Tag: Política

  • Conheça o Pacificador

    Conheça o Pacificador

    O Pacificador é um personagem da DC Comics, que ganhou notoriedade após o filme O Esquadrão Suicida de James Gunn. O personagem foi criado por Joe Gill e Pat Boyette, na editora Charlton Comics, em novembro de 1966, na revista Fightin’ 5 #40.

    Seu alter-ego, é Christopher Smith, e ele quase fez parte da graphic novel Watchmen, na época em que Alan Moore ainda desejava usar os personagens da Charlton para contar sua história. Com a decisão da DC em preserva-los, seu papel coube ao Comediante, que era consideravelmente mais cínico que Smith, e teve uma boa recepção, não à toa que boa parte da personalidade dele hoje advém do personagem criado por Moore.


    Inicialmente, o Pacificador mantinha um código ético inabalável que usava armas estritamente não letais, embora com o tempo tenha se tornado um vigilante mais violento, disposto a fazer sacrifícios pelo bem maior, fato mostrado no longa de Gunn e aprofundado em sua série. Com o tempo, passou a agir tal qual em sua versão live action, como um homem perturbado, com graves questões mentais — isso pode ser observado na minissérie em 4 edições Peacemaker, escrita por Paul Kupperberg e desenhada por Tod Smith, lançada em 1988 nos EUA e 1991 no Brasil em DC Especial #06, publicada pela Editora Abril. Essa versão pós-Crise nas Infinitas Terras remodela o personagem após ser reintroduzido no universo DC, com uma conotação política e psicológica maior, tendo em vista que o personagem acredita que sua mente foi distorcida por seu pai abusivo e nazista quando ainda era jovem, e assim, muitas vezes ele é retratado ora como um herói, ora vilão… ou algo no limiar entre essas duas coisas.

    Com a compra Charlton pela DC nos anos oitenta, o Pacificador passa a figurar junto a outros personagens, mas continua ao lado de seus antigos parceiros, como Questão, Besouro Azul e Capitão Átomo — substituídos em Watchmen, respectivamente, por Rorschach, Coruja e Dr. Manhattan.

    Seus poderes e habilidades incluem uma condição e resistência física sobre-humana, tecnologia de voo, um capacete de comunicação high tech que confere habilidades — e variam conforme o gosto do roteirista. Além disso, é especializado em combate corporal, espionagem, tática e estratégia, além de possuir acesso a armas militares avançadas e ser um exímio atirador.

    Chris Smith era filho de um agente nazista que trabalhou nos campos de concentração durante a ocupação da Polônia pelo III Reich. No seriado a produção fez algumas mudanças, para começar ele está vivo e se chama Auggie Smith, interpretado por Robert Patrick, famoso por ser o T-1000 em O Exterminador do Futuro 2: O Julgamento Final. Patrick é bastante conhecido nos EUA por seu alinhamento político junto à extrema-direita. Na série, ele recebeu a alcunha de O Dragão Branco, personagem da DC conhecido por ser um terrorista e supremacista branco.


    Gunn optou por uma amálgama. O Dragão Branco nos gibis era William James Heller, sujeito criado por seu avô nazista, depois se tornou um ativista da supremacia ariana, assumiu a alcunha de William Hell, e após brigar com um personagem homônimo, decidiu mudar seu nome, e começou a usar uma armadura vermelha e branca, inspirada nas roupas da Klu Klux Klan, grupo historicamente racista e fascista.

    O Dragão Branco fez parte de alguns grupos de vilões, entre eles o ajuntamento de bandidos nazistas, IV Reich –
    membros como Baronesa Blitzkrieg, Barão Gestapo e Capitão Suástica — e depois no Esquadrão Suicida, onde foi controlado por Amanda Waller e até tentou matá-la. Além de Heller, Daniel Ducannon, vilão do Gavião Negro também utilizou esse nome, mas ao contrário do original, ele tinha poderes pirotécnicos e voava.

    O grupo IV Reich

    O primeiro Pacificador, Christopher Smith, é comumente retratado como insano. Seu capacete além de possuir sensores de presença e outros aparatos, também captura os pensamentos dos fantasmas de quem ele já matou, ao menos é o que acredita o personagem. Na já citada minissérie de 1988, o personagem é enviado para o Vietnã e se mostra como um soldado bastante eficiente, mas tomado pela culpa pelo passado nazista de seu pai.

    Na prática, ele agia como um sujeito que inventava inimigos imaginários, sendo eternamente perseguido, mesmo que somente em sua mente, e essa faceta é muito bem enquadrada por John Cena e pela atmosfera criada pela série de Gunn.

    Apesar de ter claros problemas de conduta, o personagem já fez parte de alguns grupos, como a organização secreta Xeque-Mate, Esquadrão Suicida, Shadow Fighters, L.A.W. (Living Assault Weapons) e League Busters. Além de Smith, outros dois personagens usaram a alcunha de Pacificador, como Mitchel Black, que agiu na época da Crise Infinita, além de outra figura, misteriosa e sem identidade revelada, que assumiu o papel em Justice League International #65, de junho de 1994.

    Curiosidades:

    • O personagem apareceu em Reino do Amanhã, num flashback onde ele, junto aos outros heróis da Charlton, brigam contra o vilão Parasita. Vale perceber a influência de Star Wars, pois seu capacete lembra o de um mandaloriano, estilo Boba Fett. Na história Chris morreu com seus companheiros, quando o Capitão Átomo explodiu;

    • Em algum ponto, ele lideraria um grupo de soldados, chamado Força Pacificadora, que atuaria no Oriente Médio, em busca de “combater o terror”, mas o projeto foi abortado antes mesmo de ser colocado em prática, pelo presidente Gerald Ford;
    • John Cena é o primeiro ator a interpretar o personagem em carne e osso. O ex-lutador de wrestler, famoso por seu carisma e por ter uma trajetória semelhante a Dwayne “The Rock” Johnson parece ter afeiçoado bastante a Smith e seu alter-ego, tanto que assina a produção executiva dessa série;
    • Na série, há participações de alguns personagens da DC, como o já citado Dragão Branco, o mascarado Vigilante, introduzido em novembro de 1941 na revista Action Comics # 42,embora no seriado a versão do Vigilante é segunda, Adrian Chase, personagem introduzido em The New Teen Titans Annual #2 de 1983. Outra participação legal é a do Mestre Judoca, personagem também da Charlton, oriundo Special War Series #4 de novembro 1965;
    • A versão original do personagem pertence à Terra 4 do Multiverso da DC Comics, junto aos outros personagens da Charlton, em PAX Americana, de Grant Morrison e Frank Quitely, podemos acompanhar um pouco desse universo em uma releitura de Watchmen.

  • Crítica | 8 Presidentes e 1 Juramento: A História de um Tempo Presente

    Crítica | 8 Presidentes e 1 Juramento: A História de um Tempo Presente

    Crítica 8 Presidentes e 1 Juramento

    8 Presidentes e 1 Juramento: A História de um Tempo Presente é um documentário em longa-metragem, conduzido pela veterana atriz Carla Camurati, conhecida por dirigir Carlota Joaquina: A Princesa do Brasil, filme marco zero da retomada do cinema nacional pós-queda da Ditadura Militar. O filme narra os eventos da recém-adquirida possibilidade de voto do povo brasileiro até Jair Bolsonaro.

    O ponto inicial do longa é a campanha das Diretas Já, seguido da posse de José Sarney após a morte de Tancredo. É curioso como não há narração, a produção optou pelas imagens contando a história, associando-as à recortes de jornais impressos de época e anúncios de rádio e televisão.

    O filme possui algumas cenas bastante raras e algumas curiosas. Nos tempos de Fernando Henrique Cardoso são mostrados índios protestando. Esse tom pode fazer o espectador acreditar que o tom do governo seria agressivo, mas não é, na verdade, é bastante respeitoso, ao contrário do que se vê ao falar de seu antecessor, Fernando Collor de Mello, flagrado aqui como um político que não conseguia tomar as rédeas da economia do Brasil.

    O filme não se furta em mostrar que o embrião do Bolsa Família foi originado por outros programas de distribuição de renda da época de FHC, assim como explana a mudança de postura que Luiz Inácio Lula da Silva fez para se tornar um candidato viável politicamente. O longa passa pelos escândalos do Mensalão e a participação do ex-deputado Roberto Jefferson, inclusive destacando momentos pitorescos, como a chegada dele com um olho roxo no Congresso. Não há concessões.

    Curiosamente, as partes que mostram a história do Partido dos Trabalhadores na presidência parecem mais breves, o que é até compreensível, visto que há tantos trabalhos em documentário sobre esses processos, como Entreatos, O Processo, Alvorada e tantos outros produtos que abordaram essa época. Há um belo acerto ao mostrar como as manifestações de 2013 influenciaram a queda de popularidade das figuras de Dilma Rousseff e Lula, assim como também é correta a fala de que tais atos não eram compostos exclusivamente pela direita. Ainda assim se fala bastante do crescimento econômico do país e dos escândalos de corrupção.

