Tag: cinema sul-coreano

  • Crítica | Minari: Em Busca da Felicidade

    Crítica | Minari: Em Busca da Felicidade

    Se tem uma coisa que americano adora é um gringo na terra do Tio Sam valorizando o país de algum jeito. Essa gratidão do artista com os EUA sempre gera prestígio na máquina mainstream de Hollywood, mas isso cria o risco de Minari: Em Busca da Felicidade ser visto só como “filme de Oscar” – draminha passageiro. De fato, a obra de Lee Isaac Chung não tem o mesmo impacto cultural e contemporâneo do também coreano Parasita, muito devido ao poder da encenação do mestre Joon-ho Bong (já podemos chamá-lo de mestre?), mas há no filme de 2020 O diferencial, agora: o uso de uma simplicidade e uma poesia encantadoras como artilharia emocional para ser um drama devastador com os seus atores, ainda mais nos momentos finais. Porque quando a família de Jacob e Mônica chegam no interior dos Estados Unidos nos anos 80, Jacob olha para o mato como se fosse uma mina de ouro, e Mônica é a única que percebe as dificuldades que o casal e as crianças enfrentarão nesse novo mundo, de emprego instável e sem grandes amigos para contarem nos Estados Unidos.

    Sonhador Vs. Realista, ou melhor: a importância (e as agruras) dos opostos para encarar uma vida difícil. O tema migratório é bastante forte, das dificuldades que os outsiders passam para se estabelecer na América (ou em qualquer país) e sobreviver com novos costumes, novos valores também para se adaptar. Mas são as promessas impossíveis que dão o tom de “desesperança combatida”, enfrentada pela teimosia que rege os sonhos dos homens num terreno a ser explorado – representado aqui pela vontade de Jacob em criar uma fazenda e germinar algum tipo de segurança financeira. Jacob tem uma família para criar e mesmo sem cumprir com tudo o que “vendeu” ainda na Coréia do Sul para Mônica e seus filhos, nunca para de lutar de forma honesta, mesmo que o destino atire inúmeros desafios (não apenas pessoais) em seu caminho sinuoso. Na verdade, Minari é a adaptação da famosa frase de Sylvester Stallone em Rocky Balboa, mas com atores orientais: Não se trata de bater duro, se trata de quanto você aguenta apanhar e seguir em frente, o quanto você é capaz de aguentar e continuar tentando. Isso é Minari.

    E com uma sensibilidade asiática que americanos sempre admiram (vide o sucesso de Nomadland e até Brokeback Mountain), qualquer diretor hollywoodiano de raiz filmaria esse drama abusando da trilha sonora, forçando lágrimas, e ainda iriam colocar uma cena de ação ou forte tensão no meio – Steven Spielberg sempre seguiu essa fórmula até cansar o seu mais fanático seguidor, com o apogeu da breguice em Cavalo de Guerra. O diretor Chung faz o oposto e esse é o triunfo do seu trabalho: a formação e o foco em um único núcleo narrativo (a unidade familiar coreana), e na força que existe na leveza, na resistência que existe no silêncio – há uma revitalização do cinema poético de Yasujiro Ozu, podendo-se sentir o gosto de clássicos como Era Uma Vez em Tóquio e Bom Dia, o tempo todo. Assim, Minari também dialoga com a coerência, a importância da rotina para o espírito vencedor, que sabe onde quer chegar, e não para de fazer a sua parte na escola injusta da vida. Afinal, ser um vencedor é ter uma família ao seu lado, custe o que custar, mesmo que o preço seja caro a se pagar.

  • Crítica | Em Chamas

    Crítica | Em Chamas

    Em Chamas é um dos chamados filmes de reencontro, onde a tônica dos eventos gira em torno basicamente de retornar a memória dos personagens a um encontro com gente do passado dando vazão assim a novas experiências e sentimentos. A história conduzida por Lee Chang-dong mostra o entregador Jong-soo (Shin Hae-mi) em um dia de trabalho, quando encontra com Hae-mi (Jeon Jong-seo), uma antiga amiga que já foi bastante próxima, mas agora está a caminho do exterior.

    Jong-soo se compromete  a cuidar do animal de estimação da moça, um gato, e antes dela ir eles se envolvem sexualmente, e esse fato torna ainda mais estranhos os  eventos que vêm a seguir. O modo que Lee escolhe dramatizar os eventos evidencia um cuidado enorme com os detalhes sentimentais, revelando as camadas mais complexas da história de maneira lenta, sem expor as intenções do roteiro logo de cara, até para fazer o espectador entender toda a atmosfera proposta e compreender que são e o que fazem os personagens ali, a duração de quase 150 minutos ajuda a massificar essa ideia.

