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  • Crítica | O Preço de um Prazer

    Crítica | O Preço de um Prazer

    “Você não sabe quem eu sou, né?”

    Engravidou, casou. O músico Rocky Papasano não quer ser um cafajeste, e por isso, deixa se envolver pela jovem Angie Rossini que o procura numa festa, grávida do artista de jazz. Os dois estranhos, instáveis na vida, e assombrado agora pela iminência de ser pai, e mãe. Numa época que a liberação feminina ainda era revolucionária demais, Rocky e Angie mergulham de cabeça no mais polêmico dos dilemas: assumir, ou abortar? O Preço de um Prazer dilui essa polêmica num romance que nunca engata, e deixa o seu grande tema como pano de fundo para não chocar assim as plateias mais sensíveis, com foco sobretudo na luta emergente do feminismo – um tema extremamente forte no ano que Cleópatra, o épico da MGM com Elizabeth Taylor, estreou e arrebatou as bilheterias.

    Porque se no Cinema, a mulher era valorizada em diversos cenários possíveis, na América da vida real, as feministas ainda tinham de lutar por sua voz, fim da violência doméstica (rapidamente discutido no filme) e igualdade salarial em meio a tantos outros conflitos de gênero, raça, e classe. Valeria a pena privar um bebê desse mundo? Com referências essenciais a nouvelle vague francesa dos anos 60, principalmente ao famosos e libertários Acossado e Viver a Vida, de Godard, O Preço de um Prazer faz da jovem atriz Natalie Wood, com seus grandes olhos expressivos, a equivalente Anna Karina de Hollywood – sem o sex-appeal da francesa, mas transbordando um existencialismo marcante. Aqui, na pele da moça que só quer sair da casa dos pais e enfrentar uma gravidez indesejada na selva de Nova York, Wood mostra-se uma atriz monstruosa, capaz de nos emocionar em segundos com seu rosto que implora por um close, por uma capa de revista.

    Indicada ao Oscar pela sua doce e decidida Angie (com mérito), a estória é sobre ela e a sua libertação e amadurecimento enquanto mulher dos anos 60, mesmo tendo no elenco Steve McQueen. Mas é ela que precisa fugir de seus pais italianos que não lhe dão privacidade. Que precisa ter um filho sozinha, trabalhar, encarar o mundo. O Preço de um Prazer faz-se, assim, um bom estudo de personagem que só não é melhor pela direção de Robert Mulligan – é grande a saudade de um Mike Nichols, nessas horas. Recém-saído da fama que O Sol é Para Todos lhe rendeu, Mulligan não coloca esforço artístico algum nesta produção. Totalmente dependente da força e da química de seus astros principais, Mulligan parece entender o filme como uma peça de teatro de baixo apelo, e pouco prestígio a ser extraído de um conto sobre superação pessoal, e aborto.

    Dessa forma, qualquer encanto proveniente de O Preço de um Prazer cai na conta da dupla que torna o filme uma experiência dramática bacana, mas sem grandes momentos – exceto nas cenas familiares, com coadjuvantes a elevar o entretenimento e a árdua evolução da trama. Aos poucos, os dois estranhos percebem que jamais serão feitos um para o outro, mas agora há um elo entre eles – e de novo: vale a pena privar esse elo da vida, nesse mundo? Mulligan, escandalosamente sem inspiração um ano depois da grande obra da sua carreira, não desenvolve nosso interesse pela estória para muito além do óbvio, resultando então num filme tão sem fôlego ou expressão como um liveaction moderno da Disney, muito aquém do esperado dado pela polêmica dos temas da época, e claro, o poder do seu elenco.

  • 10 Grandes Filmes Sobre Jornalismo

    10 Grandes Filmes Sobre Jornalismo

    “Jornalismo é publicar aquilo que alguém não quer que se publique. Todo o resto é publicidade.”
    – George Orwell

    Jejum de Amor (Howard Hawks, 1940)

    Nem Howard Hawks escapou desse tema. Um dos mais versáteis cineastas era cirurgião especialista em desdobrar a falsa sanidade da América urbana, relendo-a nos viés do drama, suspense, romance e comédia, sendo a mais celebre delas a loucura bem-humorada e incansavelmente genial de dois jornalistas (Cary Grant e Rosalind Russell, perfeitos se amando e se xingando) ziguezagueando entre mil e uma loucuras. Muito, mas muito difícil imaginar uma comédia mais gostosa e inteligente que Jejum de Amor.

