Tag: Festival do Rio 2018

  • Crítica | Turma do Pererê.Doc

    Crítica | Turma do Pererê.Doc

    Ricardo Favilla comanda o documentário belo sobre a obra de Ziraldo. O longa Turma do Pererê.Doc começa com as falas do autor, a melhor figura possível para introduzir um público que não conhece a obra e os personagens desse gibi. Já nesse início há um mergulho na intimidade do desenhista, que diz que seu sonho desde criança era ser criador de quadrinhos, fato que esbarrou na descoberta tardia de que não havia revisa de um autor só no Brasil, até o próprio inaugurar a sua.

    As entrevistas do documental incluem figuras ilustres, quadrinistas como Laerte e Mauricio de Souza, e estudiosos como Álvaro de Moyá (já saudoso), e a maioria deles destaca o quanto Ziraldo conseguia referenciava bem o ideário do povo brasileiro, referenciando o interior e a mata, já que naquela época pré Golpe Militar a maioria da população ainda não havia migrado para as grandes cidades. Turma do Pererê era muito fruto de seu tempo.

    O quadro da pré historia dos quadrinhos autorais no Brasil é muito bem aludida, personagens e obras como o Chiquinho da revista Tico Tico – que era amado em todo o Brasil – e o Amigo da Onça da revista Cruzeiro são referenciados em tela, com ajuda visual e tudo. També se fala um pouco do que era publicado no começo do século XX, nos anos 30 e mais tarde no suplemento infantil do jornais, onde saiam as tirinhas. Somente nos anos 1940 começaram a circular revistas em quadrinhos feitas no país. A Gênesis das tirinhas era obviamente nos cadernos assessórios dos jornais, e essa iniciação aos olhos de Ziraldo era fundamental, por criar novos leitores. Para ele é culpa e responsabilidade da imprensa o êxodo de leitores brasileiros, pois essa porta de entrada foi fechada.

    Ziraldo sempre foi uma figura controversa e cheia de opinião, e isso se refletia nas suas historias, e mesmo com as influencias gringas, havia muita brasilidade nelas –  ao passo que utilizava números especiais do gibi para desmoralizar símbolos dos norte americanos, como Tarzan e o Papai Noel.

    Engraçado como o traço do autor não tinha nada de infantil, Laerte até marca isso, que sua linguagem não estava nem só nos quadrinhos e tirinhas, mas também em trabalhos artísticos diversos, como o cartaz de Os Fuzis, de Ruy Guerra. O filme detalha bem o trabalho artesanal da colorização das revistas na época, bem mais demorado e difícil de fazer do que atualmente.

    Talvez o maior legado de Turma do Pererê.Doc seja o de reverenciar Ziraldo ainda em vida, pois a maior parte dos documentários, como Henfil e A Vida-Extraordinária de Tarso de Castro acabam por analisar as figuras lendárias da comunicação brasileira clássica tempos depois desses já não estarem mais vivos. Conseguir travar comentários com o próprio  autor dá  muita fidedignidade não só ao filme, mas também a carreira do artista, que é pontuada com mais uma forma de louvar seu trabalho.

    Impressiona como os entrevistas acham Perere revolucionário e pioneiro, e ele realmente é, pois ajudou muita gente a fazer e empreender quadrinhos no Brasil, até Mauricio. Favilla faz um trabalho didático mais repleto de alma e inspiração, emulando bem as características básicas do trabalho de Ziraldo.

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  • Crítica | Guerra Fria

    Crítica | Guerra Fria

    De  Pawel Pawlikowski, diretor polonês, Guerra Fria aborda a historia de um amor impossível, registrado sem cores para evocar o binarismo paranoico da época em que se debruça para contar seu drama. No decorrer do roteiro se percebe a arte como um ente bastante presente. A rotina do cantor Wiktor (Tomasz Kot) é acompanhada, e em meio a Polônia stalinista, ele procura uma voz feminina que combine com o trabalho que está montando.

    Nessa busca, ele se depara com a bela Zula (Joanna Kulig), e a partir daí começa um romance que não deveria ocorrer, dada não só a diferença de idade entre os dois, como a origem francesa da moça, vindo da Paris boêmia. O  romance dos dois se desenrola em doses graduais, escondido dos olhares de terceiros na maioria das vezes, mas quase sempre envolvendo festa suntuosas e bailes de gala.

    O roteiro de Janusz Glowacki e Pawlikowski mostra esses dois mundos distintos tentando conviver entre si. O conflito (ou quase conflito) entre forças capitalistas e soviéticas serve de pano de fundo mas praticamente não altera quase nada na rotina dos apaixonados. Os fatos que fazem seus corpos e corações se afastarem de vez em quando ocorrem por conta de seus próprios atos, e não por fatores externos.

    O filme tem pouco menos de noventa minutos, mas consegue explorar bem todos os estágios de uma relação romântica, mostrando desde o momento em que duas pessoas se apaixonam, passando pelas crises típicas de relações com duração alta. Guerra Fria é um filme com momentos muito bonitos, e que depende demais da atuação de seu elenco, sobretudo de Kulig, que faz uma personagem muito rica e apaixonante, mas carece de um senso de urgência, que não é suplantado sequer pela questão política que serve de base para seu enredo, terminando assim como um filme que não toca tanto o espectador.

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  • Crítica | Um Elefante Sentado Quieto

    Crítica | Um Elefante Sentado Quieto

    Filme de Hu Bo, diretor chinês que se suicidou logo após terminar de rodar a obra, Um Elefante Sentado Quieto é um filme sobre  desolação humana e falta de perspectiva, que usa os exemplos de jovens de uma cidade no norte da China, onde jovens tentam viver apesar do egoísmo vigente nessa mesma sociedade.

    A historia se passa em uma cidade pequena do norte da China e mostra personagens bem diferentes tendo que lidar com a modernidade que aparentemente afasta as pessoas e as faz agir de maneira muito egoísta. Dois meninos bem jovens são mostrados nesse inicio, o primeiro e Wei Bu (Yuchang Peng), que ao tentar quebrar esse paradigma, empurra um bully que vivia perturbando um amigo seu. As conseqüências desse empurrão são serias e Bu foge com receio das conseqüências, e ele foge, com Wang Jin (Congxi Li) seu vizinho e claro, Huang Lin (Uvin Wang), uma moça próxima dele. A jornada de fuga dos três envolve obviamente uma perseguição, mas o desenrolar dela quebra padrões, não é frenética e seu ritmo é bem cadenciado.

    A contemplação do cotidiano é bastante silenciosa, cabe ao elenco passar as emoções e o senso de urgência que o roteiro propõe e esse conjuntos de sensações é muito bem transmitida ao espectador. As quase quatro horas de filme são cortadas por uma montanha russa emocional, que trata do desespero de famílias comuns e pobres por conta das brigas completamente impensadas dos adolescentes, e é difícil julgar quaisquer dos personagens juvenis, já que a violência e agressividade fazem parte do cotidianos dos adolescentes, ao passo também que eles simplesmente não tem maturidade para lidar com tudo isso.

    Há outro fator forte nessa equação, que é a rejeição por parte da geração anterior. Mais de um dos personagens são excluídos ou expulsos de casa pelos pais, e não necessariamente por conta da violência que ocorreu na escola. Mais até do que esse renegar da paternidade estabelecida na ordem para sair de casa, há um conjunto de diálogos muito forte, onde normalmente imperam conversas ásperas, onde as pessoas estão quase sempre de costas umas para as outras, raramente conversando com os olhos nos olhos.

    Há outros momentos bastante simbólicos nos lugares por onde a câmera de Hu Bo passeia. Na escola onde aconteceu a briga não se dão ao trabalho sequer de limpar o sangue do chão após o incidente, há descaso com o mal que recai sobre a família do rapaz que era bully, assim como boa parte dos personagens adultos se importam demais com o destino de seus cachorros, em detrimento as vezes do sofrimento dessas crianças/adolescentes. O diretor denuncia a falta  de sensibilidade geral e preocupação maior com animais do que com os homens e mulheres.

