Tag: Festival do Rio 2017

  • Crítica | Serguei: O Último Psicodélico

    Crítica | Serguei: O Último Psicodélico

    O filme de Ching Lee e Zahy Tata Pur’gte (pseudônimos de André Lobato e Elida Braz) começa com uma frase de Paulo Coelho e é seguida por um misto de  interpretação e narração de Elida, utilizando uma roupa característica, vestida como uma motoqueira. Logo, uma série de entrevistados são mostrados, entre eles Ney Matogrosso, Roberto Frejat, Nelson Motta, Erasmo Carlos e outros, que falam rapidamente sobre a importância do performático cantor Serguei.

    O vocalista de Secos e Molhados faz lembrar que a postura de Serguei foi pioneira, por já ser sexualmente performático no palco, sem pudor ou medo. O documentário tenta traçar um panorama sobre toda sua carreira e vida, desde ida a Long Island, onde veio a ter contato com Jimi Hendrix, Jim Morrison e Janis Joplin, até seu retorno ao Brasil. Entre esses atos, há uma interpretação de Braz que soa caricata na maioria das vezes, mas as informações dos entrevistados valem o esforço da análise, com a exibição da trajetória do biografado, um ex-comissário de bordo que usava lentes de contato azul bebê que se tornou o roqueiro andrógeno brasileiro.

    A contracultura vista na postura de Serguei divergia demais do visto com boa parte das estrelas da Jovem Guarda. Da parte jornalística à escolha dos depoimentos beira o sensacional, o problema se dá na parte lúdica do longa, que busca um lirismo, mas entrega momentos dramatúrgicos constrangedores em essência. Mesmo partes importantes da retomada recente de sua carreira, como sua participação no Rock in Rio 2, acaba por ser mostrada de forma um tanto banal, com pouca exploração da repercussão de um evento desse tamanho na rotina do cantor.

    Segundo as palavras do próprio Serguei, ele é um escravo do sexo, e mais do que discorrer sobre o pansexualismo, o filme demonstra com imagens a ideia do cantor sobre relacionamento sexual. Há um discurso em forma de ensaio que é bem forte e surpreende mais até do que história em torno da capa em nu que ele protagonizou para a revista Rolling Stones, mais forte até do que o sexo explicito mostrado em tela grande com o próprio biografado, nada disso é tão expositivo quanto o que ele assume nesse ínterim. Há um bocado de inspiração nessa sequência, e também se nota um desabafo sincero de um sujeito de 82 anos (até então), sem pudor e que não tem medo de ter vivido tanto. Esses momentos mais bem construídos não fazem esquecer os outros problemas de condução, que tornam este um objeto com intenções boas e com uma ambição não condizente com o modo como seu estudo é narrado.

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  • Crítica | Aos Teus Olhos

    Crítica | Aos Teus Olhos

    Longa de Carolina Jabor, baseado no conto catalão de O Princípio de Arquimedes, de Josep Maria Miró, Aos Teus Olhos é um drama que tenciona ser cheio de camadas ao tratar de uma questão polêmica envolvendo uma acusação de pedofilia, onde mal se pode acreditar em qualquer um dos lados.

    A história começa mostrando o dia-a-dia de Rubens (Daniel Oliveira), um professor de natação de intimidade exposta desde o início. Ele é um sujeito muito sexual, grande parte das cenas de introdução mostram ele transando, e o personagem não tem qualquer pudor de assumir isso, fazendo inclusive brincadeiras a respeito das alunas adolescentes de doze e treze anos.

    Muitos comparavam esse ao filme dinamarquês A Caça, com Mads Mikkelsen, por conta das semelhanças entre temáticas, mas a abordagem que a diretora escolhe é bastante diferente do que Thomas Vinterberg emprega em seu filme. Aqui os elementos polêmicos são muito mais sugeridos do que explicitados e tal situação divide opiniões em quem o assistiu. Indiscutivelmente, querer tolher o roteiro porque ele trata de uma questão tão espinhosa quanto a pedofilia, além de um esforço inútil também revela um preciosismo pueril, ainda mais levando em conta toda a problemática recente envolvendo os casos de assediadores e sex offenders famosos. O diferencial no filme de Jabor também é sua temporalidade, uma vez que se passa em plena era das redes sociais – abertas para qualquer pessoa que tenha acesso a internet -, facilitando assim a propagação de qualquer factoide.

    O julgamento que recai sobre Rubens passa basicamente por um grupo de incertezas terríveis. Não há uma grande afirmação, nem sobre sua inocência e nem em quem de fato acredita no que ele fala. Os personagens coadjuvantes se vêem repletos de dúvidas e o trabalho dos atores Marco Ricca, Malu Galli e Luisa Arraes é bastante rico nesse sentido de falar através de uma situação limite o quão complicada é a situação como um todo e o quão devastadora pode ser uma acusação contra a honra e integridade de uma pessoa, mas ainda assim, parece que falta algo invisível no filme.

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  • Crítica | Baseado em Fatos Reais

    Crítica | Baseado em Fatos Reais

    A parceria de Olivier Assayas (roteiro) e Roman Polanski (direção e roteiro) era muito esperada por admiradores de suas filmografias. Baseado em Fatos Reais, baseado no livro de Delphine de Vigan, é um thriller carregado de subtextos, se estabelecendo através da história de uma escritora que acaba de lançar um livro biográfico e que passa por um bloqueio criativo.

    Emanuelle Seigner que já havia brilhado com o cineasta em A Pele de Vênus, dá vida a Delphine. Sua rotina é penosa, basicamente em busca de novas histórias ou novos métodos. Enquanto há uma longa explanação sobre a sua forma de escrita e seus ritos para dar voz as suas histórias, encontra-se em meio à tardes de autógrafos e  cafés franceses a bela Elle (Eva Green), uma mulher inteligente, bonita e interessante que se aproxima dela como admiradora de seu trabalho. Logo, percebe-se que a mulher misteriosa também tem pretensões literárias, e costuma escrever como escritora fantasma de pessoas mais famosas.

    Delphine é atormentada não só pelo drama da página vazia, mas também por cartas anônimas a respeito de seu último trabalho ao público. Metódica, ela se apega a essa perseguição para se resguardar de retomar a escrita, variando normalmente entre as desculpas para não por no papel suas ideias e os incômodos de sentir sua vida invadida. Enquanto isso, há um aproximar de Elle que começa lentamente e se torna muito intenso rapidamente, causando no espectador e na protagonista uma sensação de incômodo e desconfiança.

