Tag: cinema coreano

  • Crítica | Minari: Em Busca da Felicidade

    Crítica | Minari: Em Busca da Felicidade

    Se tem uma coisa que americano adora é um gringo na terra do Tio Sam valorizando o país de algum jeito. Essa gratidão do artista com os EUA sempre gera prestígio na máquina mainstream de Hollywood, mas isso cria o risco de Minari: Em Busca da Felicidade ser visto só como “filme de Oscar” – draminha passageiro. De fato, a obra de Lee Isaac Chung não tem o mesmo impacto cultural e contemporâneo do também coreano Parasita, muito devido ao poder da encenação do mestre Joon-ho Bong (já podemos chamá-lo de mestre?), mas há no filme de 2020 O diferencial, agora: o uso de uma simplicidade e uma poesia encantadoras como artilharia emocional para ser um drama devastador com os seus atores, ainda mais nos momentos finais. Porque quando a família de Jacob e Mônica chegam no interior dos Estados Unidos nos anos 80, Jacob olha para o mato como se fosse uma mina de ouro, e Mônica é a única que percebe as dificuldades que o casal e as crianças enfrentarão nesse novo mundo, de emprego instável e sem grandes amigos para contarem nos Estados Unidos.

    Sonhador Vs. Realista, ou melhor: a importância (e as agruras) dos opostos para encarar uma vida difícil. O tema migratório é bastante forte, das dificuldades que os outsiders passam para se estabelecer na América (ou em qualquer país) e sobreviver com novos costumes, novos valores também para se adaptar. Mas são as promessas impossíveis que dão o tom de “desesperança combatida”, enfrentada pela teimosia que rege os sonhos dos homens num terreno a ser explorado – representado aqui pela vontade de Jacob em criar uma fazenda e germinar algum tipo de segurança financeira. Jacob tem uma família para criar e mesmo sem cumprir com tudo o que “vendeu” ainda na Coréia do Sul para Mônica e seus filhos, nunca para de lutar de forma honesta, mesmo que o destino atire inúmeros desafios (não apenas pessoais) em seu caminho sinuoso. Na verdade, Minari é a adaptação da famosa frase de Sylvester Stallone em Rocky Balboa, mas com atores orientais: Não se trata de bater duro, se trata de quanto você aguenta apanhar e seguir em frente, o quanto você é capaz de aguentar e continuar tentando. Isso é Minari.

    E com uma sensibilidade asiática que americanos sempre admiram (vide o sucesso de Nomadland e até Brokeback Mountain), qualquer diretor hollywoodiano de raiz filmaria esse drama abusando da trilha sonora, forçando lágrimas, e ainda iriam colocar uma cena de ação ou forte tensão no meio – Steven Spielberg sempre seguiu essa fórmula até cansar o seu mais fanático seguidor, com o apogeu da breguice em Cavalo de Guerra. O diretor Chung faz o oposto e esse é o triunfo do seu trabalho: a formação e o foco em um único núcleo narrativo (a unidade familiar coreana), e na força que existe na leveza, na resistência que existe no silêncio – há uma revitalização do cinema poético de Yasujiro Ozu, podendo-se sentir o gosto de clássicos como Era Uma Vez em Tóquio e Bom Dia, o tempo todo. Assim, Minari também dialoga com a coerência, a importância da rotina para o espírito vencedor, que sabe onde quer chegar, e não para de fazer a sua parte na escola injusta da vida. Afinal, ser um vencedor é ter uma família ao seu lado, custe o que custar, mesmo que o preço seja caro a se pagar.

  • Crítica | Em Chamas

    Crítica | Em Chamas

    Em Chamas é um dos chamados filmes de reencontro, onde a tônica dos eventos gira em torno basicamente de retornar a memória dos personagens a um encontro com gente do passado dando vazão assim a novas experiências e sentimentos. A história conduzida por Lee Chang-dong mostra o entregador Jong-soo (Shin Hae-mi) em um dia de trabalho, quando encontra com Hae-mi (Jeon Jong-seo), uma antiga amiga que já foi bastante próxima, mas agora está a caminho do exterior.

    Jong-soo se compromete  a cuidar do animal de estimação da moça, um gato, e antes dela ir eles se envolvem sexualmente, e esse fato torna ainda mais estranhos os  eventos que vêm a seguir. O modo que Lee escolhe dramatizar os eventos evidencia um cuidado enorme com os detalhes sentimentais, revelando as camadas mais complexas da história de maneira lenta, sem expor as intenções do roteiro logo de cara, até para fazer o espectador entender toda a atmosfera proposta e compreender que são e o que fazem os personagens ali, a duração de quase 150 minutos ajuda a massificar essa ideia.

    Um novo elemento é posto na equação, um rapaz chamado Ben (Steven Yeun, o Glenn de The Walking Dead) um rapaz que ela conheceu na Africa, sujeito esse com manias e costumes incomuns, seu linguajar é diferenciado, ele chama seu próprio alimento de sacrifício, além de guardar consigo alguns artigos femininos, que não se sabe se são seus ou de outra pessoa. Jong começa a se aproximar dele, para entender o que passa ali, movido por algum sentimento ou sensação que não é em um primeiro momento revelado.

    A obsessão do personagem principal extrapola (muitos) limites do aceitável, envolvendo perseguição e observação de todos os hábitos do sujeito, em uma paranoia digna dos filmes mais cínicos de Alfred Hitchcock, como Janela Indiscreta, embora a motivação desse personagem seja diferenciada em caráter da que James Stewart carrega, assim como os rumos que a trajetória de Jong toma.

    A face benevolente de Ben é tão corretamente construída que mesmo quando ele aparentemente está movido por algum ato estranho ou que meramente pareça falso fica difícil julga-lo como se fosse um sujeito dissimulado. Ele é extremamente agregador, pacifista e afável, ao contrário do apressado Jong, que é inquieto e cheio de neuroses, sendo mostrado em mais de um momento correndo, esbaforido, normalmente na direção do nada, ainda que claramente ele tenha um objetivo em mente, embora nem ele saiba direito o que é e por isso essa sensação de nada e vazio.

    Em Chamas é um filme de incertezas e de uma busca não planejada por identidade, onde a sensação de pertencimento a algo impera sobre as ações dos humanos vistos em tela, manipulando estes para cumprirem seus destinos, mesmo que essa manipulação e controle seja inconsciente e a subserviência dos mesmos também não seja escolha dos próprios.

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  • Crítica | Grass

    Crítica | Grass

    Hong Sang-soo tem uma cinema normalmente encarado como refém de seus temas, e Grass repete isso de algumas formas, em especial, no que tange a discussão da arte e seu papel social dentro da atualidade. O filme é registrado em preto e branco, e se passa quase todo em um beco onde há um café e uma mercearia. Entre esses dois lugares acontecem conversas triviais e relações mundanas, a maior parte delas com absolutamente nada de especial. No café as pessoas conversam e na mercearia há o cultivo de pequenos vasos de plantas – daí o nome do filme, por conta da grama dos vasos – que inclusive sofrem o foco da câmera do cineasta a todo momento.

    Há um certo clima de opereta na obra acompanhada pela trilha instrumental que embala a maior parte dos diálogos nonsenses e cotidianos que acontecem naquele micro-espaço. Ainda que tenha essa semelhança com obras mais elaboradas há uma simplicidade de linguagem muito grande com quase toda a gravação do filme, predominando uma única câmera de tão simples que o filme busca soar.

