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  • Crítica | O Grinch (2000)

    Crítica | O Grinch (2000)

    O Grinch é um longa natalino dos anos 2000, protagonizado por Jim Carrey e dirigido pelo boa praça Ron Howard. A trama se desenrola mostrando passado e presente do famoso personagem que odeia o Natal, por um motivo que no original era um mistério, mas que seria descoberto pela pequena Cindy Lou (Taylor Momsen).

    Lendo a sinopse, o longa parece mais uma história comum que retrata a data festiva, mas o roteiro trata de uma adaptação do escritor Dr. Seuss, famoso na literatura infantil por trazer histórias cínicas, que não tratam crianças como pessoas ingênuas e tolas. Suas mensagens divergem bastante do status quo e do conservadorismo de sua época.

    A preocupação dos estúdios era apresentar uma história sobre como o consumismo arruína o sentimento natalino, quando a história é mais que isso, dado que mostra uma personagem cuja raiz de maldade é desconhecida, e esse é um dos charmes dele, diferente desta versão.

    Mas nem tudo é negativo. Cindy representa uma variação da ideia de Seuss a respeito da perversão dos valores mais puros da sociedade. Ela questiona sua família e amigos do quanto eles se entregam para o consumismo e o quão supérfluo pode ser essa linha de pensamento, e perceber que existe outra figura que também não simpatiza com a data, no caso, o Grinch, faz ela seguir na direção dele.

    Há uma dificuldade de Hollywood em lidar com a mitologia de Seuss, em O Gato, lançado em 2003, o resultado foi tão negativo que a viúva do escritor entrou na justiça para que não houvesse mais filmes live actions baseado nesses livros infantis. A Illumination atualmente tem os direitos das histórias, e dribla essa condição fazendo filmes animados baseados nos livros do escritor, todas vazias de significado feitas unicamente para vender brinquedos e afins.

    Se o leitor estiver realmente curioso para ver obras sobre a carreira e personagens do autir, nos anos sessenta foi lançada uma série de animações para a televisão, entre elas Como o Grinch Roubou o Natal, comandada pelo mestre em animações Chuck Jones, o mesmo que ajudou a imortalizar a figura sacana de Pernalonga e outras personagens Looney Tunes na segunda metade do século XX.

    A produção é peculiar especialmente pela caracterização dos Quem. Ao passo que a direção de arte acerta na figura do Grinch e no cenário de sua casa — suja, bagunçada e cavernosa, como o interior do “monstro” — toda a arquitetura da Quemlândia é caricata, parecendo mais um parque de diversões de baixo investimento do que o lar de uma raça humanoide estranha. Não há também um equilíbrio entre os momentos mais lúdicos e o humor mais  físico. Há muitos piadas de flatulência, e elas parecem estranhas ao dividir espaço com a narração prosaica de  Anthony Hopkins.

    Ao menos a atmosfera da obra denuncia a falsa moralidade de autoridades políticas e do povo em geral, mas o preço para isso é uma abordagem que chega a irritar de tão doce que é a mentalidade dos Quem ou ao que eles pregam, já que praticamente todas as pessoas do vilarejo escondem algo. É fácil entender o Grinch, odiar essas pessoas é obrigação para qualquer sujeito honesto.

    Dr. Seuss escrevia de maneira sucinta, então para ter uma história de mais de noventa minutos foi preciso inventar muita coisa. Aqui se dá um passado trágico ao personagem, que visa explicar sua rejeição ao natal. A motivação soa banal e piora quando divide tela com as desnecessárias referências a cultura pop. A ideia de transformar o vilão em alguém que se autoflagela não era ruim, e visto a qualidade das produções posteriores das adaptações do autor, essa é a mais bem sucedida nos cinemas, especialmente por não demonizar o incompreendido, embora o Grinch não necessite de redenção ou de explicação para a raiz de seus problemas. Se isso não fosse o bastante, infelizmente, o personagem ainda fica marcado demais pelo desempenho físico de Carrey, que mesmo estando bem, ajuda a descaracterizar o personagem clássico transformando-o em outra coisa.

  • Review | Arrested Development – 4ª Temporada

    Review | Arrested Development – 4ª Temporada

    Após sete anos sem as aventuras dos Bluth, a Netflix assume a responsabilidade de tentar contar a história da família de desequilibrados, com um formato ainda menos usual do que o mockumentary apresentando a partir de 2003, a desunião familiar que sempre se anunciava como recurso narrativo para driblar a dificuldade de juntar o elenco, cuja agenda geral quase nunca batia entre si. O drama de Michael (Jason Bateman) começa por não ter mais capacidade de se manter financeiramente, colhendo os frutos dos desmandos de seu pai a frente da Bluth Company.

    Recentemente, o criador da série Mitchell Hurwitz remixou a quarta temporada, então há duas versões do mesmo programa, e ambas serão analisadas aqui. Essa postura inclusive sofreu com algumas polêmicas, já que o elenco não gostou de ter recebido apenas por quinze episódios, quando a versão nova tem vinte e dois.

    Temporada Quatro Original.

    Antes de mais nada, é mostrado um flashback mostrando Lucille e George Sênior novos, não interpretados por Jessica Walter e Jeffrey Tambor, e sim por Kristen Wiig e Seth Rogen (com uma peruca horrorosa). Boa parte dos famosos que fizeram participações especiais no seriado voltam aqui, inclusive, Liza Minelli, que faz Lucille 2 (ou Lucille Austero).  A situação do “protagonista” – essa condição sempre foi discutível, uma vez que cada Bluth tem um bom tempo de tela na série, dividindo assim os holofotes – é muito dificultada ao se deparar com a rejeição por parte do seu filho, que quer se mantar longe do pai, para não repetir os erros dele em não cortar a excessiva intimidade com a própria parentela.

    O formato da retomada se passa inteiro no primeiro episódio, que conta a tentativa de Michael em fundar a própria companhia, cujo fracasso ocorre pelo azar tradicional dele, talvez uma expiação pelos pecados familiares, visto no decorrer dos outros anos. Um dos pontos altos é a participação de Ron Howard, produtor-executivo e narrador do seriado, que se insere na trama como uma visão em meio a realidade, fazendo um papel auto-caricatural que desafia até os limites metalinguísticos da série. O motivo seria a feitoria de um filme sobre os Bluth, o que iria de encontro a realidade, já que a ideia de Hurwitz seria fazer um longa, que acabou transformando-se no seriado da Netflix.