    Cidadão Kane (Orson Welles, 1941)

    Quando vejo alguém questionar a importância desse título entre todos, nessa altura do campeonato, quando assistimos cinema na palma da nossa mão e o fazemos com a câmera de um celular, eu percebo que esse alguém não entendeu nada, ainda. Eis o epítome do Cinema, tal como o debute mais bem-sucedido da sétima arte, em geral. O menino Orson Welles injetou a ganância humana encharcando os bastidores da mídia impressa e entrou para a história através da empreitada do mais respeitado dos mitos, presente no TOP 10 de 10 entre cada 10 listas sobre os 10 melhores filmes de todos os tempos (acompanhou?). Sim, talvez no futuro haverá algo de inédito a se falar sobre Cidadão Kane, o que é mais provável ainda se alguém entrar numa máquina do tempo e reescrever alguns dos seus mais nobres escritos desde os saudosos e modernosos idos de 1941. Todos nascemos na época errada, exceto Welles – acredite.

    A Montanha dos Sete Abutres (Billy Wilder, 1951)

    E se o Cidadão Kane fosse um maníaco à beira da psicopatia a fim de tudo para provar, a si mesmo, que o fim justifica quaisquer meios para se chegar incólume a ele? Na melhor atuação de Kirk Douglas, os maravilhosos truques de câmera são mais um complemento para mais uma obra-prima sobre a ambição, o jornalismo sensacionalista e impiedoso e o poder do acaso que habita e firma o cinema de Billy Wilder como um dos grandes – nunca suas metáforas visuais foram tão afiadas..

    A Dama de Preto (Samuel Fuller, 1952)

    Sobre as melhores intenções do indivíduo num mundo infernal; um macro ambiente caótico e encapsulado por Samuel Fuller no âmbito de uma rua onde tudo acontece. Uma ode à liberdade de imprensa e ao próprio jornalismo em si, ao direito de viver o bom combate da mídia em paralelo a quem vive a manipulação jornalística, a construção pretensiosa de fatos ao invés do ato de se construir e difundir informação de qualidade. Nos 76 anos de A Dama de Preto, vamos encará-la então como uma grande obra, ainda que 100% influenciada em tema e técnica por um tal de Cidadão Kane.

    Paixões Que Alucinam (Samuel Fuller, 1963)

    Não gostaria de assistir a nenhum retrato mais perturbador acerca de um tema que esse. Caminho sem volta que haveria de ser, a trajetória de um jornalista que topa entrar num hospício para encontrar um criminoso e extrair a verdade dele já é mindblowing o bastante. Samuel Fuller nunca fui de poupar plateias, e encontra em cenas como a inadvertida perseguição de um negro contra outro numa alusão a KKK o terreno perfeito para filmar e discutir as faces da violência social que existe em qualquer profissão.

    O Monstro na Primeira Página (Marco Bellocchio, 1972)

    Na intenção de manipular a hiper volátil opinião pública sobre um assassinato, um periódico de direita italiano não tem vergonha de acusar um jovem trabalhador de esquerda do fato, mirando na difamação indireta da esquerda para garantir a valorização da elite, pelo público, nas eleições. Uma aula magna extremamente atual sobre como a imprensa pode ser manipuladora e imoral, quando precisa atender a interesses partidários.

    Obs. Gian Maria Volonté foi um dos grandes atores desse mundo.

    Todos os Homens do Presidente (Alan J. Pakula, 1976)

    Aqui já começamos nossa descida ao mundo dos clássicos do século passado. Nos anos 70, dois jornalistas americanos do Washington Post se envolvem no escândalo midiático do Watergate, também durante o governo conturbado de Nixon nos EUA. Em meio as investigações que levavam a crer que Nixon comandava um esquema de espionagem política, e que acabaram conduzindo-o ao impeachment, Carl Bernstein (Dustin Hoffman) e Bob Woodward (Robert Redford) viraram ícones da investigação criminal.