    A problemática maior é que se dá pouca importância dramática para toda a situação vivida por Delphine/Elle. Mesma levando em consideração a teoria de que uma personagem é a manifestação de uma outra faceta da personalidade de sua escritora, não se desenvolve conflitos no filme. O que se vê é uma emulação de alguns elementos do romance Misery de Stephen King, que por sua vez deu origem ao filme Louca Obsessão com Kathy Bates, mas o que se vê aqui é um produto menos inspirado e mal engendrado até no suspense a que se propõe.

    A tentativa de quebrar a quarta parede também soa pobre. A história contando como se constrói uma narrativa não se fundamenta graças aos personagens que não tem qualquer carisma ou conteúdo que não seja o que já é presente nas personas de Green e Segner. Qualquer importância dada as situações que as duas mulheres sofrem só ocorrem graças a predileção já estabelecida do público com as carreiras das intérpretes, o que é obviamente lastimável, ainda mais em se tratando de uma obra de Polanski.

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  • Crítica | A Câmera de Claire

    Crítica | A Câmera de Claire

    Filme terno como é típico do cinema recente de Hong Sang-soo, A Câmera de Claire, novamente em parceria com Kim Min-hee, acompanhada dessa vez por Isabelle Huppert.

    O filme se passa nos bastidores do Festival de Cannes, onde uma equipe de produção de cinema da Coréia do Sul apresenta um filme que está em cartaz. As primeiras personagens apresentadas são Manhee (Min-hee), uma assistente de produção e Nam Yanghye (Mi-hee Chang), que por sua vez, acompanha o diretor e beberrão Soo Wansoo (Jin-young Jung). Manhee é demitida sem saber a razão, mas logo se revela o motivo. O ambiente escolhido por Hang-soo para mostrar as rupturas empregatícias são os cafés franceses, que normalmente servem de cenário para confraternizações.

    Logo, a professora Claire (Huppert) aparece utilizando a sua câmera fotográfica instantânea para registrar os sentimentos e estados de espírito de praticamente todos os personagens já citados, além de outro periféricos. A partir desse ponto a linguagem idiomática do filme muda bastante, passando a se utilizar mais o inglês do que a língua mãe dos personagens, fato que evidencia a tentativa de Soo de soar comercial para a platéia dos Estados Unidos.

    A câmera fotográfica que dá nome ao filme é um modelo antigo, semelhante às antigas polaroides. Seu equipamento parece também registrar cópias digitais, uma vez que ela guarda os registros mas sempre dá a foto tirada para o modelo. Essa troca de imagens tem um forte significado por trás, mais profundo do que o sorriso da francesa transparece. Seu discurso de que a pessoa muda sempre que é fotografada não se prova empiricamente, mas em teoria ela está a ponto de se comprovar verdadeira, já que após a sua interferência, todo o trio coreano tem suas jornadas radicalmente mudadas, ainda que não seja ela o catalisador dessas transformações .

    O diretor consegue em apenas 68 minutos fazer um comentário sobre a futilidade que envolve a sétima arte, como também sobre as relações de trabalho decorrentes desta área. A Câmera de Claire traz retratos da intimidade de beleza considerável, mas que ainda assim evita trazer à tona momentos agridoces, repetindo boa parte dos clichês de sua filmografia, ainda que não perca a redundância.

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  • Crítica | Iran

    Crítica | Iran

    Filme ensaio de Walter Carvalho, Iran acompanha o método do ator Irandhir Santos em mergulhar em seu papel, no caso, mostrando sua preparação para o filme de Luiz Villamarim exibido ano passado, Redemoinho. O documentário de aproximadamente 70 minutos é composto de uma narrativa visual que se vale de uma verborragia corporal, praticamente sem nenhuma fala de seu personagem.

    Editado em preto e branco, o filme busca o naturalismo via balbucios. Os sons indistinguíveis de sentido pronunciados pelo ator revelam um método bastante peculiar, mas que certamente não justifica toda a repetição em volta deste ciclo. A sensação ao final da sessão é que há mais da metade da duração dedicada basicamente a revelar tais ruídos sem sequer mostrar a face do intérprete de Luzimar.

    Talvez o aspecto que mais diferencia estes de outros ensaios cinematográficos sejam as anotações que o artista fez nos papéis dos roteiros, repletos de desenhos e indicações de performance. Ainda assim, é pouco. Deve haver um significado atroz para quem já trabalhou com Irandhir, mas para o público geral, não tanto.

    Os sons das ondas batendo unido as cenas de aquecimento embalam o sono do espectador, que basicamente tem que tentar driblar a sensação de tédio. Em alguns momentos, parece que a intenção do documentarista é exatamente esse, o de ninar a platéia. As justificativas do diretor antes da sessão da Premiere Brasil mais pareciam um pedido de desculpas para o que o público assistiria adiante, fato absolutamente desnecessário, afinal a experiência ali poderia fazer sentido para alguns.

    Iran parece muito os filmes experimentais de Paula Gaitán, como o recente Sutis Interferências que ainda é mais palatável para o público geral que este analisado. Carvalho traz cenas belíssimas e uma ideia poética que certamente seria melhor exposta em uma sessão especial de exibição, pois necessita de uma apreciação tão experimental quanto a sua feitoria.

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  • Crítica | A Última Chance

    Crítica | A Última Chance

    Protagonizado por Marco Pigossi, o drama A Última Chance de Paulo Thiago conta a trajetória do lutador Fábio Leão. Recém-saído da penitenciária, Leão informa que quer abandonar sua vida no tráfico, se retirando do ofício na boca de fumo em que trabalhava antes de perder a liberdade.

    Logo, o destino apronta para Fábio, fazendo-o enxergar em um dia comum um aviso sobre aulas de Muay Thai, em uma academia, exatamente no dia em que efetuaria uma ação criminosa. Essas coincidências do roteiro já demonstram o quão equivocada é a construção textual  de Thiago e Teresa Frota. O que se assiste após isso são encontros e desencontros regados a frases repletas de clichês, imitando de certa forma o pior aspecto dos filmes de b de pancadaria.

    Os entraves e discussões de Fábio com os personagens periféricos fazem pouco ou nenhum sentido. Os ânimos em uma discussão na boca de fumo se acirram sem qualquer motivo aparente, não há lógica na fala entre o pretenso lutador e os bandidos, bem como ocorre na academia. Personagens que antes eram antipáticos a ele agora são super solícitos e prontos a servirem o rapaz. A história lembra um folhetim inspirado em livros de auto-ajuda. Até mesmo nas cenas de lutas falta dinamismo por parte da direção, as coreografias não convencem, o trabalho de fotografia não consegue reproduzir as lutas com clareza, aliado ainda de uma trilha sonora que não combina em nada com as lutas existentes nos filmes do gênero que o inspiraram.