    Os movimentos repetitivos denunciam a vontade do filme de denunciar ciclos que acontecem e re-acontecem, falando que a maior parte dos diálogos da vida giram em torno do nada, e Sang-soo propõe uma obra que discorre sobre ressentimento e divergências, sentimentos negativos e como as pessoas lidam com todos os tipos de rejeição. A riqueza dos diálogos mora na poesia do comum que mais uma vez o diretor apresenta, com o mesmo elenco que costuma utilizar e com clichês típicos do próprio universo que ele propõe, e mesmo com tantas repetições de conceito ainda sobra muita ternura e carinho.

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  • Crítica | O Advogado

    Crítica | O Advogado

    Filmes e romances bem-humorados, geralmente sobre situações diferentes a essa jocosidade histriônica tendem a pagar um certo preço, por isso, visto que a fidelidade a essência do que é contado é traída por uma dramaturgia que vai de oposto a ela. Geralmente, filmes mal compreendidos assim dividem as pessoas num tremendo impasse ideológico que o tempo não consegue cessar – vide alguns filmes de super-herói de ultra apelo popular (hoje em dia) que, ao se levarem a sério demais, subtraem boa parte da carga infanto-juvenil que os mesmos levavam e carregam ainda em suas personalidades originais, nas HQ’s.

    Se para alguns isso faz aprofundar esses caráteres e o mundo preto-e-branco de bem versus mal deles, para outros, e mais nerds, como são chamados, a nostalgia bate tão forte que logo eles tem de ir correndo matar saudades no beber saudosista da fonte autêntica do material. Noutros casos, longe do subgênero do momento, é válido narrar uma separação de casais, por exemplo, apenas sob a ótica do drama, ou pode-se ousar enxergar tudo pelo viés do cômico? Haverá limites para a experimentação na abordagem com uma premissa, qualquer?

    Em O Advogado, não sentimos (por um tempo) impasse algum perante esta pergunta, muito bem resolvida no começo por Yang Woo-Seok, dada em especial a uma manobra particularmente expressiva para o debute de um cineasta: O belo equilíbrio entre a seriedade que uma situação específica exige, e a comicidade já mencionada antes que pode brotar dela, devido também ao positivismo das personagens inseridas neste contexto histórico de um mundo regido por suas jurisdições – daí o nome em questão não poder ser mais assertivo. Uma vida nos é contada, e nela conhecemos um homem.

    Um estudo de personagem é feito, tal no majestoso Cidadão Kane e no ótimo e esquecido filme brasileiro O Bravo Guerreiro, só pra não se perder a chance de citá-lo aqui. Contudo, esse personagem (baseado na vida do ativista de direitos humanos Roh Moo-Hyun, que mais tarde iria virar o presidente da nação em 2003), o carismático Song (homônimo ao próprio ator que lhe dá vida, o grande Song Kang-ho) não leva o mundo sobre seus ombros, nem mesmo possui grandes ou faraônicas ambições de vida, lutando somente para levar uma vida digna e sem os desafios financeiros que todos nós tememos, mesmo enfrentando os problemas de hoje, e os que virão para buscar a coragem e a versatilidade do ser.

    Sedento por grana, tal qual o Motorista de Táxi que o Song ator iria interpretar, em 2017, o ex-juiz, e homem de família que se cansou da profissão nos tribunais, quer aproveitar a expansão do mercado imobiliário na Coréia do Sul, no final dos anos 70, para ganhar mais dinheiro se vendendo como especialista em registro de imóveis. Uma empreitada de risco, mas que se empenha sempre com um sorriso no rosto. No começo, suas investidas são excessivas e atrapalhadas, tentando entregar seus cartões de apresentação sem muito sucesso na empreitada, o que garante boas risadas e a expectativa nossa que ele consiga ser bem-sucedido, afinal, apenas está dando o seu melhor.

    Uma história assumida de superação pessoal destituída do sentimentalismo sem fim de um À Procura da Felicidade, o que garante a primeira hora de O Advogado uma certa inteligência superior ao filme americano, com Will Smith. Song apenas quer se dar bem no seu novo negócio, prosperando com o apoio de sua família e sócios, até que o complicado momento político que uma das Coreias estava enfrentando vem bater na porta do seu escritório de tabeliães, e vem pra mudar qualquer opinião mais entusiasmada sobre o filme.

    Isso porque, no começo dos anos 80, o país estava sendo sacudido por protestos estudantis contra a falta de representação popular num governo amplamente contraditório, aos interesses sociais. Quando um desses estudantes, chamados de comunistas e subversivos é pego e torturado, o destino parece levar Song de volta pra corte a defender o seu primeiro grande caso, não mais como o juiz que foi, mas desta vez como o advogado que tanto tenta ser. A partir disso, o filme dá a entender que irá se fortificar como um legítimo drama de tribunal, mas é nesse momento, quando ficamos presos entre réus e o juiz das causas, que Yang Woo-Seok assume o dramalhão e não consegue mais se livrar dele, até o final.

    Pena. Uma digressão emocional muito forte, beirando o mau gosto, nos assola a ponto que a sensação parece nos avisar que estamos diante doutro filme, a partir de certo ponto completamente estranho a todo o resto. Com certeza a intenção foi essa, exaltando assim o peso da situação de intolerância que a população sul coreana passou, nacionalmente, num governo e instituições jurídicas tão corrompidas quanto as dos EUA sob o punho de Donald Trump, ou as do Brasil de direitos civis em constante curso temerário. De qualquer forma, essa troca de abordagens na troca de situações ao longo da projeção prova que, se há ou não limites para o tratamento de uma situação no Cinema, seja ela qual for, cada caso é um caso, e em O Advogado, os limites moram apenas nas habilidades narratológicas do seu diretor principiante.

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  • Crítica | O Motorista de Táxi

    Crítica | O Motorista de Táxi

    O Motorista de Táxi não é só um filme pra inglês ver. Não há nada de errado se fosse, mas eu explico a expressão com todo o prazer: segundo a maioria dos historiadores, quando a Inglaterra pressionava o Brasil para interromper o lucrativo tráfico de escravos no século 19, o governo deu esse jeitinho brasileiro clássico de esconder as práticas ainda escravagistas que rolava por aqui, e que principalmente em 2018 ainda consente nos inúmeros direitos retirados de trabalhadores, e já consentia também há mais de 180 anos. Ou seja, escondeu o feio pro povo da coroa só ver o belo. E para alguns filmes, exceto esse em questão, é a mesma coisa. Para isso se dá o alcunha de feel-good movie ou blockbuster PG-13. Fiéis a sua proposta básica de entretenimento, do primeiro ao último segundo de projeção, a promessa precisa ser firmada, refirmada, e assim sendo, cumprida. E tirando os esquemas centenários do nosso (des)governo, não há nada de errado com isso, afinal desde 1965 que a Globo manipula a realidade do jeitinho que esses filmes fazem numa escala perceptivelmente maior.

    Isso poderia entrar numa longa discussão sobre o papel da arte (para não falar da mídia em geral) a fim de remodelar ao bel prazer dos seus agentes a nossa percepção de mundo. Mas a intenção certamente não é essa, aqui. Ficamos com a seguinte constatação: o filme do diretor Jang Hoon é uma flor que vence entre as raízes dos cedros, em meio ao asfalto duro ou da neve mais fria, na pior das temperaturas. É um manifesto ao otimismo que precisa ser reinante, mesmo que careça de uma bengala e um pouco de calor humano para resistir a tempos sociais tão difíceis como foram os protestos estudantis nas ruas da cidade de Gwangju, donde surgiu um verdadeiro massacre em 1980 contra todos que se cansaram da ditadura que viviam no país. Nisso, o filme explora o potencial e os efeitos de um raio de sol que corta o céu nublado, mesmo que este não tenha total conhecimento de parte do que representa para o todo.

