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  • Crítica | O Céu da Meia-Noite

    Crítica | O Céu da Meia-Noite

    Podemos dizer que filmes de viagens espaciais existem “desde sempre”, quando em 1902, o cineasta francês Georges Méliès dirigiu o ótimo Viagem à Lua, que já nasceu clássico por se tratar do primeiro filme de ficção científica da história, além de também ser o ponto de partida para a criação dos subgêneros da ficção, como os contatos imediatos com alienígenas.

    Apesar da ficção científica estar sempre em evidência no decorrer dos anos, um gênero específico possui pouquíssimos filmes que são muito bem representados, como é o caso dos dramas das viagens espaciais. Talvez, tem-se em 2001: Uma Odisseia no Espaço e em Interestelar os dois maiores filmes do gênero já feitos e podemos adicionar à lista outras produções como Apollo 13: Do Desastre ao Triunfo que é baseado em fatos reais, além dos ótimos Gravidade, Perdido em Marte e O Primeiro Homem, também baseado em fatos reais e o mais recente deles, Ad Astra: Rumo às Estrelas.

    Vale destacar que com exceção de “2001” e “Apollo 13”, que foram lançados em 1968 e 1995, respectivamente, todos os outros foram lançados na última década e olha que não estamos falando da enorme quantidade de seriados do gênero.

    E tudo isso, provavelmente, se deve às últimas pesquisas e missões feitas pela NASA, aliada à Spacex, de Elon Musk, que quer que humanos colonizem Marte o mais rápido possível. Nunca se mandou tantos astronautas e sondas para o espaço como atualmente e, como a vida imita a arte, fica claro que o mercado cinematográfico está aquecido.

    Mas como dito, são poucos os representantes do gênero e O Céu da Meia-Noite, produção da gigante Netflix, busca registrar seu nome neste hall da fama dos dramas de viagens espaciais.

    Dirigido e estrelado pelo astro George Clooney, acompanhamos a história do cientista Augustine (Clooney), que, num Planeta Terra já condenado, decide ficar sozinho numa base no Ártico para tentar alertar os vários astronautas que estão viajando pelo espaço a não voltarem à Terra, dada a sua rápida degradação. A missão destes astronautas é clara: encontrar planetas habitáveis para que possamos sobreviver e perpetuar nossa espécie. E é justamente aí que conhecemos a equipe de astronautas da nave comandada por Sully (Felicity Jones), que está retornando ao nosso planeta com ótimas notícias.

    Então, vemos em tela dois fronts de desespero, sendo um de Augustine buscando contato com as naves fora do planeta e outro da Comandante Sully buscando contato com a Terra que, estranhamente, não responde os seus chamados. E, para piorar a situação, Augustine descobre uma criança que está abandonada na base. A menina Iris, vivida pela atriz Caoillin Springall, provavelmente foi esquecida por alguma das pessoas que abandonaram a base e que motivaram a estadia do protagonista.

    Curiosamente, o filme se destaca mais pela dinâmica da dupla sozinha no Ártico do que pela dinâmica dos astronautas que são responsáveis pelos momentos de maior ação no filme, justamente porque todos os percalços vividos pelos viajantes do espaço já foram vistos no cinema pelo menos uma vez. A direção de Clooney é muito competente. Sua atuação e a química entre os personagens funcionam bem, mas infelizmente, a parte espacial não traz nada de novo para o espectador.

    Mas, ainda assim, visualmente falando, o filme é lindo e esse adjetivo não está somente presente no aspecto estético, já que passa diversas mensagens para aquele que assiste, principalmente na atual condição do nosso mundo hoje, que está doente, ambientalmente falando, pandêmico, com uma população que vem sofrendo constantemente com a saúde mental fragilizada, dentre outros diversos problemas.

    Apesar de ter figurado na lista dos filmes mais vistos na Netflix, só o tempo irá dizer se O Céu da Meia-Noite, figurará na seleta lista mencionada no início deste texto.

    Texto de autoria de David Matheus Nunes.

  • Crítica | Sete Minutos Depois da Meia-Noite

    Crítica | Sete Minutos Depois da Meia-Noite

    O cinema e a literatura fantástica sempre se apropriaram de dramas realistas para a construção de suas histórias, pode-se ver isso pelo movimento estudantil em Harry Potter, por exemplo. Porém, algo muito mais genuíno nasce de quando a realidade, o bom drama, se aproveita de elementos fantásticos para se ilustrar suas mensagens.

