Tag: documentário musical

  • Crítica | Os Quatro Paralamas

    Crítica | Os Quatro Paralamas

    Os Paralamas do Sucesso são parte do cenário do pop rock nacional há algum tempo. Já protagonizaram alguns documentários como Herbert de Perto sobre o guitarrista e frontman Herbert Vianna, até especiais televisivos como VH1 Behind the Music e outros. Os Quatro Paralamas é um longa de Roberto Berliner e Paschoal Samora e tem a intenção de ser um recordatório de cunho pessoal da história da banda, inserindo o empresário Zé Fortes como parte integrante da fórmula de sucesso da banda.

    O filme reúne imagens de arquivo e gravações inéditas pois Berliner e Samora eram bem íntimos do conjunto e se valeram disso para registrar atos e viagens há muito tempo. Já na atualidade os quatro conversam diretamente para o documentário, com falas que parecem ensaiadas, mirando a harmonia, destacando que poucas vezes brigaram entre si, mas sem qualquer naturalidade na abordagem.

    O documentário não foge da ideia de destacar a intimidade dos compositores e músicos. Vale a pena por ser um bom registro histórico, do amadurecimento e envelhecimento de Herbert, Bi Ribeiro (baixo) e João Barone (bateria), mas não tem a mesma força de outros produtos primos, como A Vida Parece Uma Festa que aborda a história dos Titãs, por exemplo. Não há muita ousadia.

    Ao menos são mostradas cenas raras, como ensaios com o músico argentino Fito Páez, além de diversas homenagens. Fato é que não se toca em qualquer polêmica ou qualquer assunto minimamente espinhoso. Os diretores produzem uma obra que tem momentos legais e divertidos, mas soa morna. Pouco acrescenta em informação, especialmente para o fã, parecendo em alguns pontos mais um produto comercial encomendado pela assessoria de um artista.

  • Crítica | Simonal: Ninguém Sabe o Duro que Dei

    Crítica | Simonal: Ninguém Sabe o Duro que Dei

    Assistir Simonal: Ninguém Sabe o Duro que Dei hoje provoca no espectador uma sensação estranha, seja pelo seu formato que não condizia com sua época, 2008 – que aliás influenciaria o estilo da atual cena documental brasileira especialmente no quesito edição, ou por seu  tempero de teoria da conspiração, esse sim condizente com o fim dos anos 2000. O longa-metragem busca redimir a figura de Wilson Simonal, um dos maiores cantores brasileiros da história, acusado de ser informante durante à Ditadura Militar, sendo depois apagado da história que ajudou a construir dentro da música popular brasileira.

    Cláudio Manoel e seus codiretores Calvito Leal e Micael Langer cravam bem a identidade do cantor, os depoimentos de Chico Anysio, Tony Tornado, Luís Carlos Mielle, Sergio Cabral Pai, Nélson Motta, os filhos Simoninha e Max Castro, e até membros do Pasquim como Jaguar e Ziraldo ajudam a montar quem ele era e o peso que  tinha sobre a música.

    O documentário passa bem pelos momentos históricos da vida de Simonal, como o show do Maracanãzinho e a polêmica sobre o número de pessoas que estavam  na abertura do premiado Sergio Mendes, um fala que tinham 30, outro 40, um terceiro afirma que eram 50 mil, essa sacada aliás é muito boa, pois se torna um comentário metalinguístico, de que cada fala sobre o cantor sofre com memória afetiva. Simonal foi grandioso, dominador de multidões e maestro do povo, até de forma literal. Inebriante, sedutor, provocador e marrento, a pilantragem não morava só na música e estilo, mas também no seu estilo de vida.

    O filme não convence no que diz respeito a sua participação como informante do regime. O filme não consegue estabelecer sua culpa, nem que foi manipulado, muito menos ajuda a fomentar a teoria de que ele era só um sujeito ingênuo e impulsivo. Na época de seu lançamento, essa foi a principal crítica a esse respeito, talvez a recepção de público e crítica hoje fosse diferente, afinal boa parte da opinião geral a respeito de documentários não passa necessariamente pelo convencimento que as obras produzem, e sim pela gama de assuntos que suscita, e nesse ponto, o filme é riquíssimo e dá voz a um personagem fantástico de nossa história e identidade nacional.

    A cena de Simonal cantando, já idoso, magro, com rosto fino e debilitado era o retrato da decadência de um país mal resolvido. Sendo informante ou não, Simonal não foi anistiado, enquanto membros do próprio regime, inclusive torturadores, convivem normalmente sem qualquer peso pelo que fizeram ou deixaram de fazer, enquanto Simonal foi apagado de nossa história. Um registro belo e necessário.

  • Crítica | ReMastered: O Diabo na Encruzilhada

    Crítica | ReMastered: O Diabo na Encruzilhada

    Para os ouvintes assíduos de blues, um homem gera questionamentos e mistérios há décadas: Robert Johnson. Um verdadeiro mestre na arte da música, Johnson possuía um jeito ímpar de tocar seu violão. Uma técnica incompreendida na época (e por muitos até hoje). Tão misteriosa quanto sua técnica foi a vida do bluesman. Nascido no Mississipi nos primórdios do século XX, pouco se tem registrado além das 29 músicas gravadas, certidão de óbito e pouquíssimas fotografias.

    Fazendo uma verdadeira exumação da história, a Netflix produziu o documentário O Diabo na Encruzilhada (Devil At The Crossroads), título diretamente ligado à maior lenda envolvendo o músico: teria ele vendido sua alma ao Diabo em troca da famigerada técnica musical? Esta lenda torna-se mais verossímil à medida que o documentário, dirigido por Brian Oakes, avança em seus quase 50 minutos. Havia todo um contexto cultural e social da época envolvendo o forte cristianismo da região, que constantemente taxava o blues como “música do Diabo”. Afirmação esta corroborada constantemente pelos participantes do documentário, que vão de músicos a especialistas em cultura afro-americana. Talvez este seja um dos poucos elementos negativos do filme, visto que existe uma vontade quase fanática-religiosa de bater nessa tecla de “os cristãos demonizavam o blues”. Mesmo sendo verdade, houve uma certa forçação de barra para salientar esse ponto e, com isso, fortalecer a lenda da encruzilhada. Nada que desqualifique as demais qualidades da obra.