    O volume de coincidências só aumenta. O fato de ser uma história baseada na realidade não justifica uma má construção de dramas. O romance com Luciana (Juliana Lohman), as dificuldades financeiras que magicamente aparecem na história, tudo soa extremamente forçado, inclusive na proximidade que a trama tem com Rocky: Um Lutador, especialmente na dualidade entre a criminalidade e o esporte.

    Há problemas sérios de continuidade, em alguns momentos não parece que houve um trabalho de pós-produção. A jornada do campeão Leão lembram os piores momentos do quadro arquivo confidencial, no sentido de ser um greatest hits da vida real de alguém. Não há qualquer naturalidade nos fatos mostrados, tampouco há grafismo nas lutas. O acréscimo do personagem Aguinaldo Freitas (Jackson Antunes), candidato a vereador e mantenedor das despesas do protagonista é forçado, deixando óbvio desde o início que se tratava de um sujeito desonesto. Não há espaço para sutilezas ou nuances, tudo soa falso, bobo e artificial.

    Pigossi parece viver uma versão piorada de Santana, protagonista de O Nome da Morte, outro filme que protagoniza, a diferença é que o filme de Henrique Goldman ao menos tem apelo comercial. A Última Chance parece uma propaganda moralista anti-drogas em formato de longa metragem. Os ressurgimentos financeiros de Fábio não são explicados, mesmo quando ele volta para o crime. Todas as vezes em que se citam as frases e escritos de Bruce Lee a sensação é de afronta, uma vez que os dizeres são normalmente citados de maneira aleatória, em contextos completamente pobres. Perto do final, há uma cena em que se mostram as visitas íntimas, e o que se vê são cortinas dividindo os locais onde os presos transam, em posições que lembram os filmes das Brasileirinhas ou Buttman, reforçando a ideia de que essa é uma  comédia involuntária.

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  • Crítica | Zama

    Crítica | Zama

    Conduzido pela diretora argentina Lucrecia Martel, Zama conta a história de um oficial da coroa espanhola, no final do século XVII, nascido na América do Sul, que está no aguardo de ordens reais concedendo-lhe a transferência da cidade onde está para um lugar melhor. O personagem-título é interpretado por Daniel Giménez Cacho, que empresta seu semblante e trejeitos a fim de convencer o público da história que será contada.

    A reconstrução de época bem desenvolvida, faz um retrato detalhado do período, digno de filmes como Barry Lyndon de Stanley Kubrick. Os detalhes em cenários e maquiagens são belíssimos, assim como o uso de locações campestres e praianas, essa imersão ajuda o espectador a se ambientar não só com a época, mas também com o contexto histórico existente. Além disso, soa bastante acompanhar o homem fardado transitando em meio a uma terra que transborda sexualidade.

    Zama é um sujeito asqueroso, distante demais do ideal que se espera dos servidores da realeza. A questão é que grandes tramas ameaçam acontecer mas jamais chegam a ser concluídas. A rotina do homem é enfadonha, fato que tenta justificar a falta de ação e de eventos que minimamente chamem a atenção dos espectador. Os anos passam e a mensagem do rei nunca chega.

    No terço final uma nova trama aparece graças a morosidade das ordens reais. Após ser rejeitado por praticamente todos os governantes e demais pessoas da cercania. Seu nome cai em desgraça e correm boatos de que sua cabeça está a prêmio. Ao se aventurar com um grupo de soldados, ele sai em definitivo do estado incômodo em que estava para basicamente abraçar um estilo de vida muito diferente e repleto de provações diárias.

    A tentativa de movimentar a história é bastante tímida, e nos momentos finais a fotografia de Rui Poças passa a ser ainda mais valorizada graças as cenas externas. O advento do misterioso personagem de Matheus Nachtergaele, de identidade não definida é um sopro de carisma, mas é ainda mais tardia do que a virada que ocorre com o protagonista. Seu destino trágico se assemelha um pouco a proposta do filme, que pesa muito em seu caráter hermético.

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  • Crítica | Praça Paris

    Crítica | Praça Paris

    Novo filme dirigido por Lucia Murat e roteirizado por Raphael Montes, Praça Paris mira alto ao tentar alcançar o posto de thriller psicológico e viés psicanalítico. Apesar da brincadeira com as palavras, a mistura entre os gêneros não consegue fluir naturalmente, fato que faz o longa carecer de uma identidade própria.

    Uma das regras não escritas para realizadores é a de se uma história secundária for melhor e mais rica que o mote principal, a melhor opção seria elevar essa a um patamar de importância maior. Isso parece ter ocorrido com a história que Murat propõe. Há dois núcleos distintos no roteiro, o da psicóloga portuguesa, Camila (Joana de Verona), que atende pacientes na UERJ, e da ascensorista e moradora da favela, Glória (Grace Passô), uma mulher que tem a rotina comum e sofrida, igual a milhões de brasileiros.

    Logo, o envolvimento das duas vai se estreitando de maneira natural e orgânica. Ambas quebram protocolos tradicionalmente estabelecidos entre paciente e analista. Totens comuns a tantos pacientes de psicanálise são jogados em tela, como abuso na infância, traumas não-resolvidos e revelados mais a frente, e claro, a crença no não tangível através da religião.

    A construção dos cenários urbanos é bem construído, tendo no Rio de Janeiro sob os olhos de Murat uma ótica repleta de veracidade. Os momentos no interior da faculdade estadual, das estações do metrô e das igrejas pentecostais ajudam a estabelecer esse clima de imersão do público.

    Ao mesmo tempo em que essas filmagens remetem a um Rio de Janeiro real, o foco em lugares de turismo pequeno tendem mostrar uma cidade para exportação, fato que obviamente casa com todo o ideal de Camila, que é uma mulher que está no Rio basicamente para saciar sua vaidade, preenchendo seu vazio existencial em atitudes pseudo-solidárias. Toda a construção em volta da personagem transborda alienação e futilidade ao ponto dela se achar o centro do mundo e alvo de todo e qualquer bandido carioca, unicamente por ter tido contato com alguém que, supostamente, tem envolvimento com bandidos poderosos.

    Os momentos finais resultam na reclamação do primeiro parágrafo, basicamente deixando Glória de lado para explorar as inseguranças infantis da outra personagem. A maior decepção em Praça Paris certamente é ligada ao rumo que as tramas desenrolam, deixando os aspectos mais flagrantes de lado para agradar ao espectador mais conservador e membro da elite carioca.