    A parte mais correta do filme é quando se destaca como a evolução da internet influenciou a democracia no continente americano e no Brasil. Redes sociais e memes são sabiamente apontados como o fiel da balança para os últimos resultados da política nacional, seja no golpe aplicado em Dilma, como também na popularização de Bolsonaro.

    8 Presidentes e 1 Juramento: A História de um Tempo Presente é uma boa forma de introduzir uma pessoa que nada saiba sobre como o caótico cenário sócio político do país chegou a esse 2021, mas ainda assim carece de um ritmo aceitável, suas mais de duas horas são extensas, e isso faz o documentário parecer um especial de TV de final de ano, trocando os últimos 365 dias para todos os anos pós-Constituição.

  • Critica | Collective

    Critica | Collective

    Collective é um documentário sobre um incidente incendiário em Bucareste, na boate Colectiv, que matou 27 e feriu 180 pessoas. O longa-metragem de Alexander Nanau investiga as fraudes do sistema político da Romênia a partir do vazamento de informações que um médico fez a um grupo de jornalistas. Fraudes que assustaram a opinião pública local mas que são bastante comuns em outros cenários, como a política brasileira. O diretor teve acesso aos bastidores políticos e apresentou o seu panorama jornalístico e cinematográfico a respeito do incidente.

    O filme indicado ao Oscar na categoria Melhor Filme Estrangeiro e Documentário trata primeiro da tragédia em si,  do impacto que ela causou em quem estava no momento que o fogo tomou a casa e nas pessoas que cercam as vítimas. Depois, explora a historia periférica da politica romena e, em meio a isso, sem esquecer dos detalhes das historias dos sobreviventes. Aborda questões pesadas de quem teve a vida comprometida por conta do fogo, momentos que conseguem emocionar sem soar piegas.

    Os personagens são meticulosamente escolhidos. Há sutileza ao se tratar dessas tramas, as personagens não são tratadas com comiseração. Nanau traz uma estética que foge do simples clichê e da estrutura quadrada de documentários com entrevistas e voz em off. Há inclusive cenas do dia em que ocorreu o incidente, imagens de câmeras internas cuja resolução é bastante aprimorada e que mostram detalhes do horror ali presente. A cena que mostra o show de metal com o fogo correndo o teto e caindo sobre o tecido improvisado, logo após o termino de uma música, é dantesca. Mesmo nessas gravações se nota que a performance musical poderia ter tornado aquele momento em algo ainda mais trágico.

    O impacto do filme é amplificado por conta dos infelizes escândalos de corrupção ligados a pandemia que ocorreram no Brasil e no mundo, pois o caso da Colectiv também deveria causar nas autoridades certa solidariedade e não ganância desenfreada. A exemplo do que ocorreu em várias praças durante a pandemia do novo coronavírus, houve aproveitamento ilícito e inoportuno de autoridades desonesta. Mesmo que o longa tenha alguns problemas de ritmo, sendo bem arrastado em vários pontos, o seu apelo é real, trata de questões muito delicadas e importantes não só dentro do seu cenário nacional, mas também além fronteiras já que encontra eco em situações vistas no mundo inteiro.

  • Crítica | Os Comprometidos:  Actas de um processo de Descolonização

    Crítica | Os Comprometidos: Actas de um processo de Descolonização

    Os Comprometidos: Actas de um Processo de Descolonização, dirigido por Ruy Guerra em 1984, originalmente produzido para a Televisão Experimental de Moçambique e compilado no formato de um média metragem de apenas 48 minutos. Na prática ele é uma edição de seis dias de filmagem praticamente ininterruptos de Guerra, que visava exemplificar como era o sistema legal do país africano de língua portuguesa onde o cineasta nasceu.

    O assunto principal aqui é o julgamento de colaboradores do regime colonial. O país, independente desde a primeira metade dos anos setenta depois de uma longa guerra civil que variou entre 1964 e 74 – esse foi também o último ano do Estado Novo que dava prosseguimento a era Salazar em Portugal – colocou o presidente socialista Samora Machel no poder. Os órgãos jurídicos julgaram os antigos parceiros de forma contundente e bastante rígida. Era um revide, registrado de maneira crua e praticamente sem cortes pelo cineasta.

    Mesmo sem grandes variações de ângulos de câmera, Guerra mostra o autoritarismo do governo de Machel. O político é um personagem intervencionista no filme, conhecido como “Pai da Nação”, morreu em um acidente aéreo suspeito, quando regressava a Maputo, capital do país, onde nasceu o cineasta. Machel era personalista, agia de maneira caricatural, quase como um personagem de si mesmo, mas bastante carismático e gostava de trocar de figurinos nas sessões de direito, era de fato uma pessoa diferenciada e abraçada como um sujeito fora da curva.

    O diretor produziu 29 rolos de filme de 16 milímetros cada. Era uma quantidade enorme de material bruto, e esse documentário procura registrar uma resposta enérgica as forças contra a independência, afirmando de maneira categórica que não há como ser polido ou pacificador com o domínio fascista, e apesar da tentativa de “só registrar”, seu documentário justifica os atos dos biografados. Os Comprometidos: Actas de um Processo de Descolonização mostra uma alternativa agressiva e contundente contra o autoritarismo colonizador.

  • Crítica | O Inimigo do Povo

    Crítica | O Inimigo do Povo

    Uma cidade norueguesa está sendo envenenada pelas próprias águas, com uma tubulação tão antiga que está contaminando toda a parte hídrica, valiosa não apenas para os cidadãos, mas para alimentar as fontes terapêuticas que atraem muitas turistas e fomentam a economia local. Negligência, ou não, o prefeito Peter Stockmann não reconhece os perigos literalmente sob os pés da população, e é preciso que o seu irmão, o doutor e cientista Thomas Stockmann, retorne de viagem e, por acaso, descubra o problema. Ao escrever um artigo científico para ser publicado no jornal da cidade, o The Messenger, Thomas, cego por sua responsabilidade profissional, esquece que está comprando briga com a prefeitura e que Peter não precisa de polêmicas nem denúncias para ter de manipular na sua gestão. Assim, logo notamos que a verdadeira contaminação não é só pela água, mas sim a das mentes e corações do povo pelo poder público.

    Inimigo do Povo é, portanto, sobre peitar o poder vigente e as consequências disso para o homem de bem que só quer fazer as coisas do jeito certo. Neste caso, o Dr. Thomas, que ao descobrir a contaminação da água da cidade na qual acabou de voltar, confia que as autoridades vão resolver o problema. Mostrando-se inteligente, mas ingênuo – ovelha que confia nos lobos por não ver suas presas. Logo, inicia-se a cruzada teimosa do Dr. Thomas para informar o público de uma possível pandemia caso os canos da cidade não sejam trocados. Incomodando cada vez mais quem não quer gastar dinheiro na reforma subterrânea, e não hesita em jogar a opinião pública contra a ciência (É o Brasil do Coronavírus?). Novamente, Steve McQueen se entrega a um papel de pura ética profissional, interpretando homens que fazem a coisa certa, custe o que custar.

    Temos então construída uma dupla jornada para que Peter esconda os fatos de uma comunidade pouco civilizada, criando uma conspiração, e para que o Dr. consiga de fato provar a gravidade da situação e não seja silenciado pelo seu próprio irmão, o prefeito Peter (que não se compromete, nem acredita muito no tamanho do problema – afinal, o turismo da cidade depende das fontes termais e não pode ser interrompido por pressão nenhuma). Uma pena o diretor George Schaefer optar por uma estética de “teatro filmado”, resultado em imagens quase sem movimento, o que pode afastar uma vasta gama do público. Na adaptação da peça de 1883, a história continua um primor de qualidade narrativa, mas o visual deixa muito a desejar – desinteressante, para dizer o mínimo. Mesmo assim, é sempre interessante assistir o homem comum contra o Governo, a aventura que brota do embate entre o certo para a população, e o mais confortável para o Poder.

  • Resenha | Guia de Sobrevivência do Exilado no Próprio País – Alexandre Meira

    Resenha | Guia de Sobrevivência do Exilado no Próprio País – Alexandre Meira

    “O seu país, o nosso país, é racista, misógino, homofóbico e, principalmente, covarde”. A excelente frase faz parte do Guia de Sobrevivência do Exilado no Próprio País (Editora Penalux), do escritor Alexandre Meira, um livro com cinco potentes crônicas que destrincham as origens do cotidiano político medíocre que impera no status quo nacional. Ambicioso, Alexandre estima em suas crônicas monólogos com informações preciosas para outros brasileiros que também se sentem reféns da necropolítica federal. Além da natureza urgente do assunto em si, grande parte do sucesso do livro está na forma como o autor maneja bem a produção das próprias crônicas.

    Crônicas, por onde começar? A crônica é um gênero híbrido por excelência, engloba tanto informações de caráter não-ficcional, jornalístico, quanto momentos de beleza literária, herança da Literatura e dos primeiros cronistas nacionais que também eram escritores de mão cheia, como Lima Barreto, Machado de Assis, João do Rio, só para citar alguns. No meio desse tempero encontramos ironias, provocações, variedade de referências (Alexandre vai do Futebol a Nelson Rodrigues, de Pizarro ao tribunal da Lava Jato, por exemplo), informações históricas (sobretudo dos anos de 1990 ao tempo atual), fatos jornalísticos, tudo muito bem costurado por eloquentes e claras frases.