    Para quem não conhece a lenda, Robert Johnson sumiu por cerca de um ano, e quando reapareceu, estava com uma técnica musical extraordinária (até aqui é fato). Juntando este ponto às diversas referências em suas letras, Robert teria ido até uma encruzilhada, encontrado o Diabo, e lá o capiroto pegou o violão de Johnson e o afinou. “O violão por sua alma. Negócio fechado?”, e o resto é história (ou mito).

    Além dos especialistas em cultura afro-americana e diversos músicos, dentre eles o imortal Keith Richards, temos os depoimentos do neto e do filho de Robert Johnson. Mesmo que não haja esclarecimentos contundentes da história, foi feito um belo apanhado do que temos disponível sobre o bluesman. E claro, muita música por conta dos participantes e da trilha sonora do documentário. A dinâmica do filme é muito boa, não ficou tão engessada naquele formato padrão de documentários. Há os depoimentos, claro, mas estes são intercalados e até sobrepostos a cenas externas e animações muito bacanas, fazendo com que o depoente se torne um narrador momentâneo. Com isso, os 50 minutos passam rápido.

    ReMastered é uma série de documentários com diversos já disponíveis na Netflix.

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  • Crítica | Homecoming: A Film By Beyoncé

    Crítica | Homecoming: A Film By Beyoncé

    Enganado foi aquele que acreditou que Homecoming: A Film By Beyoncé, o documentário sobre o show de Beyoncé no Coachella de 2018 que estreou no último dia 17 de abril na Netflix, seria um filme para humanizar a cantora. A humana por trás do ícone. Não é só isso. O longa é escrito, dirigido e produzido por ela e isso deixa muito claro a autoconsciência de sua própria imagem, do legado de décadas. Homecoming, então, acaba sendo sobre a excelência de ser humana e também uma das maiores personalidades do mundo, de como Beyoncé é o resultado da História e abre portas para tantos outros.

    O documentário alterna entre dois momentos no tempo, as imagens do show e as imagens do processo do mesmo. A cantora se apresentaria no famoso festival em 2017, mas a gravidez surpresa de gêmeos mudou todos os planos e o espetáculo teve que ser adiado para o ano seguinte. Desde o começo havia uma grande expectativa em relação ao evento, Beyoncé seria a primeira mulher negra a ser headliner do festival, dois anos após ela lançar o já memorável Lemonade, álbum visual em que ela expõe suas aflições sendo uma mulher negra, buscando em suas origens a fonte de sua força.

    O show que até a artista subir no palco estava envolto em rumores e surpresas, durou horas e pôde ser assistido ao vivo pela transmissão oficial do festival no YouTube e imediatamente tomou conta da mídia, naquela semana só se falava da experiência completa que foi entregue. Completa mesmo, pois o documentário se aproveita dos respiros entre as performances para mostrar o processo criativo do grande dia, e fica claro a preocupação da cantora em suprir as necessidades de tudo que seria feito naquela noite. Além de ser um show historicamente importantíssimo, ele seria transmitido ao vivo, ele seria filmado para o documentário, ou seja, ele precisava ser cinematográfico, e o som seria utilizado para um álbum ao vivo – esse que foi lançado de surpresa, com 40 faixas, ao mesmo tempo que o documentário saiu na Netflix.

    É muita coisa, e ela parece ter pensado em cada detalhe. Se você der play em Homecoming e fechar seus olhos, a experiência será tão boa quanto, até mesmo quando a cantora utiliza de voz over para dar contexto às imagens de bastidores. Mas ao abrir os olhos, percebe-se que Beyoncé e seu co-diretor Ed Burke queriam muito mais do que um show ao vivo, as câmeras são onipresentes no palco, na banda, no elenco de dançarinos, na cantora, na plateia, mas não apenas registrando, mas ajudando a contar uma história. O palco enquadra, a luz compõe, é impressionante como um dos desejos da artista que é revelado durante o documentário funciona, em certo momento ela diz que quer que o público sinta a energia daquele palco, que a câmera capte as bases tremendo, o trabalho duro.

    E que trabalho de mestre, todos os artistas escolhidos a dedo pela cantora parecem ter crescido juntos com tamanha entrega e sincronia, é como uma família, e eles acabam sendo o grande triunfo do documentário. O show rodava na internet há um ano, o que o filme traria de novo? É quando percebemos que enquanto faz história, Beyoncé esfrega ela na nossa cara. O termo homecoming em inglês, no caso, significaria a reunião de ex-alunos, o longa utiliza de frases vindas de contextos universitários para exaltar a importância da educação para a população negra dos Estados Unidos, assim como das universidades para essas pessoas. O elenco do show é de jovens que de alguma forma têm um passado com o meio universitário, é a celebração da excelência desses jovens. É Beyoncé mostrando às duas décadas de Coachella que quem perdeu em não dar espaço a essas pessoas foi o festival, pois nada como o Beychella – nome dado ao show – havia sido feito antes, e acho que todo mundo com o mínimo de sensatez deva concordar que será difícil superar.

    Em um momento Beyoncé agradece por todas as mulheres que abriram as portas antes dela, logo antes de ver que uma fã da plateia está vestida como ela. O quão importante é existir Beyoncé? Em primeira instância me preocupou que o filme fosse encabeçado apenas por ela e narrado por ela da perspectiva dela, quantas camadas isso poderia proporcionar? Não sejamos ingênuos de acreditar que isso não impede o filme de ir muito além, mas é importante que seja assim. É Beyoncé compreendendo o poder do passado e o poder da educação negra, da arte negra em sua imagem, e controlando isso de sua forma. Ela sabe quem ela é e o que ela representa, que seja ela então quem conta sua história. Existe a cultura pop depois de Lemonade, e existe também a cultura pop depois do Beychella e seu homecoming, assim como foi Pantera Negra. Há um caminho bonito a ser seguido.