    Um novo elemento é posto na equação, um rapaz chamado Ben (Steven Yeun, o Glenn de The Walking Dead) um rapaz que ela conheceu na Africa, sujeito esse com manias e costumes incomuns, seu linguajar é diferenciado, ele chama seu próprio alimento de sacrifício, além de guardar consigo alguns artigos femininos, que não se sabe se são seus ou de outra pessoa. Jong começa a se aproximar dele, para entender o que passa ali, movido por algum sentimento ou sensação que não é em um primeiro momento revelado.

    A obsessão do personagem principal extrapola (muitos) limites do aceitável, envolvendo perseguição e observação de todos os hábitos do sujeito, em uma paranoia digna dos filmes mais cínicos de Alfred Hitchcock, como Janela Indiscreta, embora a motivação desse personagem seja diferenciada em caráter da que James Stewart carrega, assim como os rumos que a trajetória de Jong toma.

    A face benevolente de Ben é tão corretamente construída que mesmo quando ele aparentemente está movido por algum ato estranho ou que meramente pareça falso fica difícil julga-lo como se fosse um sujeito dissimulado. Ele é extremamente agregador, pacifista e afável, ao contrário do apressado Jong, que é inquieto e cheio de neuroses, sendo mostrado em mais de um momento correndo, esbaforido, normalmente na direção do nada, ainda que claramente ele tenha um objetivo em mente, embora nem ele saiba direito o que é e por isso essa sensação de nada e vazio.

    Em Chamas é um filme de incertezas e de uma busca não planejada por identidade, onde a sensação de pertencimento a algo impera sobre as ações dos humanos vistos em tela, manipulando estes para cumprirem seus destinos, mesmo que essa manipulação e controle seja inconsciente e a subserviência dos mesmos também não seja escolha dos próprios.

    Facebook – Página e Grupo | TwitterInstagram.

  • Crítica | Grass

    Crítica | Grass

    Hong Sang-soo tem uma cinema normalmente encarado como refém de seus temas, e Grass repete isso de algumas formas, em especial, no que tange a discussão da arte e seu papel social dentro da atualidade. O filme é registrado em preto e branco, e se passa quase todo em um beco onde há um café e uma mercearia. Entre esses dois lugares acontecem conversas triviais e relações mundanas, a maior parte delas com absolutamente nada de especial. No café as pessoas conversam e na mercearia há o cultivo de pequenos vasos de plantas – daí o nome do filme, por conta da grama dos vasos – que inclusive sofrem o foco da câmera do cineasta a todo momento.

    Há um certo clima de opereta na obra acompanhada pela trilha instrumental que embala a maior parte dos diálogos nonsenses e cotidianos que acontecem naquele micro-espaço. Ainda que tenha essa semelhança com obras mais elaboradas há uma simplicidade de linguagem muito grande com quase toda a gravação do filme, predominando uma única câmera de tão simples que o filme busca soar.

    Os movimentos repetitivos denunciam a vontade do filme de denunciar ciclos que acontecem e re-acontecem, falando que a maior parte dos diálogos da vida giram em torno do nada, e Sang-soo propõe uma obra que discorre sobre ressentimento e divergências, sentimentos negativos e como as pessoas lidam com todos os tipos de rejeição. A riqueza dos diálogos mora na poesia do comum que mais uma vez o diretor apresenta, com o mesmo elenco que costuma utilizar e com clichês típicos do próprio universo que ele propõe, e mesmo com tantas repetições de conceito ainda sobra muita ternura e carinho.

    Facebook –Página e Grupo | TwitterInstagram.

  • Crítica | Okja

    Crítica | Okja

    Fundamentalmente, uma pauta social quando levantada por um filme, necessita de um escopo contextual. Necessita de uma pesquisa, de um embasamento para configurá-lo para caber em perspectiva mais ampla. Não pode controlar o espectador a interpretar o filme como uma opinião determinante, e nem o deixar alheio ao debate. Entretanto, descentralizar critérios narrativos e sobrepuja-los em prol de uma análise mais literária e ficcional, pode resultar na projeção autêntica e incômoda, ou na realização da fábula inerte.