    As conversas no final são muito inspiradas, tanto nos diálogos quanto no domínio de carreira de Hu Bo, que faz um ultra close no primeiro plano e um segundo plano quase desfocado. Mesmo quando Um Elefante Sentado Quieto larga a estética naturalista e apela para o fantástico há muito acertos. Seu desfecho é tocante, aborda temas fortes, como suicídio e auto afirmação dos juvenis via agressividade. É um filme de ciclos, que fala basicamente sobre o mesmo estilo de vida mostrando que a humanidade tende a repetir inclusive seus erros.

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  • Crítica | Los Silencios

    Crítica | Los Silencios

    Filme competidor da Quinzena da Crítica do Festival de Cannes, Los Silencios é uma produção entre Brasil, França e Colômbia. Quase toda falada em espanhol, o filme começa a partir de uma tragédia já ocorrida, subentendida e que é explorada em suas conseqüências aos poucos. No começo um barco corta o rio pela noite escura, carregando ali três pessoas, aparentemente, embora se só notem duas, que são Amparo (Marleyda Soto) e seu filho Fábio (Adolfo Savinvino), a terceira é Nuria (María Paula Tabares Peña), mas só se sabe seu real destino com o desenrolar da trama.

    Beatriz Seigner mostra a família tentando viver após uma tragédia pessoal, sem recursos e como refugiados. Adão (Enrique Diaz), o pai da família pereceu em uma obra e Amparo aguarda a indenização por parte da empresa que o empregava. Quando Fabio é matriculado na escola, não há garantia de que ele poderá merendar lá, e a família está numa situação tão paupérrima que eles aceitam a ida do garoto para lá, ainda que tentem sempre que ele consiga fazer ao menos uma refeição na escola.

    O filme tem uma formula um pouco parada e contemplativa e o fato de ser silencioso faz com que todo suspense seja maximizado. A espera pela chegada do dinheiro que ajudaria a família a viver só não causa mais espanto do que as aparições fantasmagóricas, além evidentemente da surpresa que só se nota da metade para o final, ao mostrar outras menções aos mortos.

    As manifestações sobrenaturais são mostradas de forma tão sem alarde que soam naturais, não casam estranhamento algum, até porque o terror do filme mora exatamente na falta de de esperança e alento. Enquanto Amparo parece desolada e resignada, pensando se aceita ou uma consolação no lugar da indenização, com a seguradora oferecendo a ela uma quantia pequena perto do que ganharia se  achassem os corpos dos mortos, Fábio se torna um menino meio rebelde, que gosta de fumar e que tenta responder de forma agressiva ao mundo que tirou parte de sua família. Sua reação é natural, afinal o que acontece a ele e sua mãe é bastante revoltante, não só pelo acaso como pela ganância de empreiteira que se recusa a pagar o que devem a família.

    Tal qual o recente Mormaço, há uma causa sobre desocupação, com uns compradores misteriosos que fazem ofertas ofensivas e  de preços baixos aos aldeões, bem semelhante a que fizeram com Amparo. Os que moram no lugar onde a família foram morar tem por hábito tentar se comunicar com os mortos, a fim de garantir uma boa passagem. O modo como os não vivos são mostrados é muito bonito, com as roupas deles brilhando, como em neon, como as luzes dos vagalumes e essa composição visual quase poética faz a fotografia de Sofia Oggioni Hatty.

    O final, quando uma carta chega a personagem principal, finalmente se fecha um ciclo, onde tanto vivos quanto os que já foram finalmente terão paz. A denuncia a barganha e o desrespeito aos mortos, a memória deles e aos que ficam só não é maior que a ode a saudade que Seigner monta em seu Los Silencios, filme que tem uma força e uma carga sentimental que não permite ao espectador ficar incólume.

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  • Crítica | Benzinho

    Crítica | Benzinho

    Benzinho é um filme brasileiro independente, de baixo custo  e bem simples, dirigido por Gustavo Pizzi e roteirizado por Pizzi e Karine Teles que trata da historia de uma família grande que tenta se organizar e viver com as mudanças comuns ao crescimento de cada um de seus membros. O modo com a historia se desenrola é emocional, mas não deixa a racionalidade de lado, ao contrário, é sobre o pilar da realidade e do saudosismo que o longa se mantem de pé.

    Irene (Karine Teles) é casada com Klaus (Otavio Muller), eles tem 4 filhos, sendo que o mais velho deles, Fernando (Konstantinos Sarris) é tão bom no que faz – ele joga handebol – que surge a oportunidade dele viajar e ir até a Alemanha. A família, que já tem dificuldades financeiras enormes pelo fato de seu pai não conseguir muito sucesso nos empreendimentos que tenta levantar, ainda tem que conviver com a presença de Sônia (Adriana Esteves), uma mulher que for agredida por seu marido e foi para a casa da irmã, com seu filho, aumentando ainda mais o tamanho do núcleo familiar.

    O lugar que eles chamam de lar é uma casa velha, com problemas sérios de encanamento, eletricidade e até com a porta. Todos tem que entrar por uma janela que dá para um dos quarto, com um escada improvisada, e tal qual acontece com essa escada, as soluções dentro do filme são igualmente paliativas, as pessoas vão simplesmente vivendo remendo atrás de remendo, achando soluções provisórios para problemas recorrentes, e surpreendentemente essa jornada faz sentido, afinal é como a maioria das famílias brasileiras vivem, mesmo as que já tiveram algum poder aquisitivo como parece ser a focada pelas lentes de Pizzi.

    Há conflitos com pessoas externas, Mateus Solano faz um pequeno papel que ganha importância em um momento chave da trama, mas são as brigas, dissabores e perdoes familiares que mais evocam emoção. São explorados muitos medos comuns , o receio de ver os filhos crescerem e se tornarem independentes, de perder as crias que aliás é comum entre as duas mães Irene e Sônia, além é claro de já ter que se lidar com os problemas comuns e corriqueiros de se administrar uma casa praticamente sozinha.

    Benzinho é sobre Irene, até o nome do filme mostra isso, sendo a forma dela chamar quem lhe é querido, mas trata de tantos outros aspectos de sua mente e psique, como o modo de lidar com seu passado de possível escravidão infantil e a Sindrome de Estocolmo decorrente disso, onde ela ainda trata bem a patroa de seus pais, ou a perda da casa de praia em Araruama que ela tanto gostava, para enfim ter dinheiro para investir em mais uma nova empreitada aventureira de seu marido. Curioso é que o filme fala de maneira muito certeira sobre assunto pesados sem perder a emoção que lhe corre desde o inicio, compondo um quadro de belas imagens, atuações e entregas do elenco e demais membros da produção. É um filme de fato sobre medidas provisórias e sobre a dificuldade de seguir em frente, embora seja claramente preciso, e que estabelece muito bem um retrato das famílias cariocas e fluminense, especialmente quando a câmera enquadra Teles e Muller, um casal cheio de falhas, afetos e que se derramam em alma e talento aqui.

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  • Critica | A Terra Negra dos Kawas

    Critica | A Terra Negra dos Kawas

    De Sérgio Andrade, A Terra Negra dos Kawas é um filme que utiliza variações dos mitos indígenas brasileiros como base para contar sua história com elementos fantásticos. Rodado na Amazônia, ele começa com dois trabalhadores brancos perguntando na porta de uma propriedade se eles tem água. Uma senhora os atende, seu modo de andar é sereno e as portas do sítio se abrem sozinhas, de maneira um pouco estranha, mas ainda assim eles aceitam a cortesia dela, e começam a rir logo depois de beber o líquido.