    Homecoming: A Film By Beyoncé é um documentário limitado e dura mais do que o necessário, mas injeta vida a cada bloco. Ao mesmo tempo que expõe em inúmeros ângulos um dos atos artísticos mais importantes do século, Beyoncé se mostra resultado de muitos, se mostra mãe e esposa, estudante da vida assim como todos nós. Humana também, mas muito além. E mais importante do que isso, Beyoncé deixa claro a vários jovens que portas servem para serem abertas, ou melhor, quebradas com golpe de salto 15.

    Texto de autoria de Felipe Freitas.

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  • Crítica | Ultraje

    Crítica | Ultraje

    De Marc Dourdin, produzido pelo próprio e por Sergio Kieling, e o documentário começa narrado por Roger Moreira, o vocalista e guitarrista da banda Ultraje a Rigor, que protagoniza o longa Ultraje, que obviamente conta a historia da banda de rock paulistana que ganhou notoriedade por conta de suas letras e estilo irreverentes e que recentemente se tornou famosa pela postura política de seus integrantes, sobretudo Roger, que se tornou uma das vozes mais ativas da direita entre os artistas mainstream, e que independente disso, tem uma carreira repleta de sucessos com altos e baixos.

    A historia investigada pelo roteiro de Daniel Chaia  é basicamente a de Roger, se detalha de maneira bastante rica  a juventude de Moreira, falando sobre a época que ele insistiu querendo ser musico, de quando dava aula de inglês para pagar seus cursos de musica e do tempo que morou no exterior, falando até sobre um problema de crise de pânico que ele tinha. Enquanto fala, a atual formação toca as musicas que fizeram sucesso por seu repertório.

    Os depoimentos dos ex-integrantes são bem legais, e mostram as antigas historias de quando eles ainda eram um conjunto de cover de Beatles, que se chamou The Littles e depois foi decidido por Ultraje a Rigor, a partir de uma sacada de Edgard Scandurra, que variava seu tempo entre a sua outra banda IRA! e o próprio Ultraje. Nesse ponto, o filme mergulha fundo, mostra até momentos de Scandurra como baterista da banda feminina As Mercenárias, fato um pouco esquecido até por fãs mais recentes do  IRA!.

    Mais até do que o destaque nas primeiras músicas de sucesso (Zoraide, Chiclete e Inútil), ainda no começo do documentário, há uma longa discussão sobre a gênese da cena paulista de rock, com a criação de uma espécie de um sindicato, onde as bandas, se reuniam na casa de Marcelo Fromer dos Titãs, que era um dos poucos na época que moravam sozinhos, para discutir onde tocariam, e combinar uma taxa mínima de cachê. Frequentavam essas reuniões não só o IRA! e banda de Roger, Leôspa e cia, mas também As Mercenarias, Magazine, Agentss, Azul 29, Voluntarios da Patria, e para os musicistas que viveram essa época foi por conta dessa uniãos que a gravadoras perceberam o nascimento desse micro movimento em São Paulo, que ia além inclusive do que Titãs, Ultraje e outras bandas ligadas ao tal sindicato

    Chega a ser irônico as escolhas de cenas das Diretas Já, onde os versos A Gente Não Sabemos Escolher Presidente eram acompanhadas de bandeiras de partidos, entre elas, muitíssimas do PT, organização que se tornou o oposto que Roger defende atualmente, mas lá estava o Utraje com João Barone dos Paralamas do Sucesso tocando bateria por conta de Leôspa estar machucado a altura do show, e eles sentiram a pressão de tocar para tanta gente e no mesmo palco que alguns políticos veteranos.

    A forma e conteúdo do filme são bem divertidos, por conta não só da irreverência da banda que no auge de seu sucesso, tocava de sunga ao vivo nos programas de Raul Gil, mas também por conta da montagem que é executada por Vitor Alves Lopes. O filme tem 91 minutos, e mais de quarenta minutos dele se dedicam basicamente a gênese do conjunto até a gravação do segundo LP, Sexo, ou seja, é quase metade do filme só discutindo a primeira formação, com basicamente uma pequena alteração na função de guitarrista,

    Os motivos que causaram o declínio da banda são bem explorados e explicados, especialmente por não ter sido apenas um. A explicação sobre a mudanças dos tempos é plausível, assim como a discussão sobre como funcionava a popularidade do conjunto, levando em conta conceitos como a moda musical de cada ano e década. O final do filme é um pouco melancólico de certa forma, por conta de quase não acontecer musicas inéditas após o disco Invisíveis. A fase da banda junto ao dois talk shows também é bem discutida, inclusive as críticas que são feitas pelo fato de serem uma banda de apoio do humorista e apresentador Danilo Gentilli, e apesar de o caráter do filme ser de extrema reverencia a historia do Ultraje, há um certo julgamento sim dos erros e acertos, em especial de Roger que é basicamente a alma e o cérebro da banda, e tal qual ocorreu recentemente com Barão Vermelho de Mini Kerti, é importante iniciativas como essa, pois ajudam a montar a memória do que já fez sucesso no cenário musical brasileiro, sobretudo o roqueiro.

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  • Crítica | Meu Tio e o Joelho de Porco

    Crítica | Meu Tio e o Joelho de Porco

    Chega ao circuito Meu Tio e o Joelho de Porco, longa que conta a história da banda punk Joelho de Porco através do diretor Rafael Terpins, que começa a investigar o diário antigo de seu recém falecido pai, descobrindo detalhes da vida de outro parente seu, o tio que teve participação na tal banda.

    O filme reúne elementos típicos de documentário com animação, além de obviamente fazer uso dos depoimentos de pessoas que participaram do passado da banda, que serviu de inspiração para boa parte da cena de rock alternativo paulistano. As influências dos integrantes e as boas sensações que tiveram os que participavam daquele cenário setentista são muito bem exemplificadas, não só pelas palavras dos entrevistados, mas também pelos vídeos antigos de baixa qualidade mostrados, que dão um ar de crueza muito autêntico ao longa.