    Em paralelo, George Sr. e Lucille resolvem se divorciar, forçando o último bastião familiar, fato que se torna ainda mais evidente ante a situação legal da matriarca, que será julgada segundo as esdrúxulas leis marítimas. Para variar, o momento mais constrangedor do  programa envolve Tobias, que mistura suas duas profissões, de terapeuta e ator para tentar ajudar Brie (Maria Bamford), uma ex-atriz falida que havia trabalhado em uma produção barata do Quarteto Fantástico, e que o conheceu por acaso. Para tentar ajudá-la a ganhar dinheiro, ele começou a posar como os personagens da Marvel, e foi impedido pelos advogados de Stan Lee, essa trama evolui com ele sendo preso, e depois trabalhando em um musical, na clínica de reabilitação de Lucille Austero, fato que ajuda a mostrar o quão degradante é a vida de Brie e o quão vergonhoso pode ser a de Tobias e dos demais Bluth.

    Os últimos dez episódios acontecem sob um mergulho profundo na melancolia, seja na versão tosca de Entourage que Gob (Will Arnett) vive, assim como sua reaproximação inoportuna de Steve Holt (Justin Grant Wade). É nesse pedaço também que Lindsay (Portia de Rossi) lida com o candidato Love (Terry Crews) um político direitista que quer erguer um muro para deixar os mexicanos longe do território americano, se envolvendo como prostituta de fato. Nessa parte, a personagem confronta sua hipocrisia, e motivação política torpe, se assumindo como uma patricinha que jamais trabalhou para conquistar nenhuma das posses que tem, mas obviamente que o roteiro não seria moralista, e trataria isso de maneira engraçada, como o é.

    Ainda assim, essa versão parece diferente demais da fase clássica. Há muita repetição de cenário e situações, e o fato das agendas dos atores não baterem fez com que a sensação de que esse ano foi feito unicamente por obrigação seja ainda mais grafado, tanto que boa parte das cenas foi feita com fundo verde, e isso faz perder demais a interação e química que fez de Arrested Development um objeto raro.

    Remix – The Fateful Consequences

    Pouco se mudou nas participações dos atores principais, que inclusive reclamaram por terem suas imagens exibidas em mais episódios – que curiosamente tem menos tempo de exibição que a quarta temporada original – e ainda estariam em regime de sindicato, que é um modo de exibição muito particular dos Estados Unidos. Quem teve que realmente trabalhar mais foi o narrador Ron Howard, que praticamente redublou tudo.

    Essa versão chama-se Fateful Consequences e tem 22 episódios, com um pouco mais de vinte minutos cada. Há cenas inéditas, e já no primeiro episódio dessa versão se estabelece um novo misterio, envolvendo uma morte inesperada. Seu formato lembra o vai e vem típico das temporadas anteriores, ainda que hajam diferenças drásticas na história, é como se fosse um gigantesco retcon (continuidade retroativa, em tradução livre), implantado

    As cenas inéditas certamente foram retiradas do material cortado da versão original, e esses acréscimos ajudam a amplificar a sensação de irregularidade do show, uma vez que em alguns momentos ele se torna mais confuso que a quarta temporada comum e em outros, explicita mais os fatos, com explicações bastante expositivas.

    Neste recorte, a questão da festa do Cinco de Quatro é ainda mais grafada. A vingança de Lucille Bluth sobre o feriado mexicano não serve apenas para sustentar a questão de segregação do muro que Love queria levantar, mas também a propagação do aplicativo antissocial Fakeblock, de George Michael, e claro, o terrível destino de Lucille Austero.

    E desse jeito, parecido demais com a terceira temporada, termina Fateful Consequences. Mais irregular que a outra, envolta na tentativa de emular o formato dos episódios antigos, pavimentando também o futuro da saga, mas seu resultado é discutível, apesar de ligeiramente mais positivo que a versão falada por cada personagem. A sensação de comida requentada não sai do paladar do espectador, o que é uma pena, pois qualquer que seja a versão desta quarta temporada, soa melancólica.

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  • Review | Arrested Development – 1ª a 3ª Temporada

    Review | Arrested Development – 1ª a 3ª Temporada

    A sufocante rotina familiar e necessidade de fuga deste paradigma é o principal mote de Arrested Development, que usa Michael Bluth (Jason Bateman) como avatar dessa sensação incômoda. O clã dos Bluth é uma desajustada família que faz questão de tornar a existência do protagonista algo desgraçado. A engraçadíssima narração (de Ron Howard, produtor do programa) exibe uma miséria existencial, de um homem entorpecido pelos que lhe são próximos e que tem poucos objetivos edificantes, além de ter na presença de seus parente a garantia de infelicidade.

    Para o espectador não familiarizado com o todo de AR – lançado no Brasil como Caindo na Real em suas primeiras temporadas –  as situações cômicas demoram a engrenar, porque as disfunções são mostradas aos poucos, bem como as fobias e situações tragicômicas. O que é evidente já nos primeiros episódios da primeira temporada é a briga de ego de pessoas absolutamente medíocres e preguiçosas, mostrada de um modo charmoso e capaz de gerar empatia por cada um dos estranhos personagens.

    Michael por exemplo é inábil com as mulheres, ainda em luto por conta de sua esposa falecida. Já Lindsay Bluth (Portia de Rossi) e Tobias Funke (David Cross) claramente vêem um divórcio que em breve deverá acontecer, ainda que se arraste por muito mais tempo, entre os motivos, a possibilidade de Tobias ser um homossexual que não se percebe como tal. Eles tem uma filha, Mae “Maeby” (Alia Shawkat) que por sua vez causa os instintos mais primitivos em seu primo, George Michael (Michael Cera), fazendo-o ter um desejo incestuoso. Lucille (Jessica Walter) é a mãe mesquinha da família, ela se sente desamparada por seu esposo, George Sr. (Jeffrey Tambor) quando o mesmo é preso. O filho mais próxima dela é o desfalcado mentalmente Buster (Tony Hale) e ainda há o primogênito aficionado por mágica e ilusionista GOB (Will Arnett). Depois de toda a crise, todo esse núcleo – com exceção de Lucille e Buster – vão morar no mesmo lugar, a casa modelo — um lar fake que serve como exemplo para outras obras imobiliárias da Bluth Company, tão falso quanto a unidade desses e o sucesso da empresa.

    Michael é o mais trabalhador do grupo, na verdade é o único que tem uma vida normal. Ele espera a promoção a presidente da Bluth Company mas antes de ser pego seu pai dá o posto de CEO a Lucille. A acusação de fraude recai sobre a empresa e revela de modo categórico a ganância da família, que não valoriza o irmão tanto quanto merece, nem mesmo na iminência da miséria.

    A única alternativa que os estúpidos parentes tem é de implorar ajuda ao homem justo, o mesmo que foi rejeitado por seu pai e desprezado por seus irmãos, fato que o faz parecer como o mito bíblico de José do Egito. Diante dessa situação, Michael quer obviamente uma bela compensação por ter de aguentar tanta idiotice acumulada, para logo depois perceber que a sua não-nomeação como sucessor de seu pai foi uma ação estratégica, para que ele não fosse preso também, o que até faz balançar seu coração, já que ele decidiu mudar seus planos de ir para Chicago seguir em frente abandonando tudo e todos, levando consigo seu filho. Por ser um sujeito de bom coração ele obviamente freia esses planos e tenta arrumar a confusão da companhia, e claro, de seus parentes.

