Tag: Liam Neeson

  • Crítica | Vingança a Sangue Frio

    Crítica | Vingança a Sangue Frio

    Vingança A Sangue Frio começa nas planícies frias de uma montanha, em um cenário que já dá mostras da rotina de Nels Coxman, personagem de Liam Neeson que ganha a vida removendo a neve com um carrinho especializado em Kehoe, Colorado. Nesse ínterim, o roteiro de Frank Baldwin (baseado no livro de  Kim Fupz Aakeson) mostra a família do personagem, sua esposa Grace (Laura Dern) e seu filho Kyle (Micheál Richardson). Não demora a uma tragédia acontecer, o filho  dos Coxman perece, por conta de um traficante que o mata, sem que ele tenha qualquer culpa no caso.

    O texto se dá ao trabalho de mostrar os processos de luto de maneira bem teatral e até lúdica. Neeson tem feito muitos papeis parecidos e o modo como se aborda esse tema (que aliás é recorrente, uma vez que vingança é quase uma especialidade na carreira recente dele) aqui é bem pensado, com novos elementos, de culpabilização do protagonista, envolvendo até pensamentos suicidas.

    O diretor Hans Petter Moland escolhe ângulos diferenciados para mostrar a violência nos atos do pai vingador, variando entre cenas em que um gore moderado e estilizado ocorre, e os golpes que ele dá nos algozes de seu clã. Há uma crueza nessas cenas que faz o filme beirar o poético, a violência não tem glamour, mas possui charme demais ao contrastar com os belos cenários e com toda a direção de arte mega esmerada do filme.

    As tiradas cômicas, envolvendo o procedimento de esconder os cadáveres  dos assassinos de Kyle faz lembrar a abordagem que os irmãos Coen dão aos seus filmes com Máfia, principalmente Fargo , Ajuste Final e Gosto de Sangue. Outro ponto em comum com os filmes de Joel e Ethan mora na sensação de não ter mais nada a perder do personagem que leva para frente a jornada do herói. Seu caráter que muda, sua postura inconsequente e vontade de não existir passa por cima de seu bom senso e até da preocupação com os que ficaram, ou seja, a trama não é inconsequente, mas ele, é.

    As mortes do filme são acompanhadas de um letreiro preto, que mostra o nome do assassinado, e um símbolo junto a isso. Em alguns pontos, a utilização desse artifício soa pedante e repetitiva, mas tanto a trama de vingança, que une personagens diferentes em torno do mesmo objetivo, quanto as mortes supre criativas dando ao filme um ar satírico diferenciado, ainda que o riso causado no espectador seja mais uma mecanismo de defesa contra a violência exacerbada da historia do que algo genuinamente engraçado.

    Vingança a Sangue Frio soa um pouco exagerado, em especial quando precisa parecer algo estilizado e diferenciado, mas tem muito mais acertos que equívocos, e aborda a amargura humana e dificuldade do enlutecer de maneira bem certeira e até onírica.

    Facebook – Página e Grupo | TwitterInstagram | Spotify.

  • Review | The Orville – 1ª Temporada

    Review | The Orville – 1ª Temporada

    The Orville é uma série produzida, idealizada e protagonizada por Seth MacFarlane, criador de Family Guy, American Dad e os filmes Ted e Ted 2. Seu drama começa na Terra, em 2418 e acompanha o membro das forças de exploração da União de Planetas Ed Mercer, que encontra sua esposa Kelly (Adrianne Palicki) com um amante. Após esse trauma e um divórcio, ele assume o posto de capitão da Orville, que seria sua última chance de comandar uma nave da federação.

    O protagonista assume a vaga um ano depois dos eventos iniciais, e o piloto do show é conduzido por Jon Favreau, que aliás é creditado sempre como consultor, por ter sido ele a inaugurar o estilo de episódios, com pitadas de humor e drama. Os elementos visuais são um bocado feios, em especial no que tange as naves, que parecem bem artificiais e isso é de certa forma justificado pelo ar cômico e (supostamente) de paródia

    A insegurança da frota é enorme já que há pouco tempo o capitão passava por um trauma recente, e a situação se agrava quando Kelly assume o posto de número 2, a comandante imediatamente anterior ao capitão, aliás, é deixado claro que ela por culpa, usa sua influência para promover Ed, que mesmo com os defeitos, se mostra um bom mandante de tripulação. Tudo faz lembrar Jornada nas Estrelas, figurinos, uso de alienígenas com poucas diferenças físicas com humanos comuns, figurinos. A diferença básica é o uso de algumas raças como alívio cômico, entre elas os  Moclan, com o tenente comandante Bortus (Peter Macon), e Gelatin, que tem em Yaphit (Norm MacDonald) um alienígena gosmento e gelatinoso, um membro da engenharia. A evolução dos dois os faz serem levados a sério, e muito, mas sua introdução é basicamente para fazer rir.

    Para os fãs de Star Trek há uma bela piscadela, a função de médica fica para Claire Finn, interpretada por Penny Johnson Jerald que em Deep Space 9 faz Kasidy Yates, uma personagem importante e recorrente. Seu papel aqui é carismático e divertido, aliás outros tantos que participaram das fases dos anos oitenta e noventa de Jornada, Brannon Braga dirige 4 dos onze episódios, Jonathan Frakes também capitaneia um episódio (aliás, num dos melhores dramas). Com ela, há uma aproximação da inteligência artificial Kayloniana Isaac, uma espécie conhecida por ser racista e que está na nave para estudar as raças biológicas menos evoluídos.

    Esses conceitos são muito bem explorados, e são apresentados de maneira parcimoniosa, lida com questões envolvendo sexismo, vaidade de autoridades, ritos de raça alienígenas, desdém da raça humana mostrando que não são o topo da cadeira alimentar, além de ter uma trilha sonora hiper otimista, capturando um clima de aventura bem escapista.

    Por mais que os roteiros sejam mais sérios, e MacFarlane seja um capitão mais contido, ele não consegue segurar suas tiradas irônicas, e nelas, ele acerta demais como ator, contrariando a pecha negativa que ficou após Um Milhão de Maneiras de Pegar na Pistola, aliás, boa parte de seus amigos dos filmes que ele dirigiu aparecem brevemente, como Charlize Theron, Liam Neeson, e outros como Robert Picardo, o Doutor de Voyager, que faz o pai da carismática Alara Kitan (Halston Sage). Como não há anos de cronologia atrelados a Orville, a série pode brincar com episódios procedurais e monstros da semana, tal qual Jornada nas Estrelas A Série Clássica e seus derivados. Essa liberdade não ocorreu tão bem quanto Star Trek Discovery, mas é certo afirmar que essa primeira temporada de Orville é melhor pensada que a criada por Bryan Fuller.

    Visualmente a série se vale demais de belíssimas maquiagens e efeitos práticos, típicos das series sci-fi da TV do entorno de 1990, ainda que atualizados, mas certamente seu diferencial são os roteiros, em Majority Rule (sétimo capítulo), onde a nave passa por um planeta de humanoides, que não tem capacidade de explorar o espaço e que tem por costume julgamentos populares onde todos tem o mesmo peso de voto, onde as pessoas condenáveis tem suas penas escolhidas em reality shows. Sem soar ofensivo, o programa fala bem sobre o julgamento sumario típico de redes sociais, sem utilizar chavões fáceis como anti lacração. A confusão feita pela população entre o conceito de opinião e conhecimento tem o mesmo espírito do longa de comédia Idiocracia, por discutir o senso comum com inteligência

    É engraçado como o roteiro sempre se utiliza da aparência humana padrão para representar sociedades alienígenas, por motivos simples: é bem mais fácil fazer outros povos assim, e obviamente mais barato, unindo a isso o fato de que não é impossível que em uma galáxia infinita tenham povos tão parecidos. O outro aceno é que isso casa bem com o visto em Star Trek – TOS, que fazia isso obviamente por questões orçamentárias, e com as piores justificativas possíveis.

    Há pequenos conceitos bem legais, como o advento da criação de matéria que tornou o dinheiro um artificio inútil, as pessoas se medem por reputação nesse momento, há também um charme na tentativa de replicar a métrica de series antigas de ficção, com ênfase claro em Star Trek/Jornada nas Estrelas, até no que tange a química do casal de protagonistas, que não ficam juntos exatamente por serem diferentes, independente da química deste casal, e isso é retomado entre Kelly e Ed, mas há de se lembrar que esse é apenas um dos aspectos explorados nesse ano.

    The Orville tem argumentos bem maduros, em especial quando se dedica a discutir religiões. Há muito respeito por crenças comuns aos nossos dias e os paralelos são de extremo bom gosto e requinte, ao mesmo tempo em que a série reseta as possibilidades românticas mais óbvias, há também um alvorecer de novas civilizações, e explorar isso certamente é uma boa ideia, tudo a ver com o que Gene Ronddenberry pensou em sua franquia, e da forma como McFarlane faz é realmente muito bonito, singelo e reverencial.

    Facebook – Página e Grupo | Twitter Instagram | Spotify.

  • Crítica | MIB – Homens de Preto: Internacional

    Crítica | MIB – Homens de Preto: Internacional

    Os quadrinhos da Malibu Comics não são nem de longe tão conhecidos quanto os da Marvel ou DC Comics, mas serviram de base para alguns sucessos comerciais, entre eles a trilogia MIB – Homens de Preto, começada em 1997. As continuações tem um gosto duvidoso e retornar com a franquia sempre foi uma dúvida, que coube a F. Gary Gray (Straight Outta Compton, Velozes Furiosos 8) responder.

    Diferente das outras versões, essa não conta mais com Will Smith e Tommy Lee Jones, e sim dois novos personagens: M (Tessa Thompson), uma moça que desde cedo possui uma relação de proximidade com os alienígenas, e a celebridade da agência, H (Chris Hemsworth). Os dois agem em pontos distintos do globo terrestre e em estágios de carreira diferentes, com a primeira ainda em estágio de probação. É estranha a abordagem que o roteiro de Matt Holloway e Art Marcum dá, pois ao mesmo tempo que tenta-se expandir o universo que trilogia de Barry Sonnenfeld e os quadrinhos de Lowell Cunningham já estabeleceram, há algumas aberturas em relação a mitologia que soam bobas, como o advento de agentes mais discretos e que abdicam de roupas formais como o terno preto da MIB (mesmo que sempre se falasse que este seria o último traje dos agentes), além de um maniqueísmo exacerbado, que faz com que todos personagens, exceção a H e M, sejam terrivelmente mal tratados.

    Há alguns elementos típicos da franquia, como o uso da trilha sonora clássica, os veículos se transformando ao acionar um botões (com um belíssimo upgrade por sinal), entre outros detalhes, no entanto, falta à produção um pouco daquilo que consagrou o filme de 1997, originalidade e carisma, e por se tratar da adaptação de um quadrinho underground não havia tanta reclamação de fãs (J por exemplo era branco nos gibis e não houve qualquer reclamação de fãs conservadores ou algo que o valha), e com o tempo as continuações foram ficando mais caras e menos inspiradas e esse quarto capítulo não é diferente. Os vilões são genéricos, e fazem lembrar os péssimos antagonistas de X-Men: Fênix Negra, e o excesso de piadas sexuais envolvendo Hemsworth são completamente óbvios.

    Há uma tentativa clara do filme em soar dúbio, mas isso não funciona, pois o roteiro é vazio em discussões. As piadas e tiradas cômicas poucas vezes funcionam e até a química de Thompson/Hemsworth estabelecida em Thor: Ragnarok e fortificada em Vingadores: Ultimato é desperdiçada. Outra questão delicada é que em princípio os homens de preto não deveriam usar disfarces, e há duas possibilidades para o que é mostrado aqui, uma tentativa de quebrar paradigmas ou simplesmente pouco apego a mitologia, que era muito bem solidificada em live action e na animação produzida para televisão. Se os agentes não agissem como pessoas imaturas, a primeira possibilidade seria mais validada, mas isso não ocorre, existem personagens que são puro pastiche, entre eles C (Rafe Spall), um garoto bobo quando contracena com H, e o mentor T (Liam Neeson), que tem toda a sua curva de destino prevista muito antes do final. A ideia de desconstrução do ideal da organização é boa, mas mal executada.