    É o caso do taxista Kim. Sua luta é a de um trabalhador comum, pelo sustento de sua única filha, e alienado como o adulto que é, apenas condicionado nas suas opiniões, acha que o motivo pelo qual os mortos de Gwangju bravamente lutaram é injustificado, e prefere tudo como está – como deixa claro num tenso diálogo dentro do seu ganha-pão motorizado com um estudante visto como comunista tanto por Kim, quanto pelo autoritarismo que a Coréia do Norte ainda enfrenta hoje, em 2018. Seduzido pelo dinheiro, Kim conduz um jornalista investigativo alemão para o olho do furacão, sendo por isso mesmo levado (e levando) a ver e a se envolver na luta armada da época que antes subestimava, e no fundo desprezava. E é justamente a partir disso, da sua exata metade em diante quando combina ficção com fatos históricos que O Motorista de Táxi ganha contornos hábeis de um filme que vai além do lugar-comum por se permitir ter e portar algo a mais que outro feel-good movie qualquer, algo que apenas por ventura colaboraria com uma visão de mundo colorida e irreal. Absolutamente, não é o que temos aqui.

    Excessivo em sua duração, mas bem escalonado em seus propósitos de 1) expor com realismo e uma apuração técnica discreta os trágicos fatos sul-coreanos dos anos oitenta, e 2) manter sem digressões ou contradições a leveza do início da estória, mas expandindo os sentidos de tudo, eis um título que dificilmente consegue ofender ou aborrecer de alguma forma os seus espectadores, mas satisfazer quem procura por uma boa pedida do extraordinário Cinema da Coréia do Sul. Uma filmografia nacional digna de aplausos e que dificilmente decepciona, em qualquer gênero que se apresenta para o mundo. Além disso, é sempre um prazer assistir ao fantástico ator Kang-ho Song num papel que o deixe rir, sorrir e desenvolver na tela o seu lado mais jocoso e sensível, de modo que quase nos esquecemos daqueles outros tão paradoxais a isso que tanto nos habituamos ao longo dos anos em vê-lo encarnando, e com perfeição ímpar.

    Eis uma gratificante surpresa aos amantes das boas narrativas. O próprio roteiro de O Motorista de Táxi é portanto uma analogia ao acaso, aos rumos inesperados de uma guerra ou de uma emocionante perseguição cinematográfica de carros, e talvez até a elementos do destino para seguir entrando em contato gradual com o aspecto mais e mais político da estória, pois a realidade sempre consegue adentrar. Choca-se, ou melhor, integra-se deliciosamente bem com outros tons, diferentes dos do seu início pacífico e timbrado somente por tons amigáveis e ensolarados. Nisso, é curioso perceber como o Cinema consegue, agindo como irmão da realidade que é, transformar um dia comum em montanha-russa que muda os eventos do agora para toda a posteridade, a seguir. E Kim achava que sua vida nunca cairia longe da mediocridade de seu táxi amarelo, sempre acostumado com aquela realidade política confortável e sob controle, vivendo em paralelo com uma guerra separada de sua casa por aquelas mesmas ruas de sempre, e claro, aquela mesma rotina que um dia teve a certeza em julgá-la interminável.

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  • Crítica | O Dia Depois

    Crítica | O Dia Depois

    Sabe quando você acorda numa manhã de feriado, achando que está com as próximas horas planejadas e encontros e desencontros pipocam do acaso, e preenchem o caminho antes pavimentado? Parece até a sinopse bem vaga, por sinal, de Encontros e Desencontros, o ótimo filme de Sofia Coppola onde personagens são usados como paisagens a zanzar e se entrelaçarem, por ai – ou melhor, nas dependências de um hotel bem mais familiar e civilizado que o de Stephen King, e Jack Nicholson. Por sinal, Sang-soo Hong teria o olhar perfeito para a releitura do filme de Coppola caso este precisasse de uma releitura. Fato é que Carl Dreyer, aquele dinamarquês genial, ficaria orgulhoso em ver grandes histórias ainda nos anos 2000 magistralmente decantadas, assim, sobre as relações que tornam o ser, humano, sobrando apenas a sua essência gigante na tela, conjecturando nisso o lado fascinante das relações entre dois (ou mais) seres. Apenas o que realmente importa à excelência da comunicação.

    O Dia Depois tem muito a ver, beneficamente, com os dois filmes anteriores do cineasta, A Câmera de Claire e muito mais ainda com o belo Na Praia à Noite Sozinha, ambos de 2017 – sendo o último queridinho especial da crítica especializada brasileira. Por isso mesmo, O Dia Depois, o mais belo trabalho recente do diretor japonês passou meio que despercebido do circuito e comentários do público; mesmo aquele que busca algo fora da bolha Marvel/Star Wars/Alguma outra franquia reciclada pela enésima vez. Incrível como em nenhum desses blockbusters nota-se algo tão simples e mais encantador que qualquer efeito especial ou trilha retumbante: Personagens, gente da gente, dando profundidade ao meio onde habitam à altura dos nossos olhos. Por que nenhum efeito multibilionário consegue reproduzir este efeito tão barato, e tão caro a nossa percepção, é a pergunta que aqui eu não consigo responder. Vai além de mim, e de certo além de alguém deslocado em absoluto das próprias prioridades emocionais.

    Kim Bongwan não sabe o que fazer da sua vid(inh)a. Perdido, trai a esposa e acha uma incomunicabilidade Antoniana com a esposa e a amante, cujo laço profissional é forte. Começa a ser cobrado do outro lado da mesa, (essa, aliás, a primeira cena do filme) e simplesmente não sabe o que manifestar de si para sua colega conjugal. O impasse então contemporâneo, mas não apenas presente nos dias correntes, vai de encontro e se enraíza no próprio jogo que Sang-Soo Hong proporciona com a câmera: Ao filmar seus manequins, filma com a leveza do vento os seus interiores, um efeito mais que difícil contudo ambicionado por 11 em cada 10 cineastas, chegando a conectar de uma forma cinematográfica (entenda como quiser) o interior dos lugares, com o âmago hiper exposto de suas personas tão urbanas, quanta desamparadas. Para Hong, um dos melhores sul-coreanos em atividade, diferente de Fincher, a câmera é um binóculo, sendo que para o segundo torna-se um microscópio voltado ao oculto e ao tendencioso que faz parte e se esconde nas engrenagens furtivas dum cotidiano urbano, ou não.

    Filmado em preto e branco e banhado na cumplicidade que vem, e que brota das situações que englobam a trama, é complicado tecer algum descaso anacrônico na projeção sobretudo ao aspecto fantasmagórico do que preenche o nosso olhar. Chegamos então ao ponto principal, aqui: O olhar. Caso, de fato, as melhores coisas da vida demandem uma certa visão justificada a repousar sobre alguma delas, Hong não impõe sua dramaturgia, mas a extrai do que imagina, organiza e conjura enquanto grande cineasta. Não expõe o contraponto entre a amante delicada, e a esposa agressiva nas conversas com Bongwan: O extrai, por exemplo. Tudo é naturalizado em seu Cinema, e esse método humilde e singelo de esforços culminando, novamente, na leveza de uma brisa que sabe onde quer chegar, isso não poderia ser melhor retratado do que em O Dia Depois, tomando como referência o título do que vem a suceder das escolhas do marido infiel sobre os arranjos organizacionais da poética, da lógica da sua própria vida ligada aos seus encontros.