    Os primeiros anos se focam na convivência nada sadia dentro da família, com competições imbecis dos filhos GOB, Buster e até de Michael por atenção dos pais – num comentário pseudo-freudiano ímpar, que envolve não só Complexo de Édipo mas tantas outras síndromes mais complexas – e claro, ganância, debochando da incessante busca  dos americanos por tentarem alcançar o American Dream, ainda que claramente sejam todos os personagens comuns.

    Parte do sucesso de Arrested Development é a persona de Bateman, e seu recorrente papel do homem normal, esforçado e de caráter ilibado que têm de lidar com as loucuras alheias, como foi em quase todos seus papéis posteriores ao seriado. Cada uma das situações esdrúxulas e nonsenses tornam-se mais interessantes por ter um forte pé na realidade, fazendo lembrar a todo momento o quanto os distúrbios comportamentais do grupo são perturbadores ante a ótica normativa dos outros homens. A tenacidade de Michael apesar de ser uma bela qualidade, se confunde com um defeito, por grafar ainda mais sua condescendência e complacência com os erros dos que o cercam.

    O final do primeiro ano um ocorre com mais uma tentativa de Michael em sair do seio familiar, para viver uma vida distante daqueles que fazem de si um ser miserável. Após o julgamento de seu pai, ele é mais uma vez, por força das circunstâncias, proibido de seguir seu caminho. O começo da segunda temporada prossegue em mais uma tentativa fracassada de retiro, para mostrar uma predileção pelo drama e pelos anúncios de saída, o que faz com que seus parentes narcisistas não acreditem em sua saída, tampouco sentindo sua falta como pacificador dentro do clã.

    A situação piora, quando George Sênior consegue enfim fugir da prisão, para então ser indiciado, fazendo daí algumas piadas com foragidos famosos, em especial o caso de Saddam Hussein, no ano de 2003 (aqui há até uma desconfiança de traição à pátria). Depois de ser encontrado em um túnel subterrâneo, Michael o abriga no sótão da casa modelo, para que ele esteja minimamente sob seu controle. Nesse momento também há a inserção do irmão gêmeo do patriarca, Oscar, que por sua vez abre a possibilidade de mais uma quantidade exorbitante de piadas, pondo os dois personagens em perspectivas bem diferentes, tendo ambos como amantes de Lucille.

    Uma das melhores coisas no segundo ano certamente é a imitação de Uma Babá Quase Perfeita que Tobias faz e todos fingem não saber quem ele é, para que permaneça sem incomodar ninguém. A relação estremecida entre ele e sua esposa parece realmente resultar em nada mais que o fracasso total, já que ela só o quer quando ele parece um fruto proibido, e quando ambos estão juntos, não conseguem ser felizes. Essa questão é obviamente hilária, mas esconde um comentário óbvio e sério, acusando uma hipocrisia comum a muitos casais, que só se mantém juntos por conta de convenções, e claro, por comodidade.

    O final da segunda temporada mostra George Sênior se entregando de bom grado, obviamente em um movimento mentiroso, já que o que ele tentou fazer foi mandar seu gêmeo Oscar em seu lugar para o cárcere, ao mesmo tempo em que consegue proferir um discurso hipócrita e moralista para GOB e Michael, dizendo que pelo fato de compartilharem do mesmo sangue, não deveriam brigar. A duplicidade de vida e discurso é só mais uma mostra do quão canalha o patriarca pode ser, dado a quantidade de prejuízos que causou a sua família, ou seja, seu sangue.

    A sensação de que a série de Mitchell Hurwitz é uma comédia de erros dos Bluth é na verdade um pretexto para contar uma história de constrangimento sobre a vergonha que a existência humana pode proporcionar, e isso fica ainda mais evidente e nítida ao se aproximar de 2005, o ano da terceira (e última até então) temporada comum de Arrested Development. As falcatruas que todos os parentes cometem fazem o (a princípio) ingênuo Michael ser mais cínico e capaz de, pelo menos, entender como eles funcionam, mas sem conseguir retribuir.

    Quando é posto a prova, Michael nega que tem uma família, finalmente verbalizando de modo categórico o desejo reprimido que sempre lhe tomou, e a vontade de se ver livre disso o torna cego até para coisas óbvias, mesmo quando ele se aproxima de uma linda mulher que na verdade esconde um segredo – que nem é tão secreto assim. O personagem claramente está anestesiado demais para entender sequer as coisas óbvias.

    É nesse momento do seriado que Tobias acredita que ganhará mais chances de interpretar bons papéis se tiver mais cabelo, tendo fracassos óbvios nisso. A deterioração dele deixa de ser apenas mental e sentimental, para ser também física. O implante alem de dar errado no início, fazendo seu coro cabeludo sangrar, causando um choque visual no espectador e até em personagens periféricos. Ele ao lado de GOB formam um dueto de idiotas carismáticos, que a princípio causariam ódio por suas inabilidades, mas compensam com um carisma absurdo. A personalidade do personagem de Arnet é ainda mais chamativa e magnética, e faz um enorme sentido no universo caótico que o programa estabelece. A inabilidade de GOB é mais discutida ainda nesse ano, graças a aproximação dele com Steve Holt (Justin Grant Wade), seu filho não reconhecido.

    O roteiro é tão mergulhado em metalinguagem, que pede aos seus espectadores e fãs que contem aos seus conhecidos sobre este show, através de mais uma ação arrecadação de fundos organizada pelos Bluth, ainda que Lucille e outros parentes sejam orgulhosos e arrogantes demais para receber ajuda externa. Os Bluth realmente não precisam de ninguém para sabotá-los, já que eles são especialistas nisso, um bom exemplo disso é Boys in Fight (ou no mercado mexicano Luchas y Muchachos), uma série de vídeos onde a competição entre GOB e Michael era incentivada por George Sênior, basicamente para tentar ter algum lucro, de maneira bem desonesta.

    George Michael finalmente tem coragem de assumir perante seu pai o desejo reprimido que tinha por sua prima, após descobrir que ela realmente era filha de Lindsay – somente para, após mais uma reviravolta, descobrir que Lindsay era na verdade adotada. O programa de TV recorre a sua fórmula, com a capacidade incrível de não desgastá-lo apesar da recorrência enorme de reviravoltas e autorreferências.