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  • Crítica | 120 Batimentos Por Minuto

    Crítica | 120 Batimentos Por Minuto

    Sean Dalmazo era um ativista LGBT, soropositivo e um dos principais membros do grupo Act Up de Paris, uma ONG voltada a defesa dos direitos dos LGBT. Em 120 Batimentos por Minuto, Robin Campillo se passa durante os anos 1990 e estabelece uma linha narrativa através da experiência de Sean (Nahuel Perez Biscayart) e outros jovens desse movimento, mostrando doentes e simpatizantes da causa convivendo com a rotina de um grupo extremamente didático, cujo modus operandi burocrático lembra muito os partidos menores existentes no Brasil.

    Os atos organizados pelo grupo passam por uma intensa bateria de discussões, que incorrem em acaloradas conversas sobre os métodos usados. Sean é um dos partidários de ações mais extremas e agressivas, enquanto Thibauld (Antoine Reinartz), presidente e porta voz do conselho tenta vias mais democráticas. Essa disputa entre as posturas é bem desenhada pelo roteiro, mostrando que normalmente o modo de agir dos manifestantes tem a ver com o avanço da doença em meio ao sistema imunológico dos que defendem sua posição. A taxa de plaquetas de Sean está baixa e por isso sua pressa por melhores resultados é tão grande.

    A condução de Campillo é bastante calcada no emocional. Tanto o ativismo quanto as cenas de sexo são viscerais, fortalecendo ainda mais o senso de urgência do longa. O filme é flagrante e consegue ser melancólico de modo muito equilibrado no começo, ainda que pese bastante a mão próximo do final.

    As cenas de festas são oníricas, e ao contrário de tantos filmes que exploram temática LGBT, não há apenas uma curtição movida pelo desejo de entretenimento. As baladas simbolizam o desejo por libertação das amarras que a enfermidade rogou pelas pessoas retratadas em tela. Todos os conflitos ideológicos fazem sentido e o motivo óbvio do óbito se aproximando torna a sensação de comoção em algo real. Não há como se ignorar o grito dos revoltosos.

    Os trinta minutos finais se dedicam a uma outra exploração de tema, mirando na decadência física de Sean, mostrando que apesar de todas as festas, das discussões e dos planos estabelecidos, havia na vida dele e de praticamente todos os jovens mostrados pela câmera de Campillo uma finitude programada. Saber o momento exato ou próximo da morte não tranquiliza o sujeito, ao contrário, o deixa em pânico. Sean tem seus últimos momentos com pouca ou nenhuma qualidade e o processo de definhar até sucumbir é doloroso não só para os seus como para a plateia. 120 Batimentos por Minuto faz questão de criar no espectador uma sensação de urgência e angústia atroz, que de forma minimizada, busca emular a mesma desolação dos condenados pelo HIV, sem esquecer obviamente que para os que ficam, a vida, a causa e a luta continuam.

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  • Crítica | Verão 1993

    Crítica | Verão 1993

    Verão 1993 é protagonizado por Frida (Laia Artigas) uma menina bem nova que tem o desafio de viver seu primeiro verão com sua nova família adotiva. O drama de Carla Simón tenta se valer da ternura e singeleza para mostrar uma história sentimental e de certa forma, universal, uma vez que trata de sentimentos e sensações comuns a quaisquer pessoas, focando em uma fase de aceitação complicada, a infância.

    A historia do longa se vale muito do lúdico, da vivência da menina. Quase todos os momentos mostram a intimidade dela, tendo momentos corriqueiros, como qualquer dia a dia de crianças normais, brincando e tendo que lidar com a nova família. Na maior parte dos 95 minutos não há grandes conseqüências e eventos, a maior parte do roteiro de Simón com colaboração de Valentina Viso se dedica a fazer o espectador se afeiçoar por Frida.

    Passada uma hora de filme, finalmente ocorre algo que muda drasticamente a trama,  quando Frida é de certa forma culpada por um acontecimento com outra criança da família que lhe acolhe. A raiva que seus pais entregam a si demonstram pragmaticamente que na dúvida, o amor despendido para as pessoas que tem laços sanguíneos será maior do que o para a menina adotada. A cena é rápida e incrivelmente econômica do ponto de vista emotivo, e serve para desvelar um argumento hipócrita e chapa branca comum as famílias que adotam crianças, ainda que aqui não seja um argumento que tenta se valer como uma verdade universal. O que se exemplifica é apenas o que deve ocorrer com a maior parte dos casos.

    O terço final tenta se equilibrar entre a aceitação dos adotantes e a percepção de Frida em ter de conviver com um ambiente completamente diferente. O fato dos fatos corriqueiros não fugirem quase nada do comum dão verossimilhança a trama, mas também tornam esse um objeto que desperta pouco interesse, ficando preso num limbo extenso, repleto de outros tantos filmes genéricos que brincam com a aceitação dos outro.

    https://www.youtube.com/watch?v=tbkfqwV6AAQ

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  • Crítica | O Diabo e o Padre Amorth

    Crítica | O Diabo e o Padre Amorth

    Gabriele Amorth foi um padre famoso por executar exorcismos. Requisitado inclusive em documentários como Satan Lives, The Exorcist in the 21st Century, Os Rituais de Exorcismo e Vade Retro, Satanas, só para ficar em alguns. A surpresa foi ele ser encontrado por William Friedkin, diretor de O Exorcista, para protagonizar O Diabo e o Padre Amorth.

    Outra surpresa é a duração do filme, apenas 68 minutos. Friedkin começa entrevistando o escritor do romance O ExorcistaWilliam Peter Blatty – a quem o longa é dedicado. Em suas palavras, seu livro foi inspirado num caso real de exorcismo, ocorrido em 1949, através do relato do padre William Bowdern. Grande parte da primeira metade do filme faz lembrar os extras do filme, com detalhes dos bastidos do filme de 1973.

    Pouco tempo depois, se traça um perfil de Gabriele, que na juventude, foi da resistência ao governo fascista de Benito Mussolini. A altura do documentário, o padre já tinha 91 anos e estava executando o exorcismo a uma mulher de meia idade, chamada Cristina. Seria permitido ao diretor ir sozinho nas sessões de exorcismo, sem luzes e sem ninguém somente com uma câmera, e o que se vê é uma sequência longa, em uma sala pequena, lotada com a família da exorcizada. A única diferença visível na postura da mulher é a voz, em um tom gutural pouco convincente.

