Filme de George Gallo, A Rosa Venenosa reúne elementos de um noir moderno ambientado no ano de 1978, apresentando seu protagonista Carson Phillips como um homem de muitos vícios e afeito a luxúrias. O personagem de John Travolta, um investigador particular de Los Angeles, se vê obrigado por um caso a mergulhar em um antigo problema pessoal que logo desemboca em uma trama de assassinatos e eventos estranhos.
O filme reúne vários dos clichês do noir, protagonista mal encarado, anti-herói e sem perspectivas, que se vê abordado por uma mulher atraente pedindo um favor ao detetive, tudo isso situado em cenários sujos e uma missão envolvendo mágoas do passado repleta de ambiguidades.
A tentativa de fortalecer a aura de suspense esbarra na falta de sutileza do filme. Gallo apresenta as curvas de suspense de maneira brusca. As atuações não ajudam, ainda que o maior problema claramente seja textual e não dramatúrgico. Os personagens são bidimensionais, fora Carson, o que se agrava pelo fato do elenco reunir nomes como Morgan Freeman, Robert Patrick, Famke Janssen, Brendan Fraser, Peter Stormare etc.
As cenas de ação são genéricas e os vilões histriônicos, caricatos e nada convincentes. A persona do médico mau que Fraser faz parece uma paródia de vilão de filmes do 007, tom esse que não tem nada haver com o restante da atmosfera de A Rosa Venenosa. A ideia e intenção do filme é ótima, mas a execução é bastante problemática, falta estofo à realização tanto na direção quanto em roteiro, resultando em última análise em mais um filme com elementos do gênero policial que permeiam o horário sabatino do Super Cine na Rede Globo.
Cercado de expectativas por trazer Nicole Kidman em um papel diferente, em que faz uma mulher turrona e com uma maquiagem extremamente pesada – que aliás, a deixou caricata – O Peso do Passado é o novo filme de Karyn Kusama, e foca na rotina da detetive Erin Bell, da Polícia de Los Angeles, em uma trama violenta, cheia de ressentimentos e que conta com reconciliações com seu passado.
A história mostra um morto, com uma tatuagem de três pontos, igual a que Erin carrega em seu pescoço. Aos poucos a trama se desdobra, mostrando o tempo em que a personagem de Kidman era jovem – e que se utiliza de outra maquiagem forte para rejuvenesce-la – agindo infiltrada na gangue de Silas (Tobin Kebbell), com outro infiltrado chamado Chris (Sebastian Stan), além de uma conturbada vida familiar, com uma relação bem distante entre ela e sua filha Shelby (Jade Pettyjohn). Erin é uma mulher traumatizada, suas relações são quase todas tóxicas e pautadas pela ausência, por conta da natureza de seu trabalho e pela angústia de pessoa amargurada que carrega. Na busca por descobrir o paradeiro de Silas que, segundo ela, é o responsável pela primeira morte, ela revive os momentos de seu passado, alguns poucos doces e sonhadores, e se defronta com um presente sombrio e escuro. O filme é tão calcado nessa questão da amargura que soa quase parodial, tão distante da realidade que faz chocar o espectador, fazendo o tempo todo ter a sensação de estar lendo um thriller barato presente nos livros que se vendem nas gôndolas dos super mercados dos Estados Unidos.
O filme é claramente proposto para Kidman brilhar e provar que ainda é capaz de fazer papéis diversificados, e no que toca sua atuação, o filme acerta. Acerta também em criar uma atmosfera pessimista e niilista, tanto que a maior comparação feita a ele, é que a obra foi talhada para passar nas sessões do Super Cine.
Ao menos nas questões envolvendo a violência explícita O Peso do Passado acerta demais, é sujo, certeiro e agressivo quando precisa e Kusama não tem pudor em mostrar o pior da humanidade, apesar de em alguns pontos, levar à frente um discurso moralista e reacionário. Mesmo em seus exageros há um movimento de orquestra bem concebido e isso por si só já torna esse uma das melhores obras de Kusama.
Baseado na história em quadrinhos de Luciano Cunha, O Doutrinador é um filme de Gustavo Bonafé, com codireção de Fabio Mendonça, e mostra um justiceiro brasileiro agindo como vigilante e cai como uma luva para os tempos de simplismo político, combinando quase à perfeição com a redução de crivo político do povo, ao menos é o que se pensa sobre esse projeto multimídia, que ano que vem terá o acréscimo de uma série.