    A banda foi chamada de punk por falta de um rótulo melhor. O humor é muito presente no roteiro de Terpins, em especial quando fala ou mostra um dos integrantes da banda que era desafeto do seu tio e que portanto, acabou por não ser entrevistado, embora haja uma citação a um texto seu de resposta ao convite para conversar. Tudo no documentário é uma grande piada, ao mesmo tempo se mostra extremamente reverencial à trajetória da banda.

    O realizador consegue resgatar bem a memória de uma banda que claramente influenciou todo o cenário de Rock underground brasileiro, e até um pouco do mainstream paulistano, e faz isso sem soar didático ou professoral. Meu Tio e o Joelho de Porco tem uma estética e narrativa modernizada e fala de modo irreverente e descolado sobre seu objeto de análise, trazendo muito da essência da banda biografada para uma linguagem mais atual.

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  • Crítica | Black Sabbath: The End of The End

    Crítica | Black Sabbath: The End of The End

    Dick Carruthers dirige esse produto, que mistura show e documentário. Black Sabbath: The End of The End acompanha a (até então) última turnê da banda. O ponto final do filme é basicamente em Birminghan, cidade natal do agora trio, formado por Ozzy Osbourne, Tony Iommi e Geezer Butler.

    O resgate às origens passa por explicitar para o espectador que Birmingham é uma cidade de operários, fato que torna tudo muito curioso, uma vez que normalmente se associa ao Sabbath a pecha pioneiros do heavy metal. O longa começa com End of the Beginning, uma das melhores músicas do décimo nono álbum deles, 13, lançado em 2013. A primeira das canções clássicas tocada é The Wizard – do álbum Black Sabbath, de 1970 – onde se percebe alguns pequenos sinais de senilidade de Ozzy, quando este esquece de plugar o retorno de seu headset.

    As partes em que o trio fala da carreira são mais interessantes que o show em si, especialmente quando falam como a banda era considerada outsiders pela imprensa londrina. O fato de serem excluídos pela mídia da época contrasta com toda adulação e adoração que recebem hoje, ao ponto de em sua turnê mundial, praticamente todos os shows estarem esgotados.

    O problema do longa é sua falta de identidade. É como uma colcha de retalhos, reunindo momentos engraçados dos ensaios recentes, onde Ozzy tentava desconcentrar os outros integrantes com gracinhas, momentos em que Osbourne faz um discurso antidrogas, juras de amor de Geezer por seu time Aston Villa e uma homenagem a Iommi, que sobreviveu recentemente a um câncer.

    Ao decorrer de sessenta minutos, sente-se um enfado enorme, graças ao ritmo do documentário. O resultado final de Black Sabbath: The End of The End é positivo basicamente por conta dos bastidores que o trio revela, em especial o método de composição que mantinham, com os riffs e composições de Iommi, melodia de Osbourne e letra de Butler. No fim das contas, apesar de sua falta de ritmo e algumas cenas despropositadas, o longa serve como objeto de curiosidade de seus fãs.

    https://www.youtube.com/watch?v=6pOB1WBJAuI

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  • Crítica | Chico: Artista Brasileiro

    Crítica | Chico: Artista Brasileiro

    Chico - Artista Brasileiro - poster

    Há dez anos, Chico Buarque foi tema de uma série documental lançada em home video em 13 volumes. Analisando a própria carreira, cada filme era dedicado a uma de suas vertentes musicais, bem como a família, a literatura e a todas as outras características que definem este grande compositor brasileiro.

    Diante de um lançamento ainda recente, o documentário Chico – Artista Brasileiro poderia soar redundante. Afinal, neste período, a carreira do músico e escritor foi renovada somente com um novo álbum, Chico, e o romance O Irmão Alemão, além de uma constante reverencia a qual o país tem com este compositor, símbolo da canção brasileira, obra de análise de diversos críticos e estudos literários e notícia para os jornais mais risíveis, focados em seus atos do cotidiano no Rio de Janeiro.

    Neste documentário de Miguel Faria Jr. – diretor que biografou anteriormente Vinícius de Morais – a figura do músico é novamente louvada sem medo de uma repetição temática, abrangendo de maneira geral sua figura a partir de depoimentos do próprio autor. Pequenos pontos de sua biografia são apresentadas somente como base para exaltá-lo e situar comentários a respeito da carreira, trazendo à tona uma versão mais íntima e pessoal de suas concepções. Além da figura conhecida, explorada e amada, Buarque se revela um homem ligado à cultura desde a infância, com percepções coesas sobre o significado da arte e a composição musical e literária. Retirando a sua fama, o músico se considera ordinário, um erudito que reconhece a difícil composição da arte e a delicada matéria da vida, sábio ao lidar com a solidão inerente ao homem. Ao explorar esta via, o documentário se revela franco ao desmistificar o personagem Chico Buarque e destacar o homem com anseios e medos como qualquer um, sem que a fama, e o pavor de subir ao palco, fosse transformadora.

    Como é comum em muitos documentários musicais, uma vertente que vem sendo bem desenvolvida no país nos últimos anos, com grandes registros sobre Paulinho da Viola, Cartola entre outros compositores, algumas canções são apresentadas na íntegra. Tentando diferenciar-se da mera reprodução, regravações foram feitas especialmente para o documentário em um show particular em que a câmera transita brevemente pelos cenários emulando intimidade. Em destaque, a sempre incrível interpretação de Ney Matogrosso que canta As Vitrines e o belo dueto de Biscate entre Mart´Nalia e Adriana Calcanhoto.

    A jornada termina rente ao presente, na composição de seu último romance, uma obra memorialística ficcional desenvolvida a partir de um irmão alemão descoberto em momento posterior da vida, apresentando trechos da narrativa na voz de Marília Pera. Aos 71 anos de idade, com mais de dois terços da vida sob a luz dos holofotes, Chico Buarque se mantém como uma grande referência musical no país. Sem nenhuma vontade de se aposentar, como se sua trajetória já não fosse grandiosa o suficiente, o músico escritor ainda deseja mais.