    A motivação de M é fraca, e seu passado faz questão de retornar no final, desenterrado de maneira bastante oportunista, o que é uma pena, pois ela parecia uma personagem tão rica quanto o visto em Rosario Dawson em MIB 2, também mal aproveitada. É uma pena que a expansão do universo de Homens de Preto não seja acompanhada de boas tramas e subtramas, pois os efeitos especiais são bons e as cenas de ação bastante competentes, faltando um pouco mais de apego a mitologia da série e esmero em seu roteiro.

    Facebook – Página e Grupo | TwitterInstagram | Spotify.

  • Crítica | A Lista de Schindler

    Crítica | A Lista de Schindler

    Em uma primeira olhada, presunçosa e preguiçosa, é difícil afirmar que a mesma pessoa que dirigiu Tubarão, E.T. e os quatro Indiana Jones, é o mesmo diretor por trás de A lista de Schindler, clássico que volta a cinemas selecionados, numa curta duração de tempo, para se comemorar seu aniversário de 25 anos. Porém, um olhar mais profundo revela o reflexo e o uso ativo de boa parte da engenhosidade que Steven Spielberg, um dos criadores do que hoje chamamos de cultura pop, usou na avalanche de blockbusters que comandou, e que também aplica, aqui. É claro que, também em 1993, ao lançar a revolução técnica que foi o primeiro Jurassic Park, é claro que a bilheteria maior ficou para o impressionante filme dos dinossauros. Porém, ao pesar os dois filmes, isso seria justo?

    Ao abraçar a temática do holocausto, Spielberg mostra-se novamente um mestre em manipular a nossa atenção, agora apostando na magnífica fotografia preto e branco de Janusz Kamiński para dar o tom a sua obra, uma de suas maiores. Em primeiro lugar, essa em questão não é – e muito menos deseja ser – “mais um” filme do holocausto. O roteiro de Steven Zaillian é épico, e Spielberg trabalha tão bem em cima do contexto que ficaria quase impossível não resultar num épico de três horas de duração. É provavelmente mais longo do que realmente necessita para explorar o potencial de suas temáticas acerca da sobrevivência das vítimas de uma perseguição política implacável, mas a história é concisa em toda sua glória narrativa e seu poder de impacto sobre o espectador é inquestionável.

    Spielberg é judeu, entende desse universo e seus dramas reais apresentados na tela, e acima de tudo, faz aqui o seu trabalho-chave como cineasta. O modo como dirige o espetáculo não é imparcial, mas envolvente enquanto brutalmente elegante. Uma direção intacta de alguém que sempre está no controle, e sabe o que quer. Não usa de presunções baratas como tanto fez em O Resgate do Soldado Ryan, mas é sensível o bastante para não julgar judeus ou nazistas, deixando que nós, do outro lado da tela façamos isso – e não é o que fazemos? Se por trás da câmera Spielberg prova que não é só um diretor puramente comercial, o que nós vemos por suas lentes – no sentido literal – é o embate entre Liam Neeson e Ralph Fiennes, dois monstros que conseguem ofuscar tudo quando estão juntos.

    Eu poderia dedicar este parágrafo, até mesmo um parágrafo para cada atuação desses dois atores subestimados por Hollywood (Neeson só ganhou o reconhecimento geral com seu Ra’s Al Ghul, em Batman Begins, e Fiennes ao interpretar Voldemort, em Harry Potter), mas vou limitar-me a informar que, para quem ainda não assistiu ao filme, saiba que é um embate moral antológico entre Oskar Schindler, que representava a esperança para os judeus, e Amon Goeth, porta-voz da “paz” hegemônica para os nazistas. Enquanto Oskar empregava judeus em sua fábrica para deixá-los viver, gerar emprego e lucrar ao mesmo tempo com isso, Amon os matava por esporte do alto de sua fortaleza. A concepção dos seus personagens é tão forte quanto pode ser, quanto o que eles mesmo fazem. Homens no seu limite, lidando com uma humanidade doente.

    Não diria que A lista de Schindler é de fato o filme definitivo sobre o holocausto; Vá e Veja continua imbatível décadas depois. Ambos usam do realismo do fato para chocar, revoltar e propor reflexões básicas, contudo, a obra de Spielberg usa de bons momentos para superar outros filmes inteiros – e consegue. O Pianista, de Roman Polanski, por exemplo, anos antes de sua estreia já tinha sido resumido em A lista de Schindler em apenas uma cena, o que é simplesmente incrível. Além disso, o uso de simbolismos de guerra é astuto e precisamente adequado ao contexto que a fotografia preto e branco, belíssima, nos expõe – é claro que a parte técnica não poderia decepcionar, sendo ela, aqui, uma das mais inventivas e instigantes da carreira do cineasta.

    John Williams é um titã que expressa sua grandiloquência em forma de música, e temos um privilégio enorme de habitarmos o mesmo planeta que ele. Um dos melhores compositores do mercado, um gênio que chegou a compor uma trilha de suspense usando apenas duas notas, realizou aqui um trabalho singelo, suave, para tocar corações realmente. Fico imaginando, então, que muitos entraram nas salas de cinema esperando ver algo divertido e inusitado, como nos habituamos ver algo de Spielberg, e muitos se decepcionaram ao verem um filme muito mais profundo, algo historicamente tocante, e surpreendentemente ambíguo quanto a algo tão moralmente desafiante. Algo que mostra do que o cinema pode ser capaz quando se propõe a ser grande.

    https://www.youtube.com/watch?v=x3CEN6lIRyU

    Facebook – Página e Grupo | TwitterInstagram | Spotify.

  • Crítica | Gangues de Nova York

    Crítica | Gangues de Nova York

    “Não era uma cidade. Estava mais para uma fornalha.”

    Costuma-se dizer que só dois cineastas conseguiriam fazer o filme definitivo sobre Nova York, e esses filhos da Big Apple com certeza já tentaram fazê-lo, uma porção de vezes: Woody Allen e Martin Scorsese. O primeiro só com Manhattan e Annie Hall já resumiria com todo humor e irreverência possíveis os conflitos que seres-humanos, adoravelmente imperfeitos, conseguem enfrentar em suas estripulias e pequenas aventuras cômicas num caos urbano sempre ironizado nas paranoias de Allen. Já o caos de Scorsese é visto pelos olhos da noite dos becos e ruas perigosas onde o bom-humor nem sempre dá o tom. Conhecido pela sua violência e realismo dramáticos, a Nova York de Scorsese só pode ser embalada pelo jazz (como de fato é, mas só em Nova York, Nova York) quando se propõe a tirar os pés do chão, e viver seus sonhos que só acontecem mesmo na Broadway.

    E nós já sabemos disso. Gangues de Nova York é o resultado frenético da progressão de Scorsese sobre os olhares da megalópole em que nasceu. Se essa ótica começou com grande propriedade em Caminhos Perigosos, evoluiu ao longo de décadas de filmes sempre a mostrar uma cidade ou no auge dos seus problemas, ou que merece ser homenageada por uma época que já virou um passado recente. No caso do épico de 2002, filme rodado na Itália e dependente, em absoluto, da sua ambiciosa e grandiloquente ambientação, uma iconografia decadente e ao mesmo tempo atraente, como se a Nova York do filme fosse um cenário primitivo ainda a ser explorado, Scorsese quis mostrar as raízes da sua cidade e seus habitantes pra aqueles que rejeitam ideais romantizados.

    Para isso, faz questão de lavar nos primeiros minutos seu chão de sangue, e é nele que as pessoas vão se banhar, e os prédios irão se erguer – com o povo já “civilizado” de Se Meu Apartamento Falasse substituindo a barbárie do séc. XIX. Logo em seguida, após o massacre que iria mudar para sempre a vida de Amsterdan Vallon, o garoto volta para NY, já homem, e antes de pisar na cidade, joga fora a bíblia que levava consigo. Não há mais lugar para o divino. Numa trama de vingança de Amsterdan com Bill – o Açougueiro, homem poderoso e influente que assassinou seu pai a sangue frio naquela tarde em que a neve das ruas ficou vermelha, o filme acaba sendo mais longo do que poderia ser, uma questão (e muitas vezes um problema) recorrente dos filmes de Scorsese, um eterno apaixonado por Cinema e pela arte e as artimanhas de fazê-lo.

    E é nessa duração excessiva que o cara por trás de Touro Indomável deita e rola, agora com Leonardo DiCaprio sendo seu novo pupilo e não mais Robert de Niro, nos entregando uma versão ainda inédita sobre uma cidade sem glamour algum. Suja, nojenta, e que só não nos lembra uma Londres vitoriana no auge da peste negra devido os tons mais quentes do visual, e a falta de sotaque britânico nos personagens. Gangues de Nova York evidencia a promessa amaldiçoada que a cidade foi, por muito tempo, muito por causa da violência do seu povo. A violência mora na alma predadora dos americanos, diz Scorsese em cenas chocantes como a do teatro, em que Bill percebe o plano de Amsterdan e combate sua vingança com grande fúria, mostrando em público o motivo de ser respeitado, e chamado de O Açougueiro.

    A edição brilha, os cenários mais ainda, mas os atores ainda mais. Daniel Day-Lewis é um titã, mestre irrefreável que desaparece nos seus personagens de forma assombrosa, sujando e chupando o sangue do rosto do seu Açougueiro como se ambos tomassem banho nele toda noite – e não duvidamos disso. Se Lewis é um monstro, tendo aprendido a usar facas e machados igual sua nova persona agressiva, DiCaprio e Cameron Diaz não deixam o nível da atuação ser inferior. Um apenas quer vingança, e a outra alguém a quem confiar para ganhar a vida em meio a uma selvageria masculina e uma brutalidade sem fim. Scorsese sempre extrai o melhor das atrizes e atores sob sua demanda, e Gangues de Nova York é mais um ótimo exemplo disso. A adaptação do livro de Herbert Asbury ganhou as telas pelas mãos certas, porém de forma um tanto excessiva, refletindo a cobiça do cineasta que tomou conta da história. Um tratado inconsistente, ainda que absurdamente expressivo sobre as raízes da América.

    Facebook – Página e Grupo | TwitterInstagram | Spotify.

  • Crítica | Dirty Harry na Lista Negra

    Crítica | Dirty Harry na Lista Negra

    Quinto capítulo da saga de Harry Callahan, Dirty Harry na Lista Negra começa mostrando a violência em São Francisco, e logo depois, foca nas mãos do vilão, um homem misterioso que faz uma lista com oito nomes. Um dos nomes é exatamente o de Callahan, fato que faz com que ele seja pessoalmente interessado em resolver a questão.

    Em determinado momento são mostrados dois personagens, o diretor de filmes baratos Peter Swan (Liam Neeson) e o problemático ator Johnny Squares (Jim Carrey), um junkie que após fazer um escândalo no set de filmagem e se picar com heroína, é assassinado dando à famigerada lista um caráter maior que mera especulação. É engraçado ver ambos em início de carreira, dando o pontapé inicial em um filme tão criticável.

    Buddy Van Horn é o diretor, o mesmo que já havia trabalhado com Clint Eastwood, em Punhos de Aço – Um Lutador de Rua e Cadillac Cor de Rosa, mas o roteiro de Steve Sharon, faz com que esse seja o capítulo mais combalido e fraco da saga, série cinematográfica que ia caindo de qualidade de filme a filme. Ao menos, Horn consegue algumas boas imagens, ao manter incógnito seu vilão, utilizando a visão em primeira pessoa para emular os monstros e assassinos slashers que atacavam suas vítimas, como em Tubarão ou Halloween. Há momentos bem icônicos e divertidos, como a utilização de um carrinho remoto com uma bomba atrás dos heróis ou o desempenho de Carrey ainda muito novo, como uma estrela inconsequente que reúne elementos de rockstar e ator mimado.

