Tag: Documentário

  • Review | Meu Amigo Bussunda

    Review | Meu Amigo Bussunda

    Meu Amigo Bussunda é uma série de quatro capítulos idealizados e dirigido por Cláudio Manoel, que ainda divide a parceria na direção com Micael Langer, e no último dos quatro capítulos, por Júlia Besserman, filha do humorista conhecido como Bussunda. O especial possui uma atmosfera alegre, criativa, super colorida e sacana, como era o humor e a identidade civil de Cláudio Besserman, o Bussunda, e tenta se equilibrar entre a memória afetiva, as polêmicas da carreira e a fatalidade de sua morte precoce com 43 anos.

    Manoel divide seu estudo em quatro partes, Fama de Famoso de 1962 a 1989Ih, ó o cara aí de 89-98, Fala sério 1998-06, dirigidos por ele e Langer, e claro, Meu Pai Bussunda, cujo tom é bem diferente graças a direção da filha Júlia. O início do filme brinca com os gostos da personagem-título, embalada por Rock and Roll, mostrando pessoas do passado do humorista. Cláudio Manoel diz ser colega de escola do gordinho, cabeludo e dentuço que se tornaria Bussunda, desde a época em que ele era magro e orelhudo, fato que o fez ser apelidado como Topo Gigio, uma personagem infantil dos anos 80 bastante popular.

    O seriado captura bem a alma brincalhona de Bussunda, e não ignora o passado de sua família, a formação política do humorista e a influência de intelectuais comunistas do Partidão (PCB) em seus pensamentos e na influência de seu caráter. Filhos de judeus, Bussunda era o filho “sem futuro”, o “temporão”, seus pais pensavam que ele passaria fome, tanto que pediram aos irmãos para cuidar dele, caso eles morressem. Manoel entrevista a família e consegue preciosidades, pérolas do passado e ajuda a montar o quebra cabeça do homem engraçado que fazia piada consigo mesmo desde cedo, fruto do fato de ser filho de uma psicanalista, o que influenciou obviamente em toda a percepção de mundo que tinha.

    A narração de Claudio é um pouco invasiva, em alguns momentos é até boba, séria e sisuda demais, especialmente para quem conhece ele e seus personagens. Um diretor tão especializado em documentário deveria se atentar mais para isso, já que dirigiu (ou co-dirigiu) Simonal: Ninguém Sabe o Duro que Dei, Tá Rindo de Quê?, Rindo à Toa: Humor Sem Limites. Ainda assim, o conteúdo das conversas ajudam a desvendar quem era Bussunda, passando detalhadamente pela formação teatral e universitária.

    Há um bom detalhamento do ponto de vista político do personagem, das brincadeiras que ele fazia com a UNE na época  que estudava comunicação e na completa falta de ambição que tinha. É tratado como um Bon Vivant desleixado com a imagem, mas extremamente mordaz e inteligente. Claramente o documentarista tem receio em falar de política, não só por conta da polarização política atual, mas também pelo caráter meio “chapa branca” dos documentários da Globoplay. Se isso ocorre com produtos sobre políticos, imagina sobre uma celebridade dita “neutra”. Ao invés de tomar lado, prefere mostrar bastidores, sobre a união dos jornais Planeta Diário e Casseta Popular, nos ingressos destes na televisão e nos shows da noite carioca, além da luta para emplacar um projeto após trabalharem na redação da TV Pirata.

    Em determinado ponto a série passa a ser um documentário mais sobre o Casseta e Planeta e suas diversas fases. Isso seria perdoável caso ao menos se abordasse um pouco sobre o declínio do grupo pós-partida do companheiro finado. O episódio ao falar da morte em si é um acerto, é emotivo, traz muita coisa inédita, resgata sensações fortes. Já o restante, acaba soando repetitivo. É fato que a TV Pirata e o próprio Casseta tinham um lugar especial no humor da televisão aberta, e quebravam um estilo já consolidado, mas isso tudo já foi muito discutido, aparentemente Manoel quis se permitir valorizar seu legado, deixando de lado a intenção de homenagear o amigo e companheiro de longa data.

    Em Meu Pai Bussunda, Julia busca entender quem foi seu pai, como foi sua carreira, visto que quando ele se foi, ela tinha apenas doze anos, e não tinha tantas memórias e percepções de como era o humor dele e do resto da trupe. O tom aqui é completamente diferente, emocional e visualmente mais interessante. O conteúdo reflete sobre o tipo de humor que do personagem e não cai no pecado de ser condescendente. Há críticas a ele, mas também ao humor atual, com falas de vários humoristas envolvendo temas e visões díspares.

    Meu Amigo Bussunda tem dois tipos de abordagens diferentes, e isso faz com que o caráter dele não seja tão fácil de definir. Ainda assim, é um bom resgate de alguém que fez e faz  parte da história do humor, da comunicação e da televisão brasileira.

    https://www.youtube.com/watch?v=WScB05qBz7o

  • Crítica | 8 Presidentes e 1 Juramento: A História de um Tempo Presente

    Crítica | 8 Presidentes e 1 Juramento: A História de um Tempo Presente

    Crítica 8 Presidentes e 1 Juramento

    8 Presidentes e 1 Juramento: A História de um Tempo Presente é um documentário em longa-metragem, conduzido pela veterana atriz Carla Camurati, conhecida por dirigir Carlota Joaquina: A Princesa do Brasil, filme marco zero da retomada do cinema nacional pós-queda da Ditadura Militar. O filme narra os eventos da recém-adquirida possibilidade de voto do povo brasileiro até Jair Bolsonaro.

    O ponto inicial do longa é a campanha das Diretas Já, seguido da posse de José Sarney após a morte de Tancredo. É curioso como não há narração, a produção optou pelas imagens contando a história, associando-as à recortes de jornais impressos de época e anúncios de rádio e televisão.

    O filme possui algumas cenas bastante raras e algumas curiosas. Nos tempos de Fernando Henrique Cardoso são mostrados índios protestando. Esse tom pode fazer o espectador acreditar que o tom do governo seria agressivo, mas não é, na verdade, é bastante respeitoso, ao contrário do que se vê ao falar de seu antecessor, Fernando Collor de Mello, flagrado aqui como um político que não conseguia tomar as rédeas da economia do Brasil.

    O filme não se furta em mostrar que o embrião do Bolsa Família foi originado por outros programas de distribuição de renda da época de FHC, assim como explana a mudança de postura que Luiz Inácio Lula da Silva fez para se tornar um candidato viável politicamente. O longa passa pelos escândalos do Mensalão e a participação do ex-deputado Roberto Jefferson, inclusive destacando momentos pitorescos, como a chegada dele com um olho roxo no Congresso. Não há concessões.

    Curiosamente, as partes que mostram a história do Partido dos Trabalhadores na presidência parecem mais breves, o que é até compreensível, visto que há tantos trabalhos em documentário sobre esses processos, como Entreatos, O Processo, Alvorada e tantos outros produtos que abordaram essa época. Há um belo acerto ao mostrar como as manifestações de 2013 influenciaram a queda de popularidade das figuras de Dilma Rousseff e Lula, assim como também é correta a fala de que tais atos não eram compostos exclusivamente pela direita. Ainda assim se fala bastante do crescimento econômico do país e dos escândalos de corrupção.

    A parte mais correta do filme é quando se destaca como a evolução da internet influenciou a democracia no continente americano e no Brasil. Redes sociais e memes são sabiamente apontados como o fiel da balança para os últimos resultados da política nacional, seja no golpe aplicado em Dilma, como também na popularização de Bolsonaro.

    8 Presidentes e 1 Juramento: A História de um Tempo Presente é uma boa forma de introduzir uma pessoa que nada saiba sobre como o caótico cenário sócio político do país chegou a esse 2021, mas ainda assim carece de um ritmo aceitável, suas mais de duas horas são extensas, e isso faz o documentário parecer um especial de TV de final de ano, trocando os últimos 365 dias para todos os anos pós-Constituição.