    Sobre as cinco crônicas, são elas: O golpe na amendoeira; O gol da Alemanha e a revanche dos vira-latas; Pizarro, cavalos, ovos e o fim da Lava Jato; Por que eu matei Marielle?; Chão de Amêndoas. Quero destacar alguns pontos de três delas. Em “O golpe na amendoeira”, o cronista toca em primeiro plano o processo de impeachment sofrido pela presidenta Dilma por conta das “pedaladas fiscais”. Mas em segundo plano, o que chama atenção é a disputa acirrada entre dois amigos que discutem se ela cometeu ou não os crimes econômicos. “Disputa” e “Discussão” porque, como o cronista bem observa neste e em outros pontos do livro, estamos em uma época que o diálogo está morto por uma corrente política que chegou ao poder pregando a polarização dos discursos. Isso não é diálogo, é discurso com a intenção de calar correntes opostas, e Alexandre explica como esses golpes duros contra o diálogo matam também a própria ideia de democracia, que pressupõe, por excelência, o espaço para todas as pessoas dialogarem pelo bem público.

    “Por que eu matei Marielle?” é outra crônica com um assunto mais evidente, a saber, a morte da vereadora Marielle Franco em março de 2018 (até hoje ainda sem mandantes conhecidos), mas com dois assuntos secundários importantes para discussão: a banalização da violência (seja ela contra as mulheres, minorias, ou por conta de sexualidades), e como há um sistema perverso no país que trabalha incansavelmente para exterminar representantes de camadas menos privilegiadas (Marielle era negra, homossexual e de pobre origem) do país. É um sistema que tem ojeriza à mudança do status quo, que luta para manter tudo como está, com elevadores de serviço e piadas homofóbicas e racistas em cada esquina. Como bem escreve o cronista: “Nunca houve nada mais perigoso para quem tem medo de uma verdadeira mudança do que algo que abra a fórceps sua estreita visão de mundo ante um futuro viável e livre de seus preconceitos. (…) Ela [Marielle] representava justamente essa verdadeira mudança.” Quem mandou matar Marielle?

    Última crônica do livro “Chão de Amêndoas” acompanha as mudanças políticas, econômicas e sociais desde a primeira eleição democrática brasileira, em 1989, pelos olhos do autor, intercalando com a própria infância e crescimento dele. Alexandre colhe fatos históricos ao seu lado, desde a TV de tubo onde acompanhou os primeiros horários políticos em 1989, às transformações no próprio bairro e no novo cotidiano do país. Uma crônica potente que abarca história nacional, o ponto de vista humano, as transformações políticas e sociais, o nascimento de um poder paralelo na Zona Oeste carioca (milícias), exemplos de fundamentalismo religioso, entre outros pontos. Um verdadeiro exemplo de narrativa, informação e texto em sincronia.

    Guia de Sobrevivência do Exilado no Próprio País consegue atingir o que almeja: um manual atualizado para quem se propõe deixar o obscurantismo de lado e dialogar com os principais acontecimentos que nos trouxeram até o pessimista momento político atual. Este livro não possui apenas crônicas, mas monólogos que buscam fortalecer diálogos nesse espaço (em tese) democrático da política nacional. Leitura muito recomendada.

    Compre: Guia de Sobrevivência do Exilado no Próprio País.

    Texto de autoria de José Fontenele

     

     

  • Crítica | Presidente

    Crítica | Presidente

    De herói a vilão, Robert Mugabe esteve no comando do Zimbábue por 37 anos. Seu governo foi interrompido após um golpe militar encabeçado pelo então vice-presidente Emmerson Mnangagwa. A nova gestão assumia o controle do país em 2017 com a promessa de garantir já no ano seguinte um pleito presidencial democrático e transparente.

    Presidente, da dinamarquesa Camilla Nielsson, acompanha a realização dessa eleição pelo ponto de vista do partido de oposição, a Aliança da Mudança Democrática (MDC). O filme vê o surgimento do jovem advogado Nelson Chamisa como candidato da chapa após a morte de Morgan Tsvangirai, líder do partido e amplo favorito segundo apoio popular. Cabe a Chamisa, a poucos meses da eleição, conquistar o eleitorado órfão e ansioso por reformas políticas e sociais no país.

    O longa opta desde o início em moldar sua narrativa em torno de uma estrutura típica de thriller político. As reuniões por trás de portas fechadas, os comícios com ampla adesão popular, as estratégias para a campanha de Chamisa. Tudo é disposto num ritmo que privilegia a tensão da trama num embate entre os personagens que são colocados como verdadeiros defensores do pleito justo e o governo vigente que parece preocupado demais com a extensão de mecanismos autoritários que garantam sua continuidade no poder.

    A lógica é simples, mas eficiente. As pretensões do filme são focadas no desenrolar das situações que acompanham a disputa eleitoral, culminando na contestação judicial do pleito por parte do MDC. Menos preocupado em ser uma análise da situação geral do país africano ou algo mais amplo que o mero cotidiano do comitê opositor, o documentário se propõe a investigar conflitos de ordem político-social sob a ótica de um grupo menor, mas que obviamente transbordam ao tecido da combalida sociedade zimbabuana.

    Embora favoreça a documentação dos fatos ao lado do MDC, o filme não se exime de acompanhar Chamisa até mesmo em momentos que o pragmatismo político e eleitoreiro do candidato se sobrepõe a um possível idealismo. É na figura do jovem político que Presidente carrega o espectador por boa parte da projeção, usando seu carisma como um movimento contínuo de sequência a sequência.

    Quando o candidato sai de cena, a produção aposta o tempo de tela em outros nomes do partido que antes somente orbitavam Chamisa. Mesmo sem a força do dito protagonista, os outros personagens são capazes de levar a história adiante pela própria gravidade das circunstâncias que se apresentam. Em certos momentos, a direção parece desacreditar dessa competência e passa a enfatizar o contexto em demasia, valendo-se de chamadas jornalísticas da época, narrações em off de comentaristas de TV e pequenos interlúdios com textos que fazem a transição ao longo da trama.

    O didatismo da informação chega a dar espaço ao didatismo de sentimentos. Em diversas ocasiões, o filme apela a elementos de catarse e comoção, como a trilha sonora que embala momentos supostamente trágicos, tal qual as passagens que enclausuram as expressões dos personagens em intensos close-ups. Os artifícios pouco funcionam no escopo geral do filme, uma vez que o próprio ritmo do longa encerra rapidamente tais mergulhos melancólicos.

    Ainda assim, o documentário tem mérito ao captar a atmosfera tensa e turbulenta do período, fazendo de Presidente um poderoso registro em tempo real das usurpações repressivas num Estado democrático de direito.

    Texto de autoria de Arthur Salles.

  • Crítica | Mil Cortes

    Crítica | Mil Cortes

    O desmanche das democracias atuais tem nas Filipinas seu maior representante. É o que aponta o longa-metragem Mil Cortes de Ramona Diz, participante da mostra internacional do festival É tudo verdade deste ano. O filme acompanha os esforços da jornalista e editora-chefe do portal filipino Rappler, Maria Ressa, em publicar críticas ao governo do presidente Rodrigo Duterte e lidar com os ataques e as censuras institucionalizadas.

    As últimas cordas que, em teoria, sustentam o modelo democrático das Filipinas são coniventes com as ações de Duterte que giram em torno de assunção de homicídios, apologia à violência, estupro e toda barbárie observável nos discursos de líderes de diferentes nações. O cenário não é atípico, especialmente ao espectador brasileiro, e o filme chega a fazer discretos acenos ao governo de Donald Trump, vigente nos Estados Unidos durante o período de gravação do documentário.

    Nesse panorama, a narrativa dilui-se em diversas frentes que tentam contextualizar a crise de estado social no país asiático. Essas subtramas tratam de milícias digitais, propagação de fake news, os discursos odiosos do presidente, duas jornalistas do Rappler e de três postulantes às eleições legislativas em 2019: o chefe da polícia nacional e voz ressoante de Duterte, uma dançarina e blogueira alinhada ao presidente e uma candidata defensora da causa feminista, de oposição ao governo.

    O fio principal que entrelaça as histórias é o drama enfrentado por Maria. Desde o início, a atenção dada a jornalista indica a preferência da cobertura, que se justifica por boa parte do filme pelo motivo de sintetizar na protagonista esses diferentes lados abordados nos demais personagens. É por meio de Maria que os filipinos tomam conhecimento da divulgação de desinformação promovida pelo governo. É Maria o alvo da maior parcela de ataques direcionados à imprensa no país. É Maria que expõe os discursos de Duterte e sua base. É Maria que observa o agonizar da democracia em seu país como um possível sopro de esperança para o futuro.