    A reação dos dois é bastante estranha, mas o filme não dá tanta atenção a isso naquele momento, em lugar disso, mostra dois micro universos, um de brancos cientistas estudiosos, e outro de nativos que praticam ritos e que de sua própria forma, estudam as propriedades do locam onde habitam e da terra preta que pisam e que de vez em quando consomem.

    A colisão dos mundos se dá basicamente por conta das estranhas substancias presentes na tal terra negra. Ao ser analisado  pelos personagem de Marat Descarts, Felipe Rocha e Mariana Lima evidenciado que o índices de PH da terra nunca foram vistos, e que cientificamente há algo diferente ali, de fato.

    Na aldeia dos nativos há encontros com outros refugiados, haitianos e se discute uma ligação dessas terras com as do Haiti, as mesmas responsáveis por inúmeros contos de zumbis, inspirando até George A. Romero. A terra é sagrada para os Kawas, e quando a personagem de Severiano Kadassare (simplesmente deslumbrante no filme) mostra o poder transcendental da terra para o personagem de Rocha ele fica ébrio, e ele acha que é bom mostrar para outras pessoas, mas é impedido pela nativa, pois o povo não quer partilhar e não pode partilhar aquilo de maneira globalizada.

    A mensagem por trás do  roteiro de Andrade é de que aquele conhecimento sagrado não é egoísmo, e sim preservação, e essa postura é correta, pois o homem branco tem mesmo a mania de predar inclusive o que ele não entende, e a questão dos Kawas também tem a ver com refugiados, pois eles também saíram de sua terra original, e não se sabe se substância arenosa veio ou não com eles, e esse mistério talvez seja a maior riqueza do filme.

    A questão mais surrealista de A Terra Negra dos Kawas é muito boa, o final peca um pouco por se perder na mentalidade hiper conciliadora entre os povos estranhos que são mostrados, mas a mensagem prossegue forte, em meio aos alucinógenos  que super expandem a mente e sensações e claro, os tambores e risos.

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  • Crítica | Faca No Coração

    Crítica | Faca No Coração

    No começo do filme de Yann Gonzalez, se misturam cenas de vídeos íntimos e um caráter clubber, com homens dançando em uma boate onde o azul e o preto predominam. Uma figura andrógena aparece no centro das articulações. Logo essa perspectiva é pervertida, e o garoto em questão aparece transando com outra pessoa, mascarada, e esse sujeito incógnito o mata, fazendo de todo esse começo apenas um mcguffin, como Alfred Hitchcock adorava fazer. Faca no Coração é um filme multi temática, mas sua linha guia talvez seja melhor definida dessa forma, como um exercício de quebra de expectativas.

    A trama realmente acontece através de Anne, uma produtora de filmes pornográficos, vivida por Vanessa Paradis que procura novas possibilidades de filmagens, uma vez que o simples entra e sai das produções que registram sexo para si, não são suficiente. Apesar da própria não gostar de admitir essa nova busca que faz tem um intento, que é retomar a atenção de sua amada, Lois (Kate Moran).

    A genialidade do filme de Gonzalez é por não se saber exatamente em qual patamar cada cena está, se é parte da imaginação louca de Anne, se é uma fantasia, ou se os assassinatos inusitados protagonizados por falos como armas são de fatos reis, assim como os interrogatórios, os telefonemas filmados e os boquetes. Apesar de em boa parte desses pontos mostrarem de fato as câmeras, em outros tantos fica a dúvida sobre a real intenção daqueles momentos.

    Fato é que, entre o fracasso de Anne em tentar resgatar os bons momentos de sua relação, e entre a execução do tal filme sob novas mãos – agora a responsabilidade é de Achibald (Nicolas Maury) – um assassinato realmente está rondando todos os que tem ligação com a produção ou elenco dessa nova empreitada e o motivo do acerto de contas é desconhecido, ou parece simplesmente não existir.

    Há muitos filmes dentro de Faca no Coração, no sentido literal e no dramático, pois em determinado ponto a trama deixa de lado todo o drama de Anne, para se tornar uma historia de vingança, da comunidade LGBT contra o seu flagelador, o slasher queer, e o fato de no roteiro de Gonzalez e Cristiano Mangione ter esse caráter de estarem filmando cinema o tempo todo faz até esses momentos mais sérios soarem como mais uma das encenações em estúdio comandadas pela protagonista ou por Archibaldi. Os pequenos segmentos que são explorados dentro dos 98 minutos variam entre o pragmatismo e o surrealismo, e a maioria deles é extremamente inspirada e sarcástica.

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  • Crítica | Não Me Toque

    Crítica | Não Me Toque

    Vencedor do Urso de Ouro de Berlim em 2018, Não Me Toque é um filme de produção romeno, protagonizado por Laura Benson, que vive uma personagem homônima que tem problemas sérios de relação com qualquer pessoa, não suportando contato físicos mínimos. A historia não trata só dela, mas de um grupo de pessoas excluídas, que tem em comum não só a desolação compartilhada entre todos, mas também um grupo de terapia onde podem pôr para fora e sem qualquer pudor as sensações que pessoas mais conservadoras considerariam complicadas ou vergonhosas.

    Um outro personagem que é bastante focado pela câmera, não só da diretora Adina Pintille (como de sua personagem, que documenta todos os depoimentos dos que passam pela tal terapia), é  Tomas (Tómas Lemarquis) um ator massagista que também não tem relações comuns com as pessoas, muito por conta de sua aparência praticamente sem cabelos e pelos, contraída quando ele ainda era muito moço. Ele conhece Christian (Christian Bayerlein) um jovem com dificuldades severas de locomoção, que não consegue se manter de pé e depende de terceiros para qualquer movimentação.

    Entre Christian e Tomas há uma relação de interdependência, não só confessional e de divisão de segredos, mas também de compartilhamento de dramas. Ambos se sentem hiper descolados do mundo e não pertencentes ao mesmo planeta que todas as pessoas comuns, e mesmo que Christian não consiga fazer qualquer ação sem auxilio, ele parece bem mais maduro para ter relações que seu amigo, tendo uma namorada e relações sexuais freqüentes.

    A jornada de Laura passa por uma terapia que se olhada por leigos, soa chocante, em especial se o espectador for conservador. Para emular as condições de tesão que ela não consegue ter ela paga garotos de programa par se tocarem na sua frente, basicamente para ela assistir alguém tendo prazer e sua expressão de angústia é algo realmente tocante e desolador, claramente ela gostaria de ter acesso a essa que é uma sensação corriqueira para a maioria das pessoas, e o incomodo que a personagem  tem é muito facilmente traduzido em tela, é muito difícil não se solidarizar com sua problemática.

    Não Me Toque é um filme sobre problemas com proximidade, e apela para extremos para denunciar o quão doente e problemática é a sociedade nos tempos modernos, e o quão mesquinho pode ser o pensamento humano que exclui as pessoas por conta de aparência física ou por conta do caráter indócil de alguns. O filme contempla e exibe a diferença entre os homens e dá espaço e voz a quem geralmente não tem através de uma terapia de sexo posada e da exposição da intimidade de pessoas que não se enquadram em padrões estéticos egoístas e a forma como Pintille escolha contar a historia é bastante tocante e emocional, surpreendendo a recepção ranzinza que boa parte da crítica teve com o filme.

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  • Crítica | Belmonte

    Crítica | Belmonte

    O pintor Javier Belmonte contempla a arte urbana, enquanto aguarda na linha telefônica, e fala de maneira ríspida com a pessoa do outro lado da linha. O personagem Gonzalo Delgado é mostrado já nos primeiros momentos de seu filme biográfico como um sujeito passivo agressivo, divorciado, inseguro e ansioso, que tem como um dos poucos objetivos se reaproximar de sua filha, Celeste (Olivia Molinaro Eijo), que mora com seu ex-par.

