Tag: Ney Matogrosso

  • Crítica | Serguei: O Último Psicodélico

    Crítica | Serguei: O Último Psicodélico

    O filme de Ching Lee e Zahy Tata Pur’gte (pseudônimos de André Lobato e Elida Braz) começa com uma frase de Paulo Coelho e é seguida por um misto de  interpretação e narração de Elida, utilizando uma roupa característica, vestida como uma motoqueira. Logo, uma série de entrevistados são mostrados, entre eles Ney Matogrosso, Roberto Frejat, Nelson Motta, Erasmo Carlos e outros, que falam rapidamente sobre a importância do performático cantor Serguei.

    O vocalista de Secos e Molhados faz lembrar que a postura de Serguei foi pioneira, por já ser sexualmente performático no palco, sem pudor ou medo. O documentário tenta traçar um panorama sobre toda sua carreira e vida, desde ida a Long Island, onde veio a ter contato com Jimi Hendrix, Jim Morrison e Janis Joplin, até seu retorno ao Brasil. Entre esses atos, há uma interpretação de Braz que soa caricata na maioria das vezes, mas as informações dos entrevistados valem o esforço da análise, com a exibição da trajetória do biografado, um ex-comissário de bordo que usava lentes de contato azul bebê que se tornou o roqueiro andrógeno brasileiro.

    A contracultura vista na postura de Serguei divergia demais do visto com boa parte das estrelas da Jovem Guarda. Da parte jornalística à escolha dos depoimentos beira o sensacional, o problema se dá na parte lúdica do longa, que busca um lirismo, mas entrega momentos dramatúrgicos constrangedores em essência. Mesmo partes importantes da retomada recente de sua carreira, como sua participação no Rock in Rio 2, acaba por ser mostrada de forma um tanto banal, com pouca exploração da repercussão de um evento desse tamanho na rotina do cantor.

    Segundo as palavras do próprio Serguei, ele é um escravo do sexo, e mais do que discorrer sobre o pansexualismo, o filme demonstra com imagens a ideia do cantor sobre relacionamento sexual. Há um discurso em forma de ensaio que é bem forte e surpreende mais até do que história em torno da capa em nu que ele protagonizou para a revista Rolling Stones, mais forte até do que o sexo explicito mostrado em tela grande com o próprio biografado, nada disso é tão expositivo quanto o que ele assume nesse ínterim. Há um bocado de inspiração nessa sequência, e também se nota um desabafo sincero de um sujeito de 82 anos (até então), sem pudor e que não tem medo de ter vivido tanto. Esses momentos mais bem construídos não fazem esquecer os outros problemas de condução, que tornam este um objeto com intenções boas e com uma ambição não condizente com o modo como seu estudo é narrado.

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  • Crítica | Chico: Artista Brasileiro

    Crítica | Chico: Artista Brasileiro

    Chico - Artista Brasileiro - poster

    Há dez anos, Chico Buarque foi tema de uma série documental lançada em home video em 13 volumes. Analisando a própria carreira, cada filme era dedicado a uma de suas vertentes musicais, bem como a família, a literatura e a todas as outras características que definem este grande compositor brasileiro.

    Diante de um lançamento ainda recente, o documentário Chico – Artista Brasileiro poderia soar redundante. Afinal, neste período, a carreira do músico e escritor foi renovada somente com um novo álbum, Chico, e o romance O Irmão Alemão, além de uma constante reverencia a qual o país tem com este compositor, símbolo da canção brasileira, obra de análise de diversos críticos e estudos literários e notícia para os jornais mais risíveis, focados em seus atos do cotidiano no Rio de Janeiro.

    Neste documentário de Miguel Faria Jr. – diretor que biografou anteriormente Vinícius de Morais – a figura do músico é novamente louvada sem medo de uma repetição temática, abrangendo de maneira geral sua figura a partir de depoimentos do próprio autor. Pequenos pontos de sua biografia são apresentadas somente como base para exaltá-lo e situar comentários a respeito da carreira, trazendo à tona uma versão mais íntima e pessoal de suas concepções. Além da figura conhecida, explorada e amada, Buarque se revela um homem ligado à cultura desde a infância, com percepções coesas sobre o significado da arte e a composição musical e literária. Retirando a sua fama, o músico se considera ordinário, um erudito que reconhece a difícil composição da arte e a delicada matéria da vida, sábio ao lidar com a solidão inerente ao homem. Ao explorar esta via, o documentário se revela franco ao desmistificar o personagem Chico Buarque e destacar o homem com anseios e medos como qualquer um, sem que a fama, e o pavor de subir ao palco, fosse transformadora.

    Como é comum em muitos documentários musicais, uma vertente que vem sendo bem desenvolvida no país nos últimos anos, com grandes registros sobre Paulinho da Viola, Cartola entre outros compositores, algumas canções são apresentadas na íntegra. Tentando diferenciar-se da mera reprodução, regravações foram feitas especialmente para o documentário em um show particular em que a câmera transita brevemente pelos cenários emulando intimidade. Em destaque, a sempre incrível interpretação de Ney Matogrosso que canta As Vitrines e o belo dueto de Biscate entre Mart´Nalia e Adriana Calcanhoto.