    No entanto, o final do longa é confuso, envolvendo personagens periféricos à rotina de Harry, que são postos em perigo e o detetive deve ir até lá, para resolver o caso. Toda a questão é mostrada de uma forma extremamente artificial. A maior parte dessa série de acontecimentos é simplesmente jogada, não há muito desenvolvimento, somente uma série de coincidências incômodas, tornando este Dirty Harry na Lista Negra um dos produtos menos inspirado da franquia, e claramente Eastwood já não parecia à vontade interpretando um de seus célebres personagens.

    https://www.youtube.com/watch?v=2wuMFMR04rg

    Facebook – Página e Grupo | Twitter Instagram.

  • Crítica | A Balada de Buster Scruggs

    Crítica | A Balada de Buster Scruggs

    Os irmãos Coen (conhecidos, dentre outros, por Fargo: Uma Comédia de ErrosOnde os Fracos Não Têm Vez) assinam o roteiro e são responsáveis pela direção de The Ballad of Buster Scruggs. Não à toa, o filme parece uma coleção de contos. Aliás, essa é a maneira pela qual se apresenta a obra, algo como se o espectador estivesse lendo um livro de contos (assim mesmo, em primeira pessoa).

    O longo se inicia com a história do criminoso Buster Scruggs (Tim Blake Nelson), um animado pistoleiro do antigo oeste americano, que anda trajado de branco, sempre sorridente e cantarolando. Essa primeira história começa numa locação deslumbrante em meio um deserto repleto de formações rochosas. Embora haja, aparentemente, algum tratamento digital para as imagens, já há aí uma grande entrega da obra. Na trama, Scruggs se mete em uma disputa ao chegar num típico saloon de época. Ao tentar recusar assumir uma mão numa disputa de poker, seu adversário lhe diz: “You see’em, you play’em!” (algo como: Você viu as cartas, então você joga com elas). Esse é o momento em que Scruggs deixa a todos atônitos com sua ação e sua habilidade. “Eu não tenho uma natureza má, mas quando se está desarmado suas táticas precisam ser de Arquimedes”. Apenas 12’45” de filme já são suficientes para conquistar o espectador.

    Logo após, o ladrão interpretado por James Franco entra num banco no meio do nada e disputa a existência com um velhinho baixinho e meio louco. Uma atuação para ser lembrada, embora curta. A vontade de ver essa história num longa com Franco atuando dessa forma se torna enorme tamanho carisma. Ironia fina, hilário, comicidade no meio da selvageria sem lei. Joel e Ethan Coen não precisam pensar em assaltar um banco, merecem receber sacos de dinheiro.

    Toda a tragédia, todo o drama, toda humilhação e dor pode ser concentrada numa única vida? Liam Neeson é incapaz de ser um personagem diferente? Um ser humano pode ter menos valor que uma galinha? Alguns homens se sentem satisfeitos em usar outros como instrumentos. Se sua moralidade os permitirem, são capazes de usar outra vida como um meio para o alcance de um pequeno objetivo. Da mesma forma, são capazes de se desfazerem de tal vida, facilmente, sem que lhes custe muito. Segundo Abraham Lincoln, “… government of the people, by the people, for the people, shall not perish from the earth” (governo do povo, pelo povo, para o povo, não perecerá na terra); a mensagem dos irmãos Coen nessa citação direta do Discurso de Gettysburg – do então Presidente dos EUA, proferido durante a Guerra Civil Americana em 19 de novembro de 1863 – não poderia ser mais clara.

    Pode o homem ser uma força que assusta toda a natureza? Parece certo que a força que impulsiona o homem à conquista, à vontade de ter, o leva a superar o que precisar passar por cima. Tom Waits tem uma excelente atuação, faz saltar da tela a mensagem do quanto a impulsão do homem ao trabalho como meio para o ganho é forte, e tão mais forte quanto maior a possibilidade do ganho. O trabalho pode ser suado, penoso e moral ou amoral, sujo e traiçoeiro (em verdade, o não-trabalho). Muitas vezes, “Só as pegadas no campo e a terra mexida restaram da vida turbulenta que havia interrompido a paz do local e seguido em frente”. O que verdadeiramente importa se o potencial de ganho é alto?!

    E a vida pode dar uma pirueta ou piruetas, e fazer tudo que parecia sólido e certo se transformar em areia movediça. Só o desespero sobra. Só falta e ausência. E mesmo em ausência é a cooperação que nos move à frente. A história do homem não é uma história de bravos, fortes, inteligentes, astutos conquistadores solitários. Os solitários, por mais corajosos e fortes, morreram sem disseminar seus genes. Os seres humanos que cooperaram entre si foram mais longe, viveram mais, construíram mais, superaram desafios, lograram mais prole, deixaram para a história a disseminação dos seus genes.

    E aonde chega o ser humano, por fim? Tentar entender o que somos? Entender o que, no limite, faz diferir um de outro… Cada um de nós aparenta acreditar ter as respostas, não importa o quão amplas ou estreitas são nossas experiências, cada indivíduo teima em ter (e em ser) a medida correta. É possível observar isso na mais populosa multidão em uma grande “arena” ou no mais estrito grupo no menor dos cubículos. Cada indivíduo vai levando sua vida, julgando os outros, sendo repulsivo, afastando-se pouco a pouco por motivos fúteis uns dos outros, entretidos com bobagens, deixando de fazer, de ser, desperdiçando grande parte da vida. Quando a viagem acaba, quando chega o fim da linha, não é incomum o viajante ter jogado fora a oportunidade de aproveitar a viagem, sem ter nunca entendido de fato o que passou e o que está acontecendo ao seu redor.

    Aos irmãos Coen, resta agradecer pelas excelentes doses de comicidade, drama, tragédia, suspense e motivos para refletir. As seis histórias do filme têm uma sequência e lógica entre elas incrível, ainda que sejam sutis e difícil de perceber – não estão no “campo do roteiro em si”, mas no da natureza humana.

    Texto de autoria de Marcos Pena Júnior.

    Facebook –Página e Grupo | TwitterInstagram.

  • Crítica | As Viúvas

    Crítica | As Viúvas

    Steve McQueen é um diretor que mesmo com poucos elementos em sua filmografia sempre causa alvoroço no publico e na crítica. As Viúvas era um filme bastante esperado, não só por ser um retorno depois de cinco anos do lançamento de 12 Anos de Escravidão, e também graças ao elenco muito estrelado, comandado por Viola Davis e acompanhado por tantas outras estrelas, como Colin Farrell, Robert Duvall e Liam Neeson. O thriller inicia mostrando o casal Rawlings, Veronica e Harry (Davis e Neeson), vivendo sua intimidade de modo luxuoso e ordeiro, até que o trabalho como assaltante do homem dá errado, em uma sucessão de eventos violentos e trágicos, que chacina todos os integrantes, cada um deles deixando para trás sua respectiva companheira.

    Logo é mostrado outro quadro, uma disputa política entre candidatos a vereador de uma comunidade de Chicago, disputada basicamente por Jack Mulligan (Farrell), um político tradicional, herdeiro do já idoso Tom Mulligan (Duvall) que está em vias da aposentadoria, e o negro Jamal Manning (Brian Tyree Henry), um sujeito ligado ao crime organizado da região, normalmente acompanhado por Jatemme (Daniel Kaluuya).

    Dado o cenário, Veronica é encurralada por Jamal, que quebra o protocolo da suposta trégua que estava implícita dentro de sua campanha, basicamente para ameaçar pessoalmente a mulher, acusando seu marido de te-lo roubado, em decorrência disso, as outras viúvas Linda (Michelle Rodriguez), Alice (Elizabeth Debicki) e Amanda (Carrie Coon) são chamadas pela primeira, para tentar se organizar e tentar levantar algum dinheiro, levando em conta o trabalho dos seus parceiros mortos.

    Apesar de ter um elenco grande, não só no número de estrelas como na quantidade de pessoas mostradas, há um mergulho na intimidade das personagens, em especial a já citada Veronica, que permite a Viola desempenhar alguns momentos em que ela está só com câmera e suas angústias são mostradas através do derramar de sua alma. Dentro do seu universo particular cada uma das mulheres tem suas desolações, decepções e contato com o que há de mais nefasto e mesquinho da vida humana.

    O filme é baseado no livro homônimo Lynda La Plante, o roteiro fica a cargo de McQueen e Gillian Flynn, e se nota a influência da autora de Garota Exemplar, principalmente no equilíbrio entre os aspectos de thriller e os elementos de filme de assalto. O diretor consegue podar bem os excessos de Gillian e se mostra mais firme até que Fincher. Sem dúvida alguma esse é bem mais equilibrado e interessante que Lugares Escuros, em especial porque mesmo personagens secundários, como Belle (Cynthia Erivo), parecem realistas e possuem profundidade, quando se assiste se entende perfeitamente as dores que elas vivenciam.

    As Viúvas é pautado na mistura de apreensão, suspense e expectativa pela inabilidade das personagens em nunca terem executado o que precisam realizar, além de apresentar um cenário político-social muito rico e tangível. Há ainda uma sensibilidade enorme da direção com todas as reviravoltas da trama, tornando até palatável a quantidade de tentativas de plot twists apresentados, tudo soa tão natural que até a suposta artificialidade é driblada. Mérito do realizador.

    Facebook –Página e Grupo | TwitterInstagram.
  • Crítica | O Passageiro

    Crítica | O Passageiro

    Não é surpresa para ninguém a faceta recente de brucutu que Liam Neeson assumiu para sua carreira. Com o tempo, ele ainda continuou fazendo um ou outro papel dramático, mas seus tentos maiores no cinema tem sido os de action hero idoso. Depois da trilogia Busca Implacável, ele também passou a fazer filmes em parceria com Jaume Collet-Serra (Águas Rasas). Desconhecido, Sem Escalas e Noite Sem Fim seguem fórmulas similares e foram bastante elogiados por parte dos cinéfilos. O Passageiro não foi diferente.

    Michael (Neeson) é apenas um vendedor de seguros que está em um trem, a caminho de casa. Ele perde seu celular na plataforma, e assim, passa a observar mais atentamente as ações de cada um dos passageiros, uma em especial passa a chamar sua atenção, uma bela mulher chamada Joanna, vivida por Vera Farmiga.

    Com o trem em movimento, o vendedor é obrigado via chantagem a fazer delitos que vão aumentando a gravidade com o tempo, e que envolvem inclusive a morte de pessoas dentro e fora dos vagões. A tensão criada nesse ambiente claustrofóbico é terrível, primeiro por ser a vilã uma personagem completamente fora de controle e imprevisível, e também pelo fato de Michael ser um sujeito sem grandes capacidades de sair das problemáticas em que está metido.

    O objetivo final do protagonista é descobrir a identidade de outro dos que estão a bordo do trem, e ele obviamente fracassa na maior parte do tempo. A história apesar de boba, faz sentido, apesar de ser claramente subalterna ante as cenas de ação estilizadas do diretor, com lutas em lugares apertados, em uma bela demonstração de suas habilidades como cineasta, já que consegue trazer embates plásticos acompanhados de uma montagem que faz tudo soar muito fluido, apesar de pequenos deslizes nos aspectos de efeitos visuais.

    O Passageiro faz lembrar ligeiramente Pacto Macabro, de Alfred Hitchcock, no sentido de mostrar um estratagema terrível e obviamente por também ser localizado em um trem. Apesar de ter um roteiro repleto de coincidências, teorias da conspiração e obviedades, como filme de ação o cinema de Collet-Serra funciona maravilhosamente, sendo quase impecável nos quesitos luta e suspense.

    Acompanhe-nos pelo Twitter e Instagram, curta a fanpage Vortex Cultural no Facebook e participe das discussões no nosso grupo no Facebook.