    A estética do filme é bastante simplista e é curioso o formato que Friedkin escolheu. O começo de sua carreira, no documentário O Povo vs Paul Crump, de 1962, formato deixado de lado logo depois para que pudesse migrar para a ficção. Pouco se vê qualquer interferência no sentido de um maior apuro na direção da parte por parte do cineasta, e mesmo as referências bíblicas ocorridas durante a sessão são sub-aproveitadas e mal-explicadas.

    A explicação mais plausível para a falta de marcas na direção seria a de espanto por parte do cineasta, que se sentiu particularmente impactado pelo que ocorreu consigo nas experiências que teve com o padre e Cristina. Sua perturbação é clara, inclusive na questão sensacionalista de uma ameaça de morte, feita pelo suposto possuidor de Cristina, que prometeu em Alatri – na Itália – que ele morreria caso exibisse o filme. As questões propostas por Friedkin precisam muito da fé do espectador para funcionarem, no entanto, o resultado do filme passa longe de ser desastroso, é apenas mediano e sem uma identidade definida, já que não sabe se é um documentário sobre o filme de 1973 ou sobre o padre especialista em exorcismos.

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  • Crítica | A Vilã

    Crítica | A Vilã

    Do coreano Byung-gil Jung, o longa A Vilã começa com uma cena em primeira pessoa sensacional, mostrando as ações de Sook-hee (Ok-bin Kim), assassinando um grupo de opositores violentos, em um local que aos poucos vai sendo mostrado, como a base para alguns experimentos estranho, além de ter ali um engenho para a fabricação de drogas.

    Logo, o passado de Sook-hee é mostrado, como cobaia de um projeto que iria lhe transformar em uma máquina de combate. Após passar um longo período na China, treinando, ela consegue escapar e vai em direção a Coreia, seu país de origem a fim de descobrir o que aconteceu consigo. Daí, começa uma trajetória de assassinatos a sangue frio, em torno dessa vingança, com a personagem principal basicamente correndo atrás das pessoas envolvidas na modificação que ocorreu consigo.

    Parte da jornada da heroína, inclui entender como veio a se tornar uma pessoa tão poderosa. E é nesse quesito que o filme peca um pouco, já que o roteiro não acompanha a boa forma de Jung dirigir as cenas. Os momentos de ação são muito bem construídos, em especial as cenas de luta com armas brancas, mas o texto é bem pobre, chegando ao ponto até de ofender Nikita de Luc Besson quando ocorre qualquer comparação. Entre eles, somente a premissa é parecida todo o resto não.

    As partes filmadas com câmera na mão fazem lembrar em muito os bons jogos de tiro de árcade, emulando inclusive características de jogos mais recentes, como Overwatch, sem é claro ter um clima tão viajandão quando o game em FPS. A Vilã faz lembrar um pouco Fatal (Chek law dak gung), Siu-Tung Ching protagonizado por Maggie Q, ainda que o produto coreano seja menos explicito quanto a sensualidade, se comparado a Fatal.

    O desfecho é um pouco anti-climático, apesar de reunir algumas boas cenas e momentos na sequência do casamento. O visual arrojado e as cenas de ação fazem o conceito de A Vilã subir, mas ainda assim é bem pouco, restando apenas mais um filme de açao genérico da Ásia.

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  • Crítica | As Boas Maneiras

    Crítica | As Boas Maneiras

    Da dupla de diretores Marco Dutra (Quando Eu Era Vivo e O Silêncio do Céu) e Juliana Rojas (Sinfonia da Necrópole) As Boas Maneiras é um belo exemplar de cinema brasileiro genuinamente de gênero. A dupla, que já havia feito juntos cinco curtas, uma coletânea (Desassossego) e um longa (Trabalhar Cansa) entrega uma história dividida em dois atos distintos.

    Na primeira parte, a bela enfermeira Clara (Isabél Zuaa) procura um emprego a fim de conseguir enfim sair da casa de sua senhoria, Dona Amélia (Cida Moreira), na periferia de São Paulo. Ela atende a um anúncio na parte nobre de cidade, onde mora Ana (Marjorie Estiano), uma mulher rica, que se apresenta como uma moça tímida e recatada mas aos poucos se solta. Ana está grávida, À espera de um bebe que ela sequer sabe quem é o pai.

    Aos poucos, Ana mostra uma faceta um bocado malévola, mas seus atos cruéis tem uma estranha origem, e assim que Clara começa a entender o que ocorre com sua patroa, a empatia entre ambas se estabelece, ao ponto de ambos se verem como cúmplices em um nível que no início não era esperada. O fim desse arco ocorre com a aparição da criatura fantástica prometida desde que se ouviu no projeto deste filme, e o Lobisomem deste ato é sensacional do ponto estético, assim como é natural as escolhas de Clara dali para frente.

    A segunda parte é um capítulo a parte, e mostra a realidade de sete anos depois, com Clara voltando a morar no quartinho do subúrbio, nos fundos da casa de Amélia, com seu filho adotado, Joel (Miguel Lobo) um menino doce e delicado, que precisa de cuidados especiais, entre eles, o fato de não poder carne, como ocorreu com sua mãe pouco antes de terminar o primeiro capítulo.

    A escolha por focar numa bifurcação de tramas é curiosa e funciona quase a perfeição. Tanto o temor de Clara quanto a necessidade de Joel e seus amigos por alcançar a verdade são igualmente caros platéia. A tentativa do rapaz por tentar descobrir seu passado é repleta de simbolismos, desde a óbvia situação da orfandade, que claramente mexe com a cabeça de qualquer criança que cresce linde de seus pais, bem como o fato de não ter entendimento sobre o que exatamente ele é. Falta maturidade e conhecimento para enfim se ter ciência do que Joel é, e a colocação desse drama em um cenário atual e urbano é muito digno de louvor.

    Os efeitos em CGI são escondidos até boa parte do fim desse segundo ciclo. Há algumas enrolações que soam desnecessárias, mas assim que é mostrado o lobo digital o que se vê é uma figura bem feita, não tão sensacional quanto o boneco do primeiro momento, mas ainda assim é bem feito em especial em se tratando de um cinema nacional que normalmente tem receio de lançar mão de efeitos especiais digitais.

    Apesar de alguns leves problemas de roteiro, como a longa duração e algumas coincidências oportunas demais, os eventos próximos do fim servem bem a discussão sobre intolerância e selvageria ligada ao desconhecido, faces essas exaustivamente exploradas em materiais pop como X-Men, Jornada Nas Estrelas etc. O findar semelhante ao clássico Frankenstein de Boris Karloff e James Whale serve para mostrar que a turba e o populacho tende a sempre apelar para o barbarismo quando se defronta com algo hostil que foge a sua compreensão, foi assim em 1931 na adaptação de Mary Shalley e é assim também em 2017 e apesar dessa declaração de pouco otimismo com relação ao sujeito comum, ainda resta um resquício de crença na sobrevivência do vínculo sentimental familiar adquirido.