    E ilustração é um dos pilares de Sete Minutos Depois da Meia-Noite, longa escrito pelo autor de seu livro de origem O Chamado do Monstro, Patrick Ness e dirigido pelo espanhol J.A. Bayona. Conor (Lewis MacDougall), um garoto que se esconde por trás de suas ilustrações, vive um momento delicado ao ver sua mãe (Felicity Jones) lutar contra uma doença terminal, além de sentir falta do pai ausente (Toby Kebbell) e não se dar muito bem com a estranha avó (Sigourney Weaver). Atormentado por pesadelos e um constante bullying na escola, Conor passa a receber visitar de um monstro-árvore (Liam Neeson) que lhe promete três histórias em troca de uma quarta.

    O filme passeia pelas ilustrações do garoto e nos imerge em ótimas sequências animadas em aquarela que ilustram as histórias contadas pelo Monstro, brilhantemente dublado por Neeson, sendo o grande diferencial da dublagem a capacidade do ator em soar ameaçador e reconfortante ao mesmo tempo. Ainda assim, essas histórias não vão além da questão técnica, tendo a narrativa como um grande equívoco, já que não possuem grande papel como significado e não transmitem o peso necessário quando o filme nos diz a real proposta delas; talvez, apenas a terceira história se encaixe bem além do que o final propõe.

    Quando Conor tem que encarar a realidade, e não tem a presença do Monstro, são os melhores momentos do longa, utilizando-se de uma fotografia sutil, com alguns super-enquadramentos e que se encaixam com uma direção de arte que transmite tanto beleza como significado nos detalhes, principalmente em fotos e objetos pessoais de suas personagens. A montagem do filme é coberta de transições que relembram o que acabara de ser visto em tela e faz com que os momentos fantásticos e os momentos no “mundo real” fiquem bem dosados.

    Os efeitos visuais não são lineares em qualidade, mas pelo menos são crescentes e não chegam a tirar muito a atenção do espectador, a edição do som bastante criativa e original e de um modo genial se dá muito bem com a trilha orquestral nada apelativa de Fernando Velázquez – e isso é de muito mérito em filmes taciturnos como esse. Das atuações, apenas a de Kebbell parece deslocada e a personagem do ator acaba soando desnecessária, tanto para o drama do garoto quanto para o desenvolvimento da doença terminal da mãe.

    Já Lewis carrega muito bem o filme com seu protagonista e nos faz lembrar de maneira muito carinhosa de O Labirinto do Fauno, Onde Vivem os Monstros e Meu Monstro de Estimação, e culpa disso é da direção muito sincera de Bayona, que vem de filmes como O Orfanato e O Impossível, onde soube tratar muito bem o extraordinário quase gótico e o drama familiar. Sete Minutos Depois da Meia-Noite é um filme pesado, melancólico e carregado de mensagens, mas que falha em dar importância para suas histórias centrais, não conseguindo fugir do previsível em sua espécie de “revelação” perto do fim, ainda assim trabalha bem com seu roteiro no que diz respeito a bons diálogos, “amarração de pontas soltas”, e claro, serve de maneira brilhante como retratação de perda, infância, família, invisibilidade, coragem e mais do que tudo: imaginação. Ou uma boa ilustração em aquarela dela.

    Texto de autoria de Felipe Freitas.

  • Crítica | Rogue One: Uma História Star Wars

    Crítica | Rogue One: Uma História Star Wars

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    Um dos maiores méritos de Rogue One: Uma História Star Wars foi o de conseguir esconder a maior parte de suas tramas do marketing esclarecedor péssimo, que tomou conta de Holywood, onde a regra é revelar absolutamente tudo no material acessório. O longa de Gareth Edwards vai completamente na contramão dos outros blockbusters, que normalmente explicitam seus detalhes nos trailers, spots de tv e demais meios de divulgação.

    Apesar de já se saber o final, já que o filme conta uma sub trama essencial de Uma Nova Esperança, as revelações contidas no texto de Toni Gilroy e Chris Weitz são bombásticas, além de serem a principal característica positiva do longa. A Vingança dos Sith foi um filme da franquia que sofreu com esse estigma, já que para todos os efeitos, era obrigatório que o ansioso Anakin Skywalker fizesse a transição para o lado negro da Força. O mote principal de Rogue One são as estranhas relações que os rebeldes tem entre si, mostrando uma resistência fragmentada, com os mais moderados sendo os da Aliança Rebelde, liderados por Mon Mothma (Genevieve O’Reilly) e Bail Organa (Jimmy Smits), e os extremistas de Saw Gerrera (Forest Whitakker). Esse dois lados em alguns momentos convergem no mesmo caminho e em outros não, e essa dicotomia acrescenta uma riqueza política até então inédita na saga.