As primeiras cenas mostram o DAE – Divisão Armada Especial, entrando na casa do governador Sandro Corrêa (Eduardo Moscovis) e entre eles, há Miguel, interpretado pelo forte Kiko Pissolato. O político é levado a força para o quartel policial, mas não responde a quase nenhuma pergunta, e logo é liberado graças a um habeas corpus. Correa é um dos investigados da Operação Linfoma.
O grave problema do filme é seu roteiro, com sete pessoas creditadas e graves questões de plano de fundo. Miguel é um homem justo, que tem uma filhinha, e obviamente é tratada como uma apelação dela como vítima, em uma manobra parecida com a série O Mecanismo, de José Padilha, embora os detalhes sejam diferentes. Além disso, a pequena menina é uma criança super-esperta, que fala muitas gírias e não soa nenhum pouco natural. Naturalidade também falta aos efeitos especiais. Os prédios das cidades, por exemplo, são digitais, e soam falsos ao extremo.
O evento que muda radicalmente o pensamento de Miguel envolve um jogo da seleção brasileira, onde sua herdeira veste uma blusa amarela com as cores do time de futebol e passa um sujeito com um radinho de pilha, artigo esse quase em desuso (ao menos em larga escala) há mais ou menos uns 15 anos. Tais coisas destoam de realidade, mas o evento em si, apesar de pautado em clichês, faz sentido em especial por aproximar O Doutrinador de uma de suas inspirações de O Justiceiro, da Marvel.
O filme não é ruim, as partes técnicas são bem produzidas, a direção de arte de Margherita Pennacchi, fotografia de Rodrigo Carvalho e figurinos ajudam a criar uma atmosfera diferenciada que só não é tão crível graças ao roteiro simplório que apela para obviedades. A sensação ao assistir esses aspectos em comparação com o restante da história é que todos os pontos positivos soam como uma capa bonita para um livro medíocre.
Os personagens periféricos também não fazem sentido, a começar por Nina (Tainá Medina) que mistura elementos da famosa Sininho, que ganhou notoriedade nas manifestações cariocas de 2013, a Oráculo do Batman. No entanto, o mais próximo de uma reflexão sobre os atos violentos começam a partir de seu senso crítico dela, que condena os assassinatos de Miguel, ainda que isso também mude com o final.
A catarse de O Doutrinador não é reacionária, ao menos não em discurso, já que ela busca isenção, ou seja, mira no caráter camaleônico dos que no campo eleitoral vivem no limbo dos indecisos, brancos e nulos. Isso até poderia ser bem explorado, mas ao contrário da expectativa, o texto investe em explorar tecno-baboseira, apela para merchans vergonhosos.
O filme termina com revide de violência gratuita de seus colegas – os mesmos que pareciam simpáticos a ele durante o filme inteiro – e com devaneios de desejos de sua filha, conversando com sua fome de vingança. Ainda há uma tentativa de salvar o longa, apelando para uma cena que deveria ser vibrante mas que é permeada pelo que há de pior no longa, os efeitos especiais, com uma explosão terrível mostrando uma espécie de reforma política via assassinato, e é nesse ponto que o discurso mais extremista e ingênuo ganha força, culpando a população pelos maus rumos que são tomados pelos seus representantes, se ignorando fatos óbvios, como a desinformação geral e total falta de tradição de discussão política, seja em escolas, fábricas, firmas, escritórios ou nas ruas. Até Miguel é vitima disso, e claramente não é iluminado o suficiente nem para ser encarado como um sujeito consciente, quanto mais poderoso para ser juiz, júri e carrasco dos mandantes do país.
Steve McQueen é um diretor que mesmo com poucos elementos em sua filmografia sempre causa alvoroço no publico e na crítica. As Viúvas era um filme bastante esperado, não só por ser um retorno depois de cinco anos do lançamento de 12 Anos de Escravidão, e também graças ao elenco muito estrelado, comandado por Viola Davis e acompanhado por tantas outras estrelas, como Colin Farrell, Robert Duvall e Liam Neeson. O thriller inicia mostrando o casal Rawlings, Veronica e Harry (Davis e Neeson), vivendo sua intimidade de modo luxuoso e ordeiro, até que o trabalho como assaltante do homem dá errado, em uma sucessão de eventos violentos e trágicos, que chacina todos os integrantes, cada um deles deixando para trás sua respectiva companheira.