    Okja, filme original do serviço de streaming Netflix, dirigido pelo sul-coreano Joon-ho Bong, que propiciou uma polêmica em sua exibição no 70º Festival de Cannes, cambaleia entre estes dois palcos, criando um cenário de intensa análise objetiva. O contexto social determina que uma empresa, Mirando, dirigida por Lucy Mirando (Tilda Swinton), criou 26 porcos geneticamente modificados e os concedeu a cuidados em 26 países, afim de estimular a criação e o desenvolvimento dos mesmos, com a finalidade escusa de uma competição. Entretanto, a realidade é abate-los em futuro, não permitindo que a fome seja um problema de escala global, maior do que já é, mesmo que o filme não indique este núcleo em nenhum momento. Entre um destes super-porcos, há Okja, criado pela garota Mikja (Seo-Hyun Ahn), em uma remota vila montanhosa na Coréia do Sul.

    Em meio a isto, a empresa criou um programa de exibição destes animais, colocando Johnny Wilcox (Jake Gyllenhaal) como apresentar e principal divulgador de marketing. Ele visita Okja, a apresenta para o mundo, diz que a levará para Nova York junto com Mikja, para o programa. Porém, Okja é levada sem a autorização de sua cuidadora – às vezes, o filme a denota como dona -, e agora ela parte para Seul, capital, para iniciar a aventura de trazer a leitoa de volta à casa. Em paralelo, há um ativismo evidenciado no filme, o grupo ALF (Frente de Libertação Animal), liderado por Jay (Paul Dano), tenta desmantelar todo o processo industrial de produção de carnes, acreditando na valorização de vidas animais. Em conjunto, eles desenvolvem um plano para desmascarar Mirando e salvar Okja.

    Recapitulando, o filme estimula duas linhas narrativas: a fábula/aventura infantil, focando na relação entre Mikja e Okja, apresentando um comprometimento, guarda e carinho muito grande e evidente entre as duas personagens. Ojka funciona muito mais como um animal de estimação do que propriamente um cuidado sobre uma propriedade privada. Neste aspecto, a obra se sobressai, permitindo a si mesma elaborar nuances cômicos inteligentes, deixar o roteiro e os diálogos mais elásticos, atenuando características únicas das personagens principais, especialmente Mikja e Lucy. Trilha sonora, ambientação, utilização de uma fotografia mais fosca e incisiva, auxilia na progressão narrativa.

    No entanto, quando o filme assume a identidade mais crítica, analítica e ativa em uma mensagem, em um debate, ele se acomoda. Não procura arriscar – narrativamente e visualmente – a propiciar tópicos diferentes ou acrescentar mais relevância ao debate. São círculos elementares, que criam uma zona de confecção neutra e simplória, deixando o ato final previsível, mas inconsistente em sua soma final.

    Se houvesse uma tomada de decisão diferente no momento da resolução, creio que o longa-metragem soaria mais eficiente em sua mensagem, caracterizando uma perspectiva mais sensível a um público que não tenha tanto conhecimento sobre as questões de causa animais, abatedouros, produção de carne industrializada. É o filme de viés mais comercial e narrativamente chapado de Joon-ho Bong. Mas que poderia ter um destaque maior em sua conjuntura analítica se não direcionasse sua resolução a um ponto mais individual e fantasioso.

    Texto de autoria de Adolfo Molina.

    Acompanhe-nos pelo Twitter e Instagram, curta a fanpage Vortex Cultural no Facebook, e participe das discussões no nosso grupo no Facebook.

  • Crítica | Invasão Zumbi

    Crítica | Invasão Zumbi

    Fenômeno popular recente entre os cinéfilos e obviamente cercado de expectativas boas, Invasão Zumbi é um filme sul-coreano, comandado por Yeun Sang-Ho, diretor que tinha experiência anterior com animes em longa-metragem, como O Impostor e Rei dos Porcos. A primeira mostra da situação de calamidade do filme se dá quando um cervo é atropelado e largado no asfalto, levantando em seguida após a fuga do atropelador, já em um aspecto decrepito e mórbido.

    O elo que liga o público ao drama retratado em tela está presente na relação de pai e filha entre Sok-woo (Gong Yo) e Soo-ahn (Kim Soo-Ahn), que estão em um trem que leva de Seul a cidade de Busan. Os parentes estão isolados do resto da civilização, e de dentro do transporte, se percebe que no lado externo há algo muito errado acontecendo, até que um dos tais contaminados tem sua transformação ocorrida com o trem em andamento, tornando aquele ambiente fechado um lugar propício para uma predação sem maiores resistências.

    As primeiras transformações acontecem lentamente, enquanto as próximas ocorrem mais rápido, em uma perversão de conceito que exala entropia e demonstra o quão imprevisível é essa contaminação. Sang-Ho posiciona a câmera com maestria, estabelecendo uma aura de desconforto e claustrofobia imensa, que torna toda a situação em algo ainda mais urgente, especialmente se o espectador assiste na tela grande. O filme possui um ritmo frenético, quase não dando tempo ao público para se recompor entre uma sequência de ação e outra, pondo em perspectivas muito mais assustadoras do que outros produtos semelhantes, como Madrugada dos Mortos e Extermínio.