    Rede de Intrigas (Sidney Lumet, 1976)

    Os bastidores da epifania, o retrato sádico da cacofonia do background do espetáculo das notícias – sem nenhuma maquiagem ou truques de câmera. Na busca imoral e absurda pela audiência, as personagem sambam em conflito e loucura, cada vez mais, em meio a relações fadadas ao fracasso de sua humanidade. Rede de Intrigas é um dos melhores roteiros da fantástica década de setenta, num nível de atuação coletiva soberba (destaque ao último diálogo de Peter Finch e Faye Dunaway, duelo de titãs).

    Frost/Nixon (Ron Howard, 2008)

    E se Fincher deu uma aula sobre a força dos diálogos no cinema contemporâneo com A Rede Social, o diretor Ron Howard (Han Solo: Uma História Star Wars) sugeriu isso três anos antes com o embate ideológico entre o jornalista britânico David Frost, e o super polêmico presidenciável Richard Nixon, cara a cara, numa clássica entrevista da TV americana. Frank Langella na pele de um Nixon já cansado, e doa a quem doer em suas declarações, ainda espera seu custoso Oscar por sua impecável atuação, aliás.

    Millennium: Os Homens Que Não Amavam as Mulheres (David Fincher, 2011)

    O melhor dos filmes recentes sobre o tema, e o integrante mais completo dessa lista sobre os fatores mais misteriosos que fazem parte do ofício, quando o profissional é submetido a trilhar uma zona de perigo. Um filme maduro, superior ao frouxo suspense sueco de 2009, dotado de uma parte técnica exemplar devido a vários elementos que David Fincher (Clube da Luta) não se esforça para dosar como ninguém.

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  • Crítica | A Trama

    Crítica | A Trama

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    O Senador Charles Carroll, interpretado por William Joyce, é o ideal do político, incorruptível, mas comprometido com o povo do que com um partido… Aos olhos da opinião pública é desenhado como um imponente e onipotente herói, e talvez por isso tenha sido alvejado por um vil assassino, para assim entrar na história, semelhante demais ao paralelo real à execução de JFK. O topo do prédio onde acontece o crime é altíssimo e simboliza o inalcançável posto onde o “semi-divino ser” pereceu, para tornar a sua figura a de um mártir.

    A negligência do jornalista/protagonista Joseph Frady, interpretado por Warren Beatty, é demonstrada em dois momentos importantes, primeiro, o de não ter podido presenciar a morte do Senador Carroll, pois deveria cobrir o evento, mas não fora, e segundo, ignorou o apelo da testemunha (e sua amiga) Lee Carter – Paula Prentiss – que pedia ajuda a ele, por achar que sua vida corria perigo. Frady não se afetou com o pedido e só voltou sua atenção ao seu testemunho após sua morte, o que demonstra sua falta de escrúpulos e falta de sensibilidade, além da clara ausência de culpa em si. No decorrer das investigações, muitas pessoas morrem, inclusive pelas mãos do repórter, que parece ter pouco receio em se envolver nos crimes.

    A conspiração se complica cada vez mais com o decorrer do filme. Os envolvidos no jantar em que o senador morreu vão perecendo um a um. Frady se “alista” em uma organização que prepara homicidas para fazer o trabalho sujo de quem os contrata, o que ia de encontro a sua teoria de assassinato do candidato morto. O modo de preparação dos assassinos é curioso e semelhante à lavagem cerebral, parecido com o tratamento aplicado a Alex em Laranja Mecânica, de 1971, três anos anterior a este A Trama.

    Joseph se enfia em sarilhos atrás de sarilhos, ele passa a executar sem a menor cerimônia aqueles que atravessam os seus planos de alguma forma, mesmo os que pouco interferem. O personagem mergulha fundo demais na situação analisada, tanto que confunde o papel que deveria desempenhar, deixando de ser o portador e comunicador da notícia para se tornar parte dela, vestindo até a máscara do vilão, quando deveria ser o maior exemplo de conduta ética possível – sua ambição desmedida acaba por puni-lo e a ele é atribuída a culpa de crimes que ele sequer cometeu.