    Belmonte é um filme de Federico Veiroj e é muito engraçado, por explorar um personagem bastante rico, que dá a Delgado a chance de brilhar como um sujeito que é genial no que faz e que tem sérios problemas de relacionamentos no geral. Apesar de ser anti social e repelir alguns contatos humanos mais extremos, ele claramente se sente solitário e carente, e apela para small talk quando se sente extremamente incomodado com o silêncio, fato que contraste e muito com as sucessivas recusas de relações que ele faz. O fato de ele se sentir sozinho não o faz ser um solteiro que procura um par.

    Em essência, o personagem é um  homem deslocado e com dificuldades sérias de expressar o que pensa e com dificuldades extremas até de lidar com o trabalho que faz. Com o tempo,suas pinturas são recusadas basicamente por conta do excesso de nus que ele costuma fazer, fato que o faz ser comparado a um adolescente.

    Seu jeito temperamental e indócil faz com que o público se afeiçoe ainda mais por ele, uma vez que suas falhas, apesar de grandes, são facilmente perdoáveis pela humanidade que elas imprimem nele. Ser simpático ao Belmonte é muito fácil e o modo leve como o diretor uruguaio leva a historia ajuda a embalar ainda mais esse personagem no imaginário cinéfilo, fazendo desse Belmonte uma pequena e carismático perola com uma historia a respeito de um sujeito que não encontrou direito seu lugar no mundo e que termina resignado em alguns pontos da vida e extremamente inquieto em tantos outros, movido mais por pulsão do que por razão.

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  • Crítica | Obscuro Barroco

    Crítica | Obscuro Barroco

    Obscuro Barroco começa misturando ficção de documentário, focando na figura de Luana Muniz, uma transgênera folclórica, que ficou conhecida no mainstream pela icônica e engraçada frase Travesti Não é Bagunça. O longa, de apenas 60 minutos é narrado por Luana, em um ritmo prosaico, quase poético elucubrando sobre a sua vida, intimidade, condição e sobra a cidade carioca.

    Evangelia Kranioti, a diretora é uma cineasta grega, uma artista visual que reside em Paris e trabalha também com fotografia. Seu trabalho em cinema anterior Exotica, Erotica, Etc. em 2015 e esse e outros trabalhos seus para dar voz a quem normalmente não tem. As imagens que ela registra durante a historia são muito belas, variando entre os becos da cidade e rodas de samba ou bailes onde mulheres trans e travestis dançam livremente.

    O filme tem um formato de ensaio e a poesia da biografada, simples, com erros crassos de português e muita verdade são valorizados pela entonação de Muniz, uma mulher que é muito alegre mas que está triste pelo fato de estar envelhecendo, por estar se acabando. Ela viria a falecer antes mesmo da exibição desse filme em alguns festivais, entre eles, alguns internacionais, como os de Berlim, na Alemanha.

    Por mais que o discurso seja válido libertário, o que se diz em Obscuro Barroco é muito pouco. Vale pelo registro biográfico e pela memória de Luana, mas não muito espaço para discussão, nem se levantam muitas questões. Ele existe só por existir, em memória de uma pessoa que sofreu muitos flagelos mas que ainda assim viveu de maneira alegre e até despreocupado de certa forma.

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  • Crítica | A Sombra do Pai

    Crítica | A Sombra do Pai

    Depois do sucesso de Animal Cordial, a diretora Gabriela Amaral Almeida prossegue em sua jornada de valorizar o cinema de gênero, dando a luz ao seu segundo longa A Sombra do Pai, um filme que se vale de sutilezas para construir o próprio terror, reunindo elementos caros ao cinema de horror brasileiro, tendo como base também um terror mais psicológico como o feito na Itália por Dario Argento e pelos diretores que fugiam de fazer meras cópias do que funcionava no cinema hollywoodiano.

    A trama começa com a visita de uma mulher do censo IBGE, conversando com Cristina (Luciana Paes), que é a mulher mais velha da casa, que cuida da criança recém órfã de mãe Dalva (Nina Medeiros), e que mora com seu pai. Essa configuração familiar se mostra um pouco complicada, pois Dalva é louca para casar e sair dali, e por isso faz rezas constantes a Santo Antônio, enquanto Jorge (Julio Machado), o pai da menina trabalha demais na construção civil e não parece ter qualquer vontade de conversar com quaisquer pessoas, especialmente as que moram com ele.

    Enquanto isso, Dalva tenta viver sua infância normalmente, embora não consiga estabelecer isso nem minimamente. As outras crianças a evitam, de tanto sofrer rejeição por acharem que ela tem poderes misticos, ela passa a acreditar, ainda mais quando seu feijãozinho plantado não desabrocha. Ela passa a acreditar que é incapaz de gerar vida, talvez se fosse grande poderia acreditar talvez em infertilidade, e para tentar compensar isso ela passa a fazer exercícios espirituais ligados a necromancia, claro, com que ela tem acesso, fato que é encarado por alguns como afeição a macumba.

    No núcleo adulto, em especial o que toca o trabalho de Jorge, há uma reflexão sobre a situação trabalhista do Brasil, onde por de cortes de custos, um dos amigos de Jorge é demitido. Até este momento, o longa dialoga demais com Arábia de Affonso Uchoa e João Dumans, e ele passa a ter rumos diferentes a partir daí, e que facilmente poderiam ocorrer com a trajetória de trabalhador acidentado vivido por Aristides de Souza no filme mineiro, com o tal companheiro de Jorge morrendo após cair de um andar alto da obra. A discussão sobre se aquilo foi um suicídio ou acidente permeiam todo o filme, mas da parte do ai de Dalva, a declaração era de quem foi um acidente de trabalho, para que a família do mesmo pudesse ter alguma indenização dos patrões.

    A forma como o roteiro lida com os dons de Dalva é muito inteligente e gradual. O mistério demora e ser revelado e a aura de suspense funciona muito bem, por conta dos pequenos eventos estranhos que vão aos poucos ocorrendo. A iluminação e trabalho da direção de fotografia de Barbara Alvez ajuda a criar uma sensação de estranheza constante, mas não prenuncia nada, a natureza da influencia sobrenatural jamais fica clara e esse mistério ajuda o filme. O choro do pai sem razões explicadas, as aparições espirituais, rumores de fantasmas tudo colabora para o mistério.

    Dalva em alguns pontos do filme revela ser avatar de algumas das preferências da diretora, uma vez que ela está sempre assistindo filmes de terror em preto e branco. A predileção da menina por brincadeiras que lidam com o sobrenatural também soam muito verdadeiras. A opção pelo jogo do copo situa o filme em uma brasilidade que não  tem espaço para pudor. Quase todo grupo de crianças e adolescente já brincou com isso, seja para sentir medo ou só para ter alguma chance de interação sexual, visando quebrar a timidez típica das pessoas que ainda não são adultos. No entanto, a recepção de Jorge a esse tipo de atitude de sua filha é agressiva, e talvez daí venha o titulo do filme, uma vez que a menina não consegue fazer o que quer e nem manifestar seus poderes graças a limitação de seu parente.

    Quase todas as tentativas de Jorge em normalizar a família fracassam. Quando ele leva Dalva no parque, eles brincam no balanço ele quase a mata de medo ao utilizar muita força ao empurra-la. O homem desesperado não sabe o que fazer ao perceber que está adoecendo e ao perceber o apodrecimento de sua própria carne, e não sabe lidar com o crescimento da criança. A mediunidade principiante que ela apresenta pode ser apenas um paralelo para uma feminilidade que cresce e se torna um comportamento feminismo, e o macho alfa do alto de sua masculinidade tóxica não pode coexistir com isso, mas essa é somente uma possibilidade de leitura para esse embate, que parece ser mais trivial do que ideológico.