  • Crítica | Darkman: Vingança Sem Rosto

    Crítica | Darkman: Vingança Sem Rosto

    Em 1990, doze anos antes do primeiro Homem-Aranha, Sam Raimi traria aos cinema um filme com muitos elementos de quadrinhos em um produto carismático e caricato na medida. Darkman: Vingança Sem Rosto começa com um prólogo, mostrando o passado de Peyton Westlake (Liam Neeson), um cientista que descobriu a fórmula para produzir pele sintética. Não demora até que surjam interessados para tomar o seu trabalho e fazer proveito financeiro dele, assassinando então o personagem, que milagrosamente sobrevive apesar de ser dado como falecido, se escondendo nos subterrâneos da cidade, graças a sua aparência grotesca.

    Após ocorrer o crime, ele decide lançar mão da própria invenção para desbaratar os planos dos bandidos, se fazendo passar pela maioria, obviamente com uma restrição, já que a imitação de pele só dura 99 minutos consecutivos quando é exposta a luz. Raimi dá vazão a um gore moderado, mostrando Weslake coberto de chagas e ataduras, com Neeson agindo como um bufão enlouquecido na maior parte do tempo, em uma performance divertidíssima, que por sua vez remete ao ocorrido nos seriados das antigas matinês.

    O clima de sensacionalismo é devido a dois aspectos principais, sendo um o modo que Raimi filma as situações ocorridas com o protagonista e com os que estão nos seus arredores, como também a direção de arte, que apela para um clima cartunesco. O suspense também é pontuado pela música de Danny Elfman, que dão a dose final para a equação de Darkman casar com perfeição com todo o clima pulp proposto.

    Raimi consegue entregar um filme conciso até em seus exageros visuais e temáticos, com um belo exemplar que ajudaria e muito a formar os clichês do sub-gênero dos filmes de super-heróis, ainda que tenha aqui uma carga autoral muito maior e um clima que remete demais ao ideário de filmes de terror do qual o diretor era especialista, provando também a versatilidade do cineasta em contar outros tipos de história, sem necessariamente se ver preso a sua zona de conforto.

    Acompanhe-nos pelo Twitter e Instagram, curta a fanpage Vortex Cultural no Facebook, e participe das discussões no nosso grupo no Facebook.

  • Crítica | Sete Minutos Depois da Meia-Noite

    Crítica | Sete Minutos Depois da Meia-Noite

    O cinema e a literatura fantástica sempre se apropriaram de dramas realistas para a construção de suas histórias, pode-se ver isso pelo movimento estudantil em Harry Potter, por exemplo. Porém, algo muito mais genuíno nasce de quando a realidade, o bom drama, se aproveita de elementos fantásticos para se ilustrar suas mensagens.

    E ilustração é um dos pilares de Sete Minutos Depois da Meia-Noite, longa escrito pelo autor de seu livro de origem O Chamado do Monstro, Patrick Ness e dirigido pelo espanhol J.A. Bayona. Conor (Lewis MacDougall), um garoto que se esconde por trás de suas ilustrações, vive um momento delicado ao ver sua mãe (Felicity Jones) lutar contra uma doença terminal, além de sentir falta do pai ausente (Toby Kebbell) e não se dar muito bem com a estranha avó (Sigourney Weaver). Atormentado por pesadelos e um constante bullying na escola, Conor passa a receber visitar de um monstro-árvore (Liam Neeson) que lhe promete três histórias em troca de uma quarta.

    O filme passeia pelas ilustrações do garoto e nos imerge em ótimas sequências animadas em aquarela que ilustram as histórias contadas pelo Monstro, brilhantemente dublado por Neeson, sendo o grande diferencial da dublagem a capacidade do ator em soar ameaçador e reconfortante ao mesmo tempo. Ainda assim, essas histórias não vão além da questão técnica, tendo a narrativa como um grande equívoco, já que não possuem grande papel como significado e não transmitem o peso necessário quando o filme nos diz a real proposta delas; talvez, apenas a terceira história se encaixe bem além do que o final propõe.

    Quando Conor tem que encarar a realidade, e não tem a presença do Monstro, são os melhores momentos do longa, utilizando-se de uma fotografia sutil, com alguns super-enquadramentos e que se encaixam com uma direção de arte que transmite tanto beleza como significado nos detalhes, principalmente em fotos e objetos pessoais de suas personagens. A montagem do filme é coberta de transições que relembram o que acabara de ser visto em tela e faz com que os momentos fantásticos e os momentos no “mundo real” fiquem bem dosados.

    Os efeitos visuais não são lineares em qualidade, mas pelo menos são crescentes e não chegam a tirar muito a atenção do espectador, a edição do som bastante criativa e original e de um modo genial se dá muito bem com a trilha orquestral nada apelativa de Fernando Velázquez – e isso é de muito mérito em filmes taciturnos como esse. Das atuações, apenas a de Kebbell parece deslocada e a personagem do ator acaba soando desnecessária, tanto para o drama do garoto quanto para o desenvolvimento da doença terminal da mãe.

    Já Lewis carrega muito bem o filme com seu protagonista e nos faz lembrar de maneira muito carinhosa de O Labirinto do Fauno, Onde Vivem os Monstros e Meu Monstro de Estimação, e culpa disso é da direção muito sincera de Bayona, que vem de filmes como O Orfanato e O Impossível, onde soube tratar muito bem o extraordinário quase gótico e o drama familiar. Sete Minutos Depois da Meia-Noite é um filme pesado, melancólico e carregado de mensagens, mas que falha em dar importância para suas histórias centrais, não conseguindo fugir do previsível em sua espécie de “revelação” perto do fim, ainda assim trabalha bem com seu roteiro no que diz respeito a bons diálogos, “amarração de pontas soltas”, e claro, serve de maneira brilhante como retratação de perda, infância, família, invisibilidade, coragem e mais do que tudo: imaginação. Ou uma boa ilustração em aquarela dela.

    Texto de autoria de Felipe Freitas.

  • Crítica | Silêncio

    Crítica | Silêncio

    “Uma coisa peço ao Senhor, e a buscarei: que eu possa morar na casa do Senhor todos os dias da minha vida, para contemplar a beleza do Senhor e meditar no Teu templo” (Salmo 27:4)

    A religião de Martin Scorsese é o Cinema, sempre foi. Seu templo também nos é claro, há mais de 70 anos, e sua bíblia, igualmente. O cara que não é mais um cara, mas um vovô de peruca branca e olhos cansados é do tipo que se ajoelha sem pensar duas vezes, se rever seus dogmas e ambições ainda latentes, e reza para os deuses do passado diante do ouro que vem de um Andrei Tarkovsky, ou dos diamantes de Kenji Mizoguchi – uma prática aliás bem refletida no comportamento de boa parte dos seus fãs, apreciadores do “bom” e “velho” cinemá, como diriam os franceses. Também por isso, o mestre américain se mantém incorruptível (e não há melhor palavra) na face do que vira, ou já virou o cinema do século XXI – e claro, sobre o que o grande público se devota a assistir; alheio, mas até certo ponto como já demonstrou o modernismo histérico de O Lobo de Wall Street. Dos grandes artistas de língua inglesa, Scorsese tem um jeito todo Alan Moore e Bob Dylan de produção: Eles fazem, e nós corremos atrás para sair do lugar-comum. “Se virem!”, eles sussurram, e nós nos viramos, cambaleantes rumo ao mérito de suas visões, suas noções e distinções certa vez além das nossas. É a forma prazerosa que acham para nos lembrar que, quem quiser ser o artista, muito antes tem o seu lugar na plateia desse vil cabaré.

    Na dúvida se o temente padre Ferreira, homem de fé magistralmente interpretado por Liam Neeson (a melhor atuação do filme) de fato largou o cunho da igreja e, aos olhos da mesma, se corrompeu em plena missão de catequese às crenças e doutrinas de japoneses contrários à imposição cristã, no séc. XIX, os jesuítas Rodrigues (Andrew Garfield, empenhado) e Garupe (Adam Driver, no ponto) embarcam na missão quase impossível de colher a verdade em solo asiático, e porventura, retornarem com vida a Europa – é um risco a se correr, assumido pela dupla ocidental sob a torga dum certo e dum errado indiscutíveis. Os portadores de uma verdade universal, esquecendo que até o tempo é relativo mediante o meridiano onde estamos. Uma gente que conta(va) com a passividade dos ‘estranhos’ para estender a sua política de cruzes, domesticando um mundo pelas vias de uma ordem em comum. Gente impositiva. Gente sem medo.

    Como bem atesta José Saramago em 1998, numa das várias entrevistas reafirmando sua descrença no divino, “Há quem ainda busque um Deus pois ainda não apagamos totalmente o medo, nem eliminamos a morte”. É esse o medo e o pavor que os padres portugueses de Silêncio degustam em cenas de força e mise-en-scène tipicamente scorsesianas, com uma entrega total dos atores: o medo do seu Cristo ter fronteiras e falhar sob as regras de Buda. Quando a intolerância prova do seu próprio veneno, veste-se com a culpa do inocente; “pobre de mim!”, diriam os injustiçados (ostentando seus direitos humanos) num Japão tão intolerável quanto a instituição católica já (sempre) foi.

    Scorsese então não julga, nem aponta, mas impiedosamente e em todos os sentidos, vinga com gosto o imperialismo dogmático da igreja por uma inquisição feita para ela mesma, sob-medida, e pelas mãos dos japoneses. A história é justa, a duração precisa, e a trama do filme também, já que nos fins de uma arte tudo pode e merece ser justificado. No caso de Silêncio, representante atual contra o lamento de ‘não se fazem mais filmes como antigamente, o pretérito da casa dos santos é assim vingado por quem verdadeiramente assume o lado umbralino da própria religião. Haja coragem do veterano cineasta, propondo-nos, na articulação e encenação modesta de dois sagrados em choque, decodificar assim o subjetivo de cena por cena (soberbamente fotografadas por Rodrigo Prieto, na sua segunda parceria com o exigente diretor após Lobo), e ao mesmo tempo, por ironia, nos induzir à preservação das simbologias visuais e das cadências sobrepostas um conflito em forma de filmaço, mas também de uma obsessão religiosa que integra o DNA de Scorsese. Aqui, nem um pouco escondida, mas potencializada e refinada desde o anêmico e falso A Última Tentação de Cristo.

    Feito evolutivo que, na adaptação do livro de Shusaku Endo, mal-vista, desvista ou simplesmente desprezada pela sociedade Instagram de hoje em dia, prova-se pelo intenso, profundo, ora gelado e às vezes acalorado entendimento que só um ateu, ou seja, um outsider das causas religiosas – ou, melhor dizendo, o católico que não aceita fechar seus olhos para um passado de coesões vergonhosas e assassinas que nenhuma catedral ou salmos milenares apagam – conseguiria ter e formular, na lucidez do presente, no visual e no impecável, dissertando assim não uma denúncia, tampouco crítica. Silêncio debate a validade de um existencialismo tão mitológico quanto questionável, revirado e posto em cheque sem dó e com grande serenidade por aquele que mais entende, finalmente, de violência ou paganismo. Não Deus, neste caso.

    Acompanhe-nos pelo Twitter e Instagram , curta a fanpage Vortex Cultural no Facebook, e participe das discussões no nosso grupo no Facebook.

  • Review | Star Wars: Clone Wars

    Review | Star Wars: Clone Wars

    star-wars-clone-wars-1

    A ordem dos capítulos de Star Wars – Clone Wars é bastante confusa, com arcos misturados entre as temporadas, de modo que para entender a cronologia do programa, é preciso observar uma lista específica, vista aqui. A análise segue portanto esta ordem e o primeiro desses episódios não é o piloto, e sim Cat and Mouse, da segunda temporada, episódio que mostra Anakin Skywalker indo em socorro de Bail Organa, com uma nave de ataque que tem um dispositivo de camuflagem semelhante ao visto nas naves klingons e romulanas na série clássica de Jornada nas Estrelas.