    A jornada do herói é executada por dois personagens da mesma família, primeiro com a jovem Jyn Erso (vivida por Felicity Jones na fase adulta) que sobrevive ao ataque do vilão da película, o militar imperial Orson Krennic (Ben Mendelsohn). A proximidade entre esses dois personagens se dá graças as antigas colaborações imperiais do segundo Erso envolvido na trama, Galen (Mads Mikkelsen), o pai da menina, que passou muito tempo afastado de seu clã, de maneira forçosa evidentemente. É nesse núcleo que se concentram a maioria dos eventos dramáticos importantes, fator este que traz bons e maus momentos para o script.

    A maior força dos bons filmes de Guerra nas Estrelas mora na humanidade dos seus personagens centrais que, mesmo em meio a tantas batalhas épicas, se mostram sentimentais, passíveis de erros e bem construídos. Tanto isso acontece que os trechos dignos de aplausos envolvem esses personagens clássicos. Não falta menção aos antigos aventureiros e o timing das aparições só faz melhorar quanto a qualidade das aparições. Uma em especial é de deixar o público boquiaberto, mas o sigilo quanto a identidade do personagem é importante para a apreciação do filme.

    Há um conjunto de personagens coadjuvantes bem divertida e visualmente bela. Os personagens periféricos como o crente na força Chirrut Îmwe (Donnie Yen) e o androide K-2SO (Alan Tudyk) garantem bons momentos cômicos, no entanto, o excessivo enfoque nessas personagens denuncia um problema do argumento, que é a falta de interesse causado por Jyn e por seu pseudo par romântico, o piloto Cassian Andor (Diego Luna), em especial pelo talento pouco aproveitado desse casting, fato que obviamente não ocorreu com o bom Despertar da Força, que também faz menções aos guerreiros clássicos e introduz novas figuras.

    A atmosfera do filme no entanto resgata qualquer possibilidade de amargor com o resultado final da obra que Edwards orquestra. A trilha sonora de Michael Giacchino não soa tão clássica quanto a de John Williams, mas faz um belo papel, elevando os eventos de guerra a um tom bastante dramático. A sensação terrível de uma batalha perdida é elevada a uma qualidade gritante, sentimental e tocante, ainda dando vazão a uma nova esperança, como denunciado no subtítulo do episódio IV. A fotografia de Greig Fraser é apurada e ajuda a reconstruir a mesma sensação de se explorar novamente os momentos clássicos de Star Wars, sem precisar de muletas narrativas como cópias de momentos históricos ou repetições de arcos, neste ponto, Rogue One: Uma História Star Wars é conciso e econômico, sendo equilibrado apesar dos defeitos pontuais citados.

  • Crítica | Inferno

    Crítica | Inferno

    inferno-dan-brownCertos autores são conhecidos pelo estilo e uma estrutura narrativa facilmente identificáveis em suas obras. Algo que podemos chamar de assinatura. Isso se reflete nos livros de autores como Nicholas Sparks, Stephen King, John Grisham, Nora Roberts, em maior ou menos grau. Em alguns casos, esses estilos são configurados pela crítica especializada como excessivamente formulísticos, e por vezes, repetitivos. É o que ocorre com Dan Brown.

    A cada lançamento de um novo livro, há grandes discussões acerca dos temas levantados pelo autor, gerando debates infindáveis sobre suas teses e teorias apresentadas em seus livros, geralmente discutidas por leitores que desejam refutar seus argumentos. No entanto, pouco se explica sobre seu sucesso e os milhares de exemplares vendidos a cada novo livro lançado. Roger Ebert dizia que não se deve analisar obras com objetivos distintos da mesma forma, assim deve-se estabelecer uma diferença ao analisar uma obra literária como Inferno, de Brown, e a Divina Comédia, de Dante Alighieri. Ou será que algum crítico escreveria sobre o poema épico de Dante alegando ser uma história menor, já que não conta com o dinamismo, divertimento e a tensão ininterrupta de um livro de Brown?