    O desfecho não é tão intrigante ou auspicioso quanto o 1° e 2° atos, nem contém em si o mesmo nível de mistério, suspense e conteúdo conspiratório. Pakula ainda era um realizador cru, se comparado aos seus futuros sucessos de carreira, como Todos os Homens do Presidente, Dossiê Pelicano, A Escolha de Sofia, etc, mas, como um todo, contém mais acertos que equívocos por parte de sua produção.

  • Crítica | Todos os Homens do Presidente

    Crítica | Todos os Homens do Presidente

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    O filme começa como uma reportagem jornalística, recurso metalinguístico usado por Alan J. Pakula com narração em off, mostrando o presidente Richard Nixon diante do Congresso Nacional. O objetivo era mostrar ao público a boa condição do político antes do escândalo, intenção alcançada plenamente. Em seguida, vemos o assalto ao prédio do partido democrata e o temor do grupo em ser pego em flagrante.

    A busca de Robert Woodward (Robert Redford) pelo cerne da notícia não tem como expectativa nem a metade do tamanho e magnitude da repercussão que o caso daria em um último momento, e apesar de não explicitar tudo de uma vez, todo o trabalho de apuração é mostrado minuciosamente. No entanto, a escrita de Bob é crua e sem a substância necessária para a grandiosidade dos fatos, e Carl Bernstein (Dustin Hoffman), um repórter mais experiente e sem muitos desafios nos últimos tempos, chama sua atenção para pôr o nome de um personagem importante na matéria no 1° parágrafo, e não no 3°, em uma discussão clara ao lead (termo jornalístico que designa as primordiais informações de uma notícia ou texto de jornal). Woodward dá suas notas a Bernstein para que ele faça os retoques de forma correta, grafando que o importante era a matéria ficar boa – demonstrando um desprendimento incomum entre os geradores de conteúdo como um todo – e, para surpresa dos dois, é anunciado que ambos estavam responsáveis pelo caso.

    A cada passo dado nas investigações da dupla, há mais negações de testemunhos e mentiras escondidas vindos à tona, o que causa nos repórteres uma avidez ainda maior pela solução do mistério. A recusa da 1ª página em uma das prévias do “fato maior” é um balde de água fria sobre as pretensões dos dois, mas os jornalistas decidem mergulhar ainda mais fundo e os contatos com as fontes passam a ser realizados cada vez mais às escondidas.

    A produção e o trabalho interno nas redações são mostrados à exaustão; Pakula evidencia que o trabalho do comunicólogo é também o de apuração e discussão. Após receberem muitas portas fechadas, Bob e Carl finalmente encontram uma testemunha colaborativa, como uma agulha em um palheiro, mas logo ela se mostra um engano, fruto de uma confusão com os sobrenomes dos envolvidos. Os depoentes que têm relatos importantes para o caso são sempre retratados como pessoas inseguras e reticentes, dada a gravidade dos fatos explicitados.

    Garganta Profunda (Hal Halbrook), a testemunha chave, sempre aparece às sombras, e a câmera só consegue flagrar com exatidão os seus olhos. Ao mesmo tempo em que a escuridão predomina em suas cenas, é ele quem os traz à luz, diante dos “homens da imprensa”.

    Quando a confirmação chega através de uma fonte comprovadamente confiável, Woodward e Bernstein correm até o editor e a lente passeia triunfante junto com eles pela redação, como a volta olímpica de um time campeão. A situação toma proporções tão drásticas que Deep Throat diz que Bob e Carl correm perigo de vida, assim como os editores do Washington Post. Mesmo a contragosto do editor Ben Bradlee (Jason Robards), Woods e Bern seguem imergindo na história. Nos últimos momentos registrados, a câmera mostra a máquina tipográfica datilografando a sentença de cada um dos envolvidos em Watergate e, claro, cita a renúncia de Nixon e a posse de Gerald Ford, mostrando que os esforços dos jornalistas renderam enormes frutos. Todos os Homens do Presidente é baseado no livro homônimo de Bob Woodward e Carl Bernstein e registra a investigação de um dos maiores casos de corrupção política comprovados na história da humanidade, e só é bem executado graças à perícia do elenco e do seu realizador, Alan J. Pakula, que demonstrou uma enorme evolução desde Parallax View.