    Os capítulos de Clone Wars de David Filoni começam sempre pela mesma narração curiosa apresentada também no longa lançado no cinema em 2008. O programa explora o avanço dos separatistas da República, comandados por Asajj Ventress (introduzida na série não mais canônica Star Wars – Guerras Clônicas) e Conde Dooku. O design dos personagens está ligeiramente modificado, principalmente o de Yoda e as novas naves e armas mostradas lembram nesse início de série uma versão júnior do confronto da Estrela da Morte em Uma Nova Esperança.

    Outros detalhes interessantes são mostrados, como o processo de feitoria de mais clones, orquestrado pelos kaminoanos, assim como o uso de naves semelhantes a Y-Wing, as mesmas que ajudaram a Aliança Rebelde nos filmes clássicos O Império Contra Ataca e O Retorno de Jedi. A quantidade enorme de episódios faz explorar algumas tramas com personagens fracos e sem carisma, como Jar Jar Binks, mas também dá destinos importantes para o detalhamento da situação da guerra, como o paradeiro de Gunray, o vice rei da Confederação de Comércio, o mesmo que é desafeto de Amidala desde a Ameaça Fantasma.

    star-wars-clone-wars-b

    Apesar dos muitos erros da nova trilogia, a Lucasfilm tomou cuidado para que não ocorresse novas fases de ostracismo com a franquia pós Episódio III – A Vingança dos Sith, como houve com Star Wars após O Retorno de Jedi, período esse de esquecimento que durou quase vinte anos, quebrado após o lançamento da edição especial do filmes clássicos em 1997. O plot do longa é simples em essência, mas de consequências políticas graves, envolvendo o sequestro e tentativa de resgate do filho de Jabba the Hutt, por meio das forças jedi, que enviam Anakin e sua nova pupila, Ahsoka Tano.

    Impressiona como a química de Tano e Skywalker funciona, muito mais exitosa do que qualquer versão de carne e osso envolvendo o escolhido Hayden Christensen. A perseguição de Asajj Ventress a Anakin se mostra constante ainda, provando que sua derrota na versão anterior de Clone Wars não passava de um despiste, mcguffin esse que é bastante comum dentro das histórias em quadrinhos mais famosas.

    A batalha entre Dooku e Skywalker revela um sith idoso muito mais ágil, diferente da versão já combalida de Christopher Lee, incapaz de dar saltos homéricos graças a sua idade já avançada. A trama envolvendo dos Hutts é bastante infantil e repleta de coincidências desagradáveis, especialmente em relação a Ziro, tio efeminado de Jabba, que mira um discurso de inclusão mas soa apenas bobo e preconceituoso.

    star-wars-clone-wars-3

    Os primeiros arcos se dedicam a mostrar a relação de Obi Wan e Anakin, ratificando a rebeldia ainda fruto dos conflitos vistos em Episódio II – O Ataque dos Clones, com Skywalker ignorando as ordens de seu antigo mestre ao atacar com sua nave os opositores, ao invés de simplesmente entregar os suprimentos humanitários ao planeta onde o senador Organa está.

    O programa mostra situações estrategicamente colocadas em voga, não só a rebeldia e independência de Skywalker, mas também uma extrema diferença de caráter entre os clones que fazem a tropa de combate da república, mostrando inclusive traidores da causa. O filme longa-metragem apesar não ter um texto muito inspirado, ao menos serve para introduzir a maioria dos conceitos.

    Ahsoka, a padawan da espécie togruta (natural do planeta Shili), que é designada para ser aprendiz de Skywalker – mesmo que ele não queira – tem a jornada que talvez seja a mais rica de todo o seriado, já que começa com uma premissa simples e termina de modo adulto, trágico, discutindo a fidelidade entre os jedi.

    Há um número exacerbado de episódios com participação de Jar Jar, sempre desinteressantes ao menos no que o tange. Os capítulos bons caem muito de qualidade na participação dos gungans. A exploração em comparação com os outros de sua raça denuncia um enorme problema, uma vez que Binks é muito estabanado e atrapalhado até para sua raça gungan, que é construída para parecer bem menos evoluída do que os outros nativos de Naboo e de outros sistemas solares. Encarregar um personagem como esse a um cargo importante como visto nos episódios 2 e 3 soa absurdo e politicamente falho.

    Entre os antagonistas, Cad Bane se destaca, como um caçador de recompensas inventivo, manipulador e um belo desafiador da república, ao ponto de precisar da união entre três jedi para quebrar sua concentração de mente. Outro evento importante no começo da segunda temporada é a explicação do uso do holocron, artefato do universo expandido que foi tornado canônico neste segmento.

    star-wars-clone-wars-5

    Antes de acabar a primeira temporada, nota-se uma evolução no que tange a animação, que se torna menos mecânica, fazendo com que a história engrene ainda mais nos anos posteriores. Na trilogia The Mandalore Plot, Voyage of Temptation e Duchess of Mandalore há dois fatores importantes, primeiro ao mostrar os mandalorianos e referenciar o caçador de recompensas Boba Fett, e o outro são as mostras de Palpatine já como um líder totalitário, impondo a suposta vontade da República sobre a soberania de um povo que se diz neutro.

    Death Trap, R2 Come Home, Lethal Trackdown são capítulos que servem a dois fins, sendo o menos importante dar alguma importância a R2-D2, como nas peripécias bobas que ele fazia em A Vingança dos Sith, e a outra e mais importante, visa dar uma boa noção de como está Boba Fett, unindo seu destino à caçadora de recompensas Aurra Singh, introduzida no episódio 1. Fett segue buscando vingança contra Mace Windu, mas uma face bem mais benevolente do caçador de recompensas é mostrada, muito além do vilão carismático e sangue frio da trilogia clássica.

    Um dos arcos mais interessantes é o que diz respeito a corrupção em Mandalorian, que mostra uma terrível tramoia que envolve um envenenamento de crianças através da adulteração da merenda escolar. Ahsoka é encarregada de palestrar sobre a venda de informações e influências para as crianças que são pouco mais velhas que ela. Em seu discurso, há um conservadorismo que aos poucos é desconstruído, notando-se uma rejeição extrema a revoluções e rebeliões, associando-as a um mal necessário dentro da resposta do povo a um sistema viciado em obtenção de recursos ilícitos.

    A questão do endividamento da República via financiamento da Guerra ajuda a mostrar a célula embrião da futura Rebelião. Os interessados em continuar o conflito claramente buscam permanecer lucrando, incluindo a kaminoana Burtoni, que era a principal interessada em continuar produzindo clones. Entre os resistentes estavam o rodiano Onno Farr, Bail Organa, Padmé e claro, a jovem Mon Mothma. O jogo de intrigas e conspirações soa mais adulta do que qualquer sessão de senado de Ataque dos Clones e demais filmes da trilogia prequel.

    star-wars-clone-wars-4

    Filoni consegue organizar os roteiros de maneira bem harmoniosa, variando entre ações dos protagonistas dos filmes, lugares de resistência no conflito e entre república e separatistas, trazendo os personagens criados para o segmento das guerras clônicas sem esquecer os clássicos. Nesse ínterim, um dos cenários mais ricos é Dathormir e o destino dos personagens que tem origem lá, como Darth Maul e Asajj Ventress. Além disso, as irmãs das trevas possuem um background muito rico, envolvendo bruxaria, ressurreição de mortos e uma sociedade pautada em um governo feminino e neutro em relação aos ditames políticos vigentes, claro, com uma simpatia conveniente pelo lado sombrio da força, uma vez que é declaradamente contra os jedi, que na opinião destas, fomentam os anseios dos poderosos à época.

    Ainda nesse arco há um desdobramento curioso, não só com o retorno da Maul, mas também com uma mostra de insatisfação de Dooku com Sidious por ser obrigado a deixar de lado sua aprendiz, Ventress. Esse é um exemplo do quão descartável são os alunos para os seus mestres sith, além de uma atitude quase profética em relação a rejeição que o próprio conde sofreria em detrimento do novo pupilo do futuro imperador, sendo esse morto pelo próprio Vader nos primeiros momentos do Episódio III.

    O arco iniciado em Overlods e findado em Altar of Mortis discute os condutores da força, através de três seres pseudo místicos, revelando um representante para o lado negro, para o lado luminoso e um que traz o equilíbrio, através de uma família que mora sozinha em um planeta sem nome no sistema Chrelythiumn. Além desses dois episódios servirem para mostrar o futuro dos heróis, aventando a transformação de Skywalker em Vader. Os dois capítulos são misteriosos, inclusive na possibilidade deles terem ocorrido como em um sonho compartilhado entre os três guerreiros, mas ainda é uma boa interpretação do místico em relação ao poder da Força, refutando a ideia da ciência dos midichlorians etc.

    star-wars-clone-wars-6

    Assajj Ventress é abandonada duas vezes, o que faz dela um personagem com caráter de pária o tempo inteiro. A primeira rejeição via Dookan mostra não só um subestimar do futuro imperador a pupila do Darth Tyranus como também uma precaução para um possível insurgência, além de obviamente deflagrar que o Conde tinha sim uma ligação emocional com sua aluna. Os rumos que a moça toma depois da segunda recusa, agora pelas suas conterrâneas mostra o quão arredia é sua alma, ao ponto de pensar em se tornar uma caçadora de recompensas, em um episódio que homenageia os bounty hunters que apareceram no Império Contra Ataca.

    No quinto ano se resgata o arco de Darth Maul, mostrando-o criando o Sol Negro, uma nova aliança que tenta ser uma alternativa ilegal para o submundo galáctico, que faz frente não só a república como também aos separatistas, estabelecendo até uma conexão com alguns mandalorianos, raça esta que sempre foi neutra no entrave político vigente. O sexto ano não dá um fim para a história, tendo uma continuação na revista Darth Maul – Filho de Dathomir.

    star-wars-clone-wars-7

    Para a maioria dos fãs de Clone Wars, a riqueza do programa mora em Ahsoka Tahno e de fato a personagem ganha ares de maturidade passando de uma sidekick forçada e insuportável. A conspiração em torno de si faz perguntar se a autoridade dada aos jedi era ou não excessiva, visto que um engano dos mais pueris sacrificou a jovem padawan.

    Quando a moça é enquadrada pela lei injustamente e levada a prisão faz lembrar o cárcere de outra heroína, sendo essa uma versão mais nova da Princesa Leia ao ser levada para a detenção na Estrela da Morte. O desfecho dela ainda na quinta temporada foi emocionante, talvez o melhor final de arco, pesado para espectadores e para o personagem de Anakim, que sente-se impotente diante dos seus. Mas o futuro ainda reservaria mais para Tano, ainda em animações de Dave Filoni.

    star-wars-clone-wars-8

    A sexta temporada tem três arcos pequenos, o primeiro um pouco interessante, sobre um vírus ocorrido nos clones que os faz agir de maneira estranha e que ajuda a explicar de maneira didática como os soldados obedeceram sem questionar a ordem 66 que deu cabo de muitos jedi. A segunda se foca no personagem Clóvis, o mesmo que pareceu ter um romance com Amidala no passado e cujo background é totalmente descartável e desimportante. O terceiro mostra uma procura pelos rastros de Syfo Dyas (ou Zaifo Vias), o jedi que foi citado no Episódio II como o responsável pelas encomendas dos clones de Jango Fett. Tal plot não era tão necessário, uma vez que já havia ficado claro o que houve com o personagem e o quadro piora quando é exibido mais um combate genérico entre Obi Wan, Anakin e Conde Dooku.

    Ao menos é nessa última parte onde Yoda percebe o mistério do além vida para os jedi, encontrando-se finalmente com Qui Gon Jinn (por sua vez, dublado por Liam Neeson), que se manifesta para ele e para outros jedi. Somente o mestre ancião acredita na veracidade do contato – fato que o faz ser visto como senil por alguns jedi – e passa a seguir as instruções do antigo e rebelde mestre, indo para Dagobah, planeta repleto de lodo onde moraria nos idos de Império Contra Ataca, e onde teria contato com as cinco sacerdotisas que lhe instruiriam nos caminhos mais místicos do pós morte.

    star-wars-clone-wars-9

    Após algumas viagens ilusórias, mostrando um encontro utópico entre um bom Dooku, Anakin, Kenobi e demais jedi, Yoda rompe com o aparente estado de paz e segue estudando os detalhes da Força, junto as bruxas, ao ponto de ir ao planeta natal dos sith, Moraband, onde tem contato até com um fantasma de Darh Bane, o sujeito que criou a regra de dois dos sith.