    Após três anos de exibição, a audiência baixa fez com que a Fox decidisse por encerrar as atividades de seus personagens, para um futuro sem certeza e com um desfecho abrupto. De certa forma, percebendo que o fim se aproximava, Hurwitz conseguiu amarrar bem até a desolação pelo fim de seu show, e um dos últimos momentos mostra uma intervenção de Ron Roward (em pessoa, e não só em narração), dizendo que a história da família não daria uma série, talvez um filme, provavelmente na tentativa de cavar uma oportunidade para isso. E dessa forma cara de pau, termina Arrested Development, mostrando uma família se decompondo, no auge de sua qualidade humorística, interrompida de maneira precoce por conta do público pequeno de telespectadores. O fato dela nunca ter sido tão popular quanto merecia passa por muitos motivos, entre elas, o fato de mais da metade das suas piadas só fazerem sentido para quem já é aficionado pelo programa, o que obriga seu espectador a entender profundamente sua mitologia, e outro fato é que, para quem abraça o programa, a sensação ao final é extremamente prazerosa, de tão reais que seus personagens parecem.

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  • Crítica | Solo: Uma História Star Wars

    Crítica | Solo: Uma História Star Wars

    Os spin-offs de Star Wars têm (até agora pelo menos) algo nos bastidores que os fazem se tornarem dúvida quanto a sua qualidade. A respeito de Rogue One: Uma História Star Wars foram feitas novas filmagens, cancelaram (ou adiaram, isso está indefinido até hoje) o filme de Josh Trank que mais tarde seria revelado como a aventura de Boba Fett, e com este Han Solo: Uma História Star Wars, houve uma saída de última hora da dupla Phil Lord e Christopher Miller – são creditados como produtores executivos. Coube a Ron Howard o papel de tentar aparar as arestas e trazer à luz um filme que parecia amaldiçoado, e apesar dos percalços, ele acerta bem mais que erra, trazendo um longa que prima pela diversão limpa e descompromissada.

    Desde o começo do filme, o personagem de Alden Ehrenreich soa como uma das muitas facetas que Harrison Ford empregava no mercenário, com a ideia do bom moço disfarçado de cafajeste. Isso talvez seja o maior senão do roteiro de Jonathan Kasdan e Lawrence Kasdan, uma vez que esta nova versão é bem menos munida de camadas que sua contraparte introduzida em Uma Nova Esperança. Quando o espectador vê este Solo em tela, não acredita muito que ele seria capaz de trapacear com todos, mas ainda assim isso pode ser devido ao fato dele ser um iniciante ainda.

    Já nos primeiros momentos se estabelece um casal, com Qi’ra (Emília Clarke) e o pretenso anti-herói, tentando sair de Corelia, planeta natal dos dois, esbarrando em vítimas dos trambiques do futuro caçador de recompensas. Não demora e tem um salto temporal, para então dar vazão a um tempo onde ocorreram alguns dos fatos sobre o passado de Solo que são bastante conhecidos pelos fãs, e as apresentações tanto de personagens novos como dos antigos é executada muitíssimo bem, cada peça se encaixando de maneira bastante harmoniosa dentro da série de filmes. Quase todas as respostas em relação ao background do personagem, suas mentiras e trapaças são bem exemplificadas, e isso por si só já é um avanço enorme em comparação a trilogia de prequels, que só respondeu ao que interessava a George Lucas, e não aos seus fãs.

    Há um número considerável de fan service, em especial ao especial primeiro encontro de Han com a Millenium Falcon, com Chewbacca, e principalmente, Lando (Donald Glover), ainda que esse último merecesse bem mais tempo de tela. No entanto, os vilões e demais personagens que rodeiam o protagonista e seu núcleo não são muito marcantes, exceção é claro a L3-37 (Phoebe Waller-Bridge ) androide e copiloto de Lando, para variar como K2-S e BB8 em Despertar da Força. Tanto Dryden Vos (Paul Bettany) quanto Beckett ( Woody Harrelson) não possuem muito brilho, mesmo que tenham bastante tempo de tela, já Qi’ra, apesar de ser feita por uma atriz limitada, transborda carisma, de um jeito que há muito não se via em Clarke, tendo inclusive um momento no filme que causa bastante impacto nos fãs mais ardorosos de Rebels e Clone Wars.

    A troca de diretores fez perguntar se o longa não seria como foi Homem Formiga, que teve a saída de Edgar Wright e uma quebra de expectativa enorme, uma vez que se prometia um filme fora da caixinha. A se julgar Anjos da Lei e Anjos da Lei 2, o produto final poderia ser um filme bem mais ousado, mas seu formato não chega a ser tão irritante quanto a maioria dos filmes de super-herói da Marvel. Até agora o sub-gênero não saturou ou comprometeu os filmes da série, até porque o universo compartilhado não tem exatamente uma história cronológica e amarrada como no MCU. Se haverá uma fórmula esgotável, ao menos é cedo para falar, já que mesmo com os percalços, tanto Howards como Gareth Edwards entregaram filmes corretos, que se não ousam, ao menos traduzem aventuras escapistas, divertidas e reverenciais a trilogia clássica, acertando bem mais que Ameaça Fantasma, Ataque dos Clones e Vingança dos Sith, e ainda amarrando os destinos dos personagens até com as animações de Dave Foloni, canonizando de forma coesa até mesmo as partes da série que não tem mesma projeção do universo cinematográfico.

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  • 10 Grandes Filmes Sobre Jornalismo

    10 Grandes Filmes Sobre Jornalismo

    “Jornalismo é publicar aquilo que alguém não quer que se publique. Todo o resto é publicidade.”
    – George Orwell

    Jejum de Amor (Howard Hawks, 1940)

    Nem Howard Hawks escapou desse tema. Um dos mais versáteis cineastas era cirurgião especialista em desdobrar a falsa sanidade da América urbana, relendo-a nos viés do drama, suspense, romance e comédia, sendo a mais celebre delas a loucura bem-humorada e incansavelmente genial de dois jornalistas (Cary Grant e Rosalind Russell, perfeitos se amando e se xingando) ziguezagueando entre mil e uma loucuras. Muito, mas muito difícil imaginar uma comédia mais gostosa e inteligente que Jejum de Amor.

    Cidadão Kane (Orson Welles, 1941)

    Quando vejo alguém questionar a importância desse título entre todos, nessa altura do campeonato, quando assistimos cinema na palma da nossa mão e o fazemos com a câmera de um celular, eu percebo que esse alguém não entendeu nada, ainda. Eis o epítome do Cinema, tal como o debute mais bem-sucedido da sétima arte, em geral. O menino Orson Welles injetou a ganância humana encharcando os bastidores da mídia impressa e entrou para a história através da empreitada do mais respeitado dos mitos, presente no TOP 10 de 10 entre cada 10 listas sobre os 10 melhores filmes de todos os tempos (acompanhou?). Sim, talvez no futuro haverá algo de inédito a se falar sobre Cidadão Kane, o que é mais provável ainda se alguém entrar numa máquina do tempo e reescrever alguns dos seus mais nobres escritos desde os saudosos e modernosos idos de 1941. Todos nascemos na época errada, exceto Welles – acredite.

