândalo, intenção alcançada plenamente. Em seguida, vemos o assalto ao prédio do partido democrata e o temor do grupo em ser pego em flagrante.

    A busca de Robert Woodward (Robert Redford) pelo cerne da notícia não tem como expectativa nem a metade do tamanho e magnitude da repercussão que o caso daria em um último momento, e apesar de não explicitar tudo de uma vez, todo o trabalho de apuração é mostrado minuciosamente. No entanto, a escrita de Bob é crua e sem a substância necessária para a grandiosidade dos fatos, e Carl Bernstein (Dustin Hoffman), um repórter mais experiente e sem muitos desafios nos últimos tempos, chama sua atenção para pôr o nome de um personagem importante na matéria no 1° parágrafo, e não no 3°, em uma discussão clara ao lead (termo jornalístico que designa as primordiais informações de uma notícia ou texto de jornal). Woodward dá suas notas a Bernstein para que ele faça os retoques de forma correta, grafando que o importante era a matéria ficar boa – demonstrando um desprendimento incomum entre os geradores de conteúdo como um todo – e, para surpresa dos dois, é anunciado que ambos estavam responsáveis pelo caso.

    A cada passo dado nas investigações da dupla, há mais negações de testemunhos e mentiras escondidas vindos à tona, o que causa nos repórteres uma avidez ainda maior pela solução do mistério. A recusa da 1ª página em uma das prévias do “fato maior” é um balde de água fria sobre as pretensões dos dois, mas os jornalistas decidem mergulhar ainda mais fundo e os contatos com as fontes passam a ser realizados cada vez mais às escondidas.

    A produção e o trabalho interno nas redações são mostrados à exaustão; Pakula evidencia que o trabalho do comunicólogo é também o de apuração e discussão. Após receberem muitas portas fechadas, Bob e Carl finalmente encontram uma testemunha colaborativa, como uma agulha em um palheiro, mas logo ela se mostra um engano, fruto de uma confusão com os sobrenomes dos envolvidos. Os depoentes que têm relatos importantes para o caso são sempre retratados como pessoas inseguras e reticentes, dada a gravidade dos fatos explicitados.

    Garganta Profunda (Hal Halbrook), a testemunha chave, sempre aparece às sombras, e a câmera só consegue flagrar com exatidão os seus olhos. Ao mesmo tempo em que a escuridão predomina em suas cenas, é ele quem os traz à luz, diante dos “homens da imprensa”.

    Quando a confirmação chega através de uma fonte comprovadamente confiável, Woodward e Bernstein correm até o editor e a lente passeia triunfante junto com eles pela redação, como a volta olímpica de um time campeão. A situação toma proporções tão drásticas que Deep Throat diz que Bob e Carl correm perigo de vida, assim como os editores do Washington Post. Mesmo a contragosto do editor Ben Bradlee (Jason Robards), Woods e Bern seguem imergindo na história. Nos últimos momentos registrados, a câmera mostra a máquina tipográfica datilografando a sentença de cada um dos envolvidos em Watergate e, claro, cita a renúncia de Nixon e a posse de Gerald Ford, mostrando que os esforços dos jornalistas renderam enormes frutos. Todos os Homens do Presidente é baseado no livro homônimo de Bob Woodward e Carl Bernstein e registra a investigação de um dos maiores casos de corrupção política comprovados na história da humanidade, e só é bem executado graças à perícia do elenco e do seu realizador, Alan J. Pakula, que demonstrou uma enorme evolução desde Parallax View.

  • Crítica | Sem Proteção

    Crítica | Sem Proteção

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    O estopim da trama é nebuloso. Não fica muito claro qual a motivação de Sharon (Susan Sarandon) para escolher se entregar naquele momento, depois de tantos anos. Além de não ficar claro como o FBI chegou até Sharon exatamente no dia em que ela resolve se entregar. Sua conversa com o repórter, na prisão, dá algumas razões, mas nenhuma delas convence, nem é forte o suficiente para justificar o abandono de sua família – seu marido e seus filhos. Apesar de carregada de um idealismo meio caduco, a visão de Mimi Lurie (Julie Christie) – de continuar levando sua própria vida – é mais convincente e bem mais realista.

    Não bastasse isso, alguns esclarecimentos sobre o passado dos personagens não chegam a causar suspresa. O espectador atento consegue, sem muito esforço, entender o que houve antes mesmo que Ben Shepard, o repórter vivido por Shia LaBeouf, explique suas conclusões ao editor do jornal em que trabalha. Aliás, no que diz respeito às pesquisas conduzidas por Shepard, há outro problema no roteiro. As respostas surgem tão facilmente, que fica pairando a dúvida: “Como o FBI não tinha conseguido qualquer pista sobre o paradeiro de Grant antes?”.

    Apesar da estória interessante, que lembra um pouco O Fugitivo (com Harrison Ford), o filme perde intensidade na segunda metade, que basicamente se resume à fuga de Grant (Robert Redford), seu encontro com antigos companheiros de grupo e sua perseguição pelo FBI. Além da estrutura encontra parceiro/obtém informação/foge antes do FBI chegar se tornar repetitiva, os eventos se sucedem muito lentamente. Em vários momentos, o espectador tem a impressão de que Grant não tem urgência alguma em chegar seja-lá-onde-for. E isso enfraquece bastante o envolvimento com a trama e o interesse pelo destino do protagonista.

    E o sucesso do filme acaba se calcando quase exclusivamente na qualidade do elenco peso-pesado, repleto de figuras tarimbadas, além de Redford e os já citados, temos ainda Nick Nolte, Chris Cooper, Stanley Tucci. Até LaBeouf está bem como o repórter que corre atrás da notícia seguindo seus palpites e pesquisando no Google. Conseguindo aos poucos se livrar da figura de Transformer Boy, desempenha com competência a função de ser o olhar do espectador dentro da trama.

    É uma pena que uma boa premissa tenha se perdido assim. E o que poderia ser um excelente thriller acaba sendo apenas um filme morno e um pouco cansativo.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.