    Aos poucos outras alegorias ilusórias ocorrem em Moraband além das feitas pelas bruxas, com Darth Sidious mostrando Sifo Dyas como prisioneiro, além de fazer referências óbvias ao futuro, tanto na era do Império quanto em Episódio III, mostrando inclusive uma versão diferente do futuro de Anakin Skywalker e o quão ele seria importante. Entre novos enganos e disputas ideológicas, flagra-se uma luta bem mais interessante entre Yoda e Sidious, mais profunda e repleta de nuances, ao contrário da pirotecnia de cunho gratuita vista no fim da trilogia prequel.

    Dave Filoni compreendeu muito bem o legado de George Lucas, talvez até melhor que o próprio criador, e apesar de deixar alguns arcos em abertos como com Maul e Ventress, ainda há uma exploração bem interessante dos detalhes do universo de Star Wars, muito além do conflito de Clone Wars em si, expandindo o conceito também pela futura serie Star Wars – Rebels e fomentando a discussão sobre os detalhes interessantes propostos por Lucas mas que foram muito mal trabalhados nos últimos três filmes que o mesmo dirigiu.

    star-wars-clone-wars-10

  • Crítica | Star Wars – Episódio I: A Ameaça Fantasma

    Crítica | Star Wars – Episódio I: A Ameaça Fantasma

    Episodio I - Ameaça Fantasma

    Em 1999, George Lucas traria finalmente à luz uma nova saga no universo que o tornou famoso. O começo de sua história era promissor, traduzido na personificação interessante da dupla de negociadores, entre os habitantes da pacífica Naboo com a temível Federação do Comércio. Os responsáveis pelas tratativas eram Qui-Gon Jinn (Liam Neeson) e Obi Wan Kenobi (Ewan McGregor), díscipulo e pupilo na religião jedi.

    O maior acerto do filme já era mostrado neste início, com a personificação do ideal do cavaleiro paladino, ainda que sua personalidade seja repleta de nuances e rebeldia, já que Qui-Gon reunia em si todos os méritos que um jedi deveria ter, o auge do que Luke jamais conseguiu, e que Ben Kenobi e Yoda não conseguiam reproduzir graças a alta idade. No entanto, a seriedade ruiria a partir dos dez minutos, graças ao advento de uma figura em especial, já odiada em suas primeiras manifestações. Jar Jar Binks( Ahmed Best) emula os piores maneirismo de personagens descerebrados, arrotando uma patetice que visava agradar as crianças, tratando-as como idiotas.

    A gravidade do roteiro de George Lucas – que abriu mão de deixar outros tratarem seu script, centralizando o trabalho que o mesmo diz não gostar de fazer – está em focar na sobrevivência de um povo pouco interessante, que não gera qualquer sentimento de empatia, ao contrário, irritando o espectador com uma quantidade exacerbada de falas bobas e dramas desinteressantes, além de não revelar de modo satisfatório os motivos que faziam os opositores imporem um bloqueio ao planeta.

    Os erros crassos de planejamento que a equipe executa – e que curiosamente, fazem eco metalinguistico com os tropeços de seu criador – faz com que a tripulação tenha de parar em Tatooine, onde os jedi e uma das serviçais da rainha Padmé (Natalie Portman) conhecem o pequeno Anakin Skywalker (Jake Loyd), sua família e a criatura sorrateira que os escraviza, Watoo (Andy Secombe), o mesmo que tomou o clã como mercadoria de seu antigo dono,  Gardulla the Hutt, que no universo expandido, seria rival de Jabba. É através do dentino do infante que a sorte do grupo muda, com negociações bastante suspeitas, mostrando que não há qualquer receio moral em adentrar um hábito nefasto de jogos e trapaças.

    A personificação do malfadado gungan ajuda a mascarar um dos maiores méritos de A Ameaça Fantasma, que são seus efeitos visuais, aspecto comumente subestimado pelos fãs. A movimentação de figuras como R2-D2 – cada vez com menos momentos executados por Kenny Baker – é bastante competente, apesar de recorrer a eventos desnecessários. No entanto, o mais surpreendente está por conta da movimentação Watto, tão fluída quanto a de um personagem interpretada por um homem comum.

    O preciosismo visual se manifesta ao começo da corrida de pods, um evento só incluso no argumento para justificar os video games que seriam lançados à época, que não fazem qualquer falta a trama, acrescentando uma gama de criaturas extra-terrestres que não enriquecem em nada a fauna de Star Wars, sendo motivo de piadas na maioria dessas personificações. É ainda neste período que acontecem dois eventos importantes, a primeira ação do antagonista Darth Maul (Ray Park, em excelentes cenas) e a apresentação de Anakin e Obi Wan.

    Há uma quantidade enorme de incongruências a explorar no filme, desde a burrice dos mandantes da Federação do Comércio, até a teimosia em lançar mão de robôs de inteligência e usabilidade limitada, que não acrescentam em absolutamente nada dentro das batalhas ocorridas na extensão da Naboo. Surpreende como mesmo os pobres voluntário do planeta pacifista não sejam páreos aos robôs patéticos.

    Outro aspecto tosco e exploração do núcleo político em Coruscant, mostrando uma subvalorização do Senado Galáctico, comando pelo chanceler Valorum (Terence Stamp, também sub aproveitado) acompanhado do representante de Naboo, Palpatine (Ian McDiarmad), que exige uma ação mais enérgica da realeza, no sentido de pedir uma sanção nos deveres do supremo chanceler. A questão que deveria ser séria, é tratada de modo raso, tendo em paralelo outro grave acontecimento, envolvendo o incurso de Anakin como possível aluno da academia jedi.

    Ameaça Fantasma 9

    As acusações e discussões a respeito da corrupção, que deveriam ser dúbias, são tratados de modo desleixado, sem a seriedade exigida, quase tão vulgarizado e mediocrizado quanto a argumentação dos midh-chlorians que fariam do jovem “protagonista” algo além do ordinário. Mesmo diante de todo o caos que se instalaria na velha república e nos novos filmes, somente o arredio Qui-Gon conseguiria ter sobriedade para fazer o correto, virando as costas para o código ético dos jedi. Sua postura é diametralmente oposta a postura de Palpatine, que tem na dissolução da deturpação moral seu maior argumento, semelhante a tantos outros ditadores da história, fato que torna bastante óbvia a sua intenção, mesmo no ano de 1999.

    Toda a negociação entre os terrestres de Naboo e os gungans beira o ridículo, tanto em lógica  quanto em bom censo. O combate se aproxima de acontecer, tão imperito quanto a linguagem usada pelas criaturas marinhas, servindo como despiste para um plano de ataque aos comerciantes que é ainda mais mirabolante e estúpido. Não bastasse o fato de o público não se importar com as criaturas que morreriam – como era com os ewoks – Lucas ainda tem a audácia de refilmar o clímax de O Retorno de Jedi da maneira mais morosa possível.

    Qualquer plano tático é simplesmente ignorado, uma vez que até a rainha regente Amidala se embrenha em um tiroteio desnecessário, atrás do núcleo palacial, correndo o risco de ser assassinada, fato que causaria um terrível evento diplomático na já conturbada situação política do planeta embargado. Após a entrada  de Darth Maul – que praticamente ignora o fato da princesa passar diante de seus olhos – o grupo avança, só conseguindo passagem depois que o acaso usou uma criança para liberar o caminho para eles, que prosseguem andando com a nobre como ponta de lança, sepultando de vez qualquer possibilidade de apego a teoria de um bom combate militar.

    A grande luta final, entre Darth Maul e dos dois jedi tinha um potencial tremendo, e até certo ponto ela funciona. O embate entre o vilão e Qui-Gon Jinn funciona até o momento da derrota do herói, que é displicente, fator incongruente, mas até passável, já que ele era bastante impulsivo em todas as suas atitudes. A vingança impetrada por seus discípulo o mostra cedendo a raiva e a imprudência, aspectos que o velho Ben Kenobi criticaria veementemente, mostrando que esta versão é mais próxima de uma contraparte de uma realidade alternativa do que o pretérito do grande mentor jedi da trilogia anterior.

    A sucessão de escolhas erradas é comum tanto a Lucas, quanto ao Conselho Jedi liderado por Yoda (voz de Frank Oz, além de ter neste um boneco mais tosco que o anterior) e Mace Windu (de um ainda tímido Samuel L. Jackson), ao aceitar o piloto mirim, capaz de desmantelar todo exército dos vilões sem muito esforço ou qualquer preparo anterior.

    Falta carisma, alma, boas atuações e um texto minimamente plausível para Lucas, que ainda insiste em concentrar em si as funções mais importantes em relação a trama e direção, com medo que fizessem trapalhadas sem o seu consentimento, deixando assim passar uma quantidade enorme de terríveis situações, que não só denigrem seus filmes clássicos, como faz discutir a necessidade de tantos profissionais em montar efeitos visuais, personagens e cenários tão suntuosos, que não servem sequer de muleta para a história, tampouco ajudando no adorno do mesmo.

    Episódio I possui uma trilha sonora que funciona em alguns momentos, especialmente nas cenas de luta, mas que fracassa em tentar emular os bons momentos de John Williams, claramente não reprisando todo o sucesso que fez antes. O uso de animatics seria pioneiro, mas ajudaria a indústria usar o artifício como desculpas para propagar histórias tão fúteis e ofensivas quanto esta versão sem substância, que imita até o final do episódio original, com uma sequência caricatural e vazia de significado. A Ameaça Fantasma seria somente o primeiro dos muitos equívocos de George Lucas com seus queridos personagens sagrados, com uma abordagem que nas partes sérias peca demais em exagerar nas obviedades e faltas de sutileza dramática.

  • Crítica | Noite Sem Fim

    Crítica | Noite Sem Fim

    noite-sem-fim

    Liam Neeson tornou-se uma espécie de reserva moral do cinema de ação. Mesmo que o filme em que ele participa não seja grande coisa, o que não é o caso desse, o ator consegue sempre uma boa performance que atenua os problemas da fita. Nessa terceira parceria com o diretor Jaume Collet-Serra (Desconhecido e Sem Escalas foram as anteriores), o irlandês novamente consegue uma ótima atuação, com o “agravante” de estar cercado de outros ótimos atores e de esse ser um thriller de ação dos mais eficientes.

    Na trama, Liam Neeson é Jimmy Conlon, um matador que há décadas desempenha o ofício sob as ordens do mafioso Shawn Maguire (Ed Harris). Quando o filho de Jimmy testemunha um crime cometido pelo filho de Shawn e passa a ser alvo, Conlon intervém e acaba matando o filho de seu chefe e grande amigo. Maguire então coloca todo o seu contingente de capangas atrás dos Conlon, que, além de sobreviver, têm algumas contas a acertar do passado.

    A maneira intensa como Collet-Serra filma esse Noite Sem Fim faz com que o espectador cole na poltrona. O diretor se aproveita do roteiro enxuto e orquestra momentos de tensão muito interessantes, principalmente na sequência do conjunto habitacional. Interessante observar também que, ao mesmo tempo que se utiliza de uma estética oitentista em certos momentos, o diretor espanhol faz algumas transições de cena bem modernas. Outro ponto muito bacana é o fato de que a cidade acaba se tornando um personagem do filme, não apenas um simples cenário. Collet-Serra também demonstra muito domínio nas sequências que envolvem diálogos tensos entre os personagens, um fato que diferencia Noite Sem Fim de outros filmes do gênero. O roteiro também é bem interessante e, combinado com a boa direção, entrega figuras com profundidade, não sendo apenas as personagens unidimensionais que povoam o gênero.