    Até pela velocidade com que se estabelece o caos, não há muito tempo para mostrar o background dos sobreviventes, restando então o uso de arquétipos universais, que poderiam até soar rasos, não fosse a abordagem emotiva e realista escolhida pelo cineasta. O pouco do que se mostra em tela faz com que o espectador se importe de fato com o destino dos humanos que ainda vivem, fatores que se tornam ainda mais poderosos graças a trilha sonora forte e repleta de suspense.

    O maior diferencial de Invasão Zumbi em comparação com os zumbiexploitation recentes é a urgência com que se trata toda a história e a busca por ainda subsistir. Em The Walking Dead perde-se um tempo considerável com romances bobos, rivalidades infantis e embromação. O texto que Yeon redigiu é certeiro, rápido e repleto de conflitos, que mostram a pior face do egoísmo humano sem necessitar apelar para saídas baratas de emoção. Não há invencionices em relação as situações de privação dentro dos vagões e o terror mais assustador do longa mora principalmente nas cenas onde as mortes não são explicitas, tendo uma harmonia enorme entre o fato de mostrar as dilacerações dos personagens via mortos vivos e a contemplação distante das pessoas perecendo, normalmente com uma janela de distancia entre um carro e outro.

    As discussões morais e éticas não possuem a mesma força dos clássicos Despertar dos Mortos e A Noite dos Mortos Vivos, de George A. Romero, mas ainda levanta algumas questões éticas válidas, mesmo que se apele nos últimos momentos a velha questão do sacrifício pessoal para se consertar um caos familiar pregresso. O melodrama e os sonhos do personagem principal estabelecem um diálogo inteligente com O Dia dos Mortos, terceiro tomo da saga zombie de Romero, onde o homem em estágio zumbificado tem consciência de que precisa se afastar dos seus para que esses não sejam igualmente infectados, pondo em cheque até a questão de que não há volta para esse estado de morto vivo, ainda que não haja um diálogo realmente sério em relação a isso, já que o teor do filme é pragmático, e não esperançoso, fortificando a ideia de que Invasão Zumbi é mesmo uma pérola recente, em especial por seu ritmo forte e por saber usar bem até os clichês do gênero, principalmente nos ambientes extremos.

  • Crítica | Eu Vi o Diabo

    Crítica | Eu Vi o Diabo

    i-saw-the-devil-poster

    Eu Vi o Diabo (I Saw The Devil), ou em seu título original Akmareul Boatda é o sexto filme da carreira do diretor sul-coreano Jee-woon Kim, o mesmo de Medo (Janghwa, Hongryeon ou A Tale of Two Sisters) de 2003 e que recentemente se arriscou no mercado norte-americano com o filme O Último Desafio, com Arnold Schwarzenegger.

    O cinema oriental e sul-coreano estão na moda faz alguns anos, e boas produções têm sido feitas neste país, principalmente nos gêneros suspense e terror. Eu Vi o Diabo, de 2010, vêm nesta mesma toada. A sinopse é a seguinte: Um policial de uma agência de elite da Coréia do Sul (que não é especificada) tem sua esposa (filha de um policial local) assassinada brutalmente por um serial killer. O marido então jura vingança e, com a ajuda do sogro, parte em busca dos suspeitos até encontrar o assassino e dar a ele uma dose de seu próprio veneno, até as coisas saírem do planejado. Até aí a premissa flerta com o desejo secreto de praticamente todos os seres humanos: a vingança nua e crua que todos desejariam colocar em prática caso algum membro de nossas famílias sofresse o mesmo destino da mulher do policial.

    Com 2h23 de duração, o longa estabelece muito bem os personagens, o conflito e a trama logo na primeira meia hora. O que segue a partir daí é o plano do marido, Kim Soo-hyeon, em perseguir o assassino como ele persegue suas vítimas. Porém, apesar de no início a premissa ser empolgante, as sequências de perseguição e violência vão aumentando e causando um certo desconforto, não só pela apelação gráfica, mas sim pela falta de tensão. De um cenário de mundo real, o filme vai adquirindo contornos mais americanizados de super-policiais que conseguem fazer de tudo a toda hora, desde manejar vários tipos de armas até lutar de várias formas com várias pessoas ao mesmo tempo, o que faz o filme destoar da proposta inicial.