    A adaptação para os cinemas de Inferno, novamente dirigida por Ron Howard, traz às telas os pontos mais frágeis das obras do escritor. Inferno é excessivamente expositivo, irritantemente bobo e rapidamente esquecível. A trama intensa e rápida, típica dos livros do autor, serve apenas como um meio para que o público esqueça dos problemas narrativos de sua versão cinematográfica e que não se atenha aos absurdos e buracos que aparecem pelo caminho.

    Nesta nova aventura de Robert Langdom (Tom Hanks), o bilionário Bertrand Zobrist (Ben Foster) cria um agente patogênico capaz de dizimar metade da raça humana, já que esta estava em perigo devido a superpopulação mundial. A fórmula de Brown se mantém como de costume em pistas deixadas por um homem morto, arte renascentista, organizações secretas, investigações, diálogos expositivos e perseguição ao protagonista.

    Howard inicia a trama como um bom thriller hitchcockiano, ao captar uma cena de perseguição ao personagem de Zobrist encurralado ao topo de uma torre, remetendo ao clássico Um Corpo Que Cai.  Na cena seguinte, Langdom está no hospital, aparentemente ferido e sem memória, apresentando ao espectador a história que ele irá contar nos próximos minutos. Deixando de lado o fato de se tratar de uma muleta narrativa que utiliza a amnésia dos seus protagonistas para empurrar sua história, infelizmente o longa abusa da boa vontade e sempre introduz alguma lembrança convenientemente nos momentos em que o protagonista mais precisa daquela informação. Isso é realizado até mesmo em pontos-chave da trama onde esta atinge um clímax, para logo após ser interrompido por seções de flashback ou de diálogos explanativos, apesar da obviedade da informação fornecida.

    Se a trama gira em torno de um senso de urgência, o que motiva essa corrida contra o tempo não se reflete de maneira justificável, já que a desculpa utilizada soa risível. O mesmo pode ser dito sobre a participação de Langdom na série, já que suas intervenções aqui são bem menores, podendo ser substituído por qualquer outro personagem sem o menor problema, servindo até mesmo como mero fornecedor de dados históricos da obra de Dante Alighieri, diferente dos filmes anteriores. O que fundamenta o tom genérico do roteiro.

    O roteiro de David Koepp não consegue amarrar as pontas soltas ao longo de sua narrativa. O amigo de Langdom, Ignazio Busoni (Cesare Cremonini) é trazido à trama, mas é rapidamente ignorado, pouco importando o destino da personagem, bastando um e-mail dizendo que ele havia fugido de seus perseguidores. O mesmo vale para a personagem Sienna Brooks (Felicity Jones, realizando uma interpretação burocrática e ligada no piloto automático), apresentada como uma mulher metódica – curiosamente o diretor cria um plano-detalhe da personagem arrumando cuidadosamente os objetos deixados na mesa – no entanto, isso é prontamente esquecido na composição da personagem.

    Tom Hanks segue mais solto como Robert Langdom do que nos filmes anteriores, mas quem rouba cena é Irrfan Khan e Omar Sy, ambos confortáveis em seus papéis. A trilha sonora de Hans Zimmer não erra, e certamente é um dos pontos altos da trama, mesclando o clima renascentista existente na obra do autor florentino com o clima de ação e suspense de Brown.

    Ron Howard entrega um filme excessivamente didático, onde os maiores méritos de seu trabalho como cineasta se transmuta com sua retratação da obra máxima de Dante, idealizado pela obra Inferno de Dante, de Sandro Botticelli. Infelizmente o roteiro peca pela sua falta de personalidade, burocratismo e furos, não transmitindo o dinamismo e a urgência dos livros de Dan Brown. Um desfecho amargo para a trilogia.

  • Crítica | A Teoria de Tudo

    Crítica | A Teoria de Tudo

    A Teoria de Tudo - Poster brasileiro

    O século XX, mesmo sendo considerado um dos períodos mais sangrentos da história da humanidade, deixou heranças culturais sólidas em nossa cultura, e a popularização da ciência e do discurso científico foi uma delas. Einstein é mais conhecido por suas frases a respeito da moralidade da humanidade e por sua oposição à violência do que por sua obra na física. Depois dele, o grande divulgador da ciência (e polemista nato) é o astrofísico britânico Stephen Hawking, que, além de ter mudado os rumos da física moderna, é portador de uma doença séria chamada esclerose lateral amiotrófica (ELA), que o impossibilita de se movimentar, tornando sua figura ainda mais interessante aos olhos do mundo.