  • Crítica | 2021: O Ano que Não Começou

    Crítica | 2021: O Ano que Não Começou

    Luciano Huck é um apresentador bastante famoso por seus programas populares na TV aberta. Também tentou ser ator no clássico-trash Um Show de Verão e também dublador em Enrolados. Além disso, entre essas tentativas, cogitou uma carreira presidenciável, ainda que tenha (por enquanto) recuado dessa proposta. Em entrevistas recentes se declara participante ativo da esfera política e, em meio a isso, lança 2021: O Ano Que Não Começou. Dirigido por Fernando Acquarone e Guilherme Melles a produção se resume a visão do apresentador sobre o mundo.

    O especial da Globoplay é curto. Tem 43 minutos, possui um estilo moderninho, com elementos que tornam seu  consumo fácil. Desde o início a formula é pretensiosa, primeiro ao unir tanto celebridades quanto desconhecidos. Apela para um estilo aparentemente popular, ainda que toda sua ideologia seja claramente apoiada em pensamentos e teorias elitistas como a meritocracia e mercantilização da pobreza.

    Desde os tempos da Band, Luciano consegue conversar bem com a parcela popular brasileiro, de modo que não pareça um sujeito desonesto e explorador. Mas entre pessoas mais “estudadas”, o apresentador não tem essa mesma aderência ou popularidade. O documentário mira acertar esse nicho, dialogar com gente importante para fortificar a imagem tradicional de bom moço dentro dessa parcela de pessoas.

    Ao menos, o filme é explicativo e acerta em se fazer entender. Edição, fotografia, trilha sonora e o ritmo favorecem a mensagem. A fala pró ascensão das classes C e D não é tão diferente das provas do Caldeirão em que um miserável tenta equilibrar um ovo na colher enquanto resolve um problema matemático ao vivo em rede nacional. A busca por meritocracia é mais ou menos equivalente a esse tipo de humilhação.

    Huck ainda faz questão de fazer autopropaganda, referenciando como auge econômico o seu próprio programa: a versão brasileira de Quem Quer Ser Um Milionário. Ainda chega ao cúmulo de colocar pessoas pobres para chorar no meio do filme, ou seja, se sua ideia era mostrar uma nova faceta de sua personalidade, a tentativa fracassa retumbantemente.

    O filme é vazio de conteúdo. Os aspectos técnicos são cosméticos e nada mais. Não disfarça nem um pouco o discurso liberal ao extremo e erra ao tentar separar a desigualdade do capitalismo, negando o mercado voraz como o causador das desigualdades que o próprio roteiro acha péssimo para a humanidade. O pensamento de uma nova política e nova filosofia é basicamente uma nova roupagem do que já vigora.

    O filme soa vazio e desonesto, pois a violência urbana e a perseguição a pobres e negros condenada em cena é oriunda do mesmo capitalismo que o apresentador defendeu em um programa recente do GNT. O resultado é quase um game show mas, diferente de A Vida Depois do Tombo que tenta repaginar uma cantora, esse  documentário é mais complicado, tenta disfarçar as intenções de um sujeito com um claro projeto político futuro. Em uma época de pandemia, defender liberalismo enquanto se fala sobre fortalecer políticas públicas como o SUS é contraditório e incoerente.

  • Review | A Corrida das Vacinas

    Review | A Corrida das Vacinas

    A Corrida das Vacinas é uma série produzida pela Globoplay que tenta mostrar como funciona a luta para chegar a vacinação universal contra a pandemia do novo corona vírus. O programa é dirigido e apresentado por Álvaro Pereira Júnior e tem seu conteúdo aberto para não assinantes, mirando, evidentemente, um consumo amplo. Foram 5 episódios e um extra, e no primeiro (Nós Vamos ter essa Vacina) há uma pressa por elucidar o quadro mundial e como o Brasil lida com isso.

    Já nas primeiras cenas, os corredores do poder do governo de São Paulo são mostrados. O político João Doria autorizou a equipe a filmar parte da apresentação antes da conversa com a equipe do comitê de negociações para discutir os detalhes de eficiência da CoronaVac. Nesse cenário, o áudio de uma reunião vazou acidentalmente no equipamento da Rede Globo, em um fio que captava o vídeo de uma apresentação do documentário, nele se ouve algumas falas contundentes do governador e até do diretor do Instituto Butantã, Dimas Covas, sobre as dificuldades de conseguir negociar os insumos junto à China.

    O roteiro é didático. Uma pessoa que não saiba nada a respeito do vírus, dos seus efeitos e da politica nacional envolvendo a pandemia será completamente contemplada. Há um bom detalhamento do episódio do paciente da CoronaVac utilizado pelo governo federal de Bolsonaro para servir de espantalho contra o governo de São Paulo e a “vacina do Dória”. Além disso, há destaque a grupos especializados como funcionários da Anvisa, Instituto Butantã, Oxford, além de imunologistas e cientistas de renome.

    A série conversa bem com outras produções do gênero, como Por Um Respiro, especialmente quando mostra o cotidiano de pessoas lamentosas, sem permissão sequer de abrir as portas de suas casas para pessoas mais próximas, sob risco de contágio e morte. O lado emocional é bem demonstrado, e não abusa do sentimentalismo. A questão mais flagrante é o personalismo de Pereira Júnior que se faz personagem frequente nas coletivas de imprensa em São Paulo, além de sua proximidade com as autoridades que estudam a eficácia da primeira vacina feita no Brasil, a CoronaVac. É curioso que, ao perguntar sobre a eficácia e seus resultados, ele se aproxima e faz um ato não recomendado, batendo no ombro de um dos responsáveis pela comunicação. Ainda assim, seus apontamentos e questionamentos são válidos e sua insatisfação com alguns discursos é justa.

    Pereira Júnior viaja para outros cenários, percebe aglomerações em Nova Delhi, na Índia, com o povo não tendo receio de contrair o vírus, fato que dá um tom profético ao documentário, pois a situação estava tranquila na época da gravação e pouco tempos depois o país sofreu com uma segunda onda. Já no que diz respeito a sua visita à Rússia, o apresentador parece bem impaciente, chega a verbalizar que se montam circos midiáticos para ludibriá-los ao lado de outros órgãos da imprensa mundial. A favor dessa desconfiança, há também a percepção popular das pessoas na Rússia com a Sputnik V, mas ainda assim, a postura do diretor é um pouco inexplicável, beirando até a xenofobia no caso de algumas possibilidades de vacinas.

    A série é padrão Globo. Lembra os bons episódios do Profissão Repórter ou Globo Repórter, ainda que tenha uma abordagem mais incisiva, sensível e certeira. Os cinco episódios são boas introduções ao tema, especialmente para quem não lê tanto a respeito da procura pelas vacinas. De acordo com o sexto episódio (extra), possivelmente terão mais momentos. Ainda nesse episódio, temos a presença do imunologista Renato Kfouri, o professor Esper Kallás e a microbiologista Natalia Pasternak, fechando bem esse especial que certamente caberia em uma possível continuação visto os acontecimentos recentes da CPI da Covid.

    https://www.youtube.com/watch?v=nfXLpDusSuU

  • Crítica | Zimba

    Crítica | Zimba

    Zimba é um híbrido entre documentário e ficção, dirigido por Joel Pizzini. A obra se debruça sobre a carreira e vida do ator e diretor de teatro Zbigniew Ziembinski, com suas palavras, interpretadas por atores que trabalham com ele e pelo próprio, em vídeos de performances gravadas no passado.

    O documentário é levado pela personalidade do diretor polonês. A participação das narradoras Nathália Timberg, Nicette Bruno e Camilla Amado ajudam a ter noção da dimensão e importância de Zimba para a construção do que se entendeu por teatro brasileiro. Além delas, há boas citações de personagens como Jardel Filho, Walmor Chagas, Paulo José, Paulo Autran e Domingos de Oliveira. O filme mostra um personagem imigrante que viu a possibilidade de vir ao Brasil após a invasão de Varsóvia, quando dirigia uma peça e, por conta do bombardeio, fugiu.

    O Brasil se tornou então um lugar de seus sonhos e de sua vida, a alça de salvação de um homem que poderia ter morrido nas guerras europeias. As entrevistas gravadas em vídeo e os teatros filmados impressionam pelo fato dele dominar muito bem a língua, com um sotaque imperceptível. É dito por ele mesmo que esse foi um dos seus principais esforços, de entender o idioma brasileiro e de entender a alma dos brasileiros, embora isso seja discutível, pois Camilla Amado, ao imita-lo, faz um sotaque estrangeiro, abrindo a possibilidade dele só se esforçar em frente as câmeras ou no palco.