    Dalva parece saber o que está fazendo, ela erra em alguns pontos, mas também se instrui corretamente e dá inicio a rituais de limpeza usando tesouras para cortar os laços do mal. Aos poucos, a frustração pelo seu pé de feijão não ter crescido dá vazão  uma nova manifestação estranha e frondosa, que faz a menina acreditar piamente que é capaz de realizar outros desejos seus, anseios esses ligados a falta de ter uma família estruturada de completa. O desfecho de A Sombra do Pai consegue ser onírico e trágico e o equilíbrio que a diretora estabelecer aqui é sui generis, tanto no sentido de apresentar uma historia fantástica, quanto mostrar um exemplar preocupado com causas sociais e com o momento político do país.

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  • Crítica | No Portal da Eternidade

    Crítica | No Portal da Eternidade

    No Festival de Veneza de 2018 um filme chamou muita a atenção do público e crítica. No Portal da Eternidade é um filme biográfico pouco convencional, começa narrado pelo herói, interpretado por Willem Dafoe, que é extremamente indelicado e aborda uma mulher de maneira brusca e bruta, pedindo para que a mesma pose para uma pintura sua. O filme de Julian Schnabbel se passa em 1888 e mostra Vincent Van Gogh morando em Arles, época em que ele mais trabalhou em suas obras artísticas, época em que ele se sentia extremamente triste, solitário e desamparado por não ter qualquer compreensão do mundo e sequer dos que o amavam.

    O filme não segue uma linha narrativa muito organizada, os fatos vão se avolumando a medida que o tempo passa e os encontros de Vincent são aleatórios. O encontro entre o protagonista e Gauguin de Oscar Isaacs por exemplo ocorre após ele ser expulso de um bar assim que o sujeito que permitiu que ele expusesse quadros de artistas ali perceber que ele monopolizou o espaço, colocando somente suas peças de arte. Sem nem perceber, o grito incontido do artista comunicava o seu desejo de ser exibido e ser compreendido por publico e pelos apreciadores da arte.

    Schnabbel tem um registro bastante poético do processo e preparação do homem biografado, desde a lenta montagem do ateliê até a hora que o pincel toca a tela. Tudo é muito certeiro e bem pensado, com o roteiro emulando todo o processo metódico de Van Gogh. Impressiona como um sexagenário consegue encarnar tão bem uma figura icônica que morreu balzaquiana. Dafoe da um grande sopro de vida ao personagem e não é à toa que ele ganhou prêmios em Veneza, assim como Schnabbel.

    Até os detalhes da rotina ordinária de Van  Gogh são bem exploradas e tem seus motivos poetizados. Vincent não tem o costume de tomar banho e peregrina sempre mesmo sem essas condições de higiene. O odor forte representa a sua derrota existencial, exemplificando o quanto ele se sente deslocado socialmente e do restante da civilização.

    O filme só rompe a barreira do ordinário e passa a ser extraordinário graças a câmera estar em cima do ator , em especial quando detalha as mãos que pretensamente tanto pintaram. O ato de registrar em tela as raízes é acompanhado de uma agorafobia (e misantropia) típica do personagem. Quando cercado de crianças que fazem um passeio pela mata, ele tem sua arte mal julgada e sua reação é hostil, e selvagem, como a de um animal irracional quando está acuado.

    A angustia do artista é mostrada de múltiplas formas, seja na solidão que normalmente o incorre, ou nos questionamentos a respeito de seu modo expressar sua arte. Suas válvulas de escape são pessoas distantes, como seu irmão, que vende suas obras e suas paixões são pessoas proibidas, casadas. Nesse ponto se explora bastante o desejo suicida do homem, manifestada não só no auto mutilamento, mas também no olhar desolado de Dafoe. Há uma cena em especifico muito bem feita, onde ele tenta fugir pelo descampado, onde Schnabbel mostra o quão soberbo é o seu domínio de câmera, conseguindo acompanhar a corrida do homem sem cortar, maximizando a sensação de desespero do sujeito.

    Gauguin está certo em uma de suas falas, Vincent  está mesmo cercado de pessoas vis e ignorantes que se escondem atrás da falsa crença de serem simples para serem egoístas e para se sentirem superiores, então o retiro de Van Gogh até faz sentido por ele se afastar desse tipo de gente, mas sua aproximação das novas pessoas não é muito diferente. A trajetória que No Portal da Eternidade propõe é de um homem que não se encaixava na sociedade e que nem com um talento grandioso fazia sentir-se bem ou ao menos aplacado minimamente. Ser reconhecido após a morte torna-se uma grande ironia e o iguala a Jesus que só foi falado 30 40 anos após a cruz ( Edgar Allan Poe TB só foi conhecido postumamente), e de certa forma conversa  com a fé que Vincent professava. Schnabbel consegue montar um belo retrato do pintor, que conseguiu neste período analisado fazer 75 quadros em 80 dias mas que não conseguiu encontrar a si mesmo em meio a esse desespero.

    https://www.youtube.com/watch?v=iMsN_tNznUY

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  • Crítica | Peterloo

    Crítica | Peterloo

    O veterano Mike Leigh tem dedicado sua filmografia a resgatar antigos retratos de pessoas notórias e registrar momentos grandiosos e importantes da humanidade. Em Peterloo, o cineasta fala a respeito do massacre ocorrido em 1819, onde protestos pacíficos pró-democracia em St. Peters Field acabaram resultando em uma situação sangrenta em plena Inglaterra do século XIX.

    Antes mesmo de mostrar o massacre que o governo impingiu a sua população – foram em torno de 60 mil protestantes, tendo muitos mortos e feridos nesse montante – Leigh faz questão de mostrar sessão na câmara legislativa, onde se julga o destino do povo e se ignora por completo as questões que o povo pleiteia, em especial no que toca a pobreza extrema que muitos deles vivem.

    Uma das principais mostras que Leigh dá ao mostrar o quanto o povo é flagelado, mora no personagem de Tom Meredith, o garoto Robert que é um veterano de guerra que vaga pelas ruas uniformizado procurando trabalho ou pedindo esmola, sem nenhum tipo de indenização mesmo tendo ficado demente graças aos conflitos pelos quais passou. Aliás, o filme não economiza nas questões que retratam os miseráveis e apela para a crueldade que ocorria via justiça a revelia de qualquer tratado de direitos humanos, mostrando inclusive um homem sendo condenado a forca por roubar um casaco.

    Rory Kinnear (o mesmo que havia feito um ministro nos primeiros episódios de Black Mirror) faz a autoridade que discursará no tal evento de greve. Seu personagem Henry Hunt é um homem esnobe e que se julga muito justo, seu discurso é o de busca ao povo a voz e a representatividade, mas a realidade passa longe disso.

    Em alguns pontos, Leigh emula o cinema de David Lean misturando ao caráter de discussão de Constantin Costa-Gravas, em especial no que tange o medo dos poderosos de que a Revolução Francesa seja reprisada na Grã Bretanha. As falas de Hunt, que deveria ser apaziguadora  soam como gasolina que inflama a plebe a reagir de maneira não pacifica e o conflito, quando acontece é fiel demais a história, e soa meio bobo e lento no quesito ação, sendo patético em alguns pontos exatamente por ser ultrarrealista.

    Peterloo ainda tem um epílogo que mostra o rei tranquilo e asqueroso, alheio a tudo que acontece ao povo e serve como um manifesto de Leigh contra a monarquia que ainda vigora nas terras inglesas, em um filme que peca um pouco em seu ritmo, mas é muito acertado por não subestimar a inteligência do seu espectador e por não se permitir ser complacente de forma alguma com os poderosos.

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  • Crítica | Mormaço

    Crítica | Mormaço

    Filmado nos preparativos para as Olimpíadas do Rio 2016, perto da comunidade onde ocorreram algumas ações governamentais de desapropriação de casas na Vila Autódromo em um espaço próximo da onde ocorreriam os eventos na cidade carioca, Mormaço começa mostrando sua protagonista, Ana (Marina Provenzzano), sendo coberta por uma fumaça muito espessa.