    Sua ex-esposa, Jane Hawking, publicou em 2008 o livro A Teoria de Tudo – A Extraordinária História de Jane e Stephen Hawkin contando a experiência de ter sido casada durante tantos anos com o físico. Em 2014, o diretor James Marsh e o roteirista Anthony McCarten trazem essa interessante história aos cinemas com A Teoria de Tudo, tendo o excelente Eddie Redmayne no papel de Hawking, e Felicity Jones como sua esposa.

    Por não se tratar de um filme biográfico sobre a vida e obra do cientista, a história começa com Hawking já na faculdade, buscando um tema para seu doutorado. O jovem, então, começa a perceber que algo está estranho com seus movimentos musculares, ao mesmo tempo que lida com colegas, professores e conhece a jovem estudante de línguas Jane. Após pouco tempo, quando ambos já estavam em um relacionamento, ele sofre um tombo do qual não consegue se levantar. Levado ao hospital e diagnosticado com a grave doença, recebe uma estimativa de vida de dois anos. Por isso, tenta afastar Jane, que reluta e decide manter-se ao lado do físico teórico, o que se manterá por 26 anos e três filhos.

    Retratando fielmente a perseverança do britânico, o filme mostra o passo a passo de sua degeneração física em contraponto a sua ascensão meteórica como astrofísico, desafiando todas as convenções da academia impostas até então, como, por exemplo, sua ideia a respeito dos buracos negros (que ele iria alterar posteriormente) e conceitos sobre a expansão do universo. O filme também aborda, de maneira mais leve, a postura que possui em relação a religião e à crença em deus. Apesar de se declarar publicamente ateu, o filme evita escancarar tais posições e mostra a vida de Stephen Hawking, de jovem cientista arrogante a um idoso cientista que “prevê a possibilidade de deus”, sendo que isso está longe da realidade. O que faz é brincar com as palavras e as convenções das pessoas usando seu famoso senso de humor, e essa fina ironia o filme não consegue captar nesse aspecto.

    Porém, a relação entre ele e sua esposa Jane possui momentos belos e profundos. Jane se doa à família, e deixa sua própria vida de lado. Mesmo quando tenta retomar seus estudos, o pesado cotidiano a impede de prosseguir com isso. A sombra de Hawking é muito grande, e sua teimosia em aceitar ajuda profissional reforça sua visão tradicionalista, beirando o machismo. Porém, tudo muda quando Jane conhece o professor de música de uma igreja local Jonathan H. Jones (Charlie Cox), que logo passa a morar com o casal, suscitando vários boatos de que ele e Jane eram amantes, o que o filme em momento algum aborda diretamente, apesar de ser fato conhecido por todos.

    A relação apaixonada e conturbada de Jane e o marido também é mostrada de forma interessante. Com empenho no começo e depois passando por problemas, como quando Jane explica a Jonathan um resumo das ideias de Stephen (sobre como ele queria uma teoria que explicasse todo o funcionamento do universo, desde as grandes massas até as pequenas partículas) de forma passivo-agressiva, tentando conter ao máximo a frustração de sua própria vida sendo contida ali dentro daquele universo.

    Porém, após uma complicação em uma viagem, Hawking é submetido a uma traqueostomia e perde a habilidade de falar para sempre, o que causa também o afastamento de Jonathan da família. É nesse momento que o físico teórico recebe o sintetizador de voz, que hoje é uma de suas maiores características.

    O peso de cada uma das dificuldades que Hawking precisou passar é enorme. Superar o diagnóstico, a expectativa de vida, o uso da cadeira de rodas e depois o sintetizador seriam brutais para qualquer pessoa. Porém, ele consegue continuar avançando e produzindo. De onde ele tira essa força é um mistério para todos nós, e o filme falha em problematizar justamente esse lado. O cosmólogo britânico sempre foi contrário à eutanásia (apesar de recentemente ter mudado de opinião) e nunca se apoiou em nenhuma religião para obter conforto ou uma fuga da realidade. Sua mente genial está para sempre aprisionada nesse corpo, e raras vezes o filme parece questionar como foi passar por tudo isso. Em sua família, conseguimos sentir esse peso, mas não nele.