    O roteiro destaca a parceria dele com Nelson Rodrigues, compara-o com um demônio e um anjo fundindo forças no teatro. A montagem de Vestido de Noiva de Ziembinski foi marcada por uma revolução nos palcos, principalmente pelo uso da luz, mudada 240 vezes durante a peça. Na época, o teatro não mudava a luz em momento algum. Também se fala abertamente de algumas polêmicas, como o uso de black face e as normas teatrais de não permitir atores negros protagonizando peças. Nem o espírito transgressor do estrangeiro o fez ser capaz de bater de frente com isso.

    Zimba é um filme bonito e poético, não é só uma biografia sobre um artista completo e inovador mas também um documentário histórico da arte, que ajuda a remontar a evolução do segmento, seus primórdios, além de também ajudar a traçar o panorama do que era a sociedade e como chegamos até aqui. Pizzini mira homenagear o personagem histórico e traça o retrato de uma geração, mostrando que ela não acabou e existe além dos atores que trabalharam e conheceram Ziembinski, um sujeito que se doou em vida para o teatro e que é louvado em morte.

  • Crítica | Os Quatro Paralamas

    Crítica | Os Quatro Paralamas

    Os Paralamas do Sucesso são parte do cenário do pop rock nacional há algum tempo. Já protagonizaram alguns documentários como Herbert de Perto sobre o guitarrista e frontman Herbert Vianna, até especiais televisivos como VH1 Behind the Music e outros. Os Quatro Paralamas é um longa de Roberto Berliner e Paschoal Samora e tem a intenção de ser um recordatório de cunho pessoal da história da banda, inserindo o empresário Zé Fortes como parte integrante da fórmula de sucesso da banda.

    O filme reúne imagens de arquivo e gravações inéditas pois Berliner e Samora eram bem íntimos do conjunto e se valeram disso para registrar atos e viagens há muito tempo. Já na atualidade os quatro conversam diretamente para o documentário, com falas que parecem ensaiadas, mirando a harmonia, destacando que poucas vezes brigaram entre si, mas sem qualquer naturalidade na abordagem.

    O documentário não foge da ideia de destacar a intimidade dos compositores e músicos. Vale a pena por ser um bom registro histórico, do amadurecimento e envelhecimento de Herbert, Bi Ribeiro (baixo) e João Barone (bateria), mas não tem a mesma força de outros produtos primos, como A Vida Parece Uma Festa que aborda a história dos Titãs, por exemplo. Não há muita ousadia.

    Ao menos são mostradas cenas raras, como ensaios com o músico argentino Fito Páez, além de diversas homenagens. Fato é que não se toca em qualquer polêmica ou qualquer assunto minimamente espinhoso. Os diretores produzem uma obra que tem momentos legais e divertidos, mas soa morna. Pouco acrescenta em informação, especialmente para o fã, parecendo em alguns pontos mais um produto comercial encomendado pela assessoria de um artista.

  • Crítica | MLK/FBI

    Crítica | MLK/FBI

    MLK/FBI é um documentário de Sam Pollard, diretor conhecido pelo elogiado The Talk: Race in America. Aborda a os arquivos do FBI sobre o reverendo e ativista Martin Luther King, indicando a abordagem completamente parcial e desonesta em cima dessa figura. O filme começa com falas do presidente republicano Ronald Reagan em um discurso bizarro, comentando a historia dos Estados Unidos e as manifestações populares, sobretudo as raciais, como se fossem iguais as batalhas entre bem e mal dos filmes de mocinho que protagonizava quando novo, relegando o papel de vilão aos grupos protestantes de maneira nada sutil.

    É estranho como discursos vindos de classes tradicionalmente tratadas como inferiores são necessariamente associadas a malignidade por parte de figuras de autoridade, mesmo quando o tom da fala é conciliatória como era no discurso de King. O pastor era considerado o negro mais perigoso do país, o homem visto com maior potencial destrutivo para o status quo e o regime de poderes que vigoravam na segunda metade do século XX.

    O filme possui um ritmo um pouco truncado, mas toda a investigação da produção a respeito da paranoia do país e da forma como J. Edgar Hoover lidava com a questão de Luther King ser subversivo é muito bem escrutinada. Na tela se expõem as estranhas de um país que não sabe lidar realmente com as liberdades individuais, embora todo o discurso, para dentro ou fora de suas fronteiras, dê conta dos Estados Unidos como uma pátria que valoriza suas origens democráticas e a liberdade de pensamento e expressão.

    Pollard não tem pudor em mostrar o quão irresponsáveis e injustas foram as autoridades, levantando mentiras contra o pregador, revelando supostas indiscrições, frutos de um reacionarismo tacanho de quem estava no poder em uma época de ebulição e luta de classes. O filme poderia ser mais enérgico, mas de modo algum aliena o espectador.

    Há uma espera, muito justa aliás, para que em 2027 sejam reveladas as fitas originais com os registros da agencia sobre Luther King. Em meio a tantos boatos e fofocas a respeito da vida pessoal de MLK, a obra de Pollard consegue levantar bons indícios de perseguição ao reverendo, que podem inclusive ter influenciado na brevidade de sua trajetória. MLK/FBI é elucidativo e não cai em armadilhas conspiratórias. Além de conversar muito bem com os recentes Judas e o Messias Negro e Os 7 de Chicago, também acrescenta bons temperos aos tempos atuais e as complicadas situações e batalhas travadas contra o reacionarismo que vigora.

  • Crítica | Paraíso

    Crítica | Paraíso

    Paraiso é um longa metragem de Sergio Tréfaut, cuja proposta é bonita: mostrar as rodas musicais românticas de idosos que se reuniam no bosque do Palácio do Catete para cantarolar músicas românticas antigas, lugar tradicional que serviu entre 1897 e 1960 de morada para os presidentes da república e que hoje é lugar de encontro do povo mais humilde carioca, entre eles, as pessoas da terceira idade que participam desses sarais.

    O Palácio nos últimos anos se tornou palco para cinema, exposições, comportando o Museu da República que serve de cenário para algumas manifestações culturais populares, incluindo o Festival do Rio. Entre esses eventos, ocorriam até início de 2020 esses encontros de amor . Obviamente que a proposta desse registro do documentário foi interrompida graças a pandemia de Covid 19 e pela suspensão desses encontros. Até então, os personagens são muito vivas, alegres, mesmo com todas as restrições oriundas da terceira idade, como dificuldade de locomoção e fragilidades físicas.

    Os idosos que permeiam o filme mostram uma alegria e felicidade de viver de gente que é normalmente excluída até por suas famílias. A mensagem proposta é bonita, de não tentar abreviar uma vida só porque a idade é avançada. É impossível não achar engraçada a franqueza e sinceridade típica da terceira idade, fator esse que se faz muito presente. As falas que pareceriam ferinas em outros momentos da vida, aqui soam charmosas e engraçadas.

    Para o espectador que não faz parte desse grupo talvez seja difícil entender os dramas e agruras comuns a quem percebe a possibilidade e a proximidade do fim da vida. Esses encontros, por mais simples que sejam, angariavam ânimo a vida dessas pessoas que são igualmente simples. A ideia de pertencimento é bem semelhante a necessidade de culto e devoção religiosa, embora o intuito aqui seja bem diferente, de criar uma comunidade em torno de um gosto em comum e não do louvor a uma figura invisível.

    Paraíso é um bom retrato de um Brasil suburbano e periférico, da tristeza que é comum infelizmente a uma parcela popular do povo, que merece viver e que é tão massacrado, especialmente nos últimos anos com a retirada de direitos pós mudanças econômicas dos governos recentes. Fora tudo isso, ainda é causada forte emoção em quem assiste a obra de Tréfaut,  por perceber que boa parte dos homens e mulheres que aparecem na frente das câmeras sofreu ou sofre com a pandemia do novo coronavírus, alguns de forma trágica. Em última análise, o documentário é um dos muitos registros emocionais do drama nacional que infelizmente só se agrava.