    O trabalho de Ana  é como assistente social, ela tenta auxiliar as pessoas que são acuadas pelo governo a resistir a essa remoção, mas ela mesma passa por algo parecido, uma vez que seu prédio está sendo inspecionado por um sujeito chamado Pedro (Pedro Gracindo). A maioria dos moradores também já cederam, e quase não há mais habitantes, exceto um ou outro, entre eles uma senhora de mais idade que é preocupada em sair de lá, por conta das lembranças e dos seus animais de estimação.

    O cotidiano da protagonista varia entre confraternizações com seus amigos de esquerda membros da elite que se comporta como a autentica (e criticada) esquerda festiva e os dias no trabalho e em seu prédio. Essa rotina aos poucos a esmaga, e ela sequer percebe os hábitos terríveis que começa a ter, como o de nadar na piscina suja de seu prédio, a mesma que está em vias de ser esvaziada e que está repleta de lodo.

    A natureza do emprego de Pedro é estranha e só um dos fatores que faz ele soar estranho, pois além de desalojar pessoas ele também tem uma banda de rock com elementos de mitos de  Candomblé, e ouve muito Ramones. Seu envolvimento emocional com Ana soa forçada, pois é pautada em nada além de tesão e vontade de trepar da personagem, não que ela ser bem resolvida sexualmente seja um problema, mas sim porque os motivos que causam esse tesão súbito nela não são bem explicados ou explicitados, são simples sintomas de uma doença que ela contrai e que não se sabe a origem, ela apenas a tem, talvez por fruto da sociedade doente que a envolve. Essa falta de justificativa faz perder boa parte das discussões que poderiam soar profundas, mas que aqui parecem mais preocupadas em só mencionar as mazelas sociais ao invés de discuti-las.

    Ana vai ficando doente, com manchas que só aumentam e que não se sabe da onde vem, se são frutos de micose, infecção, stress. Aos poucos elas vão se desenhando como manifestação da sub moradia que tem e ganha gravidade, pois o ferimento só aumenta. A protagonista piora a medida que o governo teima em piorar a situação dos moradores da vila, na boca de Provenzzano vem a pergunta se “a cidade está desaparecendo”, mas o que realmente se extingue é sua saúde.

    A mancha avança e cada vez mais parece um fungo e a origem desse agouro é algo terrivelmente mal pensado, ligado as infiltrações que o apartamento da mulher tem. As duas situações de realocações se juntam, ao final, em um arremedo de roteiro que apressa todos os processos e faz pouco sentido. A coceira piora o quadro, e o hábito de se alimentar de frutas podres faz a rotina de Ana soar como nojenta. O desfecho do roteiro de Marina Meliande (a diretora) e Felipe Bragança é bagunçado e aberto, de uma dubiedade meio tola, que não explica e nem abre possibilidade de teorizar de uma maneira lógica o que ocorreu com Ana. Mormaço tenta ser um filme dedo na ferida, no sentido de falar sobre uma questão social importante para a cidade do Rio de Janeiro e para o Brasil como as desocupações, mas não se aprofunda nem nessas questões e nem no caráter fantástico da obra, fazendo toda essa mistura de elementos parecer caricatural e não séria e esse definitivamente não é o caráter que o filme quer atingir.

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  • Crítica | Uma Noite Não é Nada

    Crítica | Uma Noite Não é Nada

    Alain Fresnot é um diretor bastante polêmico, quando o seu Família Vende Tudo ganhou prêmios em alguns festivais nacionais causou uma certa comoção, em especial por parte dos detratores dele. Seu novo filme, Uma Noite Não é Nada também é bastante polêmico, embora por outros motivos, ligados a ética profissional e ao sexo.

    Protagonizado por Paulo Betti, mostra o dia a dia de um professor que tem uma vida pacata e monótona e tem isso mudado com a chegada de uma aluna fogosa e de passado e presente misteriosos, a jovem Márcia, interpretada por Luiza Braga. A relação dos dois é muito estranha, primeiro pela aparição repentina da moça, pedindo para fazer uma prova de segunda chamada e que é atendida pelo homem velho, pois ela teria que pagar uma taxa alta, segundo pelo descaso dela com prova, já que termina o exame sem responder boa parte das questões.

    Fresnot apresenta uma historia pouco convencional e que tenta chocar o tempo todo, mas nem sempre consegue esse intuito, soando sensacionalista em quase todo o decorrer do longa. O flerte entre Marcia e Agostinho (Betti) é estranho, a moça se insinua para ele basicamente porque pode, e ele, que não demonstrar ter qualquer problema com sua esposa, Januária (Claudia Mello) passa a  ceder a essa sedução, basicamente porque ele tem condições de manter uma relação assim. Não há desenvolvimento de moralidade, tampouco de culpa ou de demonstrações do mesmo ter tesão em algo que não seja essa relação proibida, sequer há reprimendas a ele por ceder a tal coisa, nada, há só a naturalização do afeiçoar do mesmo a uma troca de cariciar que jamais ganha maiores intimidades, uma vez que os dois não coabitam.

    A fotografia do filme por vezes retira a cor, mas sem sentido ou intenção alguma, só se faz isso de optar pelo sépia porque se quer. A historia passada em 1985 só se justifica por ter como pano de fundo a epidemia do vírus HIV, embora até isso seja suavizado, para dar vazão a estranha relação do professor com sua aluna. Para piorar essa situação os diálogos são de uma artificialidade gigantesca e as situações dentro da escola também são falsas, a exibição de uma banda de metal no pátio escolar não poderia ser mais forjada, pois as meninas que tocam música tem caixas de som pequenas mas parecem com o Metallica ou Iron Maiden tocando no Rock in Rio dado o esporro que o som dos instrumentos fazem – e é um Power trio apenas, de guitarra, baixo e bateria, em um lugar de aberto.

    A tentativa de mostrar uma historia onde a rotina deixa o homem mal acostumado e propensa a cair em qualquer tipo de aventura falha miseravelmente, não há absolutamente nenhum personagem nem para simpatizar e nem para odiar, todas as pessoas que aparecem são apenas estereótipos e mesmo os destinos delas são confusos. O modo a AIDS é tratada no filme não é responsável e as tentativas do roteiro de parecer com o clássico Lolita de Vladimir Nabokov são ofensivos, pois Uma Noite Não é Nada não tem inteligência textual para lidar com esse tipo de comparação. Além disso, toda a série de tentativas de chocar o público é gratuita, sem falar que o roteiro levanta questões como sexo forçado e não reflete sobre isso, só as menciona e isso torna ele mais complicado ainda.

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  • Crítica | Hal Ashby

    Crítica | Hal Ashby

    Hal Ashby era um diretor muito recluso, tímido e que não tinha muita afeição por exposição midiática e o filme homonimo, de Amy Scott consegue capturar muito bem isso, a começar pela trilha de música country, que remete as origens de Ashby, focando também no olhar para fora de Hollywood que o cineasta tinha.

    O filme entrevista pessoas famosas, como Norman Jewson, Alexander Payne, Judy Apatow, Pablo ferro , Louis Gossett Jr, Jeff Bridges, John Voight, Robert Tiene, Caleb Deschanel, Adam McKay, Rosana Arquette, pessoas que trabalharam com o biografado e outras que só tinham admiração pela forma delicada que ele conduzia seus filmes. O documentário frisa que a melhor escola para um diretor é a sala de edição e demarca a fase que Hal era montador.

    Amor Sem Barreiras e Ensima-me A Viver são bem enfocados, o primeiro por ser o filme que fez Ashby sentir vontade de dirigir e o outro por brincar com um estilo de vida que seria mal vistos pela sociedade em geral, em especial o segundo que falava de um rapaz que se relacionava com uma senhora de 80 anos. Sequer havia foto dos protagonistas no pôster. A ideia do cineasta era fazer arte e falar de historias alternativas, que normalmente não seriam encaradas por outros realizadores, sua ideia era fazer arte e a questionar, enquanto os estúdios só queriam fazer dinheiro.