    A jornada termina rente ao presente, na composição de seu último romance, uma obra memorialística ficcional desenvolvida a partir de um irmão alemão descoberto em momento posterior da vida, apresentando trechos da narrativa na voz de Marília Pera. Aos 71 anos de idade, com mais de dois terços da vida sob a luz dos holofotes, Chico Buarque se mantém como uma grande referência musical no país. Sem nenhuma vontade de se aposentar, como se sua trajetória já não fosse grandiosa o suficiente, o músico escritor ainda deseja mais.

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  • Crítica | Ralé

    Crítica | Ralé

    Ralé 1

    Dependendo fundamentalmente da inserção do espectador em sua proposta, Ralé, ficção que usa alguns elementos documentais para fortificar seu texto é uma ode à anarquia e à parcela da cultura popular normalmente ignorada pelo público conservador e purista das regiões Sul e Sudeste do Brasil, iniciando sua narrativa a partir de um conhecido áudio que se tornou meme nos últimos anos, a diretora Helena Ignêz – realizadora de Feio, Eu? e prolífica atriz de Belair e Dejaloh – já demonstra o caráter de seu longa em sua introdução.

    O roteiro de Ignêz explora uma trama metalinguística, envolvendo a feitoria de cinema e teatro, aludindo à peça Ralé, de Máximo Gorki. Apesar do formato episódico, que se mistura entre um quadro e outro, nota-se um caráter de road movie, que discute o nada e o vazio da existência, versando através da abstração sobre ócio, criatividade, sexo e paixão.

    A tentativa de reinventar o formato pode até não ser alcançado, especialmente porque isso só é confirmado após uma análise distanciada temporalmente, mas o texto ensaísta funciona por tentar ousar em direção a uma arrogância dadaísta, exibicionista como o exercício fílmico dentro do roteiro.

    Na camada superficial, há algumas alegorias junto a Cecil Bem Demente, de John Waters, ainda que o escopo seja sob um olhar crítico, típico do analista de artes. A escatologia real faz assustar, especialmente pela entrega de alguns membros do elenco, como Ney Matogrosso, Ariclenes Barroso e Simone Spoladore, todos expressando o auge de seus talentos e corpos. Ralé trata fusão de tesão, anarquia, sexualidade e punk, em um formato que louva o cinema.

    RALÉ – Trailer from Mercúrio Produções on Vimeo.

  • Crítica | Olho Nu

    Crítica | Olho Nu

    Desde o início da carreira, Ney Matogrosso é um intérprete impossível de ser definido em poucas palavras. Em plena ditadura, ao lado dos Secos & Molhados, foi um transgressor pela postura exibida no palco, entre pinturas, adornos, danças e nudez, elementos que ainda mantém em sua carreira. Em entrevista recente, reconheceu que se tornou um representante de tabus persistentes na sociedade. Mesmo negando assumir a bandeira de qualquer causa, sabe de sua força autêntica.

    O homem de um profundo olhar imagético se mantém na ativa e bem representado em discos elogiados, turnês de sucesso, trabalhando na produção de outros músicos – dirigiu o show Coração Inevitável de Ana Canãs – e também com vigor para, vez ou outra, estrelar produções cinematográficas – foi o bandido da Luz Vermelha na continuação Luz das Trevas, dirigido por Helena Ignez.

    Olho Nu é uma obra documental que foge dos padrões do gênero e faz de Matogrosso um personagem da própria história. Não se trata de um documentário linear que apresenta depoimentos a respeito do cantor, nem mesmo conta sua trajetória como artista. Dividido entre imagens antigas e cenas contemplativas do cantor visitando sua casa da infância, demonstrando o contato direto que faz com a natureza, o documentário volta-se mais para uma obra de cunho metafórico e memorialista do que um documento narrativo da densa história de Ney.

    É um documentário-ensaio – se é que existe tal definição – que reverencia a figura conhecida pelo público. Um projeto que se transforma em uma obra para iniciados, voltado àqueles que conhecem sua obra e, por consequência, compreendem as informações, imagens e videos apresentados. Não há assunto não abordado pela obra. Porém, sem uma linha narrativa aparente, perde-se espaço para definir, mesmo que brevemente, quem é Ney Matogrosso.

    Em entrevista, o próprio cantor afirmou que sentiu falta de maior exposição, ainda mais que algumas facetas de sua vida tenham sido citadas brevemente. Levando-se em consideração que é um artista que sempre permitiu a observação do público, sempre foi autêntico em expressar suas opiniões e nunca se esquivou de perguntas polêmicas, é entristecedora a lacuna deixada pelo documentário.

    Sem ousar desvendá-la, a figura de Ney Matogrosso, que tem 40 anos de carreira e 70 de vida, é contemplada no documentário. Evoca poesia em suas imagens, desconhecendo que o próprio intérprete basta neste quesito, registrando com sua voz aguda diversas e grandiosas canções. Falta alguém que o observe com profundidade e realize uma obra, seja biografia ou documentário, à altura deste Homem – com maiúsculas.