    Liam Neeson novamente entrega uma boa interpretação, fazendo com que se sinta uma certa pena do seu Jimmy Conlon, mas ao mesmo tempo, mostrando que o personagem tem enormes falhas de caráter. Joel Kinnaman, que interpreta o filho de Jimmy, também está ótimo em cena, formando uma boa dobradinha com Neeson, ainda que seu personagem caia no lugar-comum do filho revoltado com o passado do pai. Ed Harris está especialmente ameaçador como Shawn Maguire, e Vincent D’Onofrio, como um policial que observa toda a situação a distância, também está muito bem e passa credibilidade ao papel.

    Porém, como nada é perfeito, o filme acaba caindo em um velho clichê de redenção no seu desfecho. Ainda que o personagem de Neeson aproveite aquela noite para tentar se redimir com o filho e com si mesmo, a rota escolhida pelo roteiro termina por ser a mais fácil e previsível, fazendo com que o final da película perca um pouco de peso. Fica um gosto amargo de decepção com o que ocorre. Ainda assim, Noite Sem Fim é um ótimo filme, com ritmo frenético, boas atuações e bons personagens e possivelmente é o melhor filme dessa fase de ator de ação em que Liam Neeson ingressou.

  • Crítica | Terceira Pessoa

    Crítica | Terceira Pessoa

    Terceira Pessoa 1

    Paul Haggis (Crash – No Limite) tem duas grandes qualidades como idealizador, sendo a primeira sua percepção humanística e descentralizada das interações cotidianas que transbordam em seus roteiros  ̶  mesmo nos mais populares como Cassino Royale, e principalmente nos mais intimistas como Menina de Ouro, Crash  ̶ , e a segunda qualidade é sua capacidade de agregar grandes nomes para o elenco de seus filmes.

    É fácil identificar-se com suas obras, mesmo aquelas mais densas como Vale das Sombras, pois em um mundo onde as pessoas pouco se relacionam, pouco sentem e pouco se tocam, sua escrita promove uma pequena torrente de reflexões e a quebra das “minicertezas” do dia a dia ao escancarar, de forma franca, a efemeridade da vida e a fragilidade das relações humanas. Por ter laços tão sutis, a dinâmica social torna-se um nó górdio no qual a dilaceração é destino mais provável, e que por ser assim, Haggis traz em suas obras um estranho senso de otimismo, aceitação e bondade.

    Premiado em três categorias no Oscar por Crash, Haggis também carrega o estigma de dirigir um dos vencedores mais controversos pela Academia de Ciências Cinematográficas. Estruturado sobre um roteiro que costura vidas e cenários a fim de montar um panorama social dos EUA e seus cidadãos, a direção, roteiro e montagem trabalham perfeitamente para criar um ambiente único e sujeito a variações caóticas diante da menor perturbação. Honesto, sucinto e humildemente relevante, é uma pérola do cinema. Esta digressão, porém, serve para contrapor Crash com seu novo longa, Terceira Pessoa, o qual não consegue ser a sombra do primeiro.

    Dotado novamente de um elenco competente e estrelado, de nomes como James Franco, Liam Neeson, Mila Kunis, Adrien Brody, e a desperdiçada Kim Basinger, Haggis tenta lidar com suas próprias dificuldades humanas ao elaborar uma teia de vidas, que têm em comum a dificuldade de lidar com a realidade e assumir-se como aquilo que realmente são. Um ladrão que se diz “homem de negócios”; uma mãe incapaz de lidar com suas falhas psicológicas; uma mulher perdida em relacionamentos autodestrutivos; um escritor notoriamente atormentado por seu passado e incomodado com o declínio de sua trajetória profissional, hoje tão opaca; e, por fim, o próprio filme que, apesar de ser intitulado “Terceira Pessoa”, não consegue perceber o egocentrismo inerente à toda sua estrutura.

    E assim, todas as qualidades que poderiam relacionar a película com a carreira de seu diretor dissolvem-se por conta da falta de carisma e relevância das histórias. Dessa forma, os erros ocorrem pela montagem defeituosa que em diversos momentos desnorteia o espectador ao invés de orientá-lo na transição entre os segmentos, pela direção burocrática, bem como pela tentativa frustrada de usar o histórico cinematográfico de Haggis e clichês narrativos dos filmes de histórias entrecruzadas, para incentivar o espectador a ter a boa vontade de supor sobre os destinos daqueles personagens para algo além do óbvio. Infelizmente, é apenas óbvio mesmo.

    Distante do impacto emocional que poderia causar, o que se tem aqui é um filme muito mais longo que o ideal, e que se torna ainda mais enfadonho ao deixar escapar já antes do encerramento do segundo ato que não há mais nada a dizer ali.

    Na tentativa de gerar alguma dinâmica mais atrativa, as resumidas tramas fecham-se em um anticlímax desatencioso e incapaz de decidir com quais decisões deve arcar. A trilha sonora tenta atuar como ferramenta para adicionar alguma sustância aos diálogos bobos e direcionar os sentimentos que deveriam ser suscitados pelo espectador, e desta forma torna-se quase onipresente, chegando a incomodar.

    Essa alienação dos elementos narrativos, uns pelos outros, faz com que vozes e clamores dos personagens ora tenham múltiplos representantes, ora não tenham nenhum. Talvez o diretor esteja em uma crise pessoal, talvez por isso a crueldade no trato com o amor romântico e o amor familiar, talvez por isso a incerteza tautológica. Mas, como para aquele que escreve, toda obra é autobiográfica, talvez assim Paul Haggis tenha conseguido expulsar seus demônios.

    Texto de autoria de Marcos Paulo Oliveira.

  • Crítica | Busca Implacável 3

    Crítica | Busca Implacável 3

    Busca Implacável 3 - poster BR

    A busca pelo paradeiro da filha sequestrada em terras estrangeiras foi a trama que transformou o consagrado Liam Neeson em astro de ação. Naturalmente, o sucesso de Busca Implacável gerou uma sequência, inferior e carregada de exageros comuns em sequências que sempre tentam superar a história original. Após o lançamento desta segunda produção, Neeson deu prosseguimento ao seu potencial como ator de ação. Mais um filme sobre o preocupado pai familiar Bryan Mills seria inevitável. E mais: trilogias sempre são aceitas no mercado como uma espécie de obra maior dividida em partes e, dessa vez, Busca Implacável 3 poderia redimir a série da história anterior e apresentar um desfecho, ou mais uma situação limite para as personagens.

    Três anos atrás, o astro afirmava que não havia possibilidade de haver uma nova produção. Por fim, aceitou retornar ao papel com a condição de que nenhum sequestro fizesse parte da trama. Como na primeira história, Kim (Maggie Grace) está prestes a fazer aniversário, e o pai procura um presente para a garota. Desde as experiências traumáticas anteriores, Kim mantém uma relação unida com o pai, ainda que ele sempre veja-a como a pequena garotinha que um dia foi. Porém, adulta, morando na companhia de um namorado, a filha não precisa de proteção. A repetição do aniversário serve como um comparativo entre a passagem de tempo de uma história a outra.

    A mudança de paradigma é um dos pontos principais desta nova trama. Devidamente acusado pela morte de sua ex-esposa, Lenore (Famke Janssen), cabe ao ex-agente do governo fugir da polícia enquanto tenta provar sua inocência. Os papéis invertem-se e, em vez de caçar as pistas, a personagem deve desorientar seus perseguidores.

    A fluidez narrativa da primeira história ganha maior espaçamento temporal. Trata-se do filme mais longo da trilogia, e a trama desenvolve-se sem a urgência das anteriores. Bryan traça seu plano lentamente, primeiro informando a filha e os parceiros de suas intenções para, finalmente, entrar em ação direta com os prováveis responsáveis pelo assassinato de sua esposa. Há mais trama e menos ação, uma mudança que pode incomodar parte do público, mas  que é eficiente para equilibrar o enredo e superar o anterior.

    Neeson continua à vontade em sua nova composição de personagem, aproveitando seu porte físico. As cenas de ação foram realizadas sem nenhum dublê e mantêm as mesmas características das anteriores, com cenas rápidas prezando a melhor forma de neutralizar os inimigos. Há momentos de ação em uma quantidade suficiente para animar o público, e uma épica cena – que popularmente poderia ser definida como uma clássica cena massavéio – a qual somente filmes de ação poderiam nos proporcionar. É absurda, impactante e divertida.

    Mesmo com uma breve carreira na direção, com todos os filmes focados na ação, Oliver Megaton, que também realizou Busca Implacável 2, trabalha com competência estas cenas e entrega uma história que possui bons momentos de tensão e ação. Por tratar-se de uma história sempre atrelada a um ajuste de contas, torna-se evidente que pontas soltas e ameaças de vingança permanecem como futuras possibilidades. Feliz com o trabalho desta segunda continuação, Neeson já declarou que não descarta participar de mais uma sequência, demonstrando o quanto o ator deseja permanecer trilhando esta nova fase de brucutu badass.

  • Crítica | Caçada Mortal

    Crítica | Caçada Mortal

    Caçada Mortal - Poster

    Aos 60 anos de idade, Liam Neeson vive um novo momento da carreira. Após diversas grandes interpretações em papéis dramáticos – incluindo o que lhe rendeu o Oscar de Melhor Ator, em A Lista de Schindler –, transformou-se em um ator de ação em razão da sempre competente performance, do carisma e do porte de 1,93 metros.

    Desde 2005, o irlandês escolheu projetos de filmes de ação, como Busca Implacável, Desconhecido e Sem Escalas, nos quais usa o mesmo estilo de personagem com eficiência suficiente para agradar aos fãs do gênero. Nesta nova produção, a ação fica em segundo plano, dando lugar a uma narrativa policial baseada em um dos personagens criados por Lawrence Block.

    Detetive particular não licenciado, o ex-policial Mathew Scrudder é a criação mais famosa do autor, sendo estrela de 17 livros até agora e, nos cinemas, também foi interpretada por Jeff Bridges em 1986. Caçada Mortal, de Scott Frank, adapta a décima obra com a personagem, um alcoólatra em recuperação que, após uma crise de consciência, abandona a corporação. A trama roteirizada e dirigida por Scott Frank (escritor de grandes obras como Irresistível Paixão e O Nome do Jogo, e tragédias como Wolverine: Imortal) é bem adaptada no estilo narrativo de Block. A prosa seca, sem muitos floreios, mantém a eficácia de sua personagem e, no filme, este recurso é apresentado ao longo de uma trama que não exagera em reviravoltas e ganchos, como diversas investigações cinematográficas atuais.

    A primeira cena, que se passa em 1991, apresenta o passado de Scrudder, aproveitando cada segundo exibido em tela. Simples e rápido, o momento serve para que o público compreenda o passado turbulento do ex-policial. A composição do detetive não reinventa nenhum padrão, mas segue o estereótipo tradicional do homem com um passado negro vivendo um presente difícil entre a negação e certa ironia contida. Uma figura niilista que, mesmo sendo um bom moço, parece não se importar com ninguém. O detetive é contatado por um traficante de drogas para investigar os responsáveis que sequestraram e mataram sua esposa. Uma morte que se revela parte de uma série maior de assassinatos.

    O assassinato e a investigação são os fios condutores da trama. Os elementos típicos de um policial herói, centrados em Scrudder e em sua mudança pós-álcool, fazem parte da concepção do gênero. O suspense carrega boas inferências de crueldade e mantém-se bem durante a trama. Trata-se de um enredo tradicional, portanto nada mais natural que o crime em si seja apresentado de maneira que choque o público inicialmente, para aliviá-lo na resolução final em que, na medida do possível, pune criminosos.