  • Critica | Collective

    Critica | Collective

    Collective é um documentário sobre um incidente incendiário em Bucareste, na boate Colectiv, que matou 27 e feriu 180 pessoas. O longa-metragem de Alexander Nanau investiga as fraudes do sistema político da Romênia a partir do vazamento de informações que um médico fez a um grupo de jornalistas. Fraudes que assustaram a opinião pública local mas que são bastante comuns em outros cenários, como a política brasileira. O diretor teve acesso aos bastidores políticos e apresentou o seu panorama jornalístico e cinematográfico a respeito do incidente.

    O filme indicado ao Oscar na categoria Melhor Filme Estrangeiro e Documentário trata primeiro da tragédia em si,  do impacto que ela causou em quem estava no momento que o fogo tomou a casa e nas pessoas que cercam as vítimas. Depois, explora a historia periférica da politica romena e, em meio a isso, sem esquecer dos detalhes das historias dos sobreviventes. Aborda questões pesadas de quem teve a vida comprometida por conta do fogo, momentos que conseguem emocionar sem soar piegas.

    Os personagens são meticulosamente escolhidos. Há sutileza ao se tratar dessas tramas, as personagens não são tratadas com comiseração. Nanau traz uma estética que foge do simples clichê e da estrutura quadrada de documentários com entrevistas e voz em off. Há inclusive cenas do dia em que ocorreu o incidente, imagens de câmeras internas cuja resolução é bastante aprimorada e que mostram detalhes do horror ali presente. A cena que mostra o show de metal com o fogo correndo o teto e caindo sobre o tecido improvisado, logo após o termino de uma música, é dantesca. Mesmo nessas gravações se nota que a performance musical poderia ter tornado aquele momento em algo ainda mais trágico.

    O impacto do filme é amplificado por conta dos infelizes escândalos de corrupção ligados a pandemia que ocorreram no Brasil e no mundo, pois o caso da Colectiv também deveria causar nas autoridades certa solidariedade e não ganância desenfreada. A exemplo do que ocorreu em várias praças durante a pandemia do novo coronavírus, houve aproveitamento ilícito e inoportuno de autoridades desonesta. Mesmo que o longa tenha alguns problemas de ritmo, sendo bem arrastado em vários pontos, o seu apelo é real, trata de questões muito delicadas e importantes não só dentro do seu cenário nacional, mas também além fronteiras já que encontra eco em situações vistas no mundo inteiro.

  • Crítica | Os Comprometidos:  Actas de um processo de Descolonização

    Crítica | Os Comprometidos: Actas de um processo de Descolonização

    Os Comprometidos: Actas de um Processo de Descolonização, dirigido por Ruy Guerra em 1984, originalmente produzido para a Televisão Experimental de Moçambique e compilado no formato de um média metragem de apenas 48 minutos. Na prática ele é uma edição de seis dias de filmagem praticamente ininterruptos de Guerra, que visava exemplificar como era o sistema legal do país africano de língua portuguesa onde o cineasta nasceu.

    O assunto principal aqui é o julgamento de colaboradores do regime colonial. O país, independente desde a primeira metade dos anos setenta depois de uma longa guerra civil que variou entre 1964 e 74 – esse foi também o último ano do Estado Novo que dava prosseguimento a era Salazar em Portugal – colocou o presidente socialista Samora Machel no poder. Os órgãos jurídicos julgaram os antigos parceiros de forma contundente e bastante rígida. Era um revide, registrado de maneira crua e praticamente sem cortes pelo cineasta.

    Mesmo sem grandes variações de ângulos de câmera, Guerra mostra o autoritarismo do governo de Machel. O político é um personagem intervencionista no filme, conhecido como “Pai da Nação”, morreu em um acidente aéreo suspeito, quando regressava a Maputo, capital do país, onde nasceu o cineasta. Machel era personalista, agia de maneira caricatural, quase como um personagem de si mesmo, mas bastante carismático e gostava de trocar de figurinos nas sessões de direito, era de fato uma pessoa diferenciada e abraçada como um sujeito fora da curva.

    O diretor produziu 29 rolos de filme de 16 milímetros cada. Era uma quantidade enorme de material bruto, e esse documentário procura registrar uma resposta enérgica as forças contra a independência, afirmando de maneira categórica que não há como ser polido ou pacificador com o domínio fascista, e apesar da tentativa de “só registrar”, seu documentário justifica os atos dos biografados. Os Comprometidos: Actas de um Processo de Descolonização mostra uma alternativa agressiva e contundente contra o autoritarismo colonizador.

  • Crítica | O Alvorecer de Kaiju Eiga

    Crítica | O Alvorecer de Kaiju Eiga

    O Alvorecer de Kaiju Eiga é um documentário abrangente e elucidativo a respeito do fenômeno dos filmes de monstros gigantes japoneses pós-segunda guerra. Conduzido por Jonathan Bellés, o longa traça um paralelo entre a bomba atômica lançada em Hiroshima com o fenômeno de monstros gigantes atacando Tóquio e outras cidades do Japão.

    Na hora de falar a respeito da saga Gojira/Godzilla o filme detalha as diferentes fases da saga comandada pela Toho e destaca as eras Showa, Heisei, Millenium e Reiwa. Para remontar essas questões, Bellés entrevista membros da produção, entre eles o ator Akira Takarada, de Godzilla de 1954.

    Uma das boas histórias resgatadas é a do especialista em efeitos especiais Eiji Tsubaraya, que na década de cinquenta foi impedido de assinar as obras que participava por conta dos filmes propagandistas japoneses pré-Segunda Guerra Mundial que prestou serviços. O documentário revela sem pudor que após a derrota do Eixo para os Aliados, a política americana impediu gente da indústria da arte de trabalhar com o que sabiam fazer, entre eles Tsubaraya. A importância dele é tanta que quando faleceu, Ishiro Honda, diretor de Godzilla e King Kong vs Godzilla, afirmou que ele era o mais importante dos artistas que produziram filmes com Kaijus e que sem ele o gênero tokusatsu não existiria.

    O filme reúne entrevistas antigas, e essas histórias de bastidores enriquecem bastante a experiência de ver os filmes  e ajudam a entender um pouco do fenômeno que essas criaturas causaram em público e crítica. É curioso como Gojira causou mais impacto do que King Kong, de 1933, no sentido de criar um subgênero e produtos relacionados, evidentemente, os efeitos visuais duas décadas depois colaboraram com isso. No entanto, o fator defendido em O Alvorecer de Kaiju Eiga para o maior sucesso de Godzilla em comparação com seu “rival” foi o sentimento melancólico do Japão pós-guerra, pois perder o conflito aparentemente fez que o público não tivesse tanto pudor em ser mais pessimista e depressivo, enquanto os “vencedores” dos Estados Unidos, teriam afeição mais natural a temáticas mais inspiradoras e otimistas, tanto que Godzilla: O Rei dos Monstros, a versão dos EUA para Godzilla, lançada em 1956, foi reeditada com roteiro diferente e um forte esvaziamento do subtexto antinuclear.

    Bellés faz um filme que introduz muito bem o conceito envolvendo este subgênero, mesmo para aqueles que não são entusiastas, e ainda traça paralelos com a sociedade e o consumo desse tipo de produto. Além disso, retrata como Gojira foi evoluindo em conceito, em alguns pontos sendo o resultado da interferência humana na Terra, ora a reencarnação das almas perdidas na guerra, e em outras servindo de alerta ao consumo desenfreado de recursos naturais. Mesmo tendo menos de uma hora, o filme consegue traçar paralelos da filmografia com as catástrofes do mundo moderno e ainda causar curiosidade no espectador.

  • Crítica | A Senhora que Morreu no Trailer

    Crítica | A Senhora que Morreu no Trailer

    A Senhora que Morreu no Trailer é a resultante de uma homenagem que os diretores Alberto Camarero e Alberto de Oliveira fizeram em torno de vida e carreira de Georgina, uma mulher do sertão baiano que ganhou notoriedade como Diva Rios na época da efervescência cinematográfica da zona paulistana da Boca do Lixo, bem como de Suzy King como foi conhecida na Lapa e Copacabana no Rio Janeiro. O documentário viaja até a fronteira entre EUA e México, onde ela faleceu, já com uma terceira alcunha, Jacuí Japurá, uma mulher que fazia números com serpentes e cobras.