    Alguns de seus editores se recusavam a trabalhar, porque era comum ele fazer um trabalho ininterrupto de  24 horas, tal qual fazia quando montava filmes dos outros. Apesar de tímido era namorador e ele costumava perseguir as pessoas para trabalhar em seus filmes, e essas versões de sua identidade de fato não eram conhecidas do público geral, o retrato montado  sobre si é rico e vai muito além de um simples rememorar sua filmografia.

    O documentário passa muito rápido a diretora tem total domínio sobre a obra e dramaticidade de Hal presente nos áudios das fitas cassetes dão um grande tom a exploração de suas memórias e do que se fala sobre seus filmes, desde os pontos altos, como Shampoo com Warren Beattie, até o abuso de cocaína enquanto realizada Esta Terra é Minha Terra. Outro ponto alto é quando Jane Fonda dá o depoimento sobre Ron Kovic, o mesmo que escreveu e inspirou Nascido em 4 de Julho e que foi uma das inspirações para a feitoria de Amargo Regresso, que tinha John Voight no elenco e que no set, só andava com cadeira de rodas.

    Para Muito Além do Jardim, se destacam os problemas com roteiro e a facilidade que Ashby tinha em convencer os atores, incluindo ai Peter Sellers, que se comportou exemplarmente, ao contrário do que se esperava. Ashby tinha um tato com os atores enorme, todos os que trabalhavam consigo acreditavam serem o seu preferido ou preferida, e ele retirava deles o melhor. É triste notar o final de carreira, por não se adaptar como realizador comercial, não alcançando o sucesso de qualquer blockbusters. Mesmo sua filha, que teve uma criação a distância o admira, exatamente por notar que ele era um sujeito muito isolado, e com dificuldade de se relacionar com qualquer pessoa, aliás, o uso das cenas de seus filmes para ilustrar a infeliz descoberta de seu câncer não poderia ser um epitáfio melhor. Hal Ashby é um documentário que contem um pouco de jornalismo e muito de emoção.

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  • Crítica | Domingo

    Crítica | Domingo

    Domingo é um filme de Clara Linhart e Fellipe Barbosa que segue uma linha narrativa e de estilo muito semelhante a de alguns filmes sobre dramas familiares produzidos na Itália, França e outras praças europeias. Seu começo mostra seu Zé (Clementino Viscaíno), o caseiro da família escolhendo uma ovelha para matar e servir aos parentes, que formam uma família grande, que já morou naquela fazenda mas que está dispersa, quase toda morando na capital gaúcha Porto Alegre. O reencontro naquele sábado, que parece domingo é bucólico e claro, regado de dissabores e desavenças.

    Os núcleos do filme se mesclam em alguns pontos, o casal Bete (Camila Morgado) e Nestor (Augusto Madeira) vivem com os filhos do homem na casa velha e lidam com os empregados de maneira íntima, ainda que aconteça ali as tratativas comuns entre patrões e criados. O elemento de fora que mais traz problemas é a matriarca, Laura (Itala Nandi), uma senhora rancorosa, dominadora e que acha que ainda tem algum poder sobre os filhos. De pano de fundo há a posse em 2003 do presidente operário Lula, e um misto de apreensão por parte de alguns membros da família abastada, e de esperança por parte dos criados em especial de Inês (Silvania Silvia) e sua filha, que mesmo sendo silenciosas, vão alimentando a vontade de largar aquela casa e aquele grupo familiar.

    O filme e conversa muito com Entre Nós, de Paulo Morelli, embora a discussão claramente seja sobre pessoas mais velhas, maduras e resilientes que no filme de 2013. As semelhanças estão na forma delicada com que o roteiro trata os personagens desse sub gênero dentro do chamado filme coral, em que não há um personagem principal e sim um protagonismo multi compartilhado. Evidente que algumas subtramas são mais divertidas e engraçadas que as outras – se destacando normalmente o papel de Morgado, que faz uma dona de casa mimada e porra louca – mas praticamente todos os membros da família tem ao menos um momento em que são o maior foco.

    O filme tenta forçar uma trilha sonora de rock gaúcho, utilizando os Engenheiros do Hawaii como referência e isso por mais forçado que seja, chega a ser engraçado. Até essa artificialidade serve a trama, pois evidencia que a paz instaurada naquele grupo de pessoas é bastante frágil e falsa, tão fake e anti natural quanto uma menina de 15 anos em anos do novo milênio encantada por Humberto Gessinger e sua banda.

    O pai agressivo com o filho, a sextape da madrasta, o patrão mimado e metido a abusador, o flerte entre primos, as indiscrições do professor de tênis, o amor proibida entre patroa e o antigo funcionário fazem parte de um universo que pode parecer fantasioso mas que reúne algumas particularidades com situações que já ocorreram na realidade, tendo esse conjunto de eventos  reunidos no mesmo grupo de convivência e conveniência, melhor aproveitadas evidentemente por ter  uma história engraçada e extremamente carismática embalando essas situações.

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  • Crítica | Vox Lux

    Crítica | Vox Lux

    Vox Lux é um filme dividido basicamente em dois pedaços, um primeiro mais introspectivo e ligado ao passado da personagem principal, Celeste, e outro histérico e engraçado, sobre a fase adulta da mesma. Entre essas duas partes, há em comum a narração de Willem Dafoe, afirmando que aquela historia começou no ano de 1986, que se referiria ao nascimento da personagem, mas o chamado a aventura começa de fato em 1999, com o prelúdio.

    Celeste, vivida aqui por Raffey Cassidy, é chamada alegremente pela professora para que faça uma intervenção em discurso. A oração que a menina faria é interrompida por uma invasão, de um rapaz que Celeste conhecia e que era fã de heavy metal. O mesmo abre fogo na sala de aula, deixando a todos desesperados, alveja a professora depois, ele conversa com a protagonista e atira nela, para logo depois se matar. O projétil acerta a espinha da menina e ela milagrosamente sobrevive, apesar de quase ficar paralitica.

    Os créditos iniciais são mostrados de maneira bem criativa, e de certa forma emulam o modo como o restante da historia. Os rumos que a vida de Celeste e de sua Irmã Eleanor (Stacy Martin) toma é completamente imprevisível. Para celebrar a vida e a sobrevivência elas gravam uma música, composta pela irmã que não sofreu o agouro mais cantada pela que levou o tiro. Aos poucos, o hobby se torna um trabalho, ao ponto delas precisarem de sessões profissionais de gravação. É disposto a elas um produtor pessoal, um manager que é interpretado por Jude Law e ele permanece junto as duas o filme inteiro, e tal qual boa parte das pessoas que não estão no epicentro da egotrip em que o filme se torna, ele simplesmente não tem nome.

    Quando o incidente toca Celeste ela só tem 14 anos, e uma das pessoas que a assessora junto a gravadora, a publicitária Josie, interpretada por Jennifer Ehls, diz que futuras músicas não serão necessariamente sucessos. Essa questão é minimizada por Law, mas se nota um ressentimento por parte da garota, ainda nesta fase. Um fato ocorre, em meio a uma das turnês, Celeste se envolve com um roqueiro, que faz lembrar o repertorio musical do jovem que protagonizou o atentado contra si e desse encontro vem um fruto, talvez ai more o fator de virada na vida dela, o fato que consumou sua fama para alem de uma cantora mirim de um sucesso só.

    Vox Lux conversa muito com o filme anterior de Brian Corbet. Em comum com Infância de Um Líder, há a exploração psicológica da criança protagonista – aqui no caso, adolescente, mas vá lá – mostrando esses dois personagens infantis como algo além da simples presença fofa e inocente que é comum a esse tipo de abordagem. Nem Celeste e nem o protagonista do outro filme Prescott são ingênuos e há em ambos a sensação de que se está explorando a gênese de um mal, sendo na outra as raízes do fascismo governamental e neste a origem de uma artista mesquinha e egocêntrica, capaz de humilhar todos que a cercam.

