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  • Crítica | A um Passo da Eternidade

    Crítica | A um Passo da Eternidade

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    “Eu não luto mais!”, ainda dizia a América, ao mundo, em 1953, enquanto todos recolhiam os cacos e a vergonha de uma guerra global, à priori. É o sentimento do briguento que, após vencer a briga, não tem mais motivos para brigar. Ingmar Bergman conseguiu refratar essa timidez internacional, num mundo sujo pelo pó da bomba de Hiroshima em Vergonha, filme-gráfico de 1968 sobre os efeitos psicológicos do conflito nas pessoas mais humildes que se tem notícia. “Eu não luto mais!”, gritava Harry Truman através da política americana hippie de paz e amor em plena metade do século XX, mas sobre um custo deveras elevado – custo de algumas milhares de vida que nenhuma publicidade conseguiria esconder. Uma vergonha triunfante ou triunfante vergonha?

    Sabe-se que a arte bebe bastante do real, a custo também de uma apropriação às vezes exagerada, mas refletindo os humores de uma nação (de um mundo) cheio de feridas e com seus mortos voltando para casa, em caixões fechados. Gestos políticos na sétima-arte foram inevitáveis por muito tempo, independentemente se isso era bom ou não. E disto surgem filmes como A Um Passo da Eternidade, um verdadeiro alívio e redenção dos EUA, Truman e de seus vingadores.

    O patriotismo de filmes como os do diretor Steven Spielberg, com a bandeira americana no topo do mastro e a paleta de cores variando entre vermelho e azul, durante toda a projeção, são evitadas nesta produção. A consciência do conflito não faz propaganda política explícita no destemido e equilibrado filme vencedor de 8 Oscar, mas é estereotipada como na maioria dos filmes de guerra em forma física, com homens brutos e destemidos num exército mostrado como ele é, sendo esse o ponto forte da produção, muito além do famoso beijo na maré: A honestidade.

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    De sargentos a reles oficiais, o abuso de poder parece ser uma constante despercebida na corporação, talvez a favor de uma moral resistente diante de um bombardeio inimigo que, cedo ou tarde, parece ser iminente de arrebatá-los. Um clássico equilibrado que, tal Agonia e Glória, de Samuel Fuller, converte sua reputação em torno do malabarismo de vários gêneros em uma única narrativa, bem temperada com direção e atuações e momentos inspirados por recursos que, na época, eram tidos como corajosos. Exemplo: São as mulheres que esclarecem o destino dos homens os quais se relacionam, antes mesmo deles admitirem o jogo de sobrevivência que o filme emoldura.

    Seja numa briga de bar, no (superestimado) beijo na praia ou correndo contra os japs (termo que os americanos usavam para chamar os japoneses que atacaram Pearl Harbor e fizeram o Tio Sam comer poeira, mesmo que brevemente), o tempo do filme é tratado como um ensaio para o mergulho que os Estados Unidos protagonizou durante a 2º Guerra, a grande guerra. Um país que se atolou em dívida moral com o mundo e, hoje no século XXI, nos paga sua barbárie com entretenimento de última geração.

    A Um Passo da Eternidade denuncia e aplaude a pátria Superman ao mesmo tempo, tal um edital de jornal que aplaude um candidato sem poder ignorar sua corrupção aparente. É imparcial quando o pobre recruta Prewitt (Montgomery Clift) se orgulha em combater o Japão em nome dos EUA, mas que em outro momento tem de escavar um buraco para enterrar um jornal que escracha a dura realidade americana. São nesses momentos dúbios onde Nascido para Matar, o primo contemporâneo do filme, aferra-se ao passado e encontra seu DNA. A um passo de serem imortais, como os nomes que o fizeram ser obras inesquecíveis, por motivos não tão diferentes assim.

    Imersos num filme que nem de longe se torna uma propaganda política pró ou contra qualquer ideologia, Prewitt e o soldado Angelo Maggio, vivido por Frank Sinatra, no que lhe rendeu reconhecimento pelo papel, tornam-se irmãos, amigos num lugar onde a competição faz a história fluir em ação e na própria essência do filme: A guerra, a tensão bélica que não existe só nos campos, mas nos olhares que a precede. A maldita da guerra que, mais uma vez lembrando ao leitor, machucava o mundo, nos idos de 1953, personificada no batalhão do sargento Milton Warden, na pele do grande ator Burt Lancaster, o eterno J.J. de A Embriaguez do Sucesso. Estes três homens, em especial Prewitt, dão o tom do que nunca tenta ser um estudo do ser humano, até porque Vá e Veja definiu a tentativa.

    O filme inteiro roda em torno do que faz a vida de soldados valer a pena: A bravura, a coragem de fazer o certo e não pedir desculpas quando o outro está errado, e até mesmo o desejo compartilhado por cineastas e outros artistas de não sucumbir, perante o que nasceram para fazer: Defender um ideal, até o fim. Dentre tudo isso e mais um pouco, A Um Passo da Eternidade remete a certeza, também imortal, que nenhuma arte dialoga tão bem questões atemporais, num espaço mesmo que restrito por um formato full-screen preto e branco, que o bom e velho Cinema. Ainda mais aquele, feito em plena era de ouro, numa Hollywood ainda intensa de boas ideias.