    A ciência também vai, conforme o filme avança, perdendo importância na narrativa. Cada vez menos as universidades e professores aparecem, tornando a história cada vez mais pessoal e intimista, o que por sua vez dificulta um pouco a compreensão do espectador a respeito da forma com a qual Hawking se tornou conhecido realmente. O caminho é corrigido subitamente quando aborda a publicação de seu primeiro livro, Uma Breve História do Tempo, em que ele tenta explicar um assunto complicado e “chato” para o leitor comum, e com isso vende milhões de cópias por todo o mundo, saindo de vez das revistas científicas e indo parar nos jornais e tabloides. O tempo sempre foi sua grande paixão. E compreendê-lo por completo, seu maior desafio.

    A vantagem de A Teoria de Tudo é sua honestidade. Não se propõe a decifrar por completo a figura do cientista ou de sua esposa, e sim os frutos de sua interação por todos os anos de casamento, e como um impactou a vida do outro na intimidade. Apesar de flertar com momentos um pouco clichês em cenas românticas, mostrar epifanias criativas em momentos aleatórios e expor discursos de autoajuda em palestras que mais parecem motivacionais do que científicas, consegue jogar luz dentro deste personagem tão fascinante. Vale a assistida, mas consciente de suas limitações, como qualquer biografia.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | Paixão Inocente

    Crítica | Paixão Inocente

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    O filme de Drake Doremus começa como um terno retrato de família  literalmente. Paixão Inocente põe Keith Reynolds (Guy Pearce) interagindo com sua esposa Megan (Amy Ryan) e sua filha Lauren (Mackenzie Davis), enquanto esperam o registro de mais um momento do “lindo” álbum de família. Mas algo parece abalar o ânimo do patriarca, ainda que ele tente não explicitar o seu descontentando aos outros membros do clã. Seu olhar é longínquo, voltado para o nada. Keith preocupa-se com o avanço de sua carreira como músico de orquestra, já que um teste se aproxima e ele teme não poder usufruir de maior concentração graças à chegada de Sopphie (Felicity Jones), uma aluna estrangeira de intercâmbio que será alocada em sua casa.

    Ao contrário do que mostram as fotos, o equilíbrio do bem estar familiar é muito complicado e tênue. A sintonia é fina e delicada, prestes a ruir a qualquer momento. O que não fica claro é se isto acontece a todo momento ou apenas em momentos decisivos. A tensão que existiria entre o pai da família e a nova estudante não veio de repente: já havia uma clara insatisfação por parte do homem sem que este externasse o que incomodava o seu ânimo. Do mesmo modo, Sophie parece incomodada em estar ali, longe de sua casa, mas o incômodo da jovem parece ser pessoal em determinados momentos, pois esta refuta a figura de mentor que seu professor (Keith) exerce. O desafio à figura autoritária mostra um espírito arredio cuja contestação é a tônica, o que se torna um atrativo aos olhos do entediado mestre.

    A trilha de piano marca as paixões comuns a Sophie e Keith, assim como ajuda a mostrar, de pouco a pouco, o que faz o marido se sentir tão deslocado da felicidade familiar que deveria imperar, visto que não há muito contato visual do homem com sua esposa, tampouco comunicação verbal. Seu isolamento como artista coincide com o conjugal, o que o faz divagar sobre quais tentações ele deve usufruir. Mesmo quando os dois conversam, a câmera oferece uma maneira de mostrá-los à distância, seja não enquadrando ambos na mesma cena, seja “cortando” a cabeça de Megan. As conversas são sempre em frases conflitantes; eles dificilmente concordam em algo.

    As crescentes frustrações do homem de meia-idade aproximam-no do pensamento da luxúria, fazendo-o temer cair na fascinação da pele macia e alva da ávida e irresoluta aluna. A insegurança da jovem constitui-se de um eficaz afrodisíaco, muito maior do que seria qualquer ação entusiástica sua. A vontade de Keith em tê-la passa pela possibilidade de conserto da garota, ainda que ele não assuma este fato. O marido, ainda fiel, cai no impetuoso sentimento de ciúme ao ver sua vaidade ferida por um espécime mais jovem que ele e, supostamente, mais atraente que ele. Porém, o fascínio que ela exerce sobre o orientador não parece projetar-se de forma recíproca.