    A Montanha dos Sete Abutres (Billy Wilder, 1951)

    E se o Cidadão Kane fosse um maníaco à beira da psicopatia a fim de tudo para provar, a si mesmo, que o fim justifica quaisquer meios para se chegar incólume a ele? Na melhor atuação de Kirk Douglas, os maravilhosos truques de câmera são mais um complemento para mais uma obra-prima sobre a ambição, o jornalismo sensacionalista e impiedoso e o poder do acaso que habita e firma o cinema de Billy Wilder como um dos grandes – nunca suas metáforas visuais foram tão afiadas..

    A Dama de Preto (Samuel Fuller, 1952)

    Sobre as melhores intenções do indivíduo num mundo infernal; um macro ambiente caótico e encapsulado por Samuel Fuller no âmbito de uma rua onde tudo acontece. Uma ode à liberdade de imprensa e ao próprio jornalismo em si, ao direito de viver o bom combate da mídia em paralelo a quem vive a manipulação jornalística, a construção pretensiosa de fatos ao invés do ato de se construir e difundir informação de qualidade. Nos 76 anos de A Dama de Preto, vamos encará-la então como uma grande obra, ainda que 100% influenciada em tema e técnica por um tal de Cidadão Kane.

    Paixões Que Alucinam (Samuel Fuller, 1963)

    Não gostaria de assistir a nenhum retrato mais perturbador acerca de um tema que esse. Caminho sem volta que haveria de ser, a trajetória de um jornalista que topa entrar num hospício para encontrar um criminoso e extrair a verdade dele já é mindblowing o bastante. Samuel Fuller nunca fui de poupar plateias, e encontra em cenas como a inadvertida perseguição de um negro contra outro numa alusão a KKK o terreno perfeito para filmar e discutir as faces da violência social que existe em qualquer profissão.

    O Monstro na Primeira Página (Marco Bellocchio, 1972)

    Na intenção de manipular a hiper volátil opinião pública sobre um assassinato, um periódico de direita italiano não tem vergonha de acusar um jovem trabalhador de esquerda do fato, mirando na difamação indireta da esquerda para garantir a valorização da elite, pelo público, nas eleições. Uma aula magna extremamente atual sobre como a imprensa pode ser manipuladora e imoral, quando precisa atender a interesses partidários.

    Obs. Gian Maria Volonté foi um dos grandes atores desse mundo.

    Todos os Homens do Presidente (Alan J. Pakula, 1976)

    Aqui já começamos nossa descida ao mundo dos clássicos do século passado. Nos anos 70, dois jornalistas americanos do Washington Post se envolvem no escândalo midiático do Watergate, também durante o governo conturbado de Nixon nos EUA. Em meio as investigações que levavam a crer que Nixon comandava um esquema de espionagem política, e que acabaram conduzindo-o ao impeachment, Carl Bernstein (Dustin Hoffman) e Bob Woodward (Robert Redford) viraram ícones da investigação criminal.

    Rede de Intrigas (Sidney Lumet, 1976)

    Os bastidores da epifania, o retrato sádico da cacofonia do background do espetáculo das notícias – sem nenhuma maquiagem ou truques de câmera. Na busca imoral e absurda pela audiência, as personagem sambam em conflito e loucura, cada vez mais, em meio a relações fadadas ao fracasso de sua humanidade. Rede de Intrigas é um dos melhores roteiros da fantástica década de setenta, num nível de atuação coletiva soberba (destaque ao último diálogo de Peter Finch e Faye Dunaway, duelo de titãs).

    Frost/Nixon (Ron Howard, 2008)

    E se Fincher deu uma aula sobre a força dos diálogos no cinema contemporâneo com A Rede Social, o diretor Ron Howard (Han Solo: Uma História Star Wars) sugeriu isso três anos antes com o embate ideológico entre o jornalista britânico David Frost, e o super polêmico presidenciável Richard Nixon, cara a cara, numa clássica entrevista da TV americana. Frank Langella na pele de um Nixon já cansado, e doa a quem doer em suas declarações, ainda espera seu custoso Oscar por sua impecável atuação, aliás.

    Millennium: Os Homens Que Não Amavam as Mulheres (David Fincher, 2011)

    O melhor dos filmes recentes sobre o tema, e o integrante mais completo dessa lista sobre os fatores mais misteriosos que fazem parte do ofício, quando o profissional é submetido a trilhar uma zona de perigo. Um filme maduro, superior ao frouxo suspense sueco de 2009, dotado de uma parte técnica exemplar devido a vários elementos que David Fincher (Clube da Luta) não se esforça para dosar como ninguém.

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  • Crítica | The Beatles: Eight Days a Week – The Touring Years

    Crítica | The Beatles: Eight Days a Week – The Touring Years

    Músicos, artistas, críticos, fãs, bem como grande parte dos amantes da música colocam os Beatles como uma das bandas mais significativas de todos os tempos. Ainda que, atualmente, qualquer um pareça digno do status passageiro de gênio, é inegável que os britânicos se tornaram influências ímpares na música e figuras representativas do imaginário pop.

    De 1960 a 1970, tempo em que a banda permaneceu na ativa, cada novo lançamento apresentava alta qualidade e novidade, experimentações e canções que ao mesmo tempo eram populares e continham um requinte musical. Conforme a banda foi crescendo disco após disco, o incomodo pelo cansaço inicial, repleto de incansáveis tours pelo mundo afora começou a incomodá-los. O que foi conhecido como Beatlemania foi um dos primeiros cultos a personalidade musical do século passado, bem como as apresentações dos Beatles se tornaram um marco dos grandes espetáculos musicais. Demonstrando como o ouvinte da época se identificava com as canções e com os jovens da banda.

    Dirigido por Ron Howard, The Beatles: Eight Days a Week – The Touring Years registra com profundidade os anos de 1963 a 1666, quando o Quarteto de Liverpool estavam no auge da fama e realizaram mais de 250 shows pelo mundo. Com depoimentos pontuais de estrelas e da própria banda (com imagens de George Harrison e John Lennon resgatadas de entrevistas anteriores) o documentário analisa o período efervescente da banda e o crescimento da carreira a partir de cada álbum lançado.

    A chegada do grupo ao sucesso ocorreu de maneira explosiva. E lá permaneceram eternamente, sem dúvida, com altos custos pelo caminho. Se o quarteto não sucumbiu as pressões da época, como outras bandas fizeram no auge do sucesso, muito se devia a unidade do grupo em que um apoiava o outro para afrouxar a pressão, comportando-se na mídia como uma unidade de quatro cabeças pensantes.

    É impossível assistir ao documentário de maneira impassível diante do resgate de diversas imagens raras da banda bem como na apresentação de contagiantes canções, principalmente porque a fase destacada na abordagem enfoca as canções do início da carreia, dançantes, com letras apaixonadas e refrões grudentos.

    O público que conhece a trajetória da banda, reconhecerá muitas imagens, bem como apresentações icônicas da banda. Como a apresentação no The Ed Sullivan Show e os últimos shows da banda realizados na Alemanha, Japão, Filipinas e  Estados Unidos. Registros que, graças à rede, estão disponíveis para qualquer fã. Apresentações que, de tão procuradas, inauguraram o conceito de shows em estádios, um marco para a época. Ainda mais porque, diante da parca qualidade técnica dos shows, a banda mal se ouvia diante do grito eufórico da multidão.