    Arquitetando o tal ‘olhar sobre o cotidiano’ puro, e simples que emula de maneira atualmente rara, e particular, Hong também usa da nossa imaginação delirante enquanto espectadores para nos enganar na exposição de uma dimensão paralela à nossa. Tão imprevisível, por vezes banal e parecida com a do lado de cá, que chega a ser desafiador no término da sessão empunhar a certeza, tal a confusa Alice de Dickens, de que acabamos de assistir a um filme, ou a gravações de um atento voyeur harmonizadas a tal ponto que se transmutaram, ao pé da nossa observação caolha e incompleta como sempre, numa composição realista de excelentes qualidades fílmicas.

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  • Crítica | Um Dia Difícil

    Crítica | Um Dia Difícil

    Uma ode à ironia das coisas – no caso, aquela que habita o cinema da superficialidades que diretores mais contemporâneos como Nicolas Winding Refn, e seu superestimado Drive, tanto levam a sério. Por isso que Um Dia Difícil é um filme pensado entendendo essa ironia como uma desculpa para trabalhar a ação não pela estética da mesma, ou truques rápidos de câmera, como todos esperamos de um filme do gênero. Mas pelo movimento puro, e inesperado das reviravoltas ao longo da trama, subvertendo as nossas expectativas enquanto seguimos horas surrealmente conturbadas de um detetive sul-coreano a partir do seu deparar com um cadáver, numa estrada qualquer, e na mais normal das noites.

    A partir daí, tudo na própria história e nos contornos que o cineasta Seong-hun Kim confere a seu filme, um belo exemplar satírico e bastante espirituoso do seu gênero, e não há aqui qualquer objeção sobre isso, vem a ser impulsionado pelo acaso. Por pequenos plot twists divertidíssimos que o cinema americano dificilmente tem coragem de empregar em seus filmes, e quando o faz, desastres acontecem (Os Últimos Jedi) com um grande público acostumado sempre com o mesmo arroz e feijão, de cinquenta anos atrás. No decorrer da trama, o dia que já tinha ficado difícil para nosso detetive Go Geon-soo vai tornando-se insuportável, em um compêndio de referências claras e elementares aos escritos de Agatha Christie, e aos clássicos surrealistas de Luis Buñuel, numa narrativa cheia de armadilhas que tornam o filme uma verdadeira montanha-russa de desafios.

    Alguém aparentemente, aliás, andou assistindo muito Paul Greengrass. Com algumas cenas que parecem ter sido tiradas de O Ultimato Bourne e Zona Verde, a ironia também acha lugar na conceitualização geral do longa. Assim sendo, mesmo em cenas de profunda dramaticidade, aposta-se numa moral bem mais irreverente, e divertida, o que funciona muito bem aqui, escapando da seriedade (brilhante, por sinal) que John-ho Bong (O Expresso do Amanhã) e Hong-jin Na (O Caçador) equalizam, por exemplo, com suas verves mais aventurescas de se abordar histórias de tiroteios, corre-corre e explosões imprevisíveis que nos hipnotizam, mas que não tiram nossa atenção do que importa. Dramaticidades levadas a sério de forma magistral, eu diria icônica, mas que não combinariam com essa visão de puro entretenimento bem-humorado e frenético que temos em Um Dia Difícil.

    Um thriller que cerca os passos apressados do pobre detetive que só quer enterrar e superar a morte da sua mãe, mas as circunstâncias atiram-no pra bem longe disso, enquanto é complicado não esboçarmos um sorriso com as incredulidades que brotam pelo seu caminho cheio de causas e consequências imediatas, algo que dialoga fácil com o tempo que vivemos, e com os valores que vamos (re)aprendendo. Tal qual a vida o testasse num jogo de resistência, assim como também faz conosco tantas vezes, o quão forte um homem consegue ser em situações tão inacreditáveis, que beiram o lado involuntariamente cômico que tragédias e reviravoltas em efeito dominó podem ter, mesmo para quem não sabe ver o lado bom da vida, e nisso, esquece que, se nada é fácil, há de se ter um bom propósito justo para isso.

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  • Crítica | A Câmera de Claire

    Crítica | A Câmera de Claire

    Filme terno como é típico do cinema recente de Hong Sang-soo, A Câmera de Claire, novamente em parceria com Kim Min-hee, acompanhada dessa vez por Isabelle Huppert.

    O filme se passa nos bastidores do Festival de Cannes, onde uma equipe de produção de cinema da Coréia do Sul apresenta um filme que está em cartaz. As primeiras personagens apresentadas são Manhee (Min-hee), uma assistente de produção e Nam Yanghye (Mi-hee Chang), que por sua vez, acompanha o diretor e beberrão Soo Wansoo (Jin-young Jung). Manhee é demitida sem saber a razão, mas logo se revela o motivo. O ambiente escolhido por Hang-soo para mostrar as rupturas empregatícias são os cafés franceses, que normalmente servem de cenário para confraternizações.

    Logo, a professora Claire (Huppert) aparece utilizando a sua câmera fotográfica instantânea para registrar os sentimentos e estados de espírito de praticamente todos os personagens já citados, além de outro periféricos. A partir desse ponto a linguagem idiomática do filme muda bastante, passando a se utilizar mais o inglês do que a língua mãe dos personagens, fato que evidencia a tentativa de Soo de soar comercial para a platéia dos Estados Unidos.

    A câmera fotográfica que dá nome ao filme é um modelo antigo, semelhante às antigas polaroides. Seu equipamento parece também registrar cópias digitais, uma vez que ela guarda os registros mas sempre dá a foto tirada para o modelo. Essa troca de imagens tem um forte significado por trás, mais profundo do que o sorriso da francesa transparece. Seu discurso de que a pessoa muda sempre que é fotografada não se prova empiricamente, mas em teoria ela está a ponto de se comprovar verdadeira, já que após a sua interferência, todo o trio coreano tem suas jornadas radicalmente mudadas, ainda que não seja ela o catalisador dessas transformações .

    O diretor consegue em apenas 68 minutos fazer um comentário sobre a futilidade que envolve a sétima arte, como também sobre as relações de trabalho decorrentes desta área. A Câmera de Claire traz retratos da intimidade de beleza considerável, mas que ainda assim evita trazer à tona momentos agridoces, repetindo boa parte dos clichês de sua filmografia, ainda que não perca a redundância.

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  • Crítica | A Criada

    Crítica | A Criada

    A Criada (The Handmaiden), de Park Chank-Wook, é um filme simplesmente gigantesco. Gigantesco não por sua metragem (Apenas 2h25m, que passam com uma fluidez perfeita), mas por sua grandiosidade como cinema, conseguindo ser impecável em todos seus aspectos cinematográficos. Da trilha sonora, com temas asiáticos tocados em um conjunto de cordas, ao som de lâminas em trombetas distorcidas, tendo o cuidado de jamais parecer dissonante daquilo que vemos em tela, e sem também subtrair a emoção que está sendo exposta, mesmo quando um mesmo tema é utilizado em cenas de diferentes tons. O tema principal, que acrescenta um sutil piano, em uma melodia um tanto mais épica, é provavelmente, o tema mais bonito do cinema dos últimos anos. O filme, é simplesmente necessário de ser visto. Irretocável.

    O longa metragem, adaptado do livro Fingersmith (sem tradução no Brasil) é uma jornada que busca o espaço para o amor, para a dor, vingança e desejo, através de nossos elementos mais primitivos e sensoriais, no complexo romance entre a criada Sookee (Kim Tae-ri) e sua dama Hideko (Kim Min-Hee), que ao dividir-se em 3 capítulos, que visam contar a história a partir do ponto de vista de diferentes personagens. Tal estratégia é capaz de demonstrar o poder narrativo do cinema de se contar histórias completamente diferentes, com as mesmas imagens e mensagens, a partir do ritmo, compasso, e elementos audiovisuais.