    A construção da relação é gradativa e platônica, e demora a ocorrer graças à culpa e ao sentimento de proibição estritamente ligado à indiscreta infidelidade. As mentiras que circulam sobre a menina estrangeira acabam pondo sua integridade  e seu segredo em perigo: um boato infundado a põe na mira de suas colegas sem que ela saiba, e a moça passa a se culpar, achando ser a fonte do desequilíbrio que aflige os Reynolds. Esse suspense é interessante e utiliza-se do método usado por Alfred Hitchcock, no qual o diretor mostra determinada situação ao público enquanto, em tela, os personagens aproximam-se do acontecimento desconhecendo o que realmente ocorre.

    O nome original, Breathe In, traduz bem como são as sensações e os sentimentos entre a dupla de protagonistas. A espiração que ambos trocam próximos um ao outro é muito mais determinante do que a sedução pura e simples, pois a musa no caso associa-se ao estímulo criativo, bem mais que ao desejo carnal, ainda que a tensão entre os dois seja inegável e evidente desde a primeira cena protagonizada por Pearce e Jones.

    Os últimos momentos são conduzidos com uma frieza difícil e muito perene. O que Doremus e Ben Yorke Jones fazem com o roteiro é de um trabalho meticuloso, detalhando as ações de seus personagens de modo elegante e pontual. A reação emocional de cada pessoa é perfeitamente condizente com a de espécimes reais. A visão que a câmera dá a cada uma das mulheres envolvidas na teia de eventos é única, e faz lembrar a emocionante cena do batismo de O Poderoso Chefão, onde todos os plots paralelos se resolvem simultaneamente. Porém, ao contrário do momento original, este é muitíssimo mais dramático para os protagonistas da jornada, uma vez que a tragédia interrompe os seus planos de fuga, assim como a esperança de viverem longe de sua infelicidade costumeira. O status quo é mantido, assim como o vazio existencial de Keith Reynolds. A preocupação com os seus o leva a não quebrar com a hipocrisia que correu toda a sua vida antes da chegada de Sophie, e até o faz se perguntar se outras oportunidades como esta não foram desperdiçadas antes.

    A obra é muito boa em demonstrar o quanto a conformidade com a normatividade e a moralidade pode soterrar os anseios de grandeza e ambição pela vida, até porque esta máxima é deveras presente na rotina do homem.

  • Crítica | O Espetacular Homem-Aranha 2: A Ameaça de Electro

    Crítica | O Espetacular Homem-Aranha 2: A Ameaça de Electro

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    Imagine uma casa muito bem projetada. Quartos, sala, cozinha, banheiros, todos no lugar certo e com tamanho ideal. Mas na hora da decoração, algo sai errado. Alguns cômodos ficam bonitos e funcionais, outros parecem bregas e de mau gosto. Ou simplesmente horríveis mesmo. Agora substitua “casa” por “filme” e aplique o mesmo raciocínio. O resultado será a definição precisa desta segunda aventura do Homem-Aranha da nova geração. Aguardado com desconfiança devido à controvérsia que marcou seu antecessor, O Espetacular Homem-Aranha 2: A Ameaça de Electro consegue a proeza de acertar nos aspectos mais difíceis e falhar infantilmente nos mais fáceis.

    A narrativa é situada logo após os eventos de O Espetacular Homem-Aranha. A personagem está estabelecida como um herói já mais experiente e adorado pela maioria dos nova-iorquinos. Peter Parker já está ganhando uns trocados vendendo fotos para o Clarim Diário (que aparece só através de menções, assim como J. Jonah Jameson) e segue namorando Gwen, ainda que assombrado pelas últimas palavras do capitão Stacy. Outra herança do primeiro capítulo é o misterioso passado do pai do herói, ligado a Oscorp, empresa que se revela cada vez mais como o centro dessa nova franquia. Dão as caras Norman e Harry Osborn, com uma dinâmica bem diferente da esperada  e muito interessante. E, da mesma forma que o Lagarto na aventura anterior, o(s) inimigo(s) da vez também surge(m) da Oscorp.

    O filme consegue combinar várias linhas narrativas e amarrá-las de forma satisfatória. O ritmo é acelerado, mas funcional, praticamente não há sensação de elementos corridos ou mal explorados. Tecnicamente ele também é acima da média, não só os efeitos visuais como também os sonoros chamam a atenção positivamente. As cenas de ação são bem empolgantes, ainda que seja incômodo o exagero em enfatizarem o espetáculo e a louvação ao herói. Duro de engolir as grades de isolamento e plateia quase sempre presente, como se as ações do Homem-Aranha fossem algo planejado, uma parada ou desfile.