Logo é mostrado outro quadro, uma disputa política entre candidatos a vereador de uma comunidade de Chicago, disputada basicamente por Jack Mulligan (Farrell), um político tradicional, herdeiro do já idoso Tom Mulligan (Duvall) que está em vias da aposentadoria, e o negro Jamal Manning (Brian Tyree Henry), um sujeito ligado ao crime organizado da região, normalmente acompanhado por Jatemme (Daniel Kaluuya).
Dado o cenário, Veronica é encurralada por Jamal, que quebra o protocolo da suposta trégua que estava implícita dentro de sua campanha, basicamente para ameaçar pessoalmente a mulher, acusando seu marido de te-lo roubado, em decorrência disso, as outras viúvas Linda (Michelle Rodriguez), Alice (Elizabeth Debicki) e Amanda (Carrie Coon) são chamadas pela primeira, para tentar se organizar e tentar levantar algum dinheiro, levando em conta o trabalho dos seus parceiros mortos.
Apesar de ter um elenco grande, não só no número de estrelas como na quantidade de pessoas mostradas, há um mergulho na intimidade das personagens, em especial a já citada Veronica, que permite a Viola desempenhar alguns momentos em que ela está só com câmera e suas angústias são mostradas através do derramar de sua alma. Dentro do seu universo particular cada uma das mulheres tem suas desolações, decepções e contato com o que há de mais nefasto e mesquinho da vida humana.
O filme é baseado no livro homônimo Lynda La Plante, o roteiro fica a cargo de McQueen e Gillian Flynn, e se nota a influência da autora de Garota Exemplar, principalmente no equilíbrio entre os aspectos de thriller e os elementos de filme de assalto. O diretor consegue podar bem os excessos de Gillian e se mostra mais firme até que Fincher. Sem dúvida alguma esse é bem mais equilibrado e interessante que Lugares Escuros, em especial porque mesmo personagens secundários, como Belle (Cynthia Erivo), parecem realistas e possuem profundidade, quando se assiste se entende perfeitamente as dores que elas vivenciam.
As Viúvas é pautado na mistura de apreensão, suspense e expectativa pela inabilidade das personagens em nunca terem executado o que precisam realizar, além de apresentar um cenário político-social muito rico e tangível. Há ainda uma sensibilidade enorme da direção com todas as reviravoltas da trama, tornando até palatável a quantidade de tentativas de plot twists apresentados, tudo soa tão natural que até a suposta artificialidade é driblada. Mérito do realizador.
Invocando o saudosismo através dos livros infanto-juvenis da Série Vaga-Lume, que foi muito popular a partir dos anos 1970, O Escaravelho do Diabo é o filme de estreia de Carlos Milani, adaptando a obra literária da mineira Lúcia Machado de Almeida. A intenção do filme é derrubar o paradigma de que o cinema brasileiro não consegue trabalhar bem com diversos gêneros, dando vazão a uma história de investigação policial voltada para os infantes.
A história é contada através da vivência de Alberto Maltese (Thiago Rossetti), um menino que vive com seu irmão mais velho Hugo (Cirillo Luna), mentor e figura mais próxima da paternidade do garoto, uma vez que este é órfão de pai e sua mãe está longe. A idade dos irmãos é invertida, já que no livro Hugo é o caçula, e cabe ao primogênito fazer as investigações em torno dos estranhos assassinatos de pessoas ruivas na cidade, incluindo aí um dos irmãos Maltese. A desculpa utilizada para a característica enxerida do rapaz é um déficit de atenção, que no roteiro não é bem estabelecido nem como resposta médica oficial, e nem como desculpa do garoto para sua falta de atenção geral.
Quando o menino vê seu irmão assassinado, há um contato estranho com o indelicado delegado Rubens Pimental, com um Marcos Caruso que repete muitos trejeitos de seu papel em Operações Especiais, inclusive pela falta de naturalidade de seu linguajar e comportamento cotidiano. O problema, tanto com seu personagem quanto com o argumento adaptado por Ronaldo Santos e Melanie Dimantas, é a completa falta de naturalidade agravada pela fraca direção de Milani, que conduz o longa como se fosse responsável por uma das novelas que costumava filmar, com direito a aparições relâmpago de personagens prejudicados intelectualmente e a videoclipes péssimos que se fazem incapazes de se levar a sério.