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  • Crítica | On Yoga: Arquitetura da Paz

    Crítica | On Yoga: Arquitetura da Paz

    Documentário surpreendente, On Yoga: Arquitetura da Paz é baseado no livro homônimo do fotógrafo Michael O’Neill, e começa com os exemplos de alguns artistas imortais do cinema, como Orson Welles, Martin Scorsese, Leonardo DiCaprio com o artista falando deles, de pessoas com quem trabalhou ao longo de sua enorme carreira. Não demora a acontecer um mergulho no tema proposto no título, com viagens do mesmo pela oriente, a fim de mostrar em tela os temas que levantou no livro.

    O’Neill é um personagem muito forte por si só. Suas viagens e cobertura pelos detalhes da prática da yoga são muito bem vindas dentro do filme, já que o mesmo se aventura junto ao diretor Heitor Dhalia, de Cheiro do Ralo, Serra Pelada e À Deriva. O modo como o cineasta escolhe registrar suas imagens é tão poético quanto o ideal por trás do pensamento de meditação.

    A câmera de Dhalia se infiltra na intimidade dos entrevistados, e consegue atingir momentos épicos dentro dos 93 minutos de exibição. As falas dos personagens são profundas e causam sensações fortes na audiência que assiste ao longa. Há semelhanças demais entre esse e os produtos de Eryc Rocha, em especial Cinema Novo e Campo de Jogo, que são filmes que falam de eventos diversos, um popular como o futebol e outro de segmento que é o movimento cinematográfico e que conseguem através de sequências herméticas contar suas historias e provar seus pontos. Yoga – Arquiteturas da Paz parece ser um primo desses dois.

    Apesar de todo o papo institucional e da propaganda relativa a meditação, há que se destacar todo o caráter artístico do filme, que se debruça de modo muito belo e sensível sobre a obra a O’Neill e suas convicções espirituais, exemplificando pela experiência milenar oriental o quão proveitosa pode ser a prática da yoga. O filme poderia ir facilmente para um lado parecido com o dos documentários Zeitgeist e Uma Verdade Inconveniente, no sentido de ao final apresentar uma formula mágica para a solução dos problemas globais, mas não o faz, é sóbrio, econômico e resoluto em todos os temas propostos.

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  • Crítica | Slam: A Voz do Levante

    Crítica | Slam: A Voz do Levante

    Slam são poesias de até 3 minutos, e suas formas e variações são explicitadas durantes os 97 minutos do filme de Roberta Estrela D’Alva e Tatiana Lohman. O documentário Slam: A Voz do Levante tem seu próprio método de didatismo, mostrando seu mote e mensagem aos poucos, exemplificando com imagens como funciona o seguimento poético do slam e suas vertentes. Após uma breve introdução, com um concurso brasileiro.

    Logo depois, a câmera de Lohman segue Estrela D’Alva, viajando o mundo pelos campeonatos e copas da modalidade, onde ela com sua presença de espírito altiva e intervencionista, declama seus poemas em português, com uma entonação que se faz entender para a plateia, obviamente com apoio de legendas em inglês, mas seu estilo e verve são sempre bem pontuadas, de acordo com as placas que são levantadas após o termino de cada número.

    Após falar de maneira lírica uma poesia contra a misoginia presente na música pop, Roberta assume que seu objetivo ali era tocar nas pessoas, não necessariamente ganhar a competição, e de fato o que ela fala é diferente do que todos falaram, ainda que o senso crítico esteja presente nos praticantes da arte. De certa forma, o longa serve também para traçar uma biografia da mesma, já que mostra sua evolução tanto no quesito artístico, quanto no de organizadora e produtora de eventos.

    É curioso perceber as diferenças de cenários, enquanto o chamado Original Slam, na Europa e Estados Unidos é executado em bares ou ambientes fechados, normalmente no Brasil há o uso de espaços mais informais, como praças ou lugares fechados improvisados, além dos eventos do Zap (Zona Autônoma da Palavra), realização que D’Alva também é responsável pela produção. Nos Estados Unidos, o estilo casa bem com o Jazz, já no Brasil, a influência maior é ligada ao hip hop.

    Em ambas encarnações a tentativa é de aproximar o público da poesia, fugindo da pecha de que essa é uma arte chata, que expulsa o populacho. No discurso, mesmo dos praticantes mais antigos, está o ideal de destruir os padrões da poesia e ser contra o academicismo.

    Os últimos momentos do documentário se dedicam a explanar sobre as variações brasileiras, como O Menor Slam do Mundo, o Slam do Corpo e outras modalidades. Em conversa particulares, D’Alva discute com os  poetas sobre lugar de fala e a inibição da diversidade via discurso de nichos, e as ponderações da diretora e poeta tem um cunho bem razoável e maduro.

    A maior força de Slam: A Voz do Levante certamente é a emoção com que a dupla de diretoras conduzem o estudo sobre a modalidade artística, pondo os temas discutidos muito acima de qualquer posição de nota ou mensuração de valor típica da votação dos jurados. A promessa de Estrela D’Alva de que sua performance tocaria as pessoas tem testificação não só no palco dos pubs ou praças públicas, mas também na tela de cinema, uma vez que seu filme é sim repleto de informação, mas também de muita alma e energia.

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  • Crítica | Yonlu

    Crítica | Yonlu

    Dirigido por Hique Montanari, Yonlu é um filme baseado na história real de Vinicius Gageiro Marques, também conhecido como Yoñlu, um jovem músico cuja vida foi encurtada por um suicídio assistido via internet. O começo do longa mistura momentos oníricos com entrevistas com o psicanalista do rapaz, que tenta imediatamente denunciar a espetacularização do caso envolvendo o rapaz, também apelando para o lugar comum de que a internet é um lugar perigoso.

    Interpretado por Thalles Cabral, que quase não interage com outros atores, o longa conta ainda com a trilha sonora assinada pelo próprio Vinícius. Interessante notar que, as outras pessoas que cortam o caminho de Vinicius só aparecem por meio de vozes e ruídos, são incorpóreos. Talvez a mensagem mirada seja a de alertar para a solidão cotidiana em que o rapaz estava posto, fato que certamente contribuiu para o estágio final de sua vida.