    A direção de arte recria uma Coreia do Sul do início do século passado, de forma híbrida, ao fundir arquitetura e vestimentas que se espera ver na Inglaterra e Japão do mesmo período, criando uma obra que aparenta ser contextualizada em um espaço-tempo que é só dela. A fotografia delicada é usada para ressaltar a atmosfera intoxicante de fumaça, incerteza e medo que ronda seus protagonistas, bem como ocupa-se de mostrar seus atores com movimentos previamente medidos, onde até mesmo o acerto da lapela do chapéus se recheia de significados, pois aqui ninguém é exatamente confiável. Ressoando obras como Engraçadinha, de Nelson Rodrigues, é possível reter na memória esquemas bastante universais sobre como se lidar com esses pilares nada fáceis, como é a vingança, o amor e o desejo, porém A Criada ocorre em um outro nível, um nível que Aristóteles chamaria de plano etéreo. É acima dos céus.

    Stanley Kubrick já dizia que o sexo e a violência são parte do dia a dia, e sendo assim, parte da arte. Aqui a dosagem é precisa e faz com que esses dois ingredientes tão complexos trabalhem para entrelaçar vidas e futuros, em uma poesia única que tortura e alivia.

    É a jornada através dos espasmos, das palavras sussurradas, vozes falhadas, gritos amordaçados pelo ar que já se foi, o aroma do vinho envelhecido, o orvalho sincero da rosa, e por fim, a queda conjunta do golpe de amor final, mergulhando na fluidez daquele rio. Numa dança de desejo e emoção, hora pele e língua, hora a alma que só o olhar é capaz de revelar, é no seio amado que se conserta o que quebrou, acendendo assim o santo que não se é, entre as pernas é que a carne sã se despedaça e releva, como uma faca desfibrando o horizonte, o Sol que leva amantes à míngua, sede e calor.

    Texto de autoria de Marcos Paulo Oliveira.

  • Crítica | Montanha da Liberdade

    Crítica | Montanha da Liberdade

    Montanha da LiberdadeSimples, direto e objetivo, Montanha da Liberdade – ou o original Jayuui Eondeok – é a nova fita do cineasta sul-coreano Hong Sang-soo. O longa-metragem reprisa de modo pródigo uma marca registrada do cineasta, apresentando uma trama palatável para um público mais conservador, repleto de muitas gags cômicas, mas que ainda assim produzem uma pequena reflexão.

    A história se bifurca se baseando na rotina de Kwon (Seo Young-Hwa), uma professora linguista que vive um claro inferno astral – flertando com a depressão –, além de analisar a rotina de Mori (Ryo Kase), um jovem japonês, com problemas de saúde, que foi até a Coreia reaver seu grande amor. A base romântica não faz o filme se tornar cafona, tampouco óbvio. A abordagem envolve uma porção de piadas que abraçam questões comuns aos homens, como alcoolismo, choque cultural e flerte amoroso não correspondido.

    A direção em que o roteiro aponta é certeira ao envolver os homens como habitantes do mesmo mundo, apesar da distância ideológica e nacionalista. Mesmo a xenofobia é tratada sob uma ótica engraçada, fazendo uma sátira da formação deste tipo de preconceito, e a condução de Sang-soo consegue abarcar a problemática fugindo completamente do panfletarismo.

    Montanha da Liberdade 2A recepção do filme no Festival de Veneza foi bastante calorosa, e não à toa, dadas as situações vividas por Mori: apesar de estar minimamente encaixado no ambiente coreano, ele aparenta ser um imã de situações bizarras e sem sentido, uma vez que todo o tipo de insano parece encontrá-lo nas pousadas onde ele se hospeda.

    O desfecho da fita é feliz, mas não cai no erro de ser extremamente adocicado. O inverso é que ocorre, com momentos hilariantes, inebriantes e emocionantes, em uma atmosfera leve apesar de não ignorar todas as vicissitudes comuns a rotina comum de quem vive em um mundo globalizado  e capitalista, exemplificando através do espírito depressivo do homem escravo do sistema, e como ainda dentro da contemporaneidade há a possibilidade de driblar tais eventos.

  • 10 Filmes para entender o Cinema Coreano

    10 Filmes para entender o Cinema Coreano

    Filmes CoreanosNão é novidade que o cinema coreano vem ganhando destaque ao longo dos últimos anos. Apresentando roteiros firmes, reviravoltas extremas e personagens tridimensionais, a Coreia do Sul chamou atenção da gigante Hollywood e do Ocidente como um todo, mostrando que seu país é muito mais do que nomes impronunciáveis e para validarmos isso, basta verificarmos as últimas produções americanas nas mãos de diretores e atores coreanos já consolidados, além de remakes de produções originalmente advindas do pequeno país asiático. Segredos de Sangue (Stoker, 2013), dirigido por Chan-Wook Park, Expresso do Amanhã (Snowpiercer, 2014), dirigido por Joon-ho Bong, O Último Desafio (2013), dirigido por Jee-woon Kim e o remake de Oldboy (2013), dirigido por Spike Lee em uma adaptação direta ao clássico de Chan-Wook Park são apenas alguns exemplos da atenção conquistada pelos coreanos no mundo ocidental.

    Como um grande fã do cinema coreano já há alguns anos, decidi fazer um top 10 dos melhores filmes sul coreanos que tive o prazer de ver. A intenção não é fazer uma análise minuciosa de cada um deles, mas sim abordar os elementos principais de cada trama e o que me chamou atenção em cada um deles.

    Veja que se trata de uma lista pessoal que intenta atiçar a curiosidade dos leitores (tanto quem desconhece ou quem já conhece, mas quer descobrir novos filmes para ver) e dar algumas excelentes referências para quem tem curiosidade em se aprofundar na mente cinematográfica da Coreia do Sul.

    Se você também gosta de produções coreanas e viu que alguma delas não está na lista, fique à vontade para comentar abaixo, buscando enriquecer uma boa lista de filmes must see para os cinéfilos de plantão.

    Não menos importantes do que a lista a seguir, mas apenas para não estragar um número tão redondo quanto “top 10”, seguem abaixo outras excelentes obras que eu sequer saberia dizer qual gostei mais. Apenas confiram, se divirtam e adentrem nesse mundo sombrio do cinema coreano: The Yellow Sea (2010), No Tears for the Dead (2014), Thirst (2009), Lady Vingança (2005).

    10. Os Invencíveis (2008, Jee-woon Kim)

    Os InvenciveisO diretor Kim Jee-woon nos transporta para uma aventura faroeste na década de 30, na Manchúria, quando japoneses, russos, chineses e coreanos estão em busca de fortuna. Dentre eles, os atores Kang Ho-song, Byung-hun Lee e Woo-sung Jung disputam a posse de um mapa capaz de levá-los a um grandioso tesouro.

    Particularmente, esta é uma das grandes surpresas de todos as produções que já assisti, pois por que diabos coreanos estariam ousando filmar um faroeste, a epítome do cinema americano? Seria ousadia ou má fé? Bom, respondo com tranquilidade que nenhum dos dois, visto que o filme faz uma clara homenagem a Sergio Leone, Clint Eastwood, Sam Peckinpah e os outros grandes nomes do faroeste.

    Não apenas uma homenagem, mas The Good, the Bad and the Weird não deixa a desejar em nada em suas cenas de ação, a empolgação e, principalmente, no bom humor que acompanha a trama desde o seu início. Um excelente filme de aventura e faroeste que com certeza deve ser assistido por quem procura uma diversão mais leve dentro do gênero asiático.

