Tag: Ariclenes Barroso

  • Crítica | Ralé

    Crítica | Ralé

    Ralé 1

    Dependendo fundamentalmente da inserção do espectador em sua proposta, Ralé, ficção que usa alguns elementos documentais para fortificar seu texto é uma ode à anarquia e à parcela da cultura popular normalmente ignorada pelo público conservador e purista das regiões Sul e Sudeste do Brasil, iniciando sua narrativa a partir de um conhecido áudio que se tornou meme nos últimos anos, a diretora Helena Ignêz – realizadora de Feio, Eu? e prolífica atriz de Belair e Dejaloh – já demonstra o caráter de seu longa em sua introdução.

    O roteiro de Ignêz explora uma trama metalinguística, envolvendo a feitoria de cinema e teatro, aludindo à peça Ralé, de Máximo Gorki. Apesar do formato episódico, que se mistura entre um quadro e outro, nota-se um caráter de road movie, que discute o nada e o vazio da existência, versando através da abstração sobre ócio, criatividade, sexo e paixão.

    A tentativa de reinventar o formato pode até não ser alcançado, especialmente porque isso só é confirmado após uma análise distanciada temporalmente, mas o texto ensaísta funciona por tentar ousar em direção a uma arrogância dadaísta, exibicionista como o exercício fílmico dentro do roteiro.

    Na camada superficial, há algumas alegorias junto a Cecil Bem Demente, de John Waters, ainda que o escopo seja sob um olhar crítico, típico do analista de artes. A escatologia real faz assustar, especialmente pela entrega de alguns membros do elenco, como Ney Matogrosso, Ariclenes Barroso e Simone Spoladore, todos expressando o auge de seus talentos e corpos. Ralé trata fusão de tesão, anarquia, sexualidade e punk, em um formato que louva o cinema.

    RALÉ – Trailer from Mercúrio Produções on Vimeo.

  • Crítica | Aspirantes

    Crítica | Aspirantes

    aspirantes

    Silencioso e curto, o novo longa de Ives Rosenfeld fala sobre um tema muito caro ao brasileiro, usando o futebol como pano de fundo para exprimir uma história tocante. Aspirantes vai na mesma esteira do antigo Esse Amor Que Nos Consome, não tanto em formato, mas muito em espírito desbravador e emotivo.

    Junior, vivido pela revelação Ariclenes Barroso – que encanta a cada nova participação em filmes – é um jovem jogador de futebol, que demonstra na cena inicial seu gênio pouco fácil e agressivo, através dos frames de uma festa noturna, onde se envolve em uma mini confusão. O estado de espírito desalinhado prossegue na intimidade do rapaz, que faz descarga de caminhão durante a  noite a fim de angariar dinheiro para sustentar seu filho que está prestes a nascer.

    O texto de Rosenfeld e Pedro Freire abarca de maneira magistral o ambiente machista e simplista do esporte bretão, com discussões tipicamente masculinas e com uma rejeição absurda a quem demonstra sentimentos, o que justifica o silêncio e comportamento casca grossa de Junior sempre que confrontado ou perguntado sobre como está. Mesmo a oferta de ajuda, por parte do seu amigo Bento (Sergio Malheiros), que tem uma melhor sorte na busca por talentos esportivos, é recusada de pronto, uma vez que o protagonista pretende conseguir seu sustento por méritos unicamente próprios.

    Aos poucos o ambiente que aparentava perfeição e tranquilidade vai desmoronando, com o peso das responsabilidades começando a pesar, bem como o nível das discussões que ocorrem. Tudo se acalora, e mesmo nos diálogos agressivos e expositivos o enfoque é todo em Junior. Seu silêncio é o que predomina, é como se todo o entorno não valesse o esforço de captura da câmera, exceto o conjunto de emoções e sensações do jovem aspirante a jogador da Região dos Lagos.

    As partidas de futebol têm um acompanhamento acústico interessante, usando os sons da bateria como base para toda a adrenalina e carga de stress inerentes ao certame, não tanto do jogo em si, mais da busca por uma trajetória mais brilhante, e claro, por dias melhores que aqueles. As reviravoltas do roteiro são cabíveis diante do drama que se avoluma, inclusive na dor que somente se manifesta nas expressões faciais da personagem.

    Os gritos de incentivo de uma multidão imaginária servem somente para ratificar as prioridades de Junior, salientando qual é a pauta de seu repertório, quais são suas intenções com o futuro e seus sonhos. A vontade por evoluir e a forma como isso é conduzido dribla até os momentos de mornidão na fita de Rosenfeld, que cada vez mais evolui como diretor.

  • Crítica | Jonas

    Crítica | Jonas

    Jonas 1

    Estreante na feitoria de longas-metragens, após um bom período como produtora e assistente de direção, Lê Politi apresenta seu Jonas, um filme que remonta elementos da fábula cristã em uma nova roupagem, mais atual, brasileira e claro, sexual. O roteiro de Politi e Élcio Verçosa tem por base a antiquada questão do amor impossível entre pessoas de classes distintas, usando o personagem-título, filho de empregada, como possibilidade romântica da jovem patroa.

    Jonas é vivido por Jesuíta Barbosa, ator que está cada vez mais à vontade no cenário de cinema mainstream brasileiro. O drama paulista flerta levemente com a luta de classes, artifício que serve, claro, de despiste. Curioso é notar que o personagem de Jesuíta permanece com os olhos arregalados o tempo inteiro, talvez por erro da condução, mas que, diante de todo o cenário tragicômico da fita, torna-se até charmoso, abrindo inclusive a possibilidade de este comportamento ser algo premonitório.

    Depois do encontro com Branca (Laura Neiva), e após uma série de flertes, Jonas se vê em meio a uma situação absurda, envolvendo a famosa participação do rapper Criolo (em um dos papéis mais hilariantes do filme), fato que muda completamente o cenário e, claro, as atitudes dos homens. Além da óbvia comparação com a história do profeta foragido bíblico, há um bocado de Pierrot e Colombina no drama mostrado em tela, além de claras alusões ao roteiro de Quentin Tarantino, Amor à Queima-Roupa.

    No último terço há uma clara subida de carisma dos personagens, especialmente de Ariclenes Barroso, que vive Berro, um dos traficantes locais que protagoniza a melhor cena junto a Ana Cecília, quando em ameaça destila um diálogo engraçadíssimo, carregado de espirituosidade. Outro personagem que rouba para si o protagonismo é o jovem Jander, vivido pelo ator mirim Luam Marques, que consegue causar nos espectadores uma sensação de absoluta simpatia e interesse, especialmente por suas tiradas e verborragia pouco observadas nas crianças. Os diálogos bem urdidos fazem lembrar as ótimas conversas presentes nos scripts de Braulio Mantovani em Tropa de Elite e Cidade de Deus, não na gravidade, evidentemente, mas no aspecto de usar frases de efeito curiosas.

    O desfecho de Jonas e dos seus é semelhante ao que aconteceu em toda a sua vida, usando o carnaval paulista e a vida suburbana como background, o que faz toda a tragédia ganhar até mais significado. De fato o argumento não é um primor, mas é certamente compensado pelo tom e pelas atuações dos coadjuvantes, que ofuscam o desempenho pouco convincente de Neiva enquanto protagonista feminina, resultando Jonas em um filme divertido, semelhante aos clássicos de Grande Otelo e Mazzaropi, não em formato, mas bastante em magnetismo humorístico.