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  • Crítica | O Samba

    Crítica | O Samba

    O Samba 1

    Documentário que registra a visão do cineasta francês Georges Gachot sobre o ritmo brasileiro, O Samba é uma viagem ao ambiente tão conhecido pelo público nativo, investigando em detalhes o processo de ensaios referentes ao carnaval, bem como todo o enfeite que o envolve, como a produção das fantasias, coreografias e carros alegóricos na festa popular ocorrida tradicionalmente no Rio de Janeiro.

    A primeira parada é na Vila Isabel, recôndito de Martinho da Vila e de tantos outros operários da escola de samba. Desde os funcionários que operam a rotina das agremiações, como motoristas e faxineiros, até os musicistas e dançarinos, todos são explorados pelas lentes de Gachot, e em seus discursos há o mesmo orgulho no patrimônio cultural que é a música e seu entorno, quadro bastante diferente da marginalização que ocorria em décadas passadas, fruto especialmente das origens africanas e do racismo que permeia o país, e que era ainda mais gritante nos tempos de recente saída da escravidão.

    A centralização do roteiro em Martinho serve para aprofundar o tema, não tornando este o único objeto de análise, tampouco redundando a investigação, mas a decisão se mostra acertada, uma vez que a figura do cantor e compositor é unânime não só no cenário mainstream fonográfico como também dentro da comunidade, que de acordo com o filme é a força motriz do ritmo, aliado claro à simplicidade de um povo que apesar de não ter tanto acesso a informação secularmente, consegue produzir uma boa parcela de cultura, consumida por si e apreciada por quem não vive naquele ambiente.

    Martinho faz questão de declarar a inconformidade de sua música com as dificuldades inerentes à vida, o que abarca o descaso das autoridades com seu povo e sua gente. Canta Canta Minha Gente,  sua obra mais conhecida, é comumente gravada e traduzida na Europa, mas para ele as versões só seriam espiritualmente semelhantes da criação original quando tivessem em suas traduções o mesmo otimismo galopante que habita a letra.

    Os depoimentos de ilustres como Leci Brandão e Martnália assinalam a questão da africanidade do conteúdo de contestação das letras, tantas das de Martinho quanto nos enredos da Unidos de Vila Isabel, o que vai de encontro a tradição de perseguição da polícia aos sambistas, que associava a música a malandragem, criminalizando a manifestação do negro tanto na música quanto na religião, uma vez que eram os terreiros de candomblé e umbanda o refúgio de foragidos, além é claro de servir de localidade de culto.

    Apesar de não apresentar nenhum ineditismo ou maneirismo incomum no modo de filmar, é na simplicidade sistemática que O Samba se diferencia, usando o modo normativo de gravação para emular o quadro comum e humilde dos sambistas da velha guarda em compor suas canções e em expressar suas emoções. O roteiro, mesmo com estes destaques, segue analisando pontos-chaves, valorizando a cultura brasileira de um modo bastante tocante e reverencial.

  • Crítica | Cobain: Montage of Heck

    Crítica | Cobain: Montage of Heck

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    Durante os últimos anos, fomos bombardeados com diversos documentários sobre Kurt Cobain; a maioria, tentativas frustradas de “desvendar” o suicídio do lendário vocalista do Nirvana. Não é o caso de Cobain – Montage of Heck, documentário dirigido por Brett Morgen, que deixa Kurt falar, nos levando a uma viagem por sua mente e sua alma.

    Cento e trinta e dois minutos se passam antes de vermos em tela: “No dia 5 de julho de 1994, Kurt Cobain pôs fim a sua vida”. A sensação de estar na pele do vocalista nas últimas horas é tanta que a pequena frase volta a ter os mesmos efeitos que teve em seu tempo.

    Os filmes, as fotos e os vídeos presentes no longa deixam claras as intenções de Morgen ao produzir o documentário da forma mais completa e sincera possível. Temos um retrato biográfico completo de Kurt, começando em seus primeiros passos, passando pelo “boom” do Nirvana, até chegar aos seus últimos dias. A atmosfera criada, cheia de relatos, fotos e até sequências de animação, demonstra que o intuito principal aqui é deixar Kurt falar por si, contar suas histórias e, talvez, explicar seu estilo de vida.

    Trechos de entrevista, capas de revista e notícias em jornais, são elementos utilizados na formação de um “quadro” muito maior, ao lado de todos os poemas incompletos, das listas bizarras e dos traços perturbadores de seus desenhos, visando um olhar mais aprofundado e inquietante da vida pelos olhos de Kurt.

    Ao passo em que nos aproximamos do fim, somos aprofundados na relação Cobain-Love, com uma atmosfera densa, melancólica e pesada. É desconcertante ver Kurt Cobain aos beijos com Courtney Love. Ambos parecem ter tido toda a vitalidade consumida, seja pela fama ou até pela união. Aliás, ter um vislumbre da relação, independentemente do momento, já é desconcertante por si só. É como se o chocante fosse comum para eles, a ponto de vermos Courtney Love injetando heroína durante sua gravidez.

    Porém, o maior choque existente em Cobain: Montage of Heck é a entrada brusca na vida de Kurt, feita de forma repentina, singular, até mesmo crua. Antes da figura lendária, o símbolo da rebeldia que pouco se importava com as críticas e opiniões, vemos um homem. Um homem frágil que não suportava humilhação e abominava invasão particular.

    E quanto a isso, ao fim, resta apenas uma dúvida: o que Cobain pensaria se visse sua vida exposta de maneira tão crua e intensa, como realmente foi?

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    Texto de autoria de Matheus Mota.

  • Crítica | Sem Dentes: Banguela Records e a Turma de 94

    Crítica | Sem Dentes: Banguela Records e a Turma de 94

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    Você se lembra de que, quando numa conversa, o assunto caía em música brasileira dos anos 90? Provavelmente vai pensar em Tchakabum, É o Tchan, Leandro e Leonardo, Daniela Mercury, Mamonas Assassinas, entre tantos outros grandes hits que passavam na TV e tocavam no rádio.