    Se há qualquer dúvida da importância do quarteto, Eight Days a Week se apoia na cronologia para mostrar a evolução da banda, bem como o cansaço com os excessos de shows. Aos poucos, o público compreende uma banda ímpar que soube lidar com a fama e reverter as regras da indústrias ao ponto de desistirem das apresentações para se dedicar exclusivamente a criatividade das composições em estúdio.

    Sem nenhum elemento técnico como novidade, além das imagens fotográficas com breves animações, um recurso recente utilizado para dar maior dinamismo na apresentação das imagens antigas, o documentário se desenvolve de maneira tradicional, afinal, seria desnecessário qualquer inovação narrativa quando se fala de Beatles. A banda em cena, brilhando a história da música do início ao fim é tudo o que interessa ao assistirmos a obra.

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  • Crítica | Inferno

    Crítica | Inferno

    inferno-dan-brownCertos autores são conhecidos pelo estilo e uma estrutura narrativa facilmente identificáveis em suas obras. Algo que podemos chamar de assinatura. Isso se reflete nos livros de autores como Nicholas Sparks, Stephen King, John Grisham, Nora Roberts, em maior ou menos grau. Em alguns casos, esses estilos são configurados pela crítica especializada como excessivamente formulísticos, e por vezes, repetitivos. É o que ocorre com Dan Brown.

    A cada lançamento de um novo livro, há grandes discussões acerca dos temas levantados pelo autor, gerando debates infindáveis sobre suas teses e teorias apresentadas em seus livros, geralmente discutidas por leitores que desejam refutar seus argumentos. No entanto, pouco se explica sobre seu sucesso e os milhares de exemplares vendidos a cada novo livro lançado. Roger Ebert dizia que não se deve analisar obras com objetivos distintos da mesma forma, assim deve-se estabelecer uma diferença ao analisar uma obra literária como Inferno, de Brown, e a Divina Comédia, de Dante Alighieri. Ou será que algum crítico escreveria sobre o poema épico de Dante alegando ser uma história menor, já que não conta com o dinamismo, divertimento e a tensão ininterrupta de um livro de Brown?

    A adaptação para os cinemas de Inferno, novamente dirigida por Ron Howard, traz às telas os pontos mais frágeis das obras do escritor. Inferno é excessivamente expositivo, irritantemente bobo e rapidamente esquecível. A trama intensa e rápida, típica dos livros do autor, serve apenas como um meio para que o público esqueça dos problemas narrativos de sua versão cinematográfica e que não se atenha aos absurdos e buracos que aparecem pelo caminho.

    Nesta nova aventura de Robert Langdom (Tom Hanks), o bilionário Bertrand Zobrist (Ben Foster) cria um agente patogênico capaz de dizimar metade da raça humana, já que esta estava em perigo devido a superpopulação mundial. A fórmula de Brown se mantém como de costume em pistas deixadas por um homem morto, arte renascentista, organizações secretas, investigações, diálogos expositivos e perseguição ao protagonista.

    Howard inicia a trama como um bom thriller hitchcockiano, ao captar uma cena de perseguição ao personagem de Zobrist encurralado ao topo de uma torre, remetendo ao clássico Um Corpo Que Cai.  Na cena seguinte, Langdom está no hospital, aparentemente ferido e sem memória, apresentando ao espectador a história que ele irá contar nos próximos minutos. Deixando de lado o fato de se tratar de uma muleta narrativa que utiliza a amnésia dos seus protagonistas para empurrar sua história, infelizmente o longa abusa da boa vontade e sempre introduz alguma lembrança convenientemente nos momentos em que o protagonista mais precisa daquela informação. Isso é realizado até mesmo em pontos-chave da trama onde esta atinge um clímax, para logo após ser interrompido por seções de flashback ou de diálogos explanativos, apesar da obviedade da informação fornecida.

    Se a trama gira em torno de um senso de urgência, o que motiva essa corrida contra o tempo não se reflete de maneira justificável, já que a desculpa utilizada soa risível. O mesmo pode ser dito sobre a participação de Langdom na série, já que suas intervenções aqui são bem menores, podendo ser substituído por qualquer outro personagem sem o menor problema, servindo até mesmo como mero fornecedor de dados históricos da obra de Dante Alighieri, diferente dos filmes anteriores. O que fundamenta o tom genérico do roteiro.

    O roteiro de David Koepp não consegue amarrar as pontas soltas ao longo de sua narrativa. O amigo de Langdom, Ignazio Busoni (Cesare Cremonini) é trazido à trama, mas é rapidamente ignorado, pouco importando o destino da personagem, bastando um e-mail dizendo que ele havia fugido de seus perseguidores. O mesmo vale para a personagem Sienna Brooks (Felicity Jones, realizando uma interpretação burocrática e ligada no piloto automático), apresentada como uma mulher metódica – curiosamente o diretor cria um plano-detalhe da personagem arrumando cuidadosamente os objetos deixados na mesa – no entanto, isso é prontamente esquecido na composição da personagem.

    Tom Hanks segue mais solto como Robert Langdom do que nos filmes anteriores, mas quem rouba cena é Irrfan Khan e Omar Sy, ambos confortáveis em seus papéis. A trilha sonora de Hans Zimmer não erra, e certamente é um dos pontos altos da trama, mesclando o clima renascentista existente na obra do autor florentino com o clima de ação e suspense de Brown.

    Ron Howard entrega um filme excessivamente didático, onde os maiores méritos de seu trabalho como cineasta se transmuta com sua retratação da obra máxima de Dante, idealizado pela obra Inferno de Dante, de Sandro Botticelli. Infelizmente o roteiro peca pela sua falta de personalidade, burocratismo e furos, não transmitindo o dinamismo e a urgência dos livros de Dan Brown. Um desfecho amargo para a trilogia.

  • Crítica | No Coração do Mar

    Crítica | No Coração do Mar

    No Coração do Mar - poster

    A tradição oral sempre esteve presente conosco. Ela, sem dúvida, é um dos ritos mais antigos que ainda carregamos, e através dela, antes mesmo de conseguirmos ler, são passados medos, lições e principalmente as histórias. E é através do interlocutor que essas passam a ganhar vida, mesmo que verdade ou não. Basicamente, é questão de acreditar no que está ouvindo. E é nessa passagem que todo o clima e atmosfera do filme No Coração do Mar, que estreia nos cinemas no próximo 3 de dezembro, constrói sua narrativa.