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  • Crítica | Crime Sem Perdão (1968)

    Crítica | Crime Sem Perdão (1968)

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    Lançado em 1968, Crime Sem Perdão é mais um dos filmes policiais de Frank Sinatra realizado em parceria com o diretor Gordon Douglas. Se em Tony Rome, de 1967, e A Mulher de Pedra, também de 1968, Sinatra interpreta o ex-policial Tony Rome como um bon vivant que divide seu tempo entre flertes com belas mulheres e trabalhos como detetive particular – personagem bastante similar ao de Paul Newman em Caçador de Aventuras, de 1966 – nesta produção vemos um estilo completamente diferente, em um verdadeiro trabalho de desconstrução da figura do carismático detetive anterior para a composição do  soturno investigador Joe Leland.

    A personagem interpretada por Sinatra no longa é o oposto de tudo aquilo que já havíamos visto. Se seus papéis anteriores são filmes leves e sem grandes pretensões, aqui ele é pesado, duro e sem escolhas fáceis. A tomada inicial dá o tom do longa, ao retratar a cidade de Nova Iorque de ponta cabeça, revelando que as personagens apresentadas estão fora de lugar, bem como os valores e ideais estão de cabeça para baixo.

    Na trama, o detetive Leland investiga um crime o qual a vítima de assassinato foi espancada até a morte e teve seus órgãos genitais removidos. Com o decurso da investigação, somos apresentados ao fato de que o assassinato pode ter sido motivado por razões de gênero, já que a vítima era um homossexual, e que a solução pode ser bem mais profunda do que o investigador pode imaginar. A trilha de Jerry Goldsmith dá o tom soturno necessário com seu naipe de metais e uma guitarra cadenciada.

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    Se isso não fosse o bastante, a produção ainda retrata temas como violência estatal, infidelidade conjugal, sexo livre, e a citada homossexualidade, assuntos considerados tabus deste esta época, mas que, não à toa, foi lançado em um ano marcado por uma série de greves, levantes e manifestações populares ao redor do mundo em favor de melhores condições de vida e trabalho. Nem tudo são flores, e isso é percebido nos dias atuais, ao nos depararmos com visões estereotipadas e até mesmo caricatas de alguns dos homossexuais. Contudo, não podemos nos esquecer que um filme é uma expressão do seu tempo, do contrário, seria anacrônico ao contexto temporal apresentado, motivo mais do que suficiente para  que consideremos os acertos de Crime Sem Perdão  maiores que seus erros.

    Douglas entrega um filme conciso e corajoso que parece retirado do que viria se tornar a chamada Nova Hollywood, tudo isso somado a grande entrega de Sinatra na composição de sua personagem que parece lutar uma batalha perdida, além de ser um verdadeiro contraponto aos policiais como Dirty Harry – que só iria estrear em 1971 -, que não veem como sinal de força ultrapassar qualquer linha de torpeza moral, mas de fraqueza.

  • Crítica | Meus Dois Carinhos

    Crítica | Meus Dois Carinhos

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    Fruto da parceria entre Frank Sinatra e o diretor George Sidney, iniciada no clássico Marujos do Amor, a trama do musical Meus Dois Carinhos é simples, baseada no velho drama de ascensão social via malandragem. Sinatra vive Joey Evans, um bon vivant desprovido de dinheiro que consegue um emprego como showman em uma casa noturna bem mais respeitável que seu repertório de cantor de segunda categoria. O novo ofício põe o principal talento do intérprete à prova, em cenas ainda mais primorosas que o capítulo inicial do trabalho destes dois homens do cinema.

    A produção é adaptada da peça musical de mesmo nome, Pal Joey, e põe Evans para exercer sua lábia de sujeito mulherengo para tentar estabelecer um triângulo amoroso, a começar por sua interação com a bela corista Linda English (Kim Novak) e com a socialite, viúva e voluptuosa Vera Prentice-Simpson (Rita Hayworth), que desperta nele interesses ainda maiores dos que a simples vazão de seus impulsos sexuais.

    Hayworth era a figura com mais cachê do filme, fato isolado nas produções com Sinatra pós A Um Passo da Eternidade. Curiosamente, Meus Dois Carinhos é considerado por grande parte da crítica como o filme definitivo do ator, o ponto de partida para o brilho cinematográfico em paralelo ao sucesso já instalado na música. De fato, há um trabalho dramatúrgico bastante forte do intérprete, comparável em inspiração anterior somente a O Homem do Braço de Ouro.

    O desenvolvimento do roteiro prioriza a sedução lenta e gradual. A persona de Joey é carismática, mas seus encantos ganham a atenção de Simpson de um modo vagaroso, como nos romances clássicos. Entre agressividade e desejo que ocorre o primeiro enlace entre ambos, escondendo uma intenção escusa do protagonista, movido pela ganância e enriquecimento próprio.

    O decorrer da fita, em 1957, mostra uma discussão involuntária sobre o machismo, proveniente do comportamento do protagonista ao ver um de seus dois amores se exibir para uma platéia, ávida por ver a carne desnuda de English no auge da forma. A demonstração do ciúmes em uma figura tão desprezada por ele serve de paralelo com algo comum a sua época. O roteiro pontua a atitude como abusiva, surpreendendo o seu espectador por dar vazão, ainda que timidamente, a este tipo de discussão.

    Joey é um figura repleta de contradições, nuances e desejos que dificilmente seriam alcançados. Tanto no anseio por abrir sua casa noturna personalizada, quanto a fantasia poligâmica presente em seus desejos. Apesar do desfecho aparentemente feliz, a trajetória do herói é mais próxima do agridoce, mostrando de maneira leve que as suas ações tem como resposta reações intempestivas e frustantes por parte do destino, que certamente teria um desfecho mais agressivo não fosse esta uma obra musical. Ainda assim, contestatória para os padrões de sua atualidade e simpática para as plateias mais conservadoras.

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