Tag: Simone Spoladore

  • Crítica | A Memória Que Me Contam

    Crítica | A Memória Que Me Contam

    Depois de contribuições contínuas para o cinema de denúncia a época de repressão da Ditadura Militar, Lúcia Murat retornaria ao tema, mostrando uma história moderna e atual, focada também na resistência. A Memória Que Me Contam trata de ideologia via comunismo, justiça, nostalgia e paixão ideológica, através do drama de personagens realistas e tangíveis, sem necessariamente abordar a época em questão.

    Irene é um diretora de cinema, muito semelhante fisicamente a própria Lúcia, que é interpretada pela mesma Irene Ravache que protagonizou Que Bom Te Ver Viva, e junto a alguns amigos, aguarda na sala de espera de um hospital a melhora de saúde de Ana, que era líder de um grupo revolucionário e que em sua face jovem, é feita por Simone Spoladore. Os momentos de angústia, sem saber do estado de saúde da doente faz atormentar a todos, incluindo aí a presença fantasmagórica da moribunda, que cerca os outros militantes já envelhecidos.

    A enfermidade de Ana serve há muitos meios, a partir dessa possível perda os velhos amigos se reúnem, há o tratamento de muitas feridas do passado e o confrontamento ideológico de cada um dos entes na atualidade. As discussões envolvendo Ricardo (Otávio Augusto), Zezé (Clarisse Abujamra) e Henrique (Hamilton Vaz Pereira) são repletas de pessimismo, niilismo e cinismo, seja a respeito da possibilidade de sobrevivência de Ana ou do retratar cinematográfico invasivo de Irene.

    Questões como a ascensão de ex-guerrilheiros ao poder e a postura desses enquanto estão em posições privilegiadas. Entre os dramas periféricos um dos mais interessante certamente é o de Paolo (Franco Nero), marido de Irene, que é preso por um crime político ocorrido na Itália, e que tem a ajuda de José Carlos (Zecarlos Machado), agora ministro, negada exatamente por não querer seu nome envolvido com um extraditado. Fidelidade ideológica e camaradagem são postas em cheque, e agravadas dentro do grupo de amigos quando as cartas são postas na mesa.

    Murat faz paralelos interessante com a realidade, tanto com a subida do PT ao poder, quanto aos boatos a respeito de “traição” e delação sob tortura. A Memória Que Me Contam em alguns momentos é didático, fatalmente, mas não faz o artificio uma muleta, ao contrário, uma vez que isso serve de norte para os pontos levantados, uma vez que a memória do povo infelizmente tende a suprimir toda a dor e sofrimento ocorrido nos anos de chumbo. Todo esse conjunto de sentimentos é levado ao público com uma abordagem tocante, sentimental e quase chorosa, servindo como um retrato de toda a filmografia de Lúcia Murat, apresentando-a para um público mais moço, menos ambientado com esse tipo de cinema, mas sem perder sua essência.

  • Crítica | Ralé

    Crítica | Ralé

    Ralé 1

    Dependendo fundamentalmente da inserção do espectador em sua proposta, Ralé, ficção que usa alguns elementos documentais para fortificar seu texto é uma ode à anarquia e à parcela da cultura popular normalmente ignorada pelo público conservador e purista das regiões Sul e Sudeste do Brasil, iniciando sua narrativa a partir de um conhecido áudio que se tornou meme nos últimos anos, a diretora Helena Ignêz – realizadora de Feio, Eu? e prolífica atriz de Belair e Dejaloh – já demonstra o caráter de seu longa em sua introdução.

    O roteiro de Ignêz explora uma trama metalinguística, envolvendo a feitoria de cinema e teatro, aludindo à peça Ralé, de Máximo Gorki. Apesar do formato episódico, que se mistura entre um quadro e outro, nota-se um caráter de road movie, que discute o nada e o vazio da existência, versando através da abstração sobre ócio, criatividade, sexo e paixão.

    A tentativa de reinventar o formato pode até não ser alcançado, especialmente porque isso só é confirmado após uma análise distanciada temporalmente, mas o texto ensaísta funciona por tentar ousar em direção a uma arrogância dadaísta, exibicionista como o exercício fílmico dentro do roteiro.

    Na camada superficial, há algumas alegorias junto a Cecil Bem Demente, de John Waters, ainda que o escopo seja sob um olhar crítico, típico do analista de artes. A escatologia real faz assustar, especialmente pela entrega de alguns membros do elenco, como Ney Matogrosso, Ariclenes Barroso e Simone Spoladore, todos expressando o auge de seus talentos e corpos. Ralé trata fusão de tesão, anarquia, sexualidade e punk, em um formato que louva o cinema.

    RALÉ – Trailer from Mercúrio Produções on Vimeo.