O menino, na ânsia por ter provas para fazer assertiva em sua teoria, rouba provas bem abaixo dos olhos dos policiais e não há qualquer consequência para isso, nem descrédito a respeito do testemunho de uma criança. Vale das Flores parece uma cidade habitada por pessoas inábeis, por isso um garotinho mais inventivo consegue ter intelectualidade superior a de jornalistas, advogados, padres e policiais, e isso é vergonhoso, em qualquer instância, ainda mais vindo de um filme que pretende ser sério.
O potencial da trama é desperdiçado, tanto na gravidade dos assuntos tratados, como em questões de saúde relativas à doença degenerativa de Pimentel, e também como na óbvia discussão envolvendo os homicídios e a perseguição. O conteúdo prometido desde o início do filme é só sugerido, nunca aprofundado.
Com todos os defeitos de concepção – e não são poucos – O Escaravelho do Diabo serve apenas como uma base interessante para futuros lançamentos, ainda que sua versão final tenha se perdido quanto ao gênero, já que o personagem misterioso de Lourenço Mutarelli tem muito mais a ver com um assassino slasher do que com um simples serial killer que assombra pessoas com as mesmas características capilares, inclusive rompendo a própria promessa ao final. O desfecho gera ambiguidade, com a possibilidade de prosseguir em uma continuação. Porém, para fazer sentido, a obra deveria ter um texto mais maduro e que apelasse menos para coincidências, mesmo em se tratando de um objeto para o público infanto-juvenil.
Lançado em 1968, Crime Sem Perdão é mais um dos filmes policiais de Frank Sinatra realizado em parceria com o diretor Gordon Douglas. Se em Tony Rome, de 1967, e A Mulher de Pedra, também de 1968, Sinatra interpreta o ex-policial Tony Rome como um bon vivant que divide seu tempo entre flertes com belas mulheres e trabalhos como detetive particular – personagem bastante similar ao de Paul Newman em Caçador de Aventuras, de 1966 – nesta produção vemos um estilo completamente diferente, em um verdadeiro trabalho de desconstrução da figura do carismático detetive anterior para a composição do soturno investigador Joe Leland.
A personagem interpretada por Sinatra no longa é o oposto de tudo aquilo que já havíamos visto. Se seus papéis anteriores são filmes leves e sem grandes pretensões, aqui ele é pesado, duro e sem escolhas fáceis. A tomada inicial dá o tom do longa, ao retratar a cidade de Nova Iorque de ponta cabeça, revelando que as personagens apresentadas estão fora de lugar, bem como os valores e ideais estão de cabeça para baixo.
Na trama, o detetive Leland investiga um crime o qual a vítima de assassinato foi espancada até a morte e teve seus órgãos genitais removidos. Com o decurso da investigação, somos apresentados ao fato de que o assassinato pode ter sido motivado por razões de gênero, já que a vítima era um homossexual, e que a solução pode ser bem mais profunda do que o investigador pode imaginar. A trilha de Jerry Goldsmith dá o tom soturno necessário com seu naipe de metais e uma guitarra cadenciada.
Se isso não fosse o bastante, a produção ainda retrata temas como violência estatal, infidelidade conjugal, sexo livre, e a citada homossexualidade, assuntos considerados tabus deste esta época, mas que, não à toa, foi lançado em um ano marcado por uma série de greves, levantes e manifestações populares ao redor do mundo em favor de melhores condições de vida e trabalho. Nem tudo são flores, e isso é percebido nos dias atuais, ao nos depararmos com visões estereotipadas e até mesmo caricatas de alguns dos homossexuais. Contudo, não podemos nos esquecer que um filme é uma expressão do seu tempo, do contrário, seria anacrônico ao contexto temporal apresentado, motivo mais do que suficiente para que consideremos os acertos de Crime Sem Perdão maiores que seus erros.
Douglas entrega um filme conciso e corajoso que parece retirado do que viria se tornar a chamada Nova Hollywood, tudo isso somado a grande entrega de Sinatra na composição de sua personagem que parece lutar uma batalha perdida, além de ser um verdadeiro contraponto aos policiais como Dirty Harry – que só iria estrear em 1971 -, que não veem como sinal de força ultrapassar qualquer linha de torpeza moral, mas de fraqueza.