    A trama logo torna-se repetitiva e sobrecarregada. O que poderia soar como um aprofundamento no estado de espírito da jornalista, confrontada por todos os lados e por diferentes causas, numa enxurrada espiralar de situações, revela-se uma confusão desequilibrada. Uma porção das questões levantadas nas quase duas horas de filme é rasa e pouco faz frente à principal história que conduz o documentário. São chances de dimensionar em maior escala os dilemas éticos e políticos das Filipinas, mas que se perdem em exposições simplórias do que já é vociferado pelo presidente.

    O filme também põe em pauta a importância do jornalismo como prestador de contas e de informação à população, na ideia de quarto poder. Numa das passagens, Maria parafraseia o poema do pastor luterano Martin Niemöller. “Primeiro eles vieram buscar os jornalistas”, diz. “Nós não sabemos o que aconteceu depois.”

    A paráfrase condensa muito do idealismo da editora. Em determinado trecho, ela se diz pronta para o que der e vier, nem que isso seja a prisão. É o que acontece e que voltaria a se repetir no mesmo ano. Maria carrega consigo a crença de que a principal arma ante o ódio é o amor.

    Do mesmo princípio parece partir o longa, uma vez que martiriza a figura da jornalista diante dos abomináveis antagonistas da liberdade de imprensa e dos direitos humanos no país. Não que a sentença não seja cabível aos algozes, mas o filme tem pouco a dizer num jogo tão simples entre claro e escuro. Os Mil cortes referidos por Maria em relação à democracia filipina cabem ao próprio filme, composto por dilacerações em todo seu roteiro e que no final se apresenta como um cambaleante corpo de boas ideias e sem firmeza em nenhuma delas.

    Texto de autoria de Arthur Salles.

  • Crítica | Glória à Rainha

    Crítica | Glória à Rainha

    Glória à Rainha é um documentário divertido e propositivo que conta a historia de quatro mulheres enxadristas da União Soviética que se tornaram símbolos de luta em uma época em que os papéis de destaque recaiam apenas sobre os homens, mesmo em um local conhecido por ser governado por um regime de esquerda. O filme de Tatia Skhirtladze é parte da mostra internacional do festival É Tudo Verdade.

    As personagens do filme são Nona Gaprindashvili, Nana Alexandria, Maia Chiburdanidze e Nana Ioseliani. O documentário acompanha um pouco do dia a dia delas, todas já na meia idade entre os 50 e 70 anos. O resgate da historia e a intimidade de cada uma dá um pouco da dimensão de como ocorreu, não só a carreira desportiva delas, mas também o pós dissolução da URSS.

    A narração do filme é bem utilizada quando o conteúdo é composto de imagens de arquivo. Enquanto nos momentos mais naturalistas (cenas mais atuais), são as próprias mulheres que conduzem além de outras pessoas envolvidas ou aqueles que possuem nomes em homenagem as enxadristas. Algumas delas também se lançaram no ofício de enxadristas, provando a influência do quarteto na cultura e no esporte em cada uma das repúblicas do antigo país comunista.

    Mesmo sem gastar tempo abordando a política da época, o filme acaba traçando um bom cenário de como era importante para os governos socialistas o investimento em práticas esportivas diversas, sejam elas de equipe ou individuais. Para o aficionado em Xadrez, o documentário é bem interessante, pois estabelece não só o contato com torneios importantes do passado, mas também detalha eventos que poderiam passar despercebidos por aqueles que não compreendem o jogo com profundida. São aproximadamente 18 trilhões de movimentos possíveis em uma partida e cada mulher pode perder meio quilo em uma partida dada a tensão do jogo. Dentro do filme até se lamenta que hajam poucas mulheres enxadristas no território da Rússia e nos demais vizinhos que formaram a União Soviética, o que, evidentemente, é uma pena, já que a historia das biografadas é rica.

    Glória à Rainha tem uma fórmula levemente diferente do que se vê normalmente em documentários norte-americanos ou  brasileiros. Há um modo mais frio de conduzir a narrativa por questões culturais mas, mesmo dentro dessa mentalidade, se percebe um apreço caloroso pelas quatro atletas, que entre rivalidades e disputas seguem como embaixadoras de uma prática esportiva rica e popular entre muitas pessoas.

  • Crítica | Judas e o Messias Negro

    Crítica | Judas e o Messias Negro

    Judas e o Messias Negro é dedo na ferida, sem perder o controle. É fera ferida que não perde seu charme, nem seu brilho quando o bicho pega. Emulando toda a barbárie e o racismo institucional na sociedade americana de 1969, o filme registra muito mais que a luta de Fred Hampton, o líder do Partido dos Panteras Negras, para com o engajamento do povo negro em prol de sua sobrevivência diante da brutalidade policial, mas expõe com força impressionante o trauma vivido pelo grupo radical dos Panteras e a tensão dos seus embates em uma Chicago retratada quase como cenário sem-lei de faroeste, sob uma típica atmosfera política que sufoca qualquer um. Judas tece críticas externas e também internas ao movimento, sem diluir ou exagerar nenhuma causa ou consequência de suas ações coletivas, por vezes planejadas e as vezes desesperadas, nisso tornando-se, facilmente, um dos melhores filmes do ano de 2020.

    Drama caprichado, cuja base está na dualidade entre um “messias” que vive para conscientizar e limpar a dor dos seus, e o seu querido Judas particular (William O’Neal, um moleque informante do FBI infiltrado nos Panteras), temos aqui um contraponto moral estabelecido com total naturalidade e franqueza, sendo este grande parte da espinha dorsal do filme. Ousada, e direta ao ponto, a obra serve como um debate ficcional e histórico à questão: vale a pena combater fogo contra fogo? Se o radicalismo do grupo os levou à danação, a coragem e a determinação de homens e mulheres cansados de sofrer, por ser quem são, merecem ser lembradas contra a vitória de um estado higienista. Judas e o Messias Negro é sobre a força que nasce da humilhação, e do perigo de “viver” numa sociedade cujo racismo estrutural ameaça qualquer gota de melanina portada por um cidadão. Inevitável a revolta explodir, e Fred é o capitão do barco, ciente de que poderá ser apunhalado pelas costas a qualquer momento.

    Mas não há outro caminho, senão seguir. Ele(s), contra o mundo, anti-heróis deles mesmos, tentando construir uma realidade utópica mais justa, nos anos 60. Ao invés de rejeitar a violência e o suspense que brota de certas sequências, o diretor Shaka King assume com orgulho a bravura do seu protagonista, e entrega um filme sensível, poderoso e realista, mas jamais apologético e muito menos hipócrita perante os seus temas mais complexos, e ainda atuais. Daniel Kaluuya, de Corra!, entrega o melhor trabalho da sua carreira, ao carregar no olhar enigmático o pesar e as desilusões de um homem muito jovem, castigado, e que ainda sorri entre seus seguidores rumo ao bem-estar da sua raça, tão sonhado. Como seu contraponto nessa história de luta sem glória, Lakeith Stanfield é um nome cada vez mais respeitado em Hollywood, presente também na ótima série Atlanta, tendo aqui o papel de vilão arrependido, perdido na própria confusão. Na própria dor, e perseguição, por ser quem se é.

  • Resenha | Duna – Frank Herbert

    Resenha | Duna – Frank Herbert

    “Deus criou Arrakis para treinar os fiéis.” – ditado fremen, o povo da areia.

    Eis o destino cármico para a humanidade, ou pelo menos, para os destemidos que fazem de tudo pelo poder. Arrakis é o planeta Duna, lugarejo impróprio a vida humana e que carrega consigo um fatalismo inevitável – não só por suas terríveis condições naturais, mas pelos vermes de areia gigantescos que lá residem. Um inferno planetário, árido e hostil, com tempestades cujos ventos retiram até a carne dos ossos de alguém, e que esconde sob as infinitas dunas desta Terra desértica, a valiosa ménange. Uma especiaria que dá poderes a quem a consome, e se vicia, e que só é encontrada na desolação e nos perigos de Arrakis. Dispensável dizer que muitos poderosos a ambicionam, numa guerra cada vez mais oficializada pelo controle da droga, custe o que custar, a menos que as lendas e profecias dos fremen sejam reais, e um salvador, o tão esperado Kwisatz Haderach, venha de fato unir os povos dentro e fora de Duna e trazer consciência (e limites) a ganância dos homens.

    No gênero de fantasia, o clichê nunca some ao apontar O Senhor dos Anéis como seu expoente máximo, tal qual Duna, clássico de Frank Herbert, como a magnum opus literária da ficção-científica. É porque, às vezes, todo clichê é inevitável quando este é real. Há um pedaço vital de Duna em todo e qualquer produto extremamente popular do gênero pós-1965, incluindo Star Wars, Harry Potter, Jogos Vorazes, Game of Thrones, ou ainda na maravilhosa série Arquivo-X dos anos 90. O que Frank Herbert conseguiu em Duna, antes de mais nada, foi revitalizar a essência questionadora, e utópica das obras basilares de Aldous Huxley e Philip K. Dick, os titãs da ficção- científica do início do século XX (autores obrigatórios), e inserir doses explícitas de política na idealização de um planeta com um sistema e religião próprias, mitos e temores particulares, e tecnologias que visam a sobrevivência da espécie, mas que pode resultar no extermínio de um ecossistema inteiro. Duna consegue ser utópico e distópico ao mesmo tempo, estruturando tudo num contexto engenhosamente político, sob um realismo fantástico profundo, e impecável.