    O cinema do diretor Ron Howard tem se dedicado nas suas últimas obras a relatar histórias reais através de suas produções, e certamente atingiu muitos acertos, como Uma Mente Brilhante, obra na qual realiza uma cinebiografia, ou em conflitos reais como Frost e NixonRush – No Limite da Emoção. Mesmo que hoje possamos perceber com enorme frequência filmes voltados a contar histórias reais, origens de grandes fatos históricos e personagens numa tentativa de ressurgi-los mais uma vez, arrecadando milhões em bilheteria, é muito fácil destacar esses três filmes como obras muito bem realizadas no meio de tantos produtos semelhantes. Mas o que acontece quando ele decide contar uma história que na verdade deu origem a uma obra que é tão poderosa quanto a história que a inspirou?

    Na trama de No Coração do Mar, o futuro autor de Moby Dick, Herman Melville (Ben Whishaw) convence o velho Thomas Nickerson (Brendan Gleeson) a contar a história de quando ainda era um marujo (interpretado por Tom Holland) e o que ocorreu de fato por trás da destruição do navio Essex em 1820, que saiu em busca de caçar baleias, comandado pelo capitão George Pollard Jr. (Benjamin Walker) e seu Imediato Owen Chase (Chris Hemsworth)

    Já que o filme se passa unicamente no mar, seria mais do que função dessa produção trabalhar bem a construção do que se passa exatamente dentro e fora de um navio. O filme não só faz isso com excelência, mas consegue dosar numa montagem competente a simples busca por um vento favorável como algo completamente emocionante. As cores dos enquadramentos são propositalmente sóbrias nas cenas externas no mar para dar vida ao navio muitas vezes, assim como as cores das roupas do capitão Pollard, dourado das armas da tripulação e dos olhares dos tripulantes.

    Infelizmente, como muitas produções hoje carecem de uma imersão fidedigna ao que elas se propõem, existe um excesso de enquadramentos em close nos atores quando é necessária uma cena que exija um movimento mais preciso, ou uma ação coordenada em alguma direção da câmera. E, por outro lado, é muito difícil dizer quando estamos encarando uma baleia por CG ou por uma gravação pré-produzida com uma montagem competente. Vale ressaltar que, apesar da trilha claramente Hans Zimmeriana, ela encaixa perfeitamente nas cenas, assim como os efeitos sonoros da grande baleia branca que aterroriza a tripulação do Essex.

    Durante toda a passagem do filme, foi difícil não pensar no fato de que ele por si só já era a metalinguagem de outra história já contada, sendo contada para o seu autor. Os poucos momentos em que os personagens do Essex têm diálogos expositórios sobre sua condição, é muito claro a contraposição com a própria natureza da obra Moby Dick e que se estende até o fim do filme. Seu desfecho, amargo e doloroso, é resultado de uma condição miserável em que alguns poucos seres humanos sobreviveram para contar. Apesar de alguns veículos de comunicação terem divulgado a foto do ator Chris Hemsworth com pouquíssima massa muscular para interpretar o período à deriva da tripulação é possível dizer que o filme não abusa em demonstrar tal aspecto físico, exibindo-o pontualmente durante alguns trechos,

    A tradição oral é talvez um dos espelhos mais poderosos que temos para revelar o que se esconde de sombrio no coração do homem; tornar simples palavras em monstros e em assombrações depende unicamente do que existe de mais sombrio em cada um de nós. Quem sabe transpor o que deveria nos atormentar de tamanha forma com palavras em imagens talvez não seja a maneira mais efetiva de contar essa história.

    Texto de autoria de Halan Everson.

  • 10 Filmes Políticos

    Politicagem, quando a desvalorização ética e moral é tendência, seja nas ações políticas, ou nas iniciativas públicas no horário eleitoral, cuja real utilidade chega a causar vergonha alheia no eleitorado. O cinema não previu esse ou outros fenômenos que vão e voltam, mas já mostrou vários lados desta moeda, que se encontra hoje mais desvalorizada que o real nos tempos atuais de inflação. Abaixo e sem uma ordem de preferência, quase uma dúzia de bons exemplos sobre o tema, de valores político e artístico inestimáveis.

    I – Dr. Fantástico (1964), de Stanley Kubrick
    A crítica visão política de Kubrick, por todo o exclusivo estilo de sua filmografia, não poderia ser diferente. O ridículo e o desastre de um sistema à beira do colapso, comandado à flor da pele por homens desesperados para serem salvos, em um mundo confuso que tentam salvar em seus hemisférios e contrastes dissonantes, e só o aparente milagre de um cadeirante voltar a andar pode impedir um mundo desses de explodir em cacos e paranoia. Ou não…

    fantástico

    II – Masculino, Feminino (1966), de Jean-Luc Godard
    Cada um em seu quadrado, ainda que na mesma sociedade, como homens e mulheres enxergam não apenas o seu oposto, e sim o cenário que os circunda, influencia e os trata diferente, nas diferenças que sustentam ambos os gêneros. Sem cair em clichês, Godard cria sua mais profunda e diversa, a mais inclusiva análise sócio-política de sua carreira militante, em Masculino, Feminino. Lidar com uma miscelânea de temas através da típica poesia Godardniana, e uma genial narração diegética em forma de diálogos inteligentes e pertinentes, enquanto o filme constrói uma identidade própria… não é fácil.

    masculino feminino

    III – M.A.S.H.(1970), de Robert Altman
    Extremamente bem construído entre arcos e desfechos paralelos (a edição do filme ainda é uma das maiores para histórias múltiplas do Cinema), M.A.S.H. é hilário, de humor corrosivo às digressões morais e às loucuras que podem ocorrer nas possibilidades surreais de uma guerra armada. Crítico sem ser didático sobre a questão, é a comicidade americana olhando pro próprio umbigo e tendo que rir da sujeira e imundice acumuladas, durante as incertezas de uma condição política extremista.

    MASH

    IV – (1969), de Costa-Gavras
    Registro imparcial a ponto de poder ser confundido com um improvável mockumentary, ou seja, uma versão hiper-realista da ficção sobre a realidade das coisas, tamanha é a fidelidade ao implacável momento ditatorial que Cuba ostenta em sua recente história pós-colônia americana. Por ajudar a construir um padrão da qualidade das produções contestadoras nos anos 60, Z virou um monumento jornalístico e histórico sem preço ou precedentes, senão categórico quanto aos idos que imortaliza e inspira por alguma atitude semelhante, em outras realidades dignas de uma denúncia de força similar.