    Ao visitar o trailer onde os último momentos da vida de Georgina ocorreram, os diretores apresentam uma abordagem contemplativa, de início acompanhada de uma característica música de mariachis que conversa bem com a contumaz percepção preconceituosa dos estadunidenses com os latinos, insistindo que todos os povos abaixo de sua fronteira  tem a mesma cultura e consumo.

    O filme é itinerante, passeia pelos cenários onde Suzy/Jacuí se apresentou, em comum entre eles, há pichações nos prédios antigos, pisos gastos e mal tratados, e lixo espalhado pelo espaço urbano que é o típico lar das criaturas da noite e da boemia. Toda área coberta por ela é bem exemplificada, a montagem favorece e dinamiza o registro histórico.

    O trabalho histórico que Camarero e Oliveira empregam aqui não mira só na história de uma artista esquecida, mas também na valorização do trabalho artístico marginal. Há uma sábia escolha em falar de praças menos favorecidas, emulando evidentemente a condição de luta e resistência desses artistas.

    O filme carece de um ritmo mais dinâmico, abusando de excessos e repetições, mas dado o fato de que essa história é a de uma quase anônima, esse resgate ajuda a aplacar a sensação do longa ser extenso demais. Os diretores fazem um trabalho hercúleo de resgatar a história de King e traze-la a um público que certamente não saberia de sua existência não fosse esse esforço, ao mesmo tempo que se faz isso, também há uma valorização da arte de rua e marginal.

  • Crítica | Boa Noite

    Crítica | Boa Noite

    Clarice Saliby começa seu longa, Boa Noite, colocando Cid Moreira, seu objeto de analise, diante de um desafio que se mostra complexo: configurar a inteligência artificial de um celular para compreendê-lo. Cid tenta conversar com a Siri, a assistente inteligente da Apple. Sem sucesso, o jornalista e principal voz do Jornal Nacional tenta abrir sua vida e intimidade para a câmera, finalmente deixando de noticiar ou narrar os acontecimentos para  se tornar o alvo, tornar-se a própria notícia.

    O biografado é lúcido. Entre os VTs de seus trabalhos de narrador e âncora, mostra as agendas que guardou consigo. Cadernos antigos que davam conta de sua rotina, desde o simples dia a dia com a dieta que pratica, até detalhes diferentes como a frequência de idas ao banheiro. Além do básico, destacando os trabalhos que fez e que ainda faz. Ele narra bem seus dias, desde quando veio do interior paulista de Taubaté até os dias atuais, mais aposentado do que ativo.

    O filme é simples e se vale da boa participação de seu personagem central com a narrativa de sua trajetória, desde os jornais cinematográficos, no especial de esportes que passava na grande tela (o Canal 100  que reunia o tape de esportes populares), até a chegada da televisão com o trabalho na Tv Excelsior e, finalmente,  no Jornal Nacional da Tv Globo em que esteve por  27 anos, entrando para o livro dos Recordes como o mais longevo apresentador de um mesmo jornal diário.

    Boa Noite é emocional, se aventura a falar de questões mais polêmicas, como quando Cid se declara sem lado político, mas não se aprofunda. Como ele próprio, que se diz um mero propagador de palavras escritas por terceiros, o documentário parece apenas apresentar sua trajetória. A obra se torna um louvor a vida, a carreira e a rotina atual de um sujeito midiático que fez parte da maneira como a notícia chegava a casa das pessoas, sobretudo as mais populares do Brasil. Mesmo sem maiores aprofundamentos consegue trazer uma aura simpática ao comunicador veterano, dando lastro até para um possível novo documentário sobre o príncipe dos mistérios, o Mister M, mágico famoso no Brasil pela narração de Cid no Fantástico.

  • Crítica | Os Arrependidos

    Crítica | Os Arrependidos

    Baseado no livro O Terror Renegado de Alessandra Gasparotto, Os Arrependidos é um filme da dupla Ricardo Calil e Armando Antenore que conta  a historia dos ex-guerrilheiros que quando jovens, sofreram tortura para se assumir como arrependidos, inclusive indo a imprensa afirmar que mudaram de ideia em relação a ideologia que antes professavam, classificando assim seus antigos atos como um “terrorismo” que pertence ao passado. O filme conversa com algumas dessas pessoas, Gustavo Guimarães Barbosa, Marcos Vinicios Fernandes, Celso Lungaretti, Marcos Alberto Martini, Rômulo Moreira Fontes. além de falar com alguns parentes desses ex-presos.

    O documentário não tem pressa, as entrevistas são francas e eles falam sobre como entraram nos grupos revolucionários, assumindo que não tinham muito como ocupar o tempo ocioso de sua juventude, que diversão era um artigo de luxo e raro na época, então o lugar contra o reacionarismo e a falta de liberdade eram um caminho óbvio, os movimentos secundaristas e estudantis eram a alternativa mais correta.

    Calil e Antenores variam entre os depoimentos recentes e as gravações antigas de qualidade visual ruim, condizente com os poucos registros de imprensa da época. O conteúdo dessas conversas impressiona, pela crueldade que foi imposta a eles. A curadoria da dupla de diretores é ótima, há cuidado em deixar legendas nas conversas para que o entendimento do público seja completo.

    Os tais “arrependidos” já estão na meia idade, mas nota-se que eles parecem mais velhos do que realmente são, como se a Ditadura roubasse deles os bons anos de sua vida. Chega ao cúmulo de uma irmã mais velha de um dos torturados parecer mais jovem, quase como se fosse ela uma filha de idade, cuidando do pai já bem idoso. Eles não se consideram traidores, cada um tem seus motivos para falar, e alguns, até seguem o pensamento ligado a esquerda, mas aceitavam falar sobre seus arrependimentos para ter liberdade, obviamente. Gustavo Barbosa por exemplo afirma que dentro dos seus limites, falava que a luta armada não era boa, mas não que concordava com o Regime.

    A edição é bem pensada, entre as falas dos entrevistados são colocados comerciais da época, fato que reforça a sensação de incômodo. Tanto a música dessas propaganda  quanto a falta de qualidade sonora das peças publicitárias, fica uma impressão de que os comerciais são curtas de terror.

    É de partir o coração quando se fala dos arrependidos já falecidos, ainda mais no que se fala a respeito dos arrependimentos, das mentiras e das torturas que passavam do físico e destruíam as pessoas em níveis de caráter, sentimentos e moral. Acompanhar toda essa historia, ainda mais atualmente quando ocorre um movimento político que defende práticas tão vis quantos essas é pesado. Um dos momentos mais chocantes do filme reside nas falas das parentes de um dos arrependidos já morto, Manuel Henrique Ferreira. Abaixo, um trecho da carta que Ferreira enviou, claro, resumido, já que a correspondência tinha 21 páginas:

    Ao final de Os Arrependidos, se dá o destino dos ex-militantes, alguns se tornaram jornalistas do veículo ligado a direita, A Folha da Tarde, alguns migraram para o movimento ultra direitista como O Integralismo , outros nem quiseram falar sobre seus arrependimentos porque as lembranças eram muito duras, e Massafumi Yoshinaga é tratado como uma das principais vítimas desse tempo, pois foi símbolo “positivo” para os milicos, por ter sido um dos mais notórios arrependidos, e depois, se suicidou. É uma historia dilacerante e uma vez publicado o filme, a obra ganha contornos de documento histórico, que brilha bastante por desvelar mais uma das muitas mentiras do Regime Militar brasileiro, que não foi nada brando com esses homens, que eram meninos a época.

  • Crítica | Horror Noire: A Representação Negra no Cinema no Terror

    Crítica | Horror Noire: A Representação Negra no Cinema no Terror

    Muito se discute a respeito da maneira pejorativa com que personagens negros aparecem no cinema, na televisão e nas demais encarnações do audiovisual. Desde a época do cinema antigo,  em que dificilmente havia atores pretos, com brancos interpretando-os utilizando a famigerada black face, ou em séries e novelas dramáticas, em que os atores são escalados para papéis de subserviência ou banditismo, há uma evidente falta de representação real. O intuito de Horror Noire: A Representação Negra no Cinema no Terror é estudar esse fenômeno dentro dos gêneros do horror e terror. Faz uma análise com qualidade e com diversas citações e louvor à figuras históricas do cinema de terror.