    O livro poderia também se chamar Onde os Fracos Não Têm Vez, uma vez que o duque Leto Atreides, ótimo pai e marido, homem de bom coração, aceitou se mudar para Arrakis a fim de administrar toda a extração do ménange, se achando astuto o suficiente para evitar traidores – nada maquiavélico ele, no uso original do termo. Quando a família Atreides sai de seu planeta Caladan e vão todos enfrentar, diretamente, a realidade que esconde os temidos vermes gigantes, um misterioso povo guerreiro cuja água é o mais inestimável bem, inexistente sob um sol vermelho escaldante, e muitos outros segredos além do horizonte, tudo começa a mudar, como se o destino exclamasse: “Vocês não deveriam estar aqui”. Não demora muito para o plano de poder dos Atreides dar errado, e assim, Lady Jessica e o filho de Leto, o jovem Paul Atreides, têm suas vidas mudadas por um jogo de interesses interplanetários enraizado em Arrakis, num amplo esquema de corrupção política que não poupa ninguém – Duna é o Brasil e ninguém percebeu isso?

    Presos numa armadilha que Leto sem saber os colocou, esposa e filho lutam por suas vidas, entregues a sorte e ao azar, enquanto o asqueroso barão Vladimir Harkonnen (a grande inspiração para Darth Vader, entre muitas outras que George Lucas usou em Star Wars) trama diabolicamente esquemas e intrigas para controlar Arrakis e o seu “petróleo”, a substância que aumenta a força psíquica, e mediúnica, do ser-humano. Mas os altos escalões sempre subestimam a força popular, e na sua jornada contra a morte, Jéssica e Paul descobrem que há futuro e salvação entre os “rebeldes” fremen, uma espécie de cangaceiros do deserto e que não se curvam as forças militares do barão Harkonnen! Diante de tantas subtramas assim, e uma miscelânea de personagens que ao final não queremos nos afastar, a narrativa em terceira pessoa de Frank Herbert é quase sempre sublime, deixando algumas passagens ser tão célebres quanto poderiam ser, de fato – vide sua habilidade em organizar tramas paralelas (e fazer isso parecer que é simples).

    Herbert fez de Duna o romance da sua vida, a viagem inesquecível, seu pomo de ouro, pelo menos neste primeiro volume. Mestre com seus diálogos e suas frases de efeito, sendo a mais famosa “Não terei medo, o medo mata a mente.”, dita por Paul, o escritor construiu em pouco mais de 600 páginas um monumento dificílimo de adaptar para o cinema ou TV, devido a força e aos detalhes de suas palavras; a magnitude definitiva de sua grande alegoria política, quase que impossível de ser superada em filme ou série, apenas copiada. Por ser a obra de ficção-científica mais vendida (e uma das mais inspiradoras) da história, desde 1965, e publicada com grande apreço e carinho no Brasil pela Editora Aleph, Duna justifica sua popularidade universal a cada um dos seus capítulos, os quais possuem trechos iniciais retirados de uma espécie de bíblia do sábio e nômade povo de Arrakis. Este, sempre à espera de um salvador, de um guia, ou de uma força extra, como preferir. E quem não está?


  • Resenha | Minha Especialidade é Matar – Henry Bugalho

    Resenha | Minha Especialidade é Matar – Henry Bugalho

    Minha Especialidade é Matar compila textos do filósofo e escritor Henry Bugalho, mais conhecido por conta de seus vídeos no Youtube veiculados em seu canal homônimo. O livro compila publicações desde 2017 que miram a figura do presidente Jair Messias Bolsonaro, bem como sobre seu histórico enquanto deputado federal.

    Lançado em junho de 2020, a obra reúne textos feitos tanto para o jornal Folha de São Paulo, como para a revista Carta Capital. As narrativas miram aprofundar as reflexões a respeito do bolsonarismo, embora não foque suas origens e sim suas ramificações, escrutinando as falas misóginas, racistas e homofobias do político, em especial, a frase pesada que também nomeia o livro.

    Boa parte da esquerda não gosta da figura do autor. E a análise desses textos não mirará uma desconstrução sobre suas crenças necessariamente. Fato é que, tanto em seus vídeos quanto nesses textos, há um estilo bem popular e direto na fala, tanto em matéria de linguagem quanto em conteúdo. A forma como ele se expressa é fácil de compreender, mesmo para o leitor ou espectador que não tenha muita base teórica marxista ou progressista. Para uma introdução a um pensamento anti-reacionário, o livro serve bem ao propósito, especialmente por se tratar de um discurso não-academicista. A profissão de Bugalho, também romancista e contista, coloca-o em uma confortável posição, capaz de articular seus conhecimentos e posições com clareza, ainda que converse com um nicho de leitores.

    A maior riqueza deste Minha Especialidade é Matar certamente é a desconstrução de figura mítica de Bolsonaro, principalmente ao posicioná-lo como uma antítese a todo e qualquer valor do cristianismo tolerante ou não. A hipocrisia e a falsa aversão do sujeito e seus apoiadores é muito bem desenvolvida, desconstruída ao ponto de ser fácil interpretá-lo como a face de um possível Anti Cristo, pois os mandamentos cristãos de amar ao próximo como a si mesmo não são seguidos de maneira alguma.

    Em outro livro do autor, em parceria com Heloísa de Carvalho, o autor fala de Olavo de Carvalho. Em Meu Pai, o Guru se aprofunda nas origens do pensamento e tática ideológica do atual presidente. Uma narrativa que serve como leitura completar a essa, ainda mais que ambos estão disponíveis em plataformas de leitura digital. Em ambas é perceptível a reflexão sobre o método super agressivo em fala e postura que o político e dito filósofo utilizam como forma de comunicação.

    Compre: Minha Especialidade é Matar.

  • Resenha | 20 Centavos: A Luta Contra o Aumento

    Resenha | 20 Centavos: A Luta Contra o Aumento

    20 Centavos: A Luta Contra o Aumento tem uma introdução feita por Marcelo Pomar, com uma explicação do  Movimento Passe Livre (MPL). O livro da Editora Veneta acaba por ser um relato contado pelos próprios manifestantes, que inclui entre seus autores também Elena Juddensnaider, Luciana Lima e Pablo Ortellado.

    O trabalho gráfico é simples, mas bastante bonito. O formato em diário facilita a leitura, por serem trechos de textos curtos. O livro é quase todo narrado pelo líder do MPL, explicando o começo de toda revolta, abordando entre outros assuntos a transformação gradual das manifestações, de questões de mobilidade urbana para pautas mais genéricas que alardeavam o combate a corrupção não só em São Paulo mas no país inteiro.

    Pomar fala como alguém que está inserido no movimento, de maneira direta e incisiva, e o formato escolhido para o livro é curioso, com capítulos curtos onde as linhas comuns tem uma narrativa e aquelas em negrito mostram falas reais, com citações à grande imprensa e a falas de autoridades. Esses trechos são importantes entre outros motivos para mostrar o quanto a imprensa tratava mal aqueles que protestavam, assim como as forças políticas que tentavam dialogar, como o prefeito Fernando Haddad. Durante os atos, uma das sedes do Partido dos Trabalhadores foi depredada, e ainda que houvesse da parte de integrantes do MPL um claro incômodo com o ataque a um partido de origem popular – usando até o termo fascista para caracterizar o ato – há também a demonstração de incômodo com boa parte das polícias petistas à frente da prefeitura paulistana.

    O livro gira em torno da questão da mobilidade urbana em 2013 e todas as ações que decorreram dessas manifestação, sempre de forma inteligente e embasada, os diferentes panoramas e forças políticas envolvidas naquele ano, em especial, se debruça de maneira crítica e incisiva ao falar da violência policial, e claro, da cobertura midiática. A publicação categoriza sem receios os agentes da comunicação. Chama Boris Casoy de tradicional defensor dos militares, e Arnaldo Jabor de jornalista reacionário.  No que toca a relação do MPL com os diferentes governos, o mergulho é profundo e acertadíssimo, e esse é o maior dos méritos de 20 Centavos, por  não só citar entes políticos que fizeram e fazem parte do cenário político da capital paulista, como também consegue ser um bom registro histórico de uma pauta que foi sequestrada por forças completamente antagonistas ao que o MPL sempre pregou.

  • Resenha | Manifestações de Junho de 2013 no Brasil e Praças dos Indignados no Mundo – Maria da Glória Gohn

    Resenha | Manifestações de Junho de 2013 no Brasil e Praças dos Indignados no Mundo – Maria da Glória Gohn

    Manifestações de Junho de 2013 no Brasil e Praças dos Indignados no Mundo é o pequeno livro da Editora Vozes, escrito por Maria da Glória Gohn, doutora em Ciência Política, que dá voz ao movimento em doze capitais brasileiras, com insurgências populares que começaram graças ao aumento súbito do preço da passagem do transporte público na maioria das praças brasileiras.