    9. O Homem de Lugar Nenhum (Lee Jung-beom, 2010)

    Homem de Lugar NenhumConta a história do recluso e misterioso Tae-Shik (Won Bin), dono de uma pequena loja de penhores, que sempre tem que lidar com a pequena Soo-mi (Kim Sae-ron), filha de sua vizinha que sempre se mete em confusões. Quando a mãe da menina rouba de traficantes, eles raptam mãe e filha para propósitos nefastos. Tae-Shik vai atrás dos sequestradores e, quando vê que as coisas não vão ser tão simples quanto imagina, resolve salvar a garota utilizando seus próprios métodos.

    Uma ótima opção para iniciar uma lista de produções asiáticas, pois creio que a maior parte dos espectadores ocidentais não vão se assustar tanto com os temas aqui retratados. Dirigido por Lee Jeong-beom, The Man From Nowhere é um filme de ação de tirar o fôlego. Com uma forte carga dramática, é possível compará-lo com os clássicos Busca Implacável (2008), O Profissional (1994) e o mais recente De Volta ao Jogo (2014).

    Não estamos falando apenas de ação sem nexo, mas uma envolvente história repleta de complexos personagens e motivações, tensão e uma boa dose de ação honesta. Inclusive, há de se ressaltar que este filme tem uma das melhores cenas de combate com facas que já vi. E não se deixe enganar, como todo bom filme coreano, no fim você vai estar se preocupando em desatar o nó de marinheiro em sua garganta.

    8. Novo Mundo (Park Hoon-jung, 2013)

    Novo MundoDirigido por Park Hoon-jung, New World conta a história de Ja-sung (Lee Jung-jae), policial infiltrado em uma organização criminosa e segundo no comando da mesma. Após a morte do líder da facção, começam-se as tensões para saber quem vai assumir o posto em questão. Reportando-se sempre ao seu chefe Kang (Choi Min-sik), Ja-sung se torna o pivô na operação policial New World, tendo sido prometido a ele a chance de sair da vida de infiltrado para poder viver uma vida calma com sua esposa grávida. Porém, conforme a operação avança, Ja-sung é colocado à prova para escolher um lado quando percebe que sua liberdade está mais distante do que imagina.

    É obrigatório para quem gosta do gênero de gângsteres. Uma verdadeira mistura entre os melhores momentos de Os Infiltrados (2006) e O Poderoso Chefão (1972), o filme possui uma forte carga dramática e reviravoltas intensas. A violência no mundo da máfia não é descartada e a direção ganha destaque inclusive em cenas de ação, fazendo alusões a cenas clássicas do coreano Oldboy (2003). Se gosta de boas histórias sobre o submundo dos gângsteres e lutas de clãs pelo poder, esse é o seu filme.

    7. Mother (Bong Joon-ho, 2009)

    MotherUma viúva cuida sozinha de seu filho único, Do-Joon (Won Bin). Este homem, de 28 anos, costumeiramente age de maneira infantil e inconsequente, dependendo sempre da atenção e dos cuidados de sua mãe. Após ser acusado pelo assassinato de uma adolescente, sua mãe (Kim Hye-Ja) parte em uma busca incessante para provar a inocência do seu filho.

    Ao contrário dos enredos policiais que estamos acostumados, somos colocados na pele de uma senhora idosa que, custe o que custar, quer provar a inocência de seu filho. Em uma ambientação escura e depressiva, a atriz Kim Hye-Ja lidera de forma brilhante um emocionante drama psicológico que nos faz questionar sobre o que faríamos no lugar da personagem.

    6. O Hospedeiro (Bong Joon-ho, 2006)

    O HospedeiroNa beira do rio Han moram Hie-bong (Byeon Hie-bong) e sua família, donos de uma barraca de comida no parque. Seu filho mais velho, Kang-du (Song Kang-ho), tem 40 anos, mas é um tanto imaturo. A filha do meio é arqueira do time olímpico coreano e o filho mais novo está desempregado. Todos cuidam da menina Hyun-seo (Ko Ah-sung), cuja mãe saiu de casa há muito tempo. Um dia surge um monstro no rio, causando terror nas margens e levando com ele a neta de Hie-bong. É quando, em busca da menina, os membros da família decidem superar seus medos e problemas para enfrentar o monstro e salvar a criança.

    Mais uma vez somos surpreendidos. Começamos a assistir achando que estaremos vendo algum derivado genérico de Godzilla, porém somos surpreendidos com uma comovente história de uma família que precisa superar suas diferenças e problemas pessoais para salvar um parente. A narrativa explora com maestria os limites de cada personagem e os esforços de cada um para conquistarem seus objetivos.

    O Hospedeiro é uma quebra de expectativa e de rótulos. Terror, comédia e drama, tudo em um pacote só. Uma tempestade de sentimentos e sensações em uma obra prima que, ao mesmo tempo, perturba e encanta com as qualidades narrativas e estéticas do cinema coreano que, por sua vez, é tão implacável e inesperado quanto o monstro do filme.

    5. The Chaser (Na Hong-jin, 2008)

    The ChaserJung-ho (Kim Yoon-suk) é um ex-policial que agora agencia prostitutas, que estão gradualmente desaparecendo. Achando que suas garotas estavam sendo vendidas por algum de seus clientes, Jung-ho decide investigar e ir atrás do responsável, porém o que descobre é que seu cliente na realidade está matando as garotas. Porém, mesmo pego pela polícia, Jung-ho, paralelamente a ela, corre contra o tempo para descobrir onde estão as evidências, antes que o criminoso seja solto por falta de provas.

    “Tensão” é o sentimento que melhor descreve The Chaser, do começo ao fim. Não há mistério sobre quem é o assassino, pois isso já é revelado desde o início. Porém, o desespero de Jung-ho, correndo por todos os lados de uma Seul noturna, sombria e mórbida, se transpõe ao espectador.

    A obra nos faz prender os olhos na tela sem piscar por toda sua extensão. Como sempre, a trilha sonora compõe o cenário sombrio e caótico do começo ao fim. Mantenha suas unhas a postos, pois ela não sobreviverá a esta produção.

    4. Eu Vi o Diabo (Kim Jee-woon, 2010)

    Eu Vi o DiaboSe até esse momento não ficou claro que a Coreia do Sul domina os cenários de violência em seus filmes, explorando minuciosamente as consequências e sentimentos envolvidos na violência em si, I Saw the Devil está aqui para bater o martelo.

    O diretor Kim Jee-woon conta a história de Kyung-chul, um cruel e perigoso psicopata e estuprador. Certa noite, Kyung estupra e mata a bela Juyeon, filha de um chefe de polícia aposentado e esposa grávida de um oficial de elite da polícia, Soo-hyun. Obcecado pela vingança, Soo-hyun está determinado em achar o assassino e fazê-lo sofrer. Aqui começa um violento jogo de gato e rato onde a linha entre o “bom” e o “mau” é tênue.

    A violência é extrema; se achávamos que ela era marca predominante de Chan Wook-park, é aqui que nos enganamos. Aqui discutimos a futilidade do sentimento de vingança extremo através de muita violência gráfica e gore.

    Novamente, temos uma produção com personagens fortíssimos, excelentes atuações e discussões virtuosas. A violência é perturbadora, mas ao mesmo tempo fascinante e provoca uma montanha russa de emoções no espectador.