    Vinicius é um garoto atormentado por seus próprios pensamentos e sentimentos, e parece ter pouco lugar onde dar vazão para seus desejos de não existir. Essa questão polêmica, velha como o mundo, é retratada de um modo sentimental e poético, mas sem romantizar o cercear da própria vida, e sem deixar de lado os estudos sobre casos e informações médicas sobre o que leva alguém a dar cabo da própria existência. Ainda assim, o filme não procura dar respostas sobre como suportar a dor ou como lidar com o desejo de não viver mais.

    A reconstrução da curta jornada de Yonlu é muito bem registrado dentro do filme de Montanari. O diretor conseguiu captar bem a alma e verve artística do músico, pondo em tela bastante de sua personalidade e brilho. A saída de contar uma ficção livremente baseada em uma história real garante ao filme uma liberdade poética ímpar e muito bem empregada na tentativa de contar ao mundo a versão de Yonlu sobre o que de fato aconteceu com ele nos seus últimos dias e traçar um panorama com a sua arte.

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  • Crítica | A Vida Extra-Ordinária de Tarso de Castro

    Crítica | A Vida Extra-Ordinária de Tarso de Castro

    O filme de Leo Garcia e Zeca Brito começa com a música Detalhes, de Roberto Carlos. É nesse intimismo que o documentário A Vida extra-ordinária de Tarso de Castro se desenvolve, contendo em si entrevistas de amigos do jornalista, que em suma, consideram-no um divisor de águas em matéria de Jornalismo.

    A primeira cena abordando o sujeito é uma brincadeira de Marcelo Tas e seu personagem Ernesto Varela, falando com o próprio biografado, para logo depois entrar um clipe musical repleto de imagens de pessoas influentes da época dourada do biografado, ambientada pelo som de Meu Caro Amigo, de Chico Buarque. Já no início, o filme procura tocar em assuntos espinhosos, como a questão envolvendo seu apagar da história d’O Pasquim, sendo que todo o formato e concepção da publicação teriam passado por seu crivo e criatividade.

    Ao mesmo tempo em que se fala dessa polêmica, também se traça um perfil de um sujeito boêmio e muito querido por todos, em especial por ser generoso com os amigos, sempre procurando saber do que ocorria com os seus, vez por outra entregando o que não tinha em prol de seus companheiros. Além disso, era um sujeito curioso, distinto no ofício de jornalista, uma vez que se informava tanto nas vias culturais tradicionais quanto nas esquinas e becos sujos das cidades do Brasil. Sua identidade de homem da noite se misturava com seu trabalho diurno, de noticiador e formador de opinião. Sua principal característica certamente tem a ver com a sedução que propunha a todos.

    As entrevistas que Brito e Garcia registram tem um cunho de informalidade curioso, normalmente em bares, com dois ou mais amigos conversando sobre o comportamento do sujeito. Mesmo mais velhos, os amigos do biografado falam tomando sua cerveja ou comendo. Nas entrevistas individuais, as pessoas falam com o telefone no ouvido, remetendo ao hábito de Castro em utilizar o telefone o tempo inteiro. Mesmo que tal situação por vezes canse os olhos do espectador, as histórias mais engraçadas ocorrem nessas situações, em especial as revelações sobre seu espírito bufão e brincalhão.

    José Trajano, Jaguar, Paulo César Pereio, Caetano Veloso e tantos outros falam dos amores e ódios do sujeito, sempre de maneira muito carinhosa, mesmo quando tratam de assuntos espinhosos, como a briga do jornalista com Millôr Fernandes, fato que ajudou a ter sua memória dentro d’O Pasquim apagada. No entanto, a sensação mais amplamente explorada a respeito da identidade de Castro certamente são as paixões pelo jornalismo, bebida e mulheres, não necessariamente nessa ordem.

    Aos seus camaradas, resta a crença de que Castro hoje seria um sujeito de resistência a esse jornalismo moroso, burocrático e conservador que impera na grande imprensa, como são a maioria de seus amigos até os dias de hoje. O trabalho de pesquisa dos diretores é recompensado em um filme que foge do didatismo, ao mesmo tempo em que é absolutamente cheio de informações, resultando também em um produto com identidade e carisma, reverenciando a memória de Tarso de Castro inclusive na forma de documentar sua jornada.

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  • Crítica | Motorrad

    Crítica | Motorrad

    Único filme brasileiro presente na seleção de longas para o Festival de Toronto, Motorrad é o novo filme de Vicente Amorim (Corações Sujos), baseado em personagens criados pelo quadrinista Danilo Beyruth (Bando de Dois, Astronauta: MagnetarSão Jorge – Volume I e São Jorge – Volume II). A história tem um cunho de terror, misturando elementos de thriller e slasher movies.

    Na trama, acompanhamos a história do motociclista Hugo (Guilherme Prates), um jovem curioso que parte até um ferro-velho isolado do restante da civilização para tentar roubar peças de moto, Para que possa acompanhar seu irmão em uma aventura sobre duas rodas. Recebido de maneira hostil por Paula (Carla Salle), uma garota bela e misteriosa, que inicialmente o afasta, mas mais tarde o encontra em uma situação bastante estranha. Após esses eventos, Hugo e outros motociclistas adentram em uma trilha misteriosa, até se depararem com um muro recém-fechado. Eles decidem avançar assim mesmo retirando as pedras que compunham a antiga brecha, desse modo começando uma série de desventuras, onde passam a ser perseguidos por um grupo nesse vale isolado.

    A fotografia de Gustavo Habda tem uma prevalência na maior parte dos momentos de cores mais acinzentadas, e isso já no começo confere ao longa um ar de desolação e finitude semelhante ao visto nos filmes de pós-apocalipse como o Mad Max clássico. As primeiras cenas também lembram os filmes B, de William Friedkin, mas tal identidade visual sofre impactos estranhos, fazendo com que até esse bom aspecto seja deixado de lado, em erros crassos de composição e imagem, fazendo perguntar inclusive qual era a função do continuísta nesse caso já que muita coisa passou despercebido, entre elas, essa estranha questão da cor que muda bruscamente, passando do tom cinza já citado para outros mais amarronzados, sem qualquer preparação ou atmosfera para tal mudança.

    Mesmo as mortes mais agressivas soam um pouco artificiais, tampouco há coragem do filme em se assumir como um exemplar trash. A batalha final entre os sobreviventes e os assassinos maus também é mal construída, resultando em um anti clímax terrível. Ao final da visualização há de se perguntar inclusive como pode ser tão fácil decapitar as pessoas, ainda mais com os facões utilizados nesse Motorrad, que não chega a ser risível como filme de horror, mas também não consegue alcançar seu potencial positivo.