    Gohn chama os manifestantes de “indignados”, mostrando essas pessoas abraçando questões mais populares, ainda que também exista um foco em questões ligadas a classe média. As fases bem distintas das manifestações também têm uma boa explanação e exemplificação. Entre os atos pacíficos e a ação dos Black Blocks, o livro elenca as três conquistas que o historiador Perry Anderson afirmava: o despertar político dos jovens, a compreensão do empoderamento social no recuo ao aumento das tarifas (rapidamente revertido e piorado logo depois) e o levantamento da questão da distribuição escandalosamente distorcida das despesas públicas no Brasil.

    Essas conclusões envelheceram mal na maioria dos casos. A política está na boca do povo, mas se fundamenta em situações problemáticas, como mentiras em épocas de eleição ou decorrentes delas. Claro que esses eventos não poderiam ser previstos na realização deste livro, mas também é impossível não associar uma coisa a outra. Dito isto, é difícil lê-lo e não achar que a leitura daquele momento foi ingênua, ainda que julgar hoje já sabendo o uso que movimentos direitistas desonestos fizeram da revolta popular seja um esforço fútil e desonesto.

    O livro tem duas partes, sendo a primeira Manifestação dos Indignados no Brasil: antes, durante e depois de junho de 2013, e a segunda de outros manifestos pelo mundo, em praças da Europa e Ásia e EUA. Da parte inicial, há uma breve explanação das tentativas do governo federal em dialogar com as demandas das manifestações, mas não há tanto detalhamento sobre os problemas dos governos estaduais, que em sua maioria, tratava as pautas com desdém.

    O perfil do Movimento Passe Livre ou MPL é bem detalhado. O grupo já agia em protestos na época da gestão de Gilberto Kassab na prefeitura de São Paulo e sua jornada é ainda melhor explorada no livro 20 Centavos: A Luta Contra o Aumento. Por outro lado, por mais que gaste um tempo considerável falando das óbvias fragilidades dos movimentos e como as manifestações, a visão sobre eles é bastante positiva, e nisso, o estudo serve de bom contraponto à tese simplista de que as manifestações de 2013 deram origem a queda de Dilma Rousseff e mais tarde, na eleição de Jair Bolsonaro em 2018.

    O trecho destinado aos manifestos mundiais e suas praças se debruça sobre a Primavera Árabe, voltado as manifestações na Praça Tahrir no Egito, que tinham em comum o fato de serem marcadas via redes sociais. A autora não é simplista, destaca que a queda do ex-presidente do Egito Hosni Mubarak foi fruto dos protestos dos jovens, mas ainda de maneira coadjuvante, com muita ação da Irmandade Muçulmana. Na Europa, se fala da Praça Syntagma em Atenas, de Puerta Del Son em Madri, além de Willy Brandt Platz (Frankfurt) e Praça Taksim (Istambul). A escritora visitou esses lugares e detalhou as reclamações sobre o arrocho econômico em alguns desses pontos – sobretudo na Grécia.

    Por fim, sobre o Occupy Wall Street fala-se brevemente a respeito dos apoios de famosos, como o diretor de cinema Michael Moore, além de citar que uma das pautas era a taxação de grandes fortunas e outros impostos sobre os mais abastados, mas nisso a autora é bastante breve e superficial. Manifestações de Junho de 2013 no Brasil e Praças dos Indignados no Mundo é uma boa introdução para quem não sabe praticamente nada sobre os protestos de 2013, já que não apresenta quase nada novo, exceção aos bons resumos dos movimentos internacionais, mas que no fim, não passam disso, resumos bem escritos.

    Compre: Manifestações de Junho de 2013 no Brasil – Maria da Glória Gohn.

  • Resenha | Maria da Greve – Eduardo Maffei

    Resenha | Maria da Greve – Eduardo Maffei

    “O fracasso de hoje, é a semente para a vitória de amanhã!”

    Cinco anos após a Greve Geral de 1917, a primeira greve do Brasil, em que operários reivindicaram diante dos portões e dos cães de guarda da “elite brasileira” por melhores condições de trabalho, enquanto lá fora explodia a Primeira Guerra Mundial, a jovem Maria (apenas Maria) virou uma órfã. Ou seja, uma rejeitada, de casa em casa feito uma peteca após seu pai ter morrido na luta por melhores salários, segurança e direitos aos peões das grandes fábricas em São Paulo. O cenário de Maria da Greve é uma Paulicéia traumatizada cuja indústria, a mais poderosa da América Latina, ainda tentava se reerguer da anarquia e das perdas socioeconômicas que o Julho de 1917 trouxe, brutalmente, aos cofres e ao bem-estar da capital mais rica da nação. Depois das revoluções industriais no final do século XIX, na Europa, a luta de classes tinha finalmente desembarcado nas terras de Carmem Miranda.

    Em meio a esse pós-caos de um coletivo profundamente desigual, e que ainda colhia os cacos do impacto que os movimentos operários paulistanos trouxeram à política e a economia brasileira, o ano é 1922 e quem sobreviveu a Greve de 17 tem muita história para contar – e verdades para rever. O romance de Eduardo Maffei faz explorar as consequências não só materiais, mas ideológicas de uma gente brasileira que foi subjugada, pela primeira vez, pelo conceito chamado “consciência de classe”. A lógica importada e antes imutável dos poderosos agora apresentava contradições e falhas no Brasil, o último país das Américas a abolir a escravidão. Eles, os invisíveis, queriam (e querem) continuar a sufocar a voz dos “revoltosos”, ou como seriam vistos num outro contexto político na Ditadura Militar, os “subversivos”. Esses, o povo, queriam ser tratados como gente num período de inflação nas alturas causada também pela escassez de alimentos. A injustiça estava no ar, e o proletariado podia quase apanhá-la com suas mãos calejadas.

    E Maria ia, de lá pra cá, daqui pra lá, até cair num orfanato casca grossa cujo espírito do tempo de 22 não poupou de influenciar os costumes, e a dureza da rotina lá de dentro. Acusada de ser filha de um “revolucionário fracassado” pela diretora do orfanato, a doce Maria precisava de atenção especial, pois “de boa gente ela não vem”, segundo a própria diretoria que não via a menina com bons olhos. Tal pensamento é reforçado pela própria narrativa fragmentada de Maria da Greve, que vai muito além das paredes de puro autoritarismo daquele orfanato de garotas esquecidas, sem sonho nem futuro. Aqui, personagens que expõe e se chocam com a mentalidade progressista e reacionária da época fazem desta publicação da Editora Brasiliense um verdadeiro mural das grandes questões que tanto fizeram borbulhar e explodir as relações de família, de amigos, de casais e de trabalho; relações essas que nunca mais seriam as mesmas após serem afetadas pelas conjecturas externas que nos regem, afinal, vivemos numa sociedade.

    Maffei afirma-se aqui como um escritor de impressionante poder de síntese, discursando em breves páginas a importância histórica das artes e do pensamento livre num mundo que, no século XX, já passou a ver o dinheiro como o único elemento essencial da realidade, e como é vital o exercício de filosofar e debater as questões que envolvem todos os níveis da nossa vida. Vale, portanto, destacar o extraordinário capítulo 9 no qual Maria da Greve resgata com veemência o brilho do questionamento filosófico, numa discussão entre dois amigos de infância, no centro de São Paulo, cada um com uma visão radicalmente diferente de mundo, e que depois eles vem a perceber, se completam. Isso porque, em 1922, na esteira da Greve Geral, as instabilidades no senso comum infectavam os bolsos e corações da classes, duas esferas que mesmo ao precisarem de um consenso pelo progresso, as antigas mágoas impediam o necessário acordo de interesses e só faziam prolongar os embates civis daqueles tempos.

    O que terá acontecido às Marias, as meninas que cedo viram mulher jogadas ao léu? Aos jovens estudantes que jamais tiveram o aval dos pais ao lutarem não por dinheiro, mas por um futuro melhor ao próximo, o que 1922 guardou para os altruístas, aos artistas, aos médicos, aos donos do capital e suas amantes em fuga para Paris afim de não aumentar uma moeda sequer do salário de seus escravos, digo, empregados (muitos estes que acabaram de sair das senzalas e, com sorte, conseguiram trabalho numa fábrica paulista)? Relevante para com a nossa perspectiva história aos fatos que compõe a base política moderna do Brasil, Maria da Greve faz parte da tetralogia documental “Maria da Greve e o Etopeu”, sob o propósito de ilustrar a alma conflituosa de uma sociedade em plena atualização de ideais, na capital financeira do país. E ademais, por onde anda o espírito revolucionário do século XXI? Desse, ninguém sabe. É que o desconforto, por incrível que pareça, ainda não é grande o bastante.

    Compre: Maria da Greve – Eduardo Maffei.

  • Resenha | Como Esmagar o Fascismo – Leon Trotsky

    Resenha | Como Esmagar o Fascismo – Leon Trotsky

    “[…] nós não temos medo dos fascistas, senhores. Eles vão sumir daqui mais rápido do que qualquer outro governo.”