    3. Oldboy (Chan-Wook Park, 2003)

    OldboyProvavelmente de toda a lista até agora, Oldboy seja o único que a maioria das pessoas já tenha assistido. Seja do próprio filme original dirigido por Chan-Wook Park, quanto do remake de 2013, o qual infelizmente não fez jus à qualidade do primeiro.

    Adaptado de um mangá japonês, e o segundo filme da Trilogia da Vingança de Chan-Wook Park, “Oldboy” conta o drama de Oh Daesu (Min-Sik Choi), um homem comum que se vê no meio de uma estranha situação: ele é sequestrado e jogado numa cela que parece um pequeno quarto de hotel adaptado, seu único contato com o mundo exterior é uma televisão. A situação se agrava quando Daesu vê pelo noticiário que sua esposa foi assassinada. Sem saber quem fez isso com ele e porquê, sem conseguir fugir nem se suicidar, Daesu começa a perder a sanidade e a única maneira de sobreviver é alimentar seu desejo de vingança. Quinze anos se passam e ele acorda um dia fora da cela. A partir desse ponto, Daesu parte em uma busca incessante por vingança para descobrir quem destruiu sua vida e suas motivações.

    Palavras não bastam para descrever Oldboy. Não apenas ressalto a genialidade do diretor em seus inúmeros planos sequenciais, os quais servem de referência para o cinema no mundo todo (inclusive são repetidos incessantemente em diversas obras, como no seriado “Demolidor”), como também a imersão extraordinária dos atores em seus respectivos papéis e o roteiro sólido e preciso na exploração dos sentimentos mais sombrios do ser humano. Revelações crescentes e reviravoltas tenebrosas recheiam a extensão da trama.

    Um clássico que precisa ser assistido dezenas de vezes, mas posso afirmar que você nunca mais será o mesmo após assistir pela primeira vez.

    2. Mr. Vingança (Chan-Wook Park, 2002)

    Mr VingançaO segundo lugar dessa lista é conquistado pelo primeiro filme da Trilogia da Vingança de Chan-Wook Park. Vale lembrar que a referida trilogia não necessariamente signifique que deva ser assistida na ordem, apenas que ela possui como tema principal a “vingança”.

    Ryu (Shin Ha-Kyun) é surdo e sua irmã precisa com urgência de um transplante de rim. Na ausência de doadores compatíveis, Ryu recorre ao mercado negro, mas é trapaceado e perde todas suas economias, bem como o próprio rim. Ryu então é convencido por sua namorada a sequestrar a filha de 4 anos do empresário Dong-Jin (Song Kang-Ho) para custear a cirurgia de transplante, mas o sequestro não funciona como esperado e a partir daí Dong e Ryu partem em uma incansável busca por vingança.

    A vingança não apenas é um prato que se come frio. Além de frio, é um prato que se come lentamente e com gosto de sangue. Mr. Vigança não é só um filme sobre a vingança, mas sobre a profundidade dos seres humanos, o niilismo e a impossibilidade da satisfação do ser.

    Uma tragédia após a outra leva o ser humano ao seu estado mais violento e cru, levado a agir por instinto. Mais uma vez Chan-Wook Park nos faz navegar na linha tênue da moralidade humana e nos coloca em cheque em como nos sentimos em relação às ações dos personagens. Tudo isso para sermos dilacerados com todas as consequências causadas pelos atos dos personagens.

    A sofisticação técnica e narrativa dos temas de Chan-Wook Park são trabalhados com bastante fervor e é indiscutível que é um dos grandes diretores da sétima arte e um marco no cinema sul coreano.

    1. Memórias de um Assassino (Joon-ho Bong, 2003)

    Memorias de um assassinoFinalmente chegamos ao primeiro lugar. Se você leu tudo até aqui, deve estar se perguntando: “é possível um filme coreano ser ainda mais extremo do que todos os outros que foram mencionados aqui?”.

    A resposta é sim.

    Memórias de um Assassino é inspirado em um caso real. Entre 1986 e 1991, quando a Coreia do Sul permanecia sob ditadura militar e a população vivia em lei marcial, com toques de sirenes que obrigavam os habitantes das cidades a se recolherem às suas casas, uma pequena cidade rural enfrentou a ameaça de um assassino serial de mulheres. “Memórias de um Assassino” dramatiza os acontecimentos da época, enfocando os esforços da polícia local para tentar capturar o maníaco.

    Ao contrário de outros filmes apontados nessa lista, a produção trabalha com um ritmo narrativo um pouco mais tradicional. No primeiro ato, somos apresentados aos personagens principais e nos aprofundamos em suas motivações. Enquanto Park (Kang-Ho Song) é um detetive truculento que só quer achar um culpado o mais rápido possível, Seo (Sang-Kyung Kim) é inteligente e esforçado, além de comprometido com a verdade. O aprofundamento dos personagens ocorre concomitantemente ao desenvolvimento do cenário em que desenrola a história, a precariedade de recursos na cidade e da polícia e do próprio desequilíbrio da sociedade.

    Os atos subsequentes, por sua vez, trabalham com a construção da tensão, conforme a investigação dos dois policiais avança e o assassino parece estar cada vez mais perto de ser pego. Enquanto isso, os personagens se transformam, evoluem e a busca implacável os leva aos seus próprios limites.

    Novamente temos uma obra completa, recheada de referências que podem agradar aos fãs de thrillers (inclusive ao clássico Se7en – Os Sete Crimes Capitais de David Fincher), com excelentes atores, uma ótima trilha sonora e atores exímios. Joon-ho Bong é o ganhador dessa lista por compor com perfeição uma interessante e inesquecível história de serial killer. O gosto amargo na boca deixado ao final jamais vai sair, porém é uma alegria tremenda ver obras primas como essa.

    Texto de autoria de Pedro Lobato.

  • Crítica | Casa Vazia

    Crítica | Casa Vazia

    Casa Vazia - Poster

    Casa Vazia chegou com expectativa ao circuito de festivais, depois de outro grande filme do diretor: Primavera, Outono, Verão, Inverno… E Primavera, lançado um ano antes.

    Na trama, o jovem Tae-Suk invade casas vazias de pessoas que estão em férias e vive alguns dias até conhecer a mulher, Sun-Hwa, que passa a acompanhá-lo. O roteiro do próprio Kim Ki-Duk mantém uma das principais qualidades autorais do diretor. Ao basear a sua narrativa em invasões de casas alheias, ele passa a discutir a busca do protagonista por uma identidade: quem ele é? O quer encontrar e onde? Tae-Suk não liga para o seu passado, sua família? Ao registrar a sua passagem nos lugares através de fotografias, o protagonista deseja fazer parte daquele universo particular?

    A segunda casa que ele invade está ocupada por Sun-Hwa, uma mulher submissa ao marido que acaba pedindo ajuda. Ele espanca o abusador e a resgata, fazendo com que ela agora faça parte da sua trajetória. As casas vazias que ambos ocupam agora são preenchidas com mais vida. Ser errático passa a fazer sentido.

    Ao se deparar com um cadáver em uma casa invadida, eles decidem dar um enterro digno ao falecido, demostrando que a sua jornada estava chegando ao fim. Não à toa eles são detidos pela polícia e se separam: Sun-Hwa volta para o seu marido abusador e Tae-Suk segue para a prisão.

    Há uma quebra na narrativa, porém o objetivo dos dois permanece: ela continua a negar o seu marido, mas não sai de casa. Ao invés disso, começa a invadir outras casas por conta própria; ele tenta se transformar em uma sombra na prisão, e quando retorna à sociedade volta a ocupar casas sem ser visto, como um fantasma.