    A fotografia, que mostra uma moderna Coréia do Sul em pleno desenvolvimento em contraste a uma pobreza tradicionalista que teima em sobreviver frente ao furacão do capitalismo, é interessante e ajuda a entender o embate entre o comportamento brutal de um lado dessa sociedade com a civilização, que falhou em compreender e cooptar as contradições desse processo.

    As cenas brutais de violência no começo também conseguem chocar pela maneira crua e fria que são filmadas, mas este mesmo excesso causa, no decorrer do filme, uma banalização dessas cenas, que ao invés de chocar, passam a incomodar, pois deixam de acrescentar algo que faria diferença na história e soa mais como apelação do que efeito narrativo. A suposta lição dada ao policial pela sua hesitação tanto em resolver o caso por conta própria, quanto para abandoná-lo e deixar nas mãos dos policiais, soou infantil, além de mal resolvida, pois sua vingança contra o assassino passa a atingir outros níveis, mas em momento algum oferece redenção ou mesmo uma explicação para as ações do protagonista, que deixa de ser um justiceiro passional para ser outro fora-da-lei sem razão.

    Em geral o filme possui bons momentos e uma boa premissa, mas o fetiche sadístico do diretor acaba prejudicando a excelente ideia inicial e o foco de sua narrativa.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | Pietá

    Crítica | Pietá

    poster

    Embora o cinema coreano seja conhecido por filmes de terror e uma violência bastante gráfica, Kim Ki-Duk tornou-se um de seus nomes mais conhecidos fazendo o que parecia o oposto. Filmes como Primavera, Verão, Outono, Inverno… Primavera e Casa Vazia são extremamente líricos e habitados por uma violência que é mais psicológica e subjetiva. No entanto, em seu mais novo filme, Kim Ki-Duk abandona a delicadeza e se aproxima do conterrâneo Park Chan-Wook.

    O filme, ganhador do Leão de Ouro em Veneza, se centra em Gang-Do, um cobrador de dívidas extremamente violento e na mulher que aparece de repente afirmando ser a mãe que o abandonou.

    No início, Gang-Do é quase um animal: ele come, dorme, se masturba e cumpre seu trabalho com uma crueldade que, descobriremos mais tarde, é desnecessária. Quando um dia, uma mulher afirma ser sua mãe, ele reage com violência e rancor, mas aos poucos percebemos que sua dor e raiva são imensos e esses sentimentos serão o motor do filme.

    Dor, raiva e vingança são o que movem o filme de Kim Ki-Duk, mas tudo acontece em um nível visceral, quase primitivo. Há poucos diálogos, mas muito sangue e gritos de dor e o diretor nunca enquadra seus personagens por inteiro, reforçando a incomunicabilidade e desumanização das pessoas retratadas ali. A direção de arte coloca tudo em tons de cinza, exceto por Mi-Son, a mulher misteriosa.

    Mi-Son aparece para Gang-Do com uma echarpe verde viva e batom vermelho e todos os seus objetos possuem cores gritantes, se opondo à frieza cinza do resto do filme. A princípio, Mi-Son parece a única possibilidade de humanidade, afeto, piedade que o filme apresenta. Sua permanência ao lado do filho perturbado nos faz acreditar em um amor incondicional e um arrependimento genuíno. Contudo, para Kim Ki-Duk, não há escape, ou piedade.

    Mi-Son é realmente um símbolo do amor maternal e abnegado, profundo ao ponto da insanidade, ela é a única personagem verdadeiramente humana do filme, mas sua humanidade é, como se espera, falha, enviesada e cruel. Ainda assim, sua presença humaniza Gang-Do, seu amor torna-o finalmente um ser humano (ainda que perturbado) e coloca o dilema moral que, no final do filme, o espectador não é capaz de resolver.

    Pietá é um filme extremamente incômodo e, por mais gráfica que seja sua violência, é a força dos sentimentos demonstrados que fere quem assiste. Kim Ki-Duk foi estudante de artes plásticas e cada plano seu é de uma beleza incrível, que, quando a serviço de tal roteiro, aumenta o desconforto e o choque. No entanto, apesar de toda excelência plástica do filme, o roteiro de Pietá parece pálido perto de Oldboy, filme do mesmo país e que trata dos mesmos temas, mas de um diretor que parece mais disposto a colocar as mãos na lama.

    Kim Ki-Duk faz um filme limpo demais para seu tema, ascético quando quer falar de descontrole. É um bom filme, mas quando o diretor soube casar sua forma e seu roteiro (por exemplo em Casa Vazia) ele foi extraordinário.

    Texto de autoria de Isadora Sinay.