    Será? Diferente do que pode-se esperar, devido ao título da obra, Como Esmagar o Fascismo não indica uma receita mágica e imediatista contra o oportunismo que corrói as mentes e corações das nações diante de imensos problemas a serem enfrentados. O fascismo não tem hora para ir embora, depende de nós, mas está sempre a espreita; nunca morre. Revivido de geração a geração, o fantasma sedutor do “desespero contrarrevolucionário”, como bem aponta Leon Trotsky, volta para nos lembrar que nenhuma paz é duradoura, e que diante de tempestades, nós nunca devemos baixar a guarda a ponto de subestimar seu poder de corrupção. Nossos monstros não surgem do nada. Eles são construídos, e permitidos, por quem dorme achando que o jogo está ganho.

    Colocando o tema sob uma perspectiva histórica, o líder comunista Leon Trotsky analisa em diversas cartas antes da Segunda Guerra Mundial, aqui brilhantemente traduzidas para o português, todo o processo de envenenamento político e ideológico do povo alemão, francês e espanhol logo após o término da Primeira Guerra, e o super colapso econômico de 1929. Nota-se que, com países e valores nacionais entregues a uma frágil democracia europeia, e rendidos a um capitalismo agonizante, não demorou muito para os ratos do convés (eles não surgem do nada) enxergarem um terreno perfeito para virem à tona. Fato é que, com uma pequena burguesia e seu capital monopolista perdidos na névoa da instabilidade econômica e política, e uma classe trabalhadora sentindo-se injustiçada, às traças, qualquer um, ou melhor, qualquer persuasão em terra de cego vira lei.

    Por subestimar esse “qualquer um”, a esquerda europeia perdeu o jogo e viu o fascismo de antes evoluir, aos poucos, para um nazi-fascismo sem precedentes na história, com a ascensão de Adolf Hitler e seu apoio cada vez maior do povo alemão, enquanto a democracia europeia era usada para eleger demônios antirreformistas, antirrevolucionários e antiprogressistas, em suma. Nota-se, na prática, o quanto o fascismo cria abismos entre as classes, amplia a diferença entre seus interesses, e faz o povo duvidar de si mesmo, tornando-o fraco feito cristal. Assim, Trotsky na publicação da editora Autonomia Literária defende, em um compilado de reflexões inesquecíveis, uma estratégia clara e urgente do proletariado para ir à luta contra sistemas políticos peçonhentos, sempre com seus avatares de novos rostos e mofados discursos. Antes nos palanques, hoje reforçados pelas redes sociais, e outras plataformas de lavagem cerebral e corrupção moral. É claro que a luta será demonizada, e por isso mesmo a estratégia se faz imprescindível no combate.

    Sem apelar para os extremos, e sim a uma radicalização da classe trabalhadora em tempos de grande perigo, muitas vezes não-reconhecido, Como Esmagar o Fascismo joga uma luz impiedosamente crítica e alarmante para a eficiente e atemporal manobra de se alimentar grande problemas, para enfim, apresentar uma nova solução – que de novidade não carrega nada, apoiando-se numa sociedade pouco escolarizada e má formada historicamente para voltar em cena. Tal um velho filme de Charles Chaplin que, exibido a uma plateia que desconhece o gênio, pode ser convencida de presenciar algo inédito e esperançoso, este é o poder cruel do fascismo, além de se adaptar as épocas com rapidez e irreverência impressionantes. O sucesso eleitoral nazista, em 1932, provou como a agonia de um povo o arremessa a um possível suicídio político e ideológico, no que Trotsky reforça ser culpa, em larga escala, de uma esquerda desorganizada, e que nunca leva em conta a força de uma burguesia unida, com seus pares e seus múltiplos recursos persuasivos.

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  • Resenha | Submissão – Michel Houellebecq (2)

    Resenha | Submissão – Michel Houellebecq (2)

    Capa Submissao

    Boas notícias: o mundo está ruim para todo mundo, as relações de trabalho pioram num ritmo alucinante sob o lema “é cada um por si”, o sentimento de insegurança cresce numa escala universal cada vez mais, e um personagem como o Coringa é exaltado num filme de mais de um bilhão nas bilheterias. Sintomas de uma insatisfação, medo e um pessimismo quase que generalizados, de 2010 para cá, após as dificuldades de um sistema econômico globalizado que parece nunca ter se recuperado 100% da crise de 2008, e o nascimento forte e oportuno de um conservadorismo político que se revigorou após um longo coma. No receio de um futuro onde negros e gays serão cada vez mais respeitados, e a ciência terá um papel tão relevante quanto a religião já teve (e tem) na humanidade, a maioria das pessoas que pede pelo novo não troca o certo pelo duvidoso, ironicamente, e voltam vinte casas no jogo da vida, aos tempos em que “o mundo não era chato” e deixando-se acreditar, gerações depois, que menino veste uma cor, e menina outra.

    Num futuro pré-histórico, a única evolução possível é a do formato da Terra. Nesse cenário que por si só parece tão caótico quanto outros famosos da ficção, a França em 2022 é engolida por um conservadorismo imbatível através da Fraternidade Muçulmana, que entre outras medidas pretende estalar um currículo escolar adaptado aos ensinamentos do Alcorão as crianças francesas, além de retirar o financiamento do ensino público para que todos os pais queiram matricular seus filhos no ensino particular muçulmano. Nessa condição de Submissão aos valores externos ao país, as eleições se desenrolam e tudo leva a crer que essa será a nova realidade de uma nação ocidental e até então sócio democrata. Nisso, o professor universitário François, da faculdade de Sorbonne, se vê completamente apreensivo e intimidado diante da possibilidade de um estado autoritário. Assim, o regime islâmico se estabelece no seu país e François não sabe como reagir, apesar de uma crescente sensação de fuga ser cada vez mais plausível aos temores de um simples professor de letras.

    Sucumbindo aos receios de um possível dogma que irá recair, por vias eleitorais, a todas as instituições da França, a começar pela universidade que trabalha, logo no dia seguinte as eleições François acorda e já espera pelo pior, desde o comportamento dos seus alunos (que não se altera) a violência das manifestações públicas de quem ainda pretende defender a democracia francesa. A paranoia parece tomar conta dele, e seus contatos que começam a retirar seu dinheiro dos bancos públicos. Estimulado a fugir de Paris, onde o pior pode acontecer, François arruma as malas e parte da capital, ciente de escapar de um desastre que, para ele, de certo irá se abater aos que ficam, pois tudo irá (aparentemente) mudar com os novos costumes. Um forte debate étnico e humanitário se forma a partir das expectativas e dos preconceitos de um homem pensando e repensando o desconhecido, algo proposto na narrativa por Michel Houellebecq e que se torna a base de uma história conflituosa por natureza.

    Submissão dialoga perfeitamente, com grande charme e ritmo constante na narrativa em primeira pessoa, junto as mudanças de um mundo globalizado e sua recepção aos olhos não só da maioria das pessoas, mas daquelas que dissonam a grande voz, e por isso, sentem-se cada vez mais solitárias com suas verdades. Mudanças essas que intimidam o status quo das coisas pela rapidez que acontecem, e que afetam ideologicamente, sobretudo, todos aqueles que ainda não estão alienadas pelo lado mais doce que o espetáculo da mídia nos apresenta. François tem medo do amanhã, e foge da chuva um mês antes dela, porventura, vir a cair – ou não. Há muito o que se comparar aqui com outras distopias mais surreais que essa, mas que também transmitem um cenário de achatamento ao indivíduo, tal o clássico 1984, de George Orwell. A diferença primordial a suas possíveis comparações é que Submissão é absolutamente objetivo a ideologia atual da política mundial, importando-se menos ao impacto tecnológico das mudanças sociais e mais com o quadro mental do cidadão diante do novo, e do diferente. Um livro publicado no Brasil pela editora Alfaguara, e tão relevante à atualidade quanto poderia ser.

    Compre: Submissão – Michel Houellebecq.

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  • Resenha | Conversas Políticas: Desafios Públicos – Carlos Muanis e Aldo Fornazieri

    Resenha | Conversas Políticas: Desafios Públicos – Carlos Muanis e Aldo Fornazieri

    Qual liberdade nós vivemos hoje? […] Qual é a qualidade da nossa liberdade?

    Temos aqui uma obra que se faz discreta em qualquer estante, da mais vazia a mais cheia. Curta, se perde fácil entre livros mais atraentes, como os best-sellers de capa vermelha, e azul celeste – alguns até com relevo, e selos de mais vendidas. Mas o essencial é assim mesmo: modesto, por vezes até despercebido. Nesse jogo de atenção que os livros tanto participam, apenas para serem adotados, Conversas Políticas – Desafios Públicos é a típica publicação necessária ou no mínimo estimulante, em algum sentido, a quem se propõe a pensar e repensar a realidade política brasileira contemporânea, e com uma boa dose de contexto situacional e especulação assídua sobre o que está por vir.