    Xavier Burgin, iniciante na direção de longas, começa seu filme em uma sala de cinema, onde coloca personagens dos bastidores do cinema de Hollywood vendo filmes. A escolha para iniciar a conversa foi óbvia: Corra! de Jordan Peele, que representa tudo o que o documentário defende. Uma historia sobre e feito por negros, sobre traumas e medos em comum entre todas as raças. Aos poucos, desenvolve a conversa com fatos consumados e com outros filmes. Entre eles não só filmes do gênero mas também O Nascimento de uma Nação de D.W. Griffith que glorificou a Klux Klu Klan. O roteiro se baseia no livro Horror Noire (publicado aqui pela DarkSide Books) do professor Robin R. Means Coleman e atravessa o trabalho de artistas como Oscar Micheaux e Spencer Williams, artistas que faziam papéis importantes nas produções do gênero mas que eram restritos a papéis estereotipados. Ainda assim, essas participações eram menos problemáticas que outras tantas.

    De fato, no inicio do cinema falado não havia muito espaço para papéis com artistas negros, em grande parte como certa evolução do preconceito ratificado e estabelecido pela obra de Grifith. Os filmes de Monstros da Universal quase não tinham papel para homens e mulheres negras. Exceção a um mago, feiticeiro ou personagem místico, um clichê que ainda permanece no cinema e hoje é conhecido como o Negro Místico. Além desse, o documentário também aborda a questão do Negro Sacrificial, que consiste em um personagem negro disposto a salvar alguém branco.

    Ao mesmo tempo em que associam filmes de monstros gigantes à coloração da pele como algo temido (a exemplo de King Kong de 1933), também se louva A Noite dos Mortos Vivos de George A. Romero, não só pelo papel de protagonista de Duane Jones, mas também por que o terror de perseguição era real e mais universalizante. Assim, Horror Noire reúne participações de outros diretores como Rusty Cundieff (Contos Macabros), Ernest R. Dickerson (Bones), William Crain de (Blacula), e também apresenta participações de atores como Tony Todd, Miguel A. Nuñez, Ken Foree, Rachel True e Keith Todd com bons depoimentos apontando como poderia ser cruel a busca por papéis relevantes, ainda mais após a popularização da blaxploitation.

    O documentário é uma ótima forma de conhecer a historiografia do cinema norte-americano e as histórias de quem sempre foi relegado ou ao limbo ou a pequena importância. Bem como é um catálogo bem explicativo de como era o cinema da segunda metade do século passado abordando o negro. Bergin traça um bom retrato do cinema dos dois últimos séculos e ainda faz um afago emocional ao público, trazendo falas muito sinceras e sentimentais dos entrevistados. É uma reverência a arte que reconhece a representatividade como parte importante da cena mas não confunde isso com qualquer movimento revolucionário. Ao contrário, mostra que é preciso movimentação de pessoas e vontade política para favorecer o povo.

  • Cinefantasy 2021 | Balanço Geral – Documentários

    Cinefantasy 2021 | Balanço Geral – Documentários

    Além da mostra de filmes ficcionais, publicada na primeira parte desse dossiê, em Cinefantasy 2021 | Balanço Geral – Longas Ficcionais, o festival também realizou uma curadoria com documentários, alguns bastante inspirados, que lidavam com algo fantástico ou lúdico. Confira a lista.

    A Senhora que Morreu no Trailer (Alberto Camarero e Alberto de Oliveira, 2020)

    O filme investiga a história de Georgina, uma mulher artista nascida no sertão baiano, que passou por diversos locais com nomes variados.Na Boca do Lixo usava o nome Diva Rios, nas terras cariocas era Suzy King e no exterior era conhecida como a encantadora de cobras Jacuí Japurá. Ao explorar a sua misteriosa morte em um trailer na fronteira entre Estados Unidos e México, o filme se torna uma ode aos artistas de rua, ao entretenimento marginal e um resgate de uma história pouco conhecida de uma mulher além de seu tempo.

    A Vingança de Jairo (Simon Hernandez, 2019)

    Documentário divertido a respeito do cinema de Jairo José Pinilla, realizador que nos anos 70 e 80 fazia muitos filmes de cunho fantástico na Colômbia. O documentário causa um desejo enorme de acompanhar a sua filmografia que nem é tão extensa. Jairo é um personagem bastante rico, divertido e prolixo. É um bom resgate e uma ótima introdução ao público que não conhece o cinema dele.

    Horror Noire: A Representação Negra no Cinema de Terror (Xavier Burgin, 2019)

    Documentário cujo formato tem sido cada vez mais popular no mundo e no Brasil, consistindo basicamente em um estudo sobre algum gênero ou movimento em que se citam filmes pertencentes a esse nicho. Burgin mergulha nas manifestações de atores e artistas pretos no cinema de horror, com foco em Hollywood mas também aborda outros cinemas. Tal qual A Vingança de Jairo, esse também causa uma curiosidade enorme em cada um dos filmes citados e, além disso, o roteiro não apela para panfletarismo barato. Ao contrário, tem uma boa noção do quadro político do mundo. Possivelmente é o mais imperdível entre os filmes do festival.

    Morgana (Isabel Peppard e Josie Hess, 2019)

    Aborda a história de Morgana Muses, atriz de filmes pornográficos que começou sua carreira aos 50 anos, quando era apenas uma dona de casa. Seus filmes são ligados a um movimento de filmes feministas. O documentário não deixa muito claro como esse nicho funciona, mas há um registro bem detalhado de sua carreira, tanto quanto protagonista como na produção e direção desses filmes. Não fica claro o motivo desse filme estar no Cinefantasy, afinal, não há nada de fantástico nele.

    Narrativas do Pós (Graubi Garcia e Jairo Neto, 2020)

    Filme brasileiro, usa a ficção científica no cinema e literatura para explicar o mundo pós-Covid e a bizarra situação política brasileira. A edição é dinâmica e por mais que o conteúdo do documentário de Garcia e Neto seja pesado, assisti-lo é divertido, especialmente por perceber que o negacionismo tão em voga na política bolsonarista ou trumpista, já foi tão profetizado por Isaac Asimov, Ray Bradbury, Arthur C. Clarke e demais criadores de histórias sci fi. Esses autores, por mais otimistas que fossem suas obras, dão declarações bem contundentes a respeito do “mundo real”, e isso é bem registrado aqui.

    O Alvorecer de Kaiju Ega (Jonathan Bellés, 2019)

    Documentário breve e pontual sobre o fenômeno dos filmes de monstros gigantes, os Kaijus. Investiga  o fenômeno no Japão, como ele influenciou o resto do mundo e os impactos até hoje dentro da cultura pop. Em tempos de Godzilla vs Kong, o filme é ainda mais salutar, até mesmo por conta das conclusões sobre política que ele aborda.

    O Psicopata, Crônica de um Caso Não Solucionado (Estefanie Céspedes, 2019)

    A história  é bastante curiosa, Céspedes, o diretor, investiga a origem do primeiro serial killer registrado na história da Costa Rica, que agiu entre 1985 e 1995 e deixou quase 20 vítimas, ao menos entre as que se comprovou sua participação. A maior curiosidade do filme está no fato da identidade do bandido não ter sido descoberta até a atualidade. O filme não possui muita fluidez ou cadência, é preso demais a formula de entrevistas e opiniões puras e simples.

  • Crítica | Vicenta

    Crítica | Vicenta

    Uma jovem, com deficiência mental, é estuprada por seu tio. O crime gera uma gravidez, e a situação sequer é compreendida pela vítima. Amparada pelo Código Penal da Argentina, país em que vive, a mulher leva o caso à Justiça a fim de realizar o aborto. O que seria o cumprimento da Lei acaba esbarrando em burocracias judiciais e em dogmas morais e religiosos, levando Vicenta, a mãe da vítima e personagem que dá nome ao filme de 2020, a enfrentar o sistema judiciário do país e o estigma da sociedade argentina.

    O filme de Darío Doria foi lançado poucos meses antes da aprovação do aborto legal na Argentina dentro das primeiras 14 semanas de gestação. Vendo-o hoje, na edição deste ano do festival É Tudo Verdade, com tal perspectiva histórica, não é estranho perceber o tom difuso que o documentário animado assume. Parte lamento, parte celebração, Vicenta se encarrega de analisar os sintomas criminosos de uma sociedade conservadora, mesmo que sem pretensão de fornecer um diagnóstico para além do debate que cerca a interrupção da gravidez.