    Andrew Garfield é um bom Homem-Aranha e um fraco Peter Parker. Explicando: o herói está mais espirituoso e brincalhão, o verdadeiro Amigão da Vizinhança dos quadrinhos. Mas sem a máscara, ele parece ser indeciso entre ser o hipster descoladão do primeiro filme e o Peter de verdade. Não um nerd CDF babão, mas um cara um tanto atrapalhado, que os outros não levam muito a sério. Isso é importante, pois faz parte da identidade secreta. Garfield parece ter sido informado disso e melhorou em relação ao capítulo anterior. Mas se mostra um ator limitado e limita-se a gaguejar ocasionalmente. Sorte dele que em vários momentos a ótima Emma Stone está em cena para salvá-lo. Há um inegável carisma entre os dois, e o romance vai-e-volta é bastante convincente, típico de jovens/pós-adolescentes, como são os personagens.

    A apreensão maior era, sem dúvida, referente à presença de três vilões na mesma história. A lembrança de Homem-Aranha 3 criou o dogma de que isso não funciona. Mas como Capitão América 2 acabou de mostrar, isso é bobagem. Aqui, Electro, Duende Verde e Rino dão as caras em diferentes momentos, e cada um tem sua função bem definida na trama, sem atropelos. Por outro lado, se na organização do tempo de cada um não há problemas, o desenvolvimento individual tem suas falhas. E a maior delas, ironicamente, está no inimigo que dá o subtítulo ao filme.

    Max Dillon, o Electro, tem a motivação mais fraca, simplória e imbecil já vista em filmes de super-herói. Ele é movido por inveja, birra e desejo de ser notado e fazer amigos. Mas tudo tratado de um jeito lamentável, vergonha alheia. Não há timidez, solidão ou inadequação social que justifiquem a mentalidade de uma criança de 5 anos que ele apresenta. Jamie Foxx está propositalmente caricato, não há mérito nem culpa dele. Por conta disso, é difícil apontá-lo como “vilão principal”, apesar de seu altíssimo nível de poder (lembrando muito a versão Ultimate, na qual ele peita até o Thor). Electro é, ao longo do filme, vítima, ferramenta e ameça, mas lhe falta personalidade pra ser um verdadeiro antagonista. Esse papel acaba pertencendo a Harry Osborn.

    A amizade de Peter e Harry é introduzida de forma retroativa, o que não prejudica em nada. Dane DeHaan mais uma vez provou ser um grande ator, vivendo seu papel com tanta intensidade que chega a ofuscar o protagonista. Harry tem suas motivações bem desenvolvidas, e sua “queda para o lado negro” é orgânica e convincente. Até os 40 minutos do segundo tempo, pelo menos. O roteiro se apressa e força a barra na hora em que Harry assume sua segunda identidade. Não há grandes justificativas para ele usar aquele traje e equipamentos, a impressão foi que alguém se lembrou que isso era OBRIGATÓRIO e não se incomodou em embasar.

    Aliás, faltou também uma explicação sobre por que a Oscorp possui diferentes projetos de armamentos. Nos quadrinhos do Universo Ultimate a empresa está inserida numa corrida armamentista, mas no filme isso não é mencionado explicitamente. Nessa linha, o Rino, em sua curtíssima participação, serve apenas como prelúdio para os futuros planos do estúdio. E para mostrar que o universo do Homem-Aranha é isso, novas ameaças surgem a todo instante, reforçando a importância e a necessidade do herói. O senso de responsabilidade de Peter Parker é testado e redimido neste filme, após ter sido incrivelmente mal apresentado no primeiro. Pena que, para isso, uma tragédia fosse necessária.

    Pra quem conhece um mínimo dos quadrinhos, era um evento esperado. Mas para o público infantil, aquele que Garfield declarou ser o foco da produção, deve ter sido um baque e tanto, uma violenta quebra no tom leve e bem humorado da produção. Essa vontade de atingir todas as faixas etárias naturalmente é algo nocivo ao filme, mas há que se louvar a coragem dos realizadores. Um dos momentos mais marcantes e pesados da vida do herói, fundamental na sua formação de caráter, ganhou uma ótima representação. Resta saber se, nos próximos filmes, existirá coerência em adotar um clima menos infantil. O Espetacular Homem-Aranha 2 ainda não foi o grande filme que o herói merece, mas mostrou potencial e disposição em explorar seu universo. Não custa ter boa vontade e torcer pra evolução continuar.

    Texto de autoria de Jackson Good.