    O problema é que falar das próximas ondas de um mar absolutamente instável, mostra-se tão desafiador quanto debater sobre um passado recente, ou mesmo as raízes de um cenário repleto de interesses e reviravoltas intercruzantes onde mora a política, no Brasil. Um verdadeiro campo minado, cujo poder das intuições muitas vezes não reflete as necessidades e muito menos os desejos da sociedade a ser representada. Assim, para o pensador que se propõe mergulhar em certas questões com o mínimo de profundidade, seja ela histórica ou crítica, é inevitável encarar os obstáculos na análise e na reflexão a respeito dos temas, e condições que fazem parte ativa da política nacional. E nesta obra da editora Civilização Brasileira, a tarefa é aceita com um vigor inspirador por três figuras qualificadas, para tanto, a fim de nos fazer olhar e entender três ângulos diferentes de um mesmo prisma; o prisma que vivemos.

    Fernando Henrique Cardoso abre o livro com sua visão cada vez mais globalista, com um enorme conhecimento histórico sobre o que embasa a política do Brasil, seus atores e engrenagens principais. O ex-presidente incorpora como ninguém o papel de intelectual em tempos nacionais em que a área sofre de um grande desgaste sob o ponto de vista social, defendendo a ótica das ciências sociais para fortalecer seu discurso da importância das utopias, e a lógica das crises num mundo globalizado. FHC, para entender esse mundo, ainda a ser estudado, olha para as estrelas e o horizonte, enquanto que Fernando Haddad olha para as pessoas, e o caminho dos seus passos. O ex-prefeito de São Paulo, numa entrevista aqui realizada no auge das manifestações de junho de 2013, já não cita velhos autores, presidentes americanos ou a ONU: vai direto para os conflitos e os problemas do dia-a-dia do cidadão médio brasileiro, guiado por um senso comunitário afiado ao falar de Prouni, atividade econômica, o papel do Estado, e o peso da nossa democracia.

    Entre fatos e opiniões acerca da realidade de um país continental, Haddad e FHC ocupam posições discursivas que, popularmente, são conhecidas como esquerdistas, e direitistas. Ambos agregam valor as questões que despertam nos leitores, fomentando assim um debate além-livro e complementando suas próprias visões de uma forma harmônica, num compêndio esclarecedor de entrevistas a culminar, finalmente, nos pensamentos do professor Aldo Fornazieri. Este chega para conversar sobre o que é essa quimera chamada Política, e porque as sociedades precisam dela, tendo nesta ciência o objeto de análise derradeiro da obra – análise esta multitemática, e não-partidária, como se faz preciso. Fornazieri é indispensável justamente por trilhar uma via mais acadêmica e prática ao comentar o partidarismo, a internet e as possíveis mudanças e soluções para nossos problemas públicos sob um viés filosófico, por fim, e muito além de qualquer lado político, num exercício nobre (e atual) em ser deliciosamente imparcial, e elucidativo. Logo em tempos nos quais, se você não tiver um lado, você é um ‘isentão’ que precisa ser doutrinado com urgência – uma falácia restringente que Conversas Políticas – Desafios Públicos, organizado por Fornazieri e Carlos Muanis, pretende exterminar por meio do poder de um bom debate. Qualidade boa o suficiente para pertencer a qualquer estante que se preze.

    Compre: Conversas Políticas: Desafios Públicos – Carlos Muanis e Aldo Fornazieri.

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  • Marxismo Cultural 07 | Crise no PSL, Lula Solto e o Valor do Salário Minimo

    Marxismo Cultural 07 | Crise no PSL, Lula Solto e o Valor do Salário Minimo

    Avante, Camaradas! Filipe Pereira (@Filipereiral) e Julio Assano Júnior (@Julio_Edita) se reúnem para comentar um pouco sobre a crise no PSL, o valor e poder de compra do brasileiro e um breve comentário sobre a recente liberação do ex-presidente Lula. Confira aí o papo sobre os fatores políticos das últimas semanas.

    Duração: 135 min.
    Edição: Julio Assano Júnior
    Trilha Sonora: Julio Assano Júnior
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    Comentados na Edição

    Investimentos de milionários chega a baixa renda
    WSI Minimal Wage Database – Jan 2018
    WSI Minimal Wage Database – Jan 2019
    50% dos trabalhadores brasileiros ganham menos de 1 salário mínimo – 2017
    23,9% das famílias brasileiras vivem com R$1245,00 em média
    Secretário da Previdência lamenta votação sobre abono salarial no Senado
    Trecho entrevista Tábata Amaral
    Salário mínimo, estupidez máxima
    Senado derruba restrição ao abono salarial
    Congresso apoia salário mínimo de R$1040,00 em 2020
    Congresso aprova orçamento de 2020; salário mínimo fica sem aumento real
    Nota Técnica – A importância da política de valorização do salário mínimo e a urgência de renová-la – Dieese – Abril 2019

    Indicações Culturais

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  • Crítica | Reforma Política – Murillo de Aragão

    Crítica | Reforma Política – Murillo de Aragão

    Não há nada de errado com quem não gosta de política. Simplesmente será governado por aquele que gosta.” – Platão

    A reforma do sistema político brasileiro é tão imprescindível ao Brasil, quanto um copo d’água ao pobre coitado que passa dois dias sem uma gota de h2o, em um calor de 40 graus. Murillo de Aragão, por meio de uma extensa pesquisa visando contextualizar, e oferecer propostas e perspectivas claras e objetivas para esta reforma, realiza um trabalho ousado ao revirar a lógica do sistema político do país mais desigual da América Latina, país este que se orgulha em bater no peito, sendo extremamente hipócrita, ao afirmar ser a oitava economia do mundo. Traça-se, aqui, um debate de fácil entendimento, e com gosto de emergência, sobre as raízes de um mecanismo injusto, e sempre à frente dos estudos da ciência política, deste país.

    Afinal, como entender absolutamente uma realidade esquizofrênica e imprevisível que faz a trama das primeiras boas temporadas de House of Cards, parecem história para criança? O negócio é tão sério, que muitos inclusive já desistiram de suas análises sobre esse cenário turbulento e inexplicável, resultado de inúmeros interesses obscuros de vários setores do poder no Brasil, e decidiram apenas especular em seus canais de YouTube sobre os futuros utópicos dessa nação – seja sob um viés direitista, ou de esquerda, ou meramente acadêmico. Vale ressaltar que o advogado e cientista político Murillo de Aragão, neste livro da Civilização Brasileira, do grupo editoral Record, não somente prevê os prejuízos aos brasileiros, a médio prazo, dessa desorganização política e partidária que já virou um fator histórico e cada vez mais banal, para todos nós.

    Aragão vai muito além, e também expõe os problemas que não são tratados por quem tem o poder para resolvê-los, mas prefere mantê-los para continuar certos privilégios, tais os lucros exorbitantes de certos partidos, fora ou dentro dos períodos eleitorais, e o descontrole das despesas do setor público sem a devida transparência, e rigor, daqueles que deveriam zelar e proteger esses processos e os sistemas regentes da população, em prol dos pilares rachados de bem-estar da sociedade brasileira. Reforma Política vai contra o caráter irreversível dessas rachaduras, e ilustra com propriedade as razões que justificam esta reforma, brevemente elencadas, a seguir: distorção na representatividade parlamentar, mau uso e controle precário de recursos públicos, abuso de poder econômico, utilização ridícula das propagandas partidárias… velhos debates que as enormes injustiças do país não permitem nem que o povo tenha, como tampouco veja a necessidade de se discutir.

    O curioso é como o modelo nacional de funcionamento político é, na visão de Aragão, um modelo de transição entre o conservadorismo, e o futuro a ser construído. Entre crises antes resolvidas nos quartéis ou nas ruas, mas que, nas conjunturas do modelo presente, ainda está longe de proporcionar uma democracia verdadeira a nação – em que, na prática, os cidadãos se sintam majoritariamente representados no Congresso Nacional, mas que não sejam obrigados a votar a cada eleição. Os obstáculos atuais são e sempre foram muitos, mas se tudo é política, a população brasileira deve ser politizada a favor de um país melhor, e mais valorizado internamente, e não se permitir rupturas que apenas enfraquecem a luta por uma realidade mais justa, e já enfraquecida por fatores internos, e externos ao Brasil. Ao desvendar o complexo quadro que uma Reforma Política deve enfrentar, a obra deixa claro as motivações para uma batalha por um sistema menos corruptivo e mais são, neste país, sem deixar de lado o valor do caráter democrático, às instituições. Uma ótima leitura, bem fundamentada, elucidativa e sob medida aos que preferem ser tristes, a fugir da realidade das coisas.

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  • Marxismo Cultural 05 | A Popularidade de Bolsonaro e as Queimadas na região amazônica

    Marxismo Cultural 05 | A Popularidade de Bolsonaro e as Queimadas na região amazônica

    Avante, Camaradas! Filipe Pereira e Julio Assano Júnior (@Julio_Edita) se reúnem para comentar um pouco sobre a conjuntura nas últimas semanas, desde os primeiros esboços da corrida presidencial de 2022, a queda de popularidade do Presidente Jair Bolsonaro e as queimadas na região amazônica.

    Duração: 85 min.
    Edição: Julio Assano Júnior
    Trilha Sonora: Julio Assano Júnior
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