    O espectador brasileiro não precisa dos fatos tratados no filme, ocorridos em 2006, para que tenha seu próprio julgamento sobre o caso. O Brasil de 2020, assombrado pelo de 2018 e amaldiçoado até sabe-se quando, passou por uma repercussão semelhante ao da argentina Laura, mas tratando-se de uma menina pernambucana de 10 anos. As manifestações de cunho religioso de cada situação podem evocar seu par, da mesma forma que os entraves judiciais, que até então eram previstos no ordenamento jurídico, emperraram devido ao debate público acalorado.

    Vicenta, que se refere à filha doente como “uma criança que cresce, mas não cresce”, não tem seu nome no título principal à toa. É por meio de sua figura e ponto de vista que os 70 minutos de projeção percorrem seus caminhos. Com bonecos feitos de massa de modelar e imagens reais de noticiários da época, o documentário se desdobra numa linearidade simples, indo do ponto inicial ao final sem tomar vias tortuosas. O pragmatismo do filme, guiado pela protagonista e a narrativa, poderia ser o ponto principal de uma potência dramática, mas que se resume ao sentimento dúbio e por vezes conflitante já abordado.

    Não que a tônica seja de fato problemática, mas o documentário soa aquém de alguma intenção de manifesto, reservando-se mais como um retrato histórico de um tempo não tão distante e de uma mentalidade social ainda existente. O quadro é reforçado pelas figuras planas, sem vozes e com poucos nomes, que assumem funções em vez de personalidades. Da mesma forma que os bonecos estáticos, que dependem de seus arredores para que algum movimento seja visto em tela, esses personagens dependem da casualidades de seus ambientes. Meros peões que precisam do movimento de outras peças para que prossiga o jogo de suas vidas, com raras chances de uma posição de xeque-mate.

    A personagem real de Vicenta assume esse lugar no tabuleiro, tal qual sua representação fílmica. Apesar de se resguardar um tanto em seus debates, o documentário tem força suficiente em sustentar a tensão entre a efemeridade e perenidade das causas ali abordadas.

    Texto de autoria de Arthur Salles.

  • Crítica | Edna

    Crítica | Edna

    O peso do passado sufoca o viver do presente. Asfixiado, tampouco o futuro pode ser vislumbrado. As memórias que carrega há 70 anos fazem de Edna Rodrigues de Souza um mero dispositivo de rememoração de um tempo não tão distante, em exceção aos anos precedidos, mas que se repete desde então, sem perspectiva de fim. Em Edna (2021), Eryk Rocha (Cinema Novo, Campo de Jogo) aborda de forma sutil o elo que sustenta o ciclo de opressões de forças institucionais aos desamparados do Brasil de ontem e hoje.

    Sobrevivente da Guerrilha do Araguaia, a personagem que dá nome ao filme se deixa filmar sem que fale para a câmera a narração que atravessa o off do documentário. A voz é de Edna, mas não necessariamente daquela vista em cena. O invisível toma forma nas letras de um diário quinquagenário e ganha liberdade no recitar da protagonista durante a uma hora de projeção do filme. A vazão que Edna tem em seus relatos diverge da rigidez da câmera que acompanha seu dia a dia às margens da rodovia Transbrasiliana, entre os estados do Pará e do Tocantins.

    O diretor parece estar ciente disso. Ainda que suas lentes permaneçam sempre à certa da distância da personagem, aproximando-se somente em zoom, Edna é permissiva o suficiente para ser seguida na cama, ao tomar banho, ao discutir sobre sentimentos amorosos com seu companheiro. O conjunto que se forma no quadro da precária habitação da protagonista é o de desolação e solidão, contrastado com o fluxo e presença da estrada que atravessa sua vida e os caminhos do país.

    Da mesma forma, a estaticidade das cenas contraria a dinâmica da narração, como num ensaio entre vida e sonho. É desses opostos que Rocha e Edna, a mulher e o longa-metragem, tratam de um Brasil que insiste em renegar o passado e padecer desse erro no presente, numa constante de repressão e massacre. Asfixiado, tampouco o futuro pode ser vislumbrado.

    Texto de autoria de Arthur Salles.

  • É Tudo Verdade 2021 | Balanço Geral – Parte 2

    É Tudo Verdade 2021 | Balanço Geral – Parte 2

    Prosseguindo em nosso balanço do É Tudo Verdade 2021 (leia sobre a Parte 1 aqui), falamos agora de alguns dos filmes que passaram na plataforma Sesc Digital, outros das mostras competitivas e um pouco dos premiados.  Na competição internacional, o a coprodução Dinamarca, Estados Unidos e Noruega Presidente venceu como melhor longa-metragem.  Já Os Arrependidos ganhou o prêmio de Melhor Longa Nacional. Da parte dos curtas, A Montanha Lembra (Argentina, México) venceu,  e o filme nacional premiado foi Yaõkwa: Imagem e Memória, que também levou o prêmio do Canal Brasil. O júri também fez menções honrosas aos filmes Vicenta, Ser Feliz no Vão e Máquina do Desejo: Os 60 Anos do Teatro Oficina.

    2020 (Hernán Zin, 2020)

    Filme espanhol sobre o começo da pandemia de Covid-19, impressiona mais pelo fato da equipe de filmagem conseguir ficar tanto tempo no hospital (quatro meses praticamente ininterruptos) do que pelos fatos expostos, uma vez que o noticiário espanhol foi bastante debatido pela imprensa alternativa no Brasil e no mundo. Zin registrou todos os ângulos possíveis do impacto que o novo coronavírus causou na Espanha, mostrando até o destinos dos pets cujos donos morreram de Covid.

    Alvorada (Anna Muylaert e Lô Politi, 2020)

    Mais um filme a respeito do impeachment de Dilma Rousseff. O projeto de Muylaert e Politi tem alguns bons momentos, mas no geral, repete o que Democracia em Vertigem e O Processo já haviam feito antes, com a diferença de dar mais lastro para a classe C, que trabalhava no Palácio da Alvorada durante esse julgamento político.

    O Monopólio da Violência (David Dufresne, 2o2o)

    Esse esteve na Quinzena de realizadores de Cannes, e é um bom sinal de como funcionam os protestos populares na França. Dufresne reúne em seu filme algumas filmagens em primeira pessoa, de ações estúpidas e violentas da polícia francesa. Há debates acalorados, ações enérgicas e físicas contra o patrimônio público e outras ações mais violentas do povo contra a repressão das autoridades. Diretor e filme não tem receio em retratar a repressão como ela é, algo vil, mesquinho e que só pode ser retribuído com a mesma truculência imposta.

    MLK/FBI (Sam Pollard, 2020)

    Filme denúncia, aborda a desonesta abordagem do FBI ao reverendo e ativista Marthin Luther King. O filme do documentarista que fez The Talk: Race in America mostra o quão retrógradas podem ser as autoridades de um país e o quanto não há escrúpulos no procedimento de denegrir a moral de uma pessoa.

    História de um Olhar (Mariana Otero, 2020)

    Mariana Otero vai até o Camboja e demais países onde o fotojornalista Gilles Caron trabalhou. Caron era um fotojornalista famoso, que estava no auge de sua fama e trabalho, desapareceu no país asiático quando tinha 30 anos, sem deixar rastros ou vestígios e o documentário busca dar uma luz sobre esse estranho acontecimento e faz isso passando também pelas lindas imagens registradas por suas lentes, e claro, pelas denúncias humanitárias que ele fazia.

    A Última Floresta (Luiz Bolognesi, 2020)

    Selecionado para Berlinale, popular festival de cinema na Alemanha, esse é outro longa de Luiz Bolognesi que mistura elementos reais com ficção, e que usa o cenário indígena brasileiro como fundo da história, como foi também com Ex-Pajé, de 2018. Esse conta a historia de um xamã Yanomani que tenta manter as tradições de seu povo vivas, e o faz através de contos narrados com as imagens da câmera de Bolognesi. O filme é pretensioso entrega bem menos do que promete, e essa tem sido um tônica de Bolognesi enquanto realizador..