    Sou de 92. E isso não ia dizer nada, a não ser pelo fato de que sou uma toupeira quando o assunto é música nacional. Do pouquíssimo que conheço, não está nem longe de ser relacionado a rock. Então, qual foi o aproveitamento em ver algo como Sem Dentes: Banguela Records e a Turma de 94? É difícil dizer que não foi 100%.

    O documentário, dirigido e roteirizado pelo jornalista Ricardo Alexandre e por Alexadre Petillo, inicia sua primeira tomada trazendo exatamente os grandes chavões que fizeram a década de 90: axé, sertanejo, o presidente Collor e a banheira do Gugu. Tudo isso para nos dizer, ao longo das próximas duas horas, que o todo realmente é muito maior que o buraco musical que muitas vezes é vendido pelos principais veículos de comunicação do Brasil, como a TV e o rádio, principalmente com o rock, que é o protagonista dessa história. Sem Dentes na verdade vem para comemorar e registrar 20 anos da Banguela Records, selo independente da Warner Music do Brasil, chefiado pela banda Os Titãs e com direção artística do jornalista e produtor musical Carlos Eduardo Miranda. Esse último especialmente fornece muitos depoimentos, não só muito bem humorados, mas ricos em detalhes, e que nos ajudam a construir uma linha do tempo clara que contextualiza a sua participação evidente no cenário musical da época.

    Não somente Miranda mas como o próprio Charles Gavin e Nando Reis dão seus depoimentos inúmeras vezes. Temos muitos comentários e considerações das próprias bandas que foram representadas pelo selo, como Raimundos, Little Quail and The MadBirds, Maskavo Roots, Mundo Livre S/A, além de trazer declarações de jornalistas como André Forastieri, a banda Pato Fu, o vocalista Samuel Rosa (Skank), entre muitos outros. É muito visível, pela quantidade de depoimentos, recortes musicais e a naturalidade com que são feitos, a intenção que o diretor Ricardo Alexandre tem em contar um episódio muito importante da história da música brasileira. Mas mais importante, antes de tudo, é reunir um leque de lembranças que traçam um capítulo da vida de uma geração que está presente até hoje e que precisava registrar dessa maneira o que passou, deixando de lado qualquer possível sentimento saudosista ou certa maneira didática de contar aquela história.

    A importância de criar uma produção cultural independente é um ponto essencial que é passado durante o filme. É de certa forma simples dizer que hoje isso é mais do que óbvio, porém não faz muito tempo que essa dependência de um intermediário em todo tipo de mercado cultural era existente – e não somente aqui no Brasil, como é rapidamente exemplificado na iniciativa da Image Comics nos EUA (também fruto dos anos 90).

    Eu poderia fazer vários comentários sobre todos os detalhes exibidos nas duas horas de vídeo do documentário. Mas, como dito anteriormente, sou uma toupeira nesse assunto. A real importância de Sem Dentes, antes de tudo, foi abrir minha mente para conhecer um pouco mais sobre todo esse universo musical nacional, que é muito rico e para o qual eu nunca olhei realmente. O documentário é fluido, divertido e principalmente instigante sobre os assuntos que ele aborda, e fecha com uma bela homenagem à música Tempestade da banda Maskavo Roots. Espero que seja a porta de entrada de muitas pessoas que, como eu, não fizeram parte de nada disso. Não é difícil encontrar nada hoje em dia.

    Texto de autoria de Halan Everson.

  • Crítica | Olho Nu

    Crítica | Olho Nu

    Desde o início da carreira, Ney Matogrosso é um intérprete impossível de ser definido em poucas palavras. Em plena ditadura, ao lado dos Secos & Molhados, foi um transgressor pela postura exibida no palco, entre pinturas, adornos, danças e nudez, elementos que ainda mantém em sua carreira. Em entrevista recente, reconheceu que se tornou um representante de tabus persistentes na sociedade. Mesmo negando assumir a bandeira de qualquer causa, sabe de sua força autêntica.

    O homem de um profundo olhar imagético se mantém na ativa e bem representado em discos elogiados, turnês de sucesso, trabalhando na produção de outros músicos – dirigiu o show Coração Inevitável de Ana Canãs – e também com vigor para, vez ou outra, estrelar produções cinematográficas – foi o bandido da Luz Vermelha na continuação Luz das Trevas, dirigido por Helena Ignez.

    Olho Nu é uma obra documental que foge dos padrões do gênero e faz de Matogrosso um personagem da própria história. Não se trata de um documentário linear que apresenta depoimentos a respeito do cantor, nem mesmo conta sua trajetória como artista. Dividido entre imagens antigas e cenas contemplativas do cantor visitando sua casa da infância, demonstrando o contato direto que faz com a natureza, o documentário volta-se mais para uma obra de cunho metafórico e memorialista do que um documento narrativo da densa história de Ney.

    É um documentário-ensaio – se é que existe tal definição – que reverencia a figura conhecida pelo público. Um projeto que se transforma em uma obra para iniciados, voltado àqueles que conhecem sua obra e, por consequência, compreendem as informações, imagens e videos apresentados. Não há assunto não abordado pela obra. Porém, sem uma linha narrativa aparente, perde-se espaço para definir, mesmo que brevemente, quem é Ney Matogrosso.

    Em entrevista, o próprio cantor afirmou que sentiu falta de maior exposição, ainda mais que algumas facetas de sua vida tenham sido citadas brevemente. Levando-se em consideração que é um artista que sempre permitiu a observação do público, sempre foi autêntico em expressar suas opiniões e nunca se esquivou de perguntas polêmicas, é entristecedora a lacuna deixada pelo documentário.

    Sem ousar desvendá-la, a figura de Ney Matogrosso, que tem 40 anos de carreira e 70 de vida, é contemplada no documentário. Evoca poesia em suas imagens, desconhecendo que o próprio intérprete basta neste quesito, registrando com sua voz aguda diversas e grandiosas canções. Falta alguém que o observe com profundidade e realize uma obra, seja biografia ou documentário, à altura deste Homem – com maiúsculas.