    A direção de Kim Ki-Duk é sublime na posição de câmera ao fazer com que a composição do quadro demonstre o vazio das casas e principalmente dos protagonistas. A narrativa visual demonstra o domínio do diretor sobre a linguagem cinematográfica ao subverter o roteiro padrão de narrativa clássica por meio de poucos diálogos.

    A atuação de Lee Hyun-Kyoon consegue imprimir a personalidade necessária em Tae-Suk, um jovem sem perspectiva, fechado, perdido, porém que toma atitude quando necessário. Lee Seung-Yeon consegue fazer com que Sun-Hwa seja a esposa submissa e introspectiva que vai se libertando aos poucos das amarras da vida matrimonial e social.

    A boa fotografia de Jang Seong-Back no começo do filme é pouco saturada, sem cor, sem vida e ao longo da narrativa a saturação vai aumentando aos poucos, de acordo com as ações dos protagonistas. A edição do próprio diretor deixa a obra ainda mais autoral. O filme não perde o ritmo em nenhum momento, mas talvez outro profissional poderia dar mais personalidade à edição linear da obra, principalmente nas cenas da prisão.

    Casa Vazia vale a pena pela proposta diferente de narrativa que Kim Ki-Duk nos trouxe, figurando entre a boa direção, o roteiro e a fotografia, além das questões que o filme aborda deixando perguntas para o espectador refletir.

    Texto de autoria de Pablo Grilo.

    Nota: 4 estrelas.

  • Crítica | O Hospedeiro

    Crítica | O Hospedeiro

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    Quem acha que o cinema oriental se resume às escolas japonesas e chinesas (principalmente Hong Kong) está enganado. A Coréia do Sul vem caminhando a passos largos desde 1990 para se estabelecer como um dos pólos mais fortes da sétima arte. Tudo bem que a sua influência é menor do que as outras escolas citadas acima e seu apelo é ainda regional. Mas isso vem sendo revertido ao longo dos últimos anos. Prova disso foi o sucesso de Old boy, de Park Chan-wook. Agora, mais um projeto se junta à lista. O Hospedeiro (Gwoemul, 2006) é o mais novo trabalho do jovem Bong Joon-ho, um nome a se prestar atenção. O filme se tornou a produção mais lucrativa da história da Coréia do Sul, foi ovacionado em diversos festivais e promete fazer uma ótima carreira internacional.

    A trama começa com dois cientistas em um laboratório de uma base militar dos Estados Unidos na Coréia do Sul. Um deles, o norte-americano, ordena ao seu subalterno que despeje uma substância tóxica que irá escoar até o rio Han. Obviamente, o tal líquido irá gerar um mutante, um poderoso monstro que irá aterrorizar as pessoas que usam o rio como local de diversão. Com esse início, fica a impressão de mais uma produção repetitiva com os mesmos temas e situações. Que nada! Ao longo do filme, Joon-ho revitaliza o gênero. Ele cria elementos de curiosidade e suspense, que prendem o espectador em sua narrativa.

    Perto do rio mora uma família que tem um quiosque de alimentação. Nele reside um pai idoso (Hie-bong Byeon), seu filho meio abobalhado Gang-du (Kang-ho Song) e sua neta (Ah-sung Ko). Fazem parte da família o desempregado Nam-il (Hae-il Park) e a competidora de torneios de arco de flecha Nam-ju (Du-na Bae). Um belo dia de sol o monstro resolve aparecer. O ataque é fenomenal e mortífero. No final, a pequena menina é levada pelo monstro. Ela é dada como morta, mas a família resolve se unir e partir em seu resgate. Ao mesmo tempo, o governo resolve isolar a área do rio. Eles acreditam que o bicho carrega um vírus letal.

    O Hospedeiro é um filme de monstro. E dos bons. Tem todos os elementos característicos do estilo, além de ser uma história universal, mesmo sendo encenada na Coréia do Sul, com efeitos especiais ótimos. Apesar de não ter participado da computação gráfica, Peter Jackson deve ter ficado orgulhoso (sua empresa Weta Workshop – a mesma de O Senhor dos Anéis – cuidou do modelo da criatura). Uma produção marcada por um humor irônico, que surge nas situações mais estapafúrdias possíveis. Um humor satírico, quase absurdo. O interessante é que o tom de comédia não desvia a sua atenção. Ele é inserido para relaxar o público nos momentos mais tensos.

    Ao mesmo tempo, é também uma aventura dramática embasada com um forte comentário sociopolítico. Bong Joon-ho, junto com os co-roteiristas Baek Cheol-Hyeon e Hah Joon-Won, aproveitou um incidente real que aconteceu em 2000 na Coréia do Sul para construir sua história. E o tema aqui não são só os perigos da poluição, mas a desconfiança em relação ao governo e suas costumeiras mentiras em situações como estas. E nessa crítica, nem os Estados Unidos escapam. Definitivamente, Bong Joon-Ho é um nome a se guardar na memória.

    Texto de autoria de Mario Abbade.

  • Crítica | Mother: A Busca Pela Verdade

    Crítica | Mother: A Busca Pela Verdade

    mother

    “O amor de mãe por seu filho é diferente de qualquer outra coisa no mundo. Ele não obedece lei ou piedade, ele ousa todas as coisas e extermina sem remorso tudo o que ficar em seu caminho”. Essa frase da renomada romancista policial britânica Agatha Christie, estabelece o baluarte na proposta do diretor sul-coreano Bong Joon-ho em Mother – A busca pela verdade. Um thriller psicológico recheado de humor negro inspirado em um dos elementos da obra de Alfred Hitchcock: a figura do “homem errado”, definido pelo mestre do suspense como “o cidadão comum  quando pego em situações extraordinárias é capaz de atos extraordinários”.

    Em Madeo (título original), Joon-ho amplia esse conceito mesclando ao mistério um lirismo ímpar. Através desse tratamento poético pouco convencional ao gênero, ele subverte as convenções estilísticas, abusando de diversas fórmulas, mas sempre sendo original em sua abordagem. Joon-ho insere pistas falsas na trajetória detetivesca desse noir salpicado de enlaces surrealistas, com o objetivo de aguçar a curiosidade do público, mas sempre amparado na  cartilha narrativa de Hitchcock, como a utilização do MacGuffinin. Segundo o cineasta britânico um termo usado para inserir um objeto que serve de pretexto para avançar na história sem que ele tenha muita importância no conteúdo da mesma. Todos esses fatores a serviço de uma trama singela sobre uma mãe (a ótima atriz veterana Hye-ja Kim) extremamente protetora e carinhosa, determinada em descobrir o verdadeiro assassino de uma jovem, quando seu filho mentalmente incapacitado é o acusado.

    Joon-ho já tinha demonstrado essa desenvoltura no terror O Hospedeiro, seu filme anterior. Se antes o monstro era explícito, dessa vez ele vem disfarçado de mãe afetuosa propondo um debate sobre os limites desse amor fraterno. Esse proposital contraste entre inocência e monstruosidade, temperado com um ligeiro comentário social.

    Não é uma surpresa Mother ter atingido quase que uma unanimidade entre a crítica especializada ao redor do planeta. Através dos anos o cinema sul-coreano comprovou ter a mesma representação metafórica da bandeira de seu país: um círculo dividido em partes iguais e delineado em perfeito equilíbrio. Lá convivem artífices de uma linguagem contemplativa como Kim Ki-duk de A Casa Vazia com a brutalidade pop, meio mangá, meio Hollywood de Park Chan-wook e seu Oldboy. Os filmes oxigenam os neurônios com arte, ao mesmo tempo em que o coração é massageado através de uma prazerosa carga de adrenalina do cinema popular.

    Texto de autoria de Mario Abbade.