    Leonie, Atriz e Espiã (Annette Apon, 2020)

    Produção holandesa, o documentário trata da atriz Leonie Brandt, nascida em 1901 e falecida em 78, que depois do sucesso nos cinemas, se tornou espiã do serviço de inteligência holandês na Alemanha nazista. Apon inteligentemente usa cenas da própria artista em tela para exemplificar como foram os anos dela enquanto infiltrada no cenário fascista. O filme lida bem o duvidoso e com os mistério tradicionais da vida dela.

    Colectiv (Alexander Nanau, 2019)

    Colectiv concorre ao Oscar na categoria Melhor Filme em língua estrangeira, a co-produção da Romênia e Luxemburgo, fala a respeito da boate de Bucareste Colectiv, que em um incêndio, matou 27 pessoas e feriou outras 180, inclusive com mortes no hospital oriundas desse incidente. O caso ocasionou um vazamento de informação, de um médico para jornalistas e é descoberta uma fraude no sistema de saúde, Nanau então acessa os bastidores do modo de lidar com a saúde e com a corrupção da Romênia. Filme incisivo e certeiro.

    Zappa (Alex Winter, 2020)

    Zappa é um mergulho íntimo na vida e obra do icônico Frank Zappa. Winter, mais conhecido por ter sido dupla de Keanu Reeves nos filmes de Bill e Ted consegue passar por toda a carreira do compositor, interprete e musicista, sem soar raso ou piegas. O filme é íntimo e forte, uma ótima porta de entrada para o fã da arte que não conhece nada a respeito de Frank Zappa.

  • Crítica | História de um Olhar

    Crítica | História de um Olhar

    Como uma necromante, Mariana Otero devolve à vida Gilles Caron e a suas fotografias. Caron, desaparecido no Camboja em 1970, foi capaz de cobrir em pouco mais de três anos alguns dos principais momentos do final da década de 1960. São dele algumas das imagens em que o mundo rememora a Guerra dos Seis dias, em Israel; a Guerra do Vietnã; o conflito civil de Biafra e a revolta estudantil de Maio de 68, na França. Em História de um Olhar (2019), mais que relembrar, a diretora francesa exercita uma construção particular da vida de Caron e dos eventos por ele registrados, numa tentativa de entender a história que levou a seu desaparecimento.

    O fotógrafo é encarado de duas formas a partir dessa perspectiva: um homem comum e um memorialista de seu tempo, nunca desassociado da profissão e da intensidade de sua vida. Mariana tenta preencher o vácuo existente entre uma fotografia e outra, pressupondo situações de acordo com a ordem das capturas, do testemunho de pessoas próximas a Caron, de cartas escritas por ele e das imagens em si. Em dado momento, a diretora brinca com a ordenação das fotos. Se um conjunto de imagens tivesse sido feito antes de outro, como aquela situação registrada se desdobraria na carreira de Caron e até mesmo no mundo?

    É desse esforço dialético entre análise e criação que o filme se estrutura. Narradora e construtora dessas histórias, a realizadora se coloca como uma personagem ativa e consciente de suas escolhas. A intimidade com as fotos é tamanha que Mariana referencia Caron na segunda pessoa, como se ali o fotógrafo estivesse presente e como se aquelas imagens fossem uma representação daquele ser.

    A permissão coloca o espectador numa posição também de criador das tantas narrativas ensaiadas na projeção, uma vez que as falas de Mariana convidam o público a imaginar e por vezes participar dos momentos retratados. Para tanto, a montagem se vale de uma sucessão de fotos com significados individuais, mas com diferentes percepções quando visualizadas uma após a outra. Qual seria o aspecto mais próximo da realidade carregado pelo cinema em relação à fotografia se não a de retratar o decurso do tempo dentro de um espaço na presença do movimento? O filme parece ter essa consciência mística da sétima arte em energizar o visível e elucubrar o extracampo para além da estaticidade das películas fotográficas, ainda que utilize o material original de Caron para pensar as possibilidades que circundavam aquelas imagens.

    Das histórias que imagina, o documentário ainda tenta demonstrar parte dos processos tomados por Caron na captura das fotos. Ainda que especuladas, as opções dão sensibilidade à figura, como os recuos e avanços do fotógrafo em meio ao fogo cruzado, a identificação dele com um estudante que enfrenta a polícia parisiense ou das possíveis táticas aplicadas por Caron nas selvas vietnamitas a partir de sua experiência como combatente francês na Guerra da Argélia. A imagem do homem se sobrepõe à do fotojornalista e dele lança sentimentos mistos e diferentes aos que são percebidos nas expressões dos retratados.

    A narrativa criada por História de um Olhar para os lapsos da vida de Caron não é encerrada em si. Soluções são deixadas de lado, e outras tantas questões surgem sobre o personagem, sejam de antes ou depois do fatídico evento no Camboja. A ampliação humaniza os olhos detrás das lentes e põe sob ótica a história de um sujeito que viveu para registrar a história dos outros.

    Texto de autoria de Arthur Salles.

  • Crítica | Presidente

    Crítica | Presidente

    De herói a vilão, Robert Mugabe esteve no comando do Zimbábue por 37 anos. Seu governo foi interrompido após um golpe militar encabeçado pelo então vice-presidente Emmerson Mnangagwa. A nova gestão assumia o controle do país em 2017 com a promessa de garantir já no ano seguinte um pleito presidencial democrático e transparente.

    Presidente, da dinamarquesa Camilla Nielsson, acompanha a realização dessa eleição pelo ponto de vista do partido de oposição, a Aliança da Mudança Democrática (MDC). O filme vê o surgimento do jovem advogado Nelson Chamisa como candidato da chapa após a morte de Morgan Tsvangirai, líder do partido e amplo favorito segundo apoio popular. Cabe a Chamisa, a poucos meses da eleição, conquistar o eleitorado órfão e ansioso por reformas políticas e sociais no país.

    O longa opta desde o início em moldar sua narrativa em torno de uma estrutura típica de thriller político. As reuniões por trás de portas fechadas, os comícios com ampla adesão popular, as estratégias para a campanha de Chamisa. Tudo é disposto num ritmo que privilegia a tensão da trama num embate entre os personagens que são colocados como verdadeiros defensores do pleito justo e o governo vigente que parece preocupado demais com a extensão de mecanismos autoritários que garantam sua continuidade no poder.

    A lógica é simples, mas eficiente. As pretensões do filme são focadas no desenrolar das situações que acompanham a disputa eleitoral, culminando na contestação judicial do pleito por parte do MDC. Menos preocupado em ser uma análise da situação geral do país africano ou algo mais amplo que o mero cotidiano do comitê opositor, o documentário se propõe a investigar conflitos de ordem político-social sob a ótica de um grupo menor, mas que obviamente transbordam ao tecido da combalida sociedade zimbabuana.

    Embora favoreça a documentação dos fatos ao lado do MDC, o filme não se exime de acompanhar Chamisa até mesmo em momentos que o pragmatismo político e eleitoreiro do candidato se sobrepõe a um possível idealismo. É na figura do jovem político que Presidente carrega o espectador por boa parte da projeção, usando seu carisma como um movimento contínuo de sequência a sequência.

    Quando o candidato sai de cena, a produção aposta o tempo de tela em outros nomes do partido que antes somente orbitavam Chamisa. Mesmo sem a força do dito protagonista, os outros personagens são capazes de levar a história adiante pela própria gravidade das circunstâncias que se apresentam. Em certos momentos, a direção parece desacreditar dessa competência e passa a enfatizar o contexto em demasia, valendo-se de chamadas jornalísticas da época, narrações em off de comentaristas de TV e pequenos interlúdios com textos que fazem a transição ao longo da trama.

    O didatismo da informação chega a dar espaço ao didatismo de sentimentos. Em diversas ocasiões, o filme apela a elementos de catarse e comoção, como a trilha sonora que embala momentos supostamente trágicos, tal qual as passagens que enclausuram as expressões dos personagens em intensos close-ups. Os artifícios pouco funcionam no escopo geral do filme, uma vez que o próprio ritmo do longa encerra rapidamente tais mergulhos melancólicos.

    Ainda assim, o documentário tem mérito ao captar a atmosfera tensa e turbulenta do período, fazendo de Presidente um poderoso registro em tempo real das usurpações repressivas num Estado democrático de direito.

    Texto de autoria de Arthur Salles.