    Z

    V – O Grande Ditador (1940), de Charles Chaplin
    A maior comédia política do Cinema, muito provavelmente, sendo que nunca a ironia de um cineasta foi tão longe, a ponto de, mais que parodiar, então avacalhar tanto Hitler quanto aqueles que pensavam poder se defender por acreditarem em uma paz impossível, no auge da Segunda Guerra. A cena do Globo terrestre nas mãos de um ditador, ou a tristeza manipulada de uma raça inteira, independente de lados e acasos, no inesquecível discurso final do proletariado a frente de uma câmera, com voz e visibilidade pela primeira vez… Sob dimensões lógicas e sensoriais, no fundo ou na superfície, é o Chaplin mais completo e corajoso.

    ditador

    VI – A Mulher Faz o Homem (1939), de Frank Capra
    A utopia de um homem só, batalha individual, otimista e bem-intencionada, em cenário de princípios políticos maiores e incompatíveis quanto aos de um senador honesto e sincero. Uma visão alternativa quanto ao papel de um bom representante público, inserido numa câmara de predadores da constituição, ironicamente, em um dos berços da democracia e da luta ideológica para faze-la valer a pena. E em meio a um enorme conflito de interesses partidários, o fato é que nunca, em Hollywood, se fez um Cinema tão saudável ao bem-estar do público, sem ser moralista, ingênuo ou chato, igual ao Cinema fraterno de Frank Capra.

    smith

    VII – Terra em Transe (1967), de Glauber Rocha
    O atestado oficial do cineasta estadista e engajado que Glauber Rocha não conseguia evitar em ser. Engajamento poético sem delírio ou conceito lenitivo quanto as polêmicas situações políticas brasileiras, no século XX (a popular mão na cabeça não existia em seus manifestos de Cinema Novo). Em Terra em Transe, produto maduro e consciente, a cena em que um casal se encontra no meio de uma manifestação pública falsamente revolucionária, é um esplendor a quem captura um filme além da imagem, esta inserida em contexto que verte sociologia e populismo prático, em típicas doses Glauberianas de potência extrovertida. Transe é um leão selvagem numa jaula que, liberto, quer e consegue devorar tudo e todos.

    terra

    VIII – Memórias do Subdesenvolvimento (1968), de Tomás Gutiérrez Alea
    Taxi Driver versão guerrilha. Comparações em voga, Memórias não deixa de ser um introspectivo e psicológico complemento prévio a Z, de Gavras, acerca das consequências de uma imposição cultural pelas frentes do movimento separatista de Fidel Castro, em Cuba, e do preço na vida social de um cidadão esquecido por Deus, e pela própria autonomia de exercer sua cidadania em uma Havana imprevisível, e devidamente filmada em Preto e Branco, em um grande estudo de personagem que grita e esperneia sua impotência, pelo silêncio apocalíptico da nação ao redor.

    memórias

    IX – Outubro (1928), de Sergei M. Eisenstein e Grigori Aleksandrov
    Filme gigante, literalmente. O verdadeiro épico de Eisenstein é uma catarse elucidativa a respeito da consagração histórica, artística, e como efeito imediato, de um documento humanitário em forma de Cinema. Cinema contestador, onipresente nas questões que debate em suas poderosas imagens, frutos da ambição de um cineasta, Outubro é o tipo de filme que não se faz mais, em lugar algum do século XXI. O filme que comemora o décimo aniversário da Revolução Soviética, de 1917, é um dos poucos exemplos que, por não ter medo de levantar bandeira sobre o que acreditava merecer a celebração, se tornou imortal.

    outubro

    X – Todos os Homens do Presidente (1976), de Alan J. Pakula
    Os contornos e limites do direito de liberdade de expressão, do ponto de vista da mídia, o quarto poder num estado de democracia, são traduzidos em excelência e importância vertebral a partir de investigação à moda antiga, em Todos os Homens do Presidente. Um filme simbólico o bastante para ser um parâmetro além dos tempos de Nixon, e do impacto que uma má reputação pode causar numa sociedade à beira de fatos, meias verdades e mentiras sobre quem a comanda e a mantém informada, com muito, muito custo. O jornalismo e a política adoram dividir a cama, mas trabalhar juntos é outra história.

    presidente

     

  • Crítica | Rush: No Limite da Emoção

    Crítica | Rush: No Limite da Emoção

    rush poster

    Todo filme de Fórmula 1 no Brasil que não seja sobre Ayrton Senna (ou que não o transforme em semideus) será sempre tratado com um certo desdém pelo grande público, que costuma ver nele o único grande piloto da F1, mostrando um pouco de egocentrismo nacionalista e falta de conhecimento da história de um esporte que já teve seus melhores momentos em décadas passadas, e hoje sofre, assim como o boxe, de falta de fãs e credibilidade. Rush (com seu dispensável subtítulo brasileiro No Limite da Emoção) vem justamente para cumprir papel importante neste aspecto: o de mostrar que a F1 já existia e já era perigosa e emocionante antes de Ayrton.

    A história do filme retrata a rivalidade existente entre os pilotos Niki Lauda (Daniel Brühl) e James Hunt (Chris Hemsworth), portadores de personalidades bem distintas: enquanto Lauda era frio, metódico e brilhante, Hunt era um típico playboy, que adorava festas e os flashes da mídia. A disputa entre os dois se passa desde o início da década de 70 até 1976, quando Niki Lauda sofre um grave acidente no mesmo ano que James Hunt se consagra campeão mundial de F1, igualando o feito de Lauda no ano anterior.

    Com uma estrutura interessante, que insere flashbacks durante a narrativa tradicional, o diretor Ron Howard consegue contar uma história cativante sobre duas personalidades tão distintas, mas que rivalizavam e se completavam, de certo modo. Obviamente, certas liberdades poéticas foram tomadas para tornar o filme mais cativante. Porém, qualquer pessoa minimamente interessada no esporte, ou mesmo em conflitos humanos, saberá aprecia-la.

    Brühl e Hemsworth conseguem, cada um a sua maneira, passar um realismo na dinâmica entre os personagens, ainda mais Brühl, que parece ter estudado meticulosamente cada trejeito físico de Lauda, pois sua atuação impressiona. Hemsworth, limitado como é, se entrega verdadeiramente, mas ainda não consegue fugir do typecasting pelo seu tipo físico e padrão de beleza. Outro ponto positivo do filme é o figurino e os design de produção, que consegue passar nitidamente a sensação dos anos 70 a cada tomada, pelas roupas, penteados, carros, câmeras fotográficas, maquiagens e todos os detalhes.

    Porém, o que poderia ter trazido uma profundidade maior ao filme seria a inserção de outros elementos que pudessem tornar a dinâmica entre Lauda e Hunt menos linear, como talvez a interação de ambos com outros pilotos (momento só brevemente inserido na trama) e com a estrutura da F1. Com 2h03 minutos de projeção, desenvolver mais a história iria tornar o filme ainda mais longo pelo uso que se fez das cenas de corridas, muito bem feitas por sinal, assim como as sequências de transição entre os GP’s, mas sempre em detrimento da história, um vício cada vez mais comum na produção cinematográfica moderna.

    Ron Howard, ainda com essas limitações, consegue produzir um filme redondo, que satisfaz tanto quem está em busca de uma boa diversão com doses homeopáticas de profundidade quanto o fã de F1, que provavelmente irá fazer uma busca extensiva na internet para saber mais sobre essas figuras tão emblemáticas a respeito de uma época romântica de um esporte em crise, como a F1 atualmente.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.