  • Crítica | O Último Concerto de Rock

    Crítica | O Último Concerto de Rock

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    Era uma noite de quinta-feira. Depois de estudar o dia todo para uma prova, só queria uma dose de Scorsese pra masturbar a mente – depois dos vinte anos, isso começa a fazer sentido. Da filmografia do filho pródigo da periferia violenta de Nova York, como ele conta em detalhes no must-read de Richard Schickel, só me faltava mesmo conferir o que já me tinham apontado como um must-see, sendo que, na verdade, é um must-listen. Todos aqueles músicos, intérpretes ou formadores de opinião, tanto faz: como o artista se atreveu, em plena falsa modéstia, a tocar seu legado, em conjunto, em bando, em pedaços imortalizados em um documental exemplo do que deveria ser todo documentário musical que se preze neste mundo, a fim de causar epifanias e alguns desbravamentos experimentais? Mundo mais de surdos do que de ouvintes… Martin Scorsese tentou retomar o frescor caseiro de intimidade e aproximação interativa, além de closes, entrevistas, quiçá do efeito de planos cênicos no palco do filme, que duram, em geral, mais de dois minutos sem um corte edital, fazendo-o tão mais recompensador – e de contemplação a mil – que o frenesi caótico e apressado de Shine a Light, de 2008.

    É cômico, e desolador saber como um filme e um concerto não podem ser cem por cento programados no impacto submetido a cercas qualitativas da porteira do tempo. Fato é que a câmera, levando cada um de nós, voa pelo palco ao lado do clássico grupo (pouco conhecido) The Band, e seus colaboradores lendários do mundo fonográfico, até, enfim, fazer-nos sentir tocando os pratos da bateria junto com Levon Helm. Não vale contar que o músico é recém-falecido desde que seu trabalho nunca será.

    O Último Concerto de Rock: The Last Waltz, no título original -, como sensação recorrente, mata a curiosidade permanente de quem divaga sobre como é se sentir um rock star sendo um rock star, no lugar onde se nasce para estar. Light é pop porque foi coreografado, foi hiper montado, foi super planejado. Waltz é rock porque é livre, é puro, é bruto. Eu tenho muita inveja dos meus pais: o que importa, afinal, ter nascido no pós-guerra, com o mundo tendo que engatinhar de novo, se na efervescência da adolescência eu poderia ligar o rádio e ouvir o novo hit de Muddy Watter, Joan Baez, Van Morrison, Joni Mitchell? Se eles tivessem sido mais precoces, pelo menos… Acontece que todo texto que se escreve no papel é mais gostoso, feito música ao vivo, que é sempre melhor que gravada, por melhor que sejam meus fones de ouvido e o teclado do meu PC – e são ótimos, de boa marca e de conservação melhor ainda! Pois The Last Waltz nos transborda adentro num caminho sem volta de efervescência cultural, que é mergulhada no suor que banha guitarras e um violino durante a projeção inteira.

    Assistir a grandes filmes e/ou manifestos no monitor de um computador se tornou um fato recorrente – cuja predominância tenta chegar a ser uma experiência – de filmes e/ou manifestos que não deveriam ter audiência senão para serem exibidos na glória de uma sala IMAX. O próximo passo será a venda de hologramas para a Rita Lee cantar nos pés da nossa cama, então. Ou quem mais nós quisermos! E será um sucesso, é claro. Um admirável mundo artístico delivery. Enquanto isso, assistir a Waltz me poupou de ter de criar uma máquina do tempo para ouvir um jovem Bob Dylan cantar Forever Young numa Nova York que não volta mais, mas, que, compreenda, vive para sempre nos acordes de Robbie Robertson, linha de frente da iniciativa de Scorsese.

    Me resta confessar que fui me emocionar com Tom Zé e Caetano Veloso, velhos guerreiros, compartilhando do mesmo palco no Ibirapuera, domingo desses. Acho que consegui sentir um átomo emocional, um reles expoente homérico e mínimo, um estalo vibracional da energia que ecoa e se propaga a partir de um palco feito local sagrado – todavia, talvez venha a fazer quem subir nele digno(a) do atributo, será? É provável que sejam ambas as coisas. Só sei que concertos têm luz própria, e de vez em quando o Cinema deixa de ser egoísta e acrescenta sua própria luz a irradiar, por anos-luz a fio, em busca de apreciação. Certamente, é algo pra se acolher.

  • Crítica | Sound City

    Crítica | Sound City

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    Dave Grohl é um sujeito inquieto. Ex-baterista do Nirvana e frontman do Foo Fighters, Grohl vive envolvido em projetos paralelos, sendo o mais recente voltado aos cinemas. No documentário Sound City, ele explora um pouco da história do extinto estúdio de gravação Sound City Studios, lançando um olhar nostálgico sobre o lendário estúdio onde foi escrito um pedaço importante da história do rock.

    Criado em 1969, em um canto esquecido dos EUA (Van Nuys, California), por Joe Gottfried e Tom Skeete, e encerrando as atividades em 2011, Sound City foi um reduto de grandes músicos, produtores e gravações de álbuns épicos. O estúdio foi o lugar onde Neil Young gravou o clássico After The Gold Rush em 1970; onde Stevie Nicks e Lindsey Buckingham se juntaram ao Fleetwood Mac e gravaram o álbum homônimo, considerado por muitos um dos melhores álbuns da banda; ou mesmo quando Kurt Cobain, Krist Novoselic e o próprio Grohl decidiram virar o cenário musical do avesso ao gravarem Nevermind, no começo dos anos 90; se isso não for o bastante, em 1996, Johnny Cash, já debilitado, se juntou ao produtor Rick Rubin e gravou Unchained, o que fez sua carreira sair do ostracismo, ganhar o Grammy de Melhor Álbum Country, além de ser indicado como Melhor Vocalista Country pela performance em Rusty Cage; tudo isso ocorreu no lendário Sound City Studios.