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  • Crítica | Henfil

    Crítica | Henfil

    O documentário de Angela Zoé (Meu Nome é Jacque) começa com um grupo de animadores procurando material para trabalhar em cima. Eles são “apresentados” a graúna, personagem do cartunista que dá nome ao filme, Henfil. Aroeira, Jaguar, Ziraldo e outros cartunistas parceiros de Henrique de Souza Filho falam dos momentos de intimidade que tiveram com ele na época d’O Pasquim, jornal alternativo e de contracultura existente durante boa parte do regime militar brasileiro.

    Para os amigos, Henfil era a alma d’O Pasquim, a pessoa que sacudia o restante do grupo, o que tinha o humor mais ácido e rasgante, e isso claramente se expressa nas suas tiras, algumas sendo reproduzidas em tela, com uma animação. Cabôco Mamadô serviu para expurgar os seus demônios, inclusive no que diz respeito ao sepultamento alegórico de Elis Regina, quando ela cantou nas olimpíadas do Exercito, cena essa muito mal orquestrada na cinebiografia de Elis. O que curiosamente se destaca é que após o ocorrido, os dois foram apresentados e se tornaram muito próximos. Outros famosos foram enterrados como Fernanda Montenegro, Clarice Lispector, entre outros, mostrando que não havia muita complacência da parte do desenhista.

    Toda a revolta do artista tinha a ver com a situação do país, mergulhado na Ditadura Militar. Foi daí que ele tirou inspiração para criar Ubaldo, o Paranoico, que segundo suas palavras,  denunciava  o medo e o horror que era viver desse jeito em pleno alvorecer sexual e artístico no restante do mundo. O seu método também é bem flagrado pelas câmeras, desde as sombras que fazia, que dificilmente usava lápis, além de só começar a criar após ler todos os jornais e se inteirar sobre os assuntos cotidianos.

    É impressionante como praticamente todas as historias de personagens e inspirações de Henfil tem um tom anedótico. Quando se toca no assunto espinhoso de sua doença, não há pesar, pelo contrário, já que os admiradores animadores que visitam o set chegam a conclusão de que talvez fosse a pressa por terminar sua obra que o inspirou a criar tanto material combativo.

    Há episódios inteiros dentro do filme sobre a hemofilia que vitimou o cartunista, e que diminuiu drasticamente sua qualidade de vida, assim como a denúncia ao que ele chamava de complexo de cucaracha, que era uma versão pessoal a respeito do já conhecido complexo de vira-lata falado por Nelson Rodrigues. Zoé também passa por Tanga – Deu No New York Times, filme dirigido pelo biografado, mas que foi um fracasso de bilheteria.

    Não há concessões ou sequer momentos “chapa-branca”, apesar de esse Henfil ser um objeto absolutamente reverencial e respeitoso com a sua figura da análise, ao final, a animação dirigida por Gabriel Kalegario, envolvendo os jovens que apareceram no início embalam os créditos do longa, em mais uma mostra do quão forte e influenciadora era a carreira do artista.

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  • Crítica | Historietas Assombradas: O Filme

    Crítica | Historietas Assombradas: O Filme

    Derivado em longa-metragem do programa de TV, Historietas Assombradas – O Filme remonta de modo cômico a origem de Pepe (dublado por Charles Emmanuel), personagem principal da versão seriada que passa no Cartoon Network, Historietas Assombradas (Para Crianças Malcriadas).

    Apesar do subtítulo do programa de TV, o espírito por trás da história pensada por Victor-Hugo Borges se pauta no humor, mostrando as situações ligadas tematicamente ao horror/terror, mas com um lado cômico escrachado, que obviamente faz paralelos com os espectadores infantis, ainda que se permita fazer comentários e piadas que só são apreciadas por plateias mais adultas.

    Há uma clara semelhança entre o traço de Borges com os famosos desenhos A Hora de Aventura, É Apenas um Show e Steven Universe, especialmente pelo clima nonsense. O uso das cores, composta por tons mais escurecidos ou extremamente claros, aplica um efeito diferencial no produto final, que soa agradável a plateias acostumadas com animações internacionais exatamente por fazer lembrar as animações citações, mas claro sem perder a identidade nacional.

    Não há um grande desfecho, já que Historietas Assombradas parece ter a obrigação de retornar ao status quo, até para garantir uma continuidade mínima ao programa infantil do Cartoon. Ainda assim, visualmente falando, o longa é praticamente impecável, os movimentos dos personagens são vívidos e limpos. Apesar da trama pueril, seu desenvolvimento é bastante interessante, especialmente para o público infantil, que certamente se importará com todas as variações e mudanças ocorridas com seus personagens.

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  • Crítica | Callado

    Crítica | Callado

    Após algumas falas destacadas do escritor Antônio Callado, o documentário se encaminha para uma cena de A Chinesa, clássico de Jean-Luc Godard, em preto e branco. Callado, de Emilia Silveira, é acima de tudo político, como eram também Setenta e Galeria F, filmes anteriores que se debruçavam sobre os anos de governo militar. O perfil do jornalista é traçado também por sua militância política.

    A verborragia e a força das palavras do biografado são muito bem capturadas nas entrevistas que Emília escolheu para figurarem em seu filme. O pensamento politico e ideológico de Antonio é bastante presente em seu cotidiano, assim como sua luta contra a censura. Callado disse que já sentiu vontade de entrar para o Partidão, o PCB (Partido Comunista Brasileiro), principalmente por sua admiração por Luis Carlos Prestes, mesmo que o próprio jamais tenha se assumido como comunista.

    As entrevistas com Davi Arrigucci, Carlos Heitor Cony, Eduardo Jardim, Fuad Atala, Lalo Leal e outros tantos amigos, familiares e colegas da Academia de Letras servem para inflar ainda mais a sensação de que o personagem era um sujeito imortal para a literatura. O roteiro utilizou muito das fontes de entrevistas dadas à parte desses investigados pela lente de Emilia, tornando a obra final um material colaborativo muito forte, de certa forma evocando as ideias e ideais do cronista analisado.

    O filme convida o espectador a ser íntimo do personagem-título. A escolha por apresentar as frases do escritor junto a suas fotos antigas é um recurso inteligente, já que encurta a distância do personagem com aqueles que não conhecem sua obra. A memória do literário é muito bem fotografada neste longa de Emilia Silveira, que mais uma vez entrega um longa reverencial bastante terno, trazendo a tona bons momentos de reflexão sobre a vida e obra do homem que foi Antônio Callado.

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