    O bom suspense não se consagra por completo devido à presença de um personagem juvenil que descaracteriza a intenção da história. Por pouco, o jovem não cai na armadilha de ser um gancho para a inevitável cena em que ele tenta algo heroico e se torna um fardo que deve ser salvo pelo personagem central. O recurso que tenta humanizar a figura fria do detetive quase é responsável por destruir a história e o suspense desenvolvidos em cena. Há muitos policiais da ficção que trabalham com parceiros esporádicos e uma equipe informal, porém, dentro da trama, parece inverossímil que o ex-policial queira envolver um adolescente em uma trama delicada.

    A repetição de personagens semelhantes em produções próximas – o personagem de Sem Escalas também era um ex-policial alcoólatra, por exemplo – retira parte da identificação literária de Mathew Scrudder. Em compensação, Neeson demonstra, além da competência, se divertir nesta nova fase da carreira, e poderia representar a personagem em outras futuras adaptações. Afinal, aos 76 anos, Lawrence Block não para de escrever. Como um bêbado sorvendo sua bebida.

    Compre aqui: Caçada Mortal – Lawrence Block

  • Crítica | Um Milhão de Maneiras de Pegar na Pistola

    Crítica | Um Milhão de Maneiras de Pegar na Pistola

    Um Milhão de Maneiras de Pegar na Pistola

    Seth MacFarlane está em alta em Hollywood. Depois de emplacar 12 temporadas de seu programa mais famoso Uma Família da Pesada, nove de American Dad e quatro do cancelado Cleveland Show, além de dublá-los e produzi-los, passou também a produzir outros programas, como a nova versão de Cosmos para a TV, além de apresentar o Oscar de 2013 e tentar vida nova no cinema com o mediano Ted. Em 2014, chega às telas sua nova produção, com o título traduzido de forma pouco inteligente: Um Milhão de Maneiras de Pegar na Pistola.

    O filme conta a história do pastor de ovelhas e fracassado Albert (MacFarlane), deixado por sua namorada Louise (Amanda Seyfried), que resolveu ficar com o emplumado Foy (Neil Patrick Harris). Para ajudá-lo, estão seu amigo Edward (Giovanni Ribisi) e respectiva namorada – e também prostituta do bordel local , Ruth (Sarah Silverman). Porém, tudo se complica quando a gangue de vilões liderada pelo bandido Clinch (Liam Neeson) esconde sua esposa Anna (Charlize Theron) na cidade, o que acaba aproximando-a de Albert.

    Quem acompanha a carreira de MacFarlane já conhece seu estilo de humor recheado de referências à cultura pop e de uma acidez que muitas vezes é incompreendida dentro do contexto que cria. Porém, se essa fórmula garantiu o sucesso de seus programas na TV – que já mostram um desgaste -, no cinema ela patina para engrenar. Apesar de Ted garantir algumas risadas, a estrutura rápida, que garante o sucesso do produtor em programas de 30 minutos na TV, teve dificuldades no cinema, em especial no confuso terceiro ato. Em Um Milhão de Maneiras de Pegar na Pistola o problema é ainda mais grave.

    A premissa básica da comédia do filme é o protagonista Albert ser uma pessoa com linguagem moderna no Velho Oeste americano, onde pessoas morrem por qualquer motivo devido à baixa qualidade de vida, além da extrema violência, da época e local. E por alguns minutos conseguimos esboçar uma reação positiva a este argumento. O problema é que ele é repetido durante todo o filme, com um jargão digno de A Praça é Nossa (“as pessoas morrem na feira”), juntamente com um amontoado de piadas escatológicas totalmente gratuitas sobre sexo e funções corporais. Neil Patrick Harris, em uma cena, tem uma diarreia e usa um chapéu para se aliviar. E a cena se estende, por vários minutos, causando talvez mais vergonha ao ator do que ao espectador.

    Também constrangedora é a cena em que há um fan service sem propósito algum para a história: Albert abre uma porta de um celeiro à noite e dá de cara com Christopher Lloyd interpretando o lendário Dr. Emmett Brown, de De Volta para o Futuro, preparando o DeLorean dentro da trama do terceiro filme da trilogia. O fato de De Volta para o Futuro III se passar na Califórnia em 1885 e Albert estar no Arizona em 1882 tem importância? Aparentemente, não.

    Além de Christopher Lloyd, podemos ver outras participações, como Jamie Foxx interpretando Django Livre novamente, ou Bill Maher fazendo um comediante stand up com piadas do Velho Oeste; e também Ryan Reynolds, cuja ponta em Ted foi engraçada – ele tem um histórico de pontas em Uma Família da Pesada, então o colocaram ali. Mas sem importância. Porque praticamente toda a linha humorística do filme se resume somente à escatologia ou referências à cultura pop sem qualquer tipo de relação com a história ou os personagens. Sequências inteiras saem do nada e terminam em lugar nenhum, como a perseguição do bando de Clinch a Albert, ou quando o segundo é capturado por indígenas que usam drogas e falam como drogados urbanos (porque não há nada mais engraçado do que um drogado, né?)

    O que é ainda mais impressionante é a excelente qualidade técnica do filme. A fotografia está impecável, assim como os planos muito bem enquadrados, o set, o figurino e o som. Tudo funcionando perfeitamente, mas com esse imenso potencial desperdiçado, pois não há nada na história que justifique tamanho investimento técnico.

    Fica então a dúvida: se MacFarlane é um talento passageiro ou adequado somente ao formato da TV. No cinema, as apostas (e exigências) são mais altas. E até aqui, ele está devendo. E muito.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | Sem Escalas

    Crítica | Sem Escalas

    sem escalas

    Liam Neeson é um caso curioso em Hollywood. Ele tornou-se um rosto conhecido ao construir sua carreira em papéis coadjuvantes, geralmente como um sábio mentor. Somente já beirando os sessenta anos ele encontrou seu espaço como protagonista, e vem meio que reprisando sempre o mesmo papel: o durão veterano, um tanto atormentado, mas chutador de bundas. Foi assim em Busca Implacável, Busca Implacável 2, Desconhecido, e A Perseguição. A prova de que a fórmula funciona – e que Neeson é muito bom em interpretar a si mesmo – é o mais recente item a ser adicionado a essa lista, o competente Sem Escalas.

    Repetindo a parceria de Neeson com o diretor de Desconhecido, o espanhol Jaume Collet-Serra, Sem Escalas traz o clássico plot do “dia de trabalho no qual as coisas deram errado”. A bola da vez é o agente federal Bill Marks, especializado em embarcar disfarçado em voos e ficar de olho em potenciais problemas. Num belo dia ele começa a receber mensagens de texto de um incógnito criminoso, que exige 150 milhões de dólares a serem depositados numa conta específica, ou um passageiro morrerá a cada vinte minutos. Conforme as complicações vão aumentando, todos a bordo passam a ser suspeitos – inclusive o próprio Marks.

    Quem teima em buscar originalidade em tudo que vê provavelmente deve passar longe de Sem Escalas. Clichês são a palavra de ordem aqui, começando pela própria ambientação. Como na maioria dos “filmes de avião”, não há tanta ação no sentido de movimento, adrenalina. As emoções vêm do suspense e da tensão, alimentados pelo cenário claustrofóbico. A sequência de assassinatos cometidos por uma figura oculta também segue a clássica cartilha de histórias detetivescas: por mais que o prazo seja anunciado, o modo como as mortes ocorrem leva o espectador a visualizar um gênio do crime por trás de tudo. Até mesmo o protagonista se encaixa num padrão, no caso o do herói cansado, desacreditado e falho (fumante e quase alcoólatra), mas que não se deixa abalar na hora de fazer o necessário para salvar o dia.

    Os méritos do filme vêm da habilidade por parte dos envolvidos em fazer bom uso de todos os clichês, e da mistura deles retirar um honesto entretenimento. O clima de paranoia típico do pós-11 de setembro é bem construído por uma direção segura e um roteiro ágil e sem firulas. Collet-Serra trabalha com inquietos ângulos e movimentos de câmera, que “flagram” os passageiros em olhares e posturas duvidosos – ou apenas compreensivelmente preocupados, impossível de se ter certeza. Nessa linha, há uma mordaz ironia no fato do médico árabe parecer suspeito muito mais por conta do NOSSO olhar preconceituoso do que por qualquer coisa do filme em si.

    Os personagens se tornam rasos, uma vez que a necessidade de se instalar a desconfiança geral demandou que pouco fosse revelado sobre eles. A definição de cada um se dá pela camada mais superficial: temos “o piloto”, “a aeromoça”, “o policial”, “o medroso”, “a garotinha”, “o babaca” e por aí vai. Outro grande nome do elenco, Julianne Moore vive a “desconhecida amigável” e, pouco exigida, faz um bom trabalho. Fãs de séries vão reconhecer Anson Mount (Hell on Wheels) e Shea Whigham (Boardwalk Empire). Além deles, a recém-oscarizada Lupita Nyong’o faz uma discretíssima ponta.

    Se aproximando do final, o filme fraqueja é dá suas derrapadas. A revelação do vilão acontece de forma um tanto forçada, o que só piora quando ele faz um monólogo explicando suas verdadeiras razões. Além de simplistas e pouco críveis, os motivos alegados simplesmente não fazem o menor sentido, ao se analisar no mundo real tudo o que o governo americano fez e vem fazendo em nome da segurança contra o terrorismo. O filme foi fundamentado nesse contexto e soube usá-lo muito bem durante a maior parte do tempo, deixando a falha ainda mais inexplicável.

    De qualquer forma, Sem Escalas cumpre o que promete e entrega um bom suspense de ação. Mantendo-se as expectativas baixas, a diversão está garantida, nem que seja somente para prestigiar o parça Lionélson.

    Texto de autoria de Jackson Good.

  • Crítica | Busca Implacável

    Crítica | Busca Implacável

    taken_xlg

    O filme de Pierre Morel (B-13 – 13° Distrito), com guião de Luc Besson e Robert Mark Kamen (roteirista também das franquias Carga Explosiva e Karatê Kid) começa com uma gravação em Super 8, remetendo a um passado um pouco diferente da realidade contemporânea de Bryan Neills (Liam Neeson). Sua atual situação era a de estar empregado num serviço mecânico e com poucas variantes, é rejeitado pela ex-esposa – o que é ainda mais doloroso se tratando de Famke Janssen. Na primeira oportunidade de ação, Bryan demonstra uma habilidade incomum, não antes avisada, e graças a isso encontra uma alternativa para consertar a ausência que exerceu na vida de sua filha, mas obviamente fracassa.

    A super-proteção que Bryan exerce sobre a filha logo é justificada com a viagem a Paris. A menina é raptada e o filme começa de verdade. O aposentado agente é forçado a voltar a ativa, mas ele é frio, calculista e nada enferrujado. Bryan ouve sucessivas vezes a gravação do antagonista desejando-lhe sorte – tudo para absorver a raiva e maximizá-la.

    A direção de Morel aliada a produção de Besson dá a obra o típico rótulo de action movie francês, com muito mais violência que os últimos exemplares americanos do gênero. As cenas de perseguição lembram muito a câmera na mão de Paul Greengrass nos filmes de Jason Bourne.

    -Estou aposentado, não morto! – Bryan não se sente como um homem velho, apesar do seu “retiro planejado”, quando o chamado à aventura vem, ele está pronto, suas habilidades não são somente o aprimoramento físico, mas também, talentos ligados a atuação, seu cuidado com as testemunhas é notório, restringindo o envolvimento destes a somente o necessário.

    A motivação e as habilidades de Bryan são parecidas com as de John Matrix (herói de Comando para Matar), mas muito de seu comportamento lembra o protagonista de Desejo de Matar, Paul Kersey, tanto no intuito de vingança e perseguição de seus inimigos, quanto na improvisação com objetos caseiros.

    Há até uma inteligência no roteiro, ainda que o foco não seja a discussão, o subtexto cita o tráfico de mulheres e a consequente prostituição das vítimas, além de envolvimento de ex-agentes corruptos, a abordagem aos temas não é suavizada, mas o que importa realmente é ver Bryan Neills em ação, invertendo o discurso presente em O Poderoso Chefão, considerando tudo pessoal.