    Grohl se faz valer de seu nome na indústria e consegue arrancar diversas histórias de artistas e as experiências dessas gravações. É um deleite para os amantes do rock and roll ouvir histórias de Neil Young, Tom Petty, Lars Ulrich, Rick Rubin, Barry Manilow, Josh Homme e tantos outros.

    A mística que envolve o estúdio é um ponto interessante comentado no documentário. Grohl deixa claro, através das diversas entrevistas, que o diferencial do estúdio era a postura dos profissionais ali presentes, já que Sound City estava bem distante dos grandes estúdios de gravação que possuíam áreas de lazer com banheiras de hidromassagem para os músicas relaxarem, muito diferente do estúdio da Califórnia que tinha seu estacionamento inundando constantemente, que possuía um fétido carpete velho revestido pelas paredes, nada de equipamentos de última gravação, ainda assim, Sound City possuía uma das melhores salas acústicas para se gravar bateria, além, é claro, da lendária mesa de gravação Neve 8078. O diferencial do Sound sempre foi a música, e apenas ela.

    Aliás, a questão analógico x digital é um dos temas centrais do documentário. Grohl deixa claro que não foi a atmosfera de pelúcia dos estúdios atuais, ou mesmo a facilidade de gravação que programas como o pro-tools ou auto-tunes proporcionaram à concepção de grandes álbuns. Ele destaca o elemento humano de tocar e errar junto, gravando quantas vezes forem necessárias para se conseguir o registro ideal. Possibilidades permitidas pelas jam sessions, seja na mudança de arranjos e novas composições, mas substituídas por alguns cliques em poucos minutos. Apesar dos benefícios que a tecnologia trouxe para a música, Grohl afirma que, em maior proporção, que esses fatores foram deixados de lado em função desses meios tecnológicos, e que isso se reflete no cenário musical atual. Até mesmo Trent Reznor, famoso pelo uso de meios digitais em seus trabalhos, destaca que as tecnologias devem ser utilizadas em função da música e nunca substituindo o contrário.

    A hora final do documentário conta um pouco sobre como a era digital acabou com os estúdios analógicos, caso da Sound City, e relata sobre as gravações de um álbum em seu estúdio utilizando a mesa de gravação Neve para capturar a química do lendário estúdio. Os minutos finais reúnem um momento único em que Grohl, Krist Novoselic e Pat Smear (guitarrista de apoio do Nirvana) se juntam a Paul McCartney para uma jam incrível.

    No fim das contas, Sound City é um pedaço de uma importante história da música, e, acima de tudo, deixa claro que em qualquer trabalho, o elemento humano nunca poderá ser substituído.

  • Crítica | Raul: O Início, o Fim e o Meio

    Crítica | Raul: O Início, o Fim e o Meio

    69 - Raul - O Início, o Fim e o Meio

    Provavelmente não existe um brasileiro que não saiba ao menos um trecho de uma música de Raul Seixas. Mesmo que ele esteja morto há mais de 20 anos e não seja fenômeno de mídia em tempos tão efêmeros, Raul ainda move multidões anônimas que sempre se manifestam em qualquer show com o irritante “Toca Raul”. Porém, há tempos que o cinema necessitava de contar a história por trás do mito, como foi chamado por várias figuras populares no Brasil, como Paulo Coelho e Caetano Veloso. E esse filme de Walter Carvalho faz jus ao personagem.

    Começando com uma estrutura reta de documentário, o filme se inicia contando a história do jovem Raul e seus amigos na Bahia, montando um fã-clube de Elvis Presley e aprendendo frases, trejeitos, penteados e roupas do Rei do Rock, mostrando um ótimo trabalho de levantamento da juventude de Seixas. O início romântico e conturbado da carreira se mescla a seu primeiro casamento com Edith, fato que se repetirá ainda diversas vezes na vida do cantor, que teve várias esposas e amantes. A cada novo sucesso, uma nova fase, com novo comportamento, nova mania e novo vício, o que mais pra frente se tornará motivo da decadência de Raul.

    Com entrevistas que vão desde suas ex-mulheres, filhas e amigos, o filme se foca mais na vida pessoal do cantor do que em sua carreira, ao mesmo tempo louvando a genialidade de Raul, mas ignorando aspectos práticos, como o processo criativo, as gravações, o nome dos discos, época do lançamento, e tudo o que poderia situar o espectador no entendimento das razões pelas quais Raul fazia tanto sucesso. Da mesma forma, o filme falha em explicar porque o ídolo, de uma hora para outra nos anos 80, passa a ser esquecido e não fazer mais sucesso como antes, necessitando da ajuda (ou aproveitamento, como é discutido) de Marcelo Nova para voltar aos palcos, mesmo que se arrastando, o que alguns dizem que prolongou a vida de Raul, outros, que a abreviou. O fato é que sua carreira foi tratada de forma menor em detrimento de sua vida pessoal, o que atrapalha um pouco o entendimento do tamanho de sua obra.

    Porém, o espaço enorme dado a Paulo Coelho e a tentativa intencionalmente falsa de deixar em segundo plano o enorme ego do escritor (que sempre tenta passar como humilde, mas não resiste em pateticamente se mostrar atirando flechas em sua casa na Suíça) mostra claramente como algumas feridas ainda estão longe de serem cicatrizadas, e talvez a batalha dos egos, mesmo com Raul morto, não tenha terminado. E nunca terminará.

    O fato é que Raul Seixas, como mito e como ser humano, é indecifrável, e por alguma razão, extremamente atraente a determinados tipos de pessoas, como os “malucos beleza” que todos conhecemos. Não à toa, todo ano em SP há uma reunião de fãs e sósias do cantor para se reunirem e saudarem o ídolo. Por mais que Raul não seja hoje o fenômeno da indústria cultural, basta ouvirmos um trecho de suas músicas para nos fazer ficar com ela na cabeça durante um bom tempo, pois esconde em melodias relativamente simples letras recheadas de simbolismo. Isso basta para definir um ícone. Ou como Paulo Coelho prefere, um mito.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.