Tag: Marília Pêra

  • Crítica | O Rei da Noite

    Crítica | O Rei da Noite

    “- Do que que vocês tão brincando?” – Tezinho.

    “- De gente grande! […] Quer brincar?” – Aninha.

    Isso meio que resume o que é o Cinema de Hector Babenco:uUma brincadeira, uma grande zoeira em se infiltrar em mundos de coisas notoriamente adultas feito a penitenciária do Carandiru, adentro o mundo das sexualidades em O Beijo da Mulher Aranha, na criminalidade de um Pixote: A Lei do Mais Fraco. Contudo, nunca o cineasta argentino voltou tão longe no passado para alojar e estruturar sua trama, ou melhor, seu primeiro exercício cinematográfico. Ainda na década de setenta, Babenco fez pular para os anos vinte pregando olhos de nostalgia para um tempo e uma sociedade que não volta mais, ao mesmo tempo que se fez perder entre inúmeros personagens de uma São Paulo já cosmopolita, atulhada de corpos e consciências inquietas entre pacatas vidas caseiras, agitadas perambulações boêmias e casos de amor e desamor que a época permitia.

    O Rei da Noite é um drama de época cujo gosto remete àquelas crônicas antigamente publicadas com o devido livre correr do pensamento, em mil e um periódicos do Brasil no século dezenove e vinte, tão bem narradas e sempre escapando às rotas e aos nexos previsíveis de uma leitura medíocre. Babenco percebeu que tinha em mãos uma história boa demais para desprezar em seu primeiro tour cinematográfico, e como viajante de primeira viagem é de se impressionar a versatilidade e a serenidade virginal do cara no tato e na ‘decupagem’ com o roteiro de Orlando Senna. Na trama, o grande ator Paulo José dá vida a Tezinho, eterno apaixonado desde criança por Aninha, por quem saltam suas borboletas. Só que, dada a uma complicação de saúde dela, os pais da moça após muitos anos são cruelmente categóricos: O relacionamento tem que acabar para evitar maiores sofrimentos.

    Esse fim obrigatório dá início a majestade de um sentimento destrutivo, e ao imperialismo de pesadelos reais. Tezinho vê seus rumos na capital paulista mudarem drasticamente, longe da sua Aninha como assim deve ser e parecer – mas nunca esquecendo-a, claro. Tezinho vira um Bentinho, personagem clássico da literatura brasileira, por sua vez de bigode cada vez mais grosso. De grossura também acomete a sua galopante falta de caráter, mais e mais mergulhado nas considerações que a noite e seus tipos guardam, entre mil putas e mil (e um) assuntos de coração não-resolvidos. Ironicamente, eis aqui um filme com poucas cenas noturnas, como se a ausência de sol fosse apenas um recurso metafórico remetendo a predominância da escuridão eterna no garoto crescido e sofrido sem a sua doce e doente Aninha, ao lado.

    Engravidando e dependendo dos outros, o elemento familiar é tão custoso para o garoto que virou cafajeste quanto também o foi para Pixote, Lúcio Flávio: O Passageiro da Agonia e outras personas similares que Babenco usou para arquitetar e substanciar seu universo de conflitos urbanos sem ética, sem leis, repletos de contos que os vigários sempre caem – nós. Desde o princípio, a obra de Babenco sempre se manteve fiel à sua objetividade, sua ousadia e sua visão “trezentos e sessenta” da realidade urbana de São Paulo, em especial dessa megalópole que verte suas crônicas, seus contos e suas sangrias desatadas na cruzada de seus habitantes. Nesse meio de coligações inusitadas e total instabilidade, Tezinho, sofrido e crescido, acha sentido nessa vida remoendo e devorando as cartas que sua Capitu o envia, anos a fio. Coadjuvante da própria história.

    Algo de muito especial nos filmes do argentino, as tragédias nunca são anunciadas – e muito menos as paixões, quando estas irrompem de um óbito ou de uma boate qualquer. Baseado na vida do ex-lutador de boxe Ralph Zumbano, ícone do esporte mais conhecido por sua personalidade difícil, O Rei da Noite é um estudo simples, charmoso e dos mais bacanas sobre os efeitos de um meio ambiente sobre a vida de um homem, e tudo isso em meros noventa minutos bem aproveitados enquanto assistimos Tezinho se enganando, enrolando quem mente que ama, e sobretudo os outros Tezinhos que vai encontrando por ai, por essa matança diária dos leões que a vida coloca na nossa conta.

    Facebook – Página e Grupo | Twitter Instagram.

  • Crítica | Chico: Artista Brasileiro

    Crítica | Chico: Artista Brasileiro

    Chico - Artista Brasileiro - poster

    Há dez anos, Chico Buarque foi tema de uma série documental lançada em home video em 13 volumes. Analisando a própria carreira, cada filme era dedicado a uma de suas vertentes musicais, bem como a família, a literatura e a todas as outras características que definem este grande compositor brasileiro.

    Diante de um lançamento ainda recente, o documentário Chico – Artista Brasileiro poderia soar redundante. Afinal, neste período, a carreira do músico e escritor foi renovada somente com um novo álbum, Chico, e o romance O Irmão Alemão, além de uma constante reverencia a qual o país tem com este compositor, símbolo da canção brasileira, obra de análise de diversos críticos e estudos literários e notícia para os jornais mais risíveis, focados em seus atos do cotidiano no Rio de Janeiro.

    Neste documentário de Miguel Faria Jr. – diretor que biografou anteriormente Vinícius de Morais – a figura do músico é novamente louvada sem medo de uma repetição temática, abrangendo de maneira geral sua figura a partir de depoimentos do próprio autor. Pequenos pontos de sua biografia são apresentadas somente como base para exaltá-lo e situar comentários a respeito da carreira, trazendo à tona uma versão mais íntima e pessoal de suas concepções. Além da figura conhecida, explorada e amada, Buarque se revela um homem ligado à cultura desde a infância, com percepções coesas sobre o significado da arte e a composição musical e literária. Retirando a sua fama, o músico se considera ordinário, um erudito que reconhece a difícil composição da arte e a delicada matéria da vida, sábio ao lidar com a solidão inerente ao homem. Ao explorar esta via, o documentário se revela franco ao desmistificar o personagem Chico Buarque e destacar o homem com anseios e medos como qualquer um, sem que a fama, e o pavor de subir ao palco, fosse transformadora.

    Como é comum em muitos documentários musicais, uma vertente que vem sendo bem desenvolvida no país nos últimos anos, com grandes registros sobre Paulinho da Viola, Cartola entre outros compositores, algumas canções são apresentadas na íntegra. Tentando diferenciar-se da mera reprodução, regravações foram feitas especialmente para o documentário em um show particular em que a câmera transita brevemente pelos cenários emulando intimidade. Em destaque, a sempre incrível interpretação de Ney Matogrosso que canta As Vitrines e o belo dueto de Biscate entre Mart´Nalia e Adriana Calcanhoto.

    A jornada termina rente ao presente, na composição de seu último romance, uma obra memorialística ficcional desenvolvida a partir de um irmão alemão descoberto em momento posterior da vida, apresentando trechos da narrativa na voz de Marília Pera. Aos 71 anos de idade, com mais de dois terços da vida sob a luz dos holofotes, Chico Buarque se mantém como uma grande referência musical no país. Sem nenhuma vontade de se aposentar, como se sua trajetória já não fosse grandiosa o suficiente, o músico escritor ainda deseja mais.

    Compre: Chico – Artista Brasileiro (DVD | Blu-Ray | Trilha Sonora)