    Quando Natalie Portman entra no filme como a versão diva pop de Celeste o caráter muda e esse é o tomo dois da historia. A base construída até então serve para mostrar o declínio moral que a personagem teve, se rendendo completamente egotrip provinda da fama repentina, além de julgar que os exageros e excessos típicos da fama fazem prejudicar principalmente o desempenho artístico e a criatividade da, agora, musa. No entanto o insucesso emocional da personagem é muito bem utilizado no filme, e seus devaneios causam muito riso.

    Não se sabe os motivos para a transformação que Celeste tem, se todo o conjunto de defeitos que  ela demonstra estava adormecido e a perda da inocência tão jovem fez isso aflorar sem freio ou se ela ganhou esses predicados com o tempo. O filme não se preocupa em dar uma origem a isso, e tal qual A Infância de Um Líder, não há qualquer receio em se dar uma origem certeira para o egoísmo, e nesse ponto, é um acerto enorme de Vox Lux, pois o texto julga a personagem mesquinha, assim como trata os seus seguidores como uma horda de idiotas sem critério e que consomem qualquer lixo que venha com uma embalagem colorida e atrativa, tal qual seria com Prescott.

    Ainda no começo do segundo ato, chamado de Regência, acontece outro atentado, com pessoas vestidas com máscaras do clipe Hologram, que era um dos trabalhos anteriores de Celeste antes desse que dá nome ao filme. Por mais que não assuma, Celeste sofre um baque por ter os símbolos da sua carreira ligados ao terrorismo, e essa retro alimentação do terror faz ela reagir emocionalmente de maneira imatura, se deixando levar pela raiva ao responder os impropérios da imprensa, mas sem perder a pose de inabalável. Seu derramar de alma e espírito acontece para poucos, para os seus.

    Apesar de nessa fase adulta ela ser vaidosa, vazia e egocêntrica, dramática e odiável, em especial com sua irmã que sempre esteve consigo e com sua filha Albertine, que também é feita Cassidy, é impossível não se sentir seduzido pela face de Celeste que Portman emprega, não só pela beleza da estrela de Cisne Negro e outros produtos, mas sim por seu carisma. O histrionismo e over acting são muito bem empregados e há alguns climaces seguidos, e por incrível que pareça eles não enfraquecem uns aos outros, só fortificam, transformando a bad trip da personagem em um mini número de opera, grandiosamente filmado aliás, com toda insegurança, ansiedade e catastrofismo que uma estrela pode exercer e ter.

    O finale, com a chegada do show Vox Lux, acontece com uma apresentação praticamente perfeita, que surpreende por funcionar apesar de toda fogueira de vaidades que permeia as quase duas horas do filme. Incrivelmente, as duas horas passam extremamente rápido, dada a gangorra emocional que se agrava nos momentos finais do filme. A camada superficial é extremamente divertida, mas suas outras camadas são profundas e reflete sobre o que faz sucesso e porque faz sucesso, através de um personagem cujo ego é grande e que conta com uma mente destruída e um espírito falido e que faz perguntar se há ali um pacto satânico.

    https://www.youtube.com/watch?v=dolxUIZzb3w

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  • Crítica | Culpa

    Crítica | Culpa

    Culpa é um filme Gustav Möller, se passa na Dinamarca e começa com um telefone fixo tocando, e sendo atendido por Asger Holm (Jakob Cedergren), atendente da polícia local responsável pelo disque-emergência local. Ele recebe uma estranha ligação, de Iben Oskegard (Dessica Dinnage) em meio a tantas dessas que ocorrem no dia, ele gasta sua energia e atenção, pois parece se tratar de uma situação calamitosa, de sequestro, e raramente esse tipo de interação acaba bem, dada inclusive a dificuldade em a condição em que uma pessoa está em ligar quando está raptada.

    O filme tem uma duração curta, de apenas 85 minutos e isso facilita o interesse do grande público nele, visto que ele passa quase todo no mesmo cenário e é bem parado,muito dependente do desempenho dramático de Cedergren, que evidentemente, não decepciona. Quase a totalidade do roteiro ele está sozinho e a câmera varia os planos em cima de si, mais até do que a quantidade de variações de angulações das lentes são as camadas de angustia que o ator imprime, acertando demais em sua performance, capturando bem a atenção de quem o assiste.

    Quando o caso vai se agravando, Holm apela para um modo mais simples de comunicação, onde a vitima só responde sim ou não. A tática é inteligente na teoria, mas na prática se mostra um artifício não tão eficaz, e ali começa a sensação do personagem de que o insucesso pode chegar. Ele guia uma equipe que persegue o carro que leva a moça, fala com a filha da raptada, consegue descobrir o veículo onde a mulher está e um possível motivo para tal. Toda a investigação é muito bem encaminhada apesar de limitação física imposta a si.

    Faz lembrar bastante dois filmes não tão antigos e de produção americana, Wheelman, com Frank Grillo, da Netflix, e Locke, com Tom Hardy, a diferença é que o senso de urgência que ocorre com Culpa é muito maior, afinal uma pessoa está prestes a morrer e o personagem enfocado está impotente, de mãos atadas e longe dela, sem conseguir de fato defende-la do destino cruel que outro ser humano abusador a causa. Essa sensação de desespero é muito facilmente passada ao espectador, e apesar de não ser um produto extraordinário em matéria de cinema, a obra de Möller acerta demais ao apelar para um caráter universal como faz.

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  • Crítica | Miriam Mente

    Crítica | Miriam Mente

    Uma das maiores graças de cobrir festivais como o Festival do Rio é poder ver não só os sucessos mundiais e o panorama do cinema brasileiro que foge ou não do mainstream, mas também poder acompanhar filmes que dificilmente passarão no circuito e de praças de cinema normalmente não cultuadas. Miriam Mente é um filme da República Dominicana, que fala sobre costumes e sobre a vida na infância. O filme foi exibido também em uma das mostras da semana da crítica do Festival de Cannes.

    A historia gira em torno da menina negra Miriam (Dulce Rodriguez), uma menina bem nova, que mora com sua amiga Jennifer (Carolina Rohana), tem uma vida aparentemente sem preocupações, usufruem de alguns luxos, como acesso a uma casa enorme, educação de excelência, aulas de dança etc. A diferença é que Miriam não tem o mesmo sangue que sua amiga, e só tem acesso a tudo isso por algum tipo de caridade que lhe é prestada e cujo motivo não é revelado ao longo de sua duração.

    Miriam tem acesso a internet e flerta com um rapaz por um grupo de mensagens, marca de se verem, mais de uma vez aliás, mas ao notar que ele é pobre e negro, como ela também é, ela se nega a encontra-lo, e chegando a época do baile, ela finge ter um par só para que as pessoas não a amolem, já que ela tem dificuldade em verbalizar os fatos que lhe ocorrem.

    Se um espectador analisar de modo superficial e sem contexto algum, é capaz de nem perceber o incomodo que a menina vive, afinal ela tem muitos luxos e é bem cuidada por tantos outros empregados da família rica, mas todo seu entorno transborda falsidade e um tradicionalismo que a esmaga e faz sentir mal, sempre. Mesmo sempre calada, se nota em seu olhar e até nas pequenas inverdades que solta, um sentimento de não pertencimento aquele local e ao estilo luxuoso que lhe é entregue e mesmo com essas regalias, ela tem sua identidade sufocada e não pode sequer encontrar um rapaz que sempre paquerou.

    O filme de  Natalia Cabral, Oriol Estrada engana ao fingir se tratar de mitomania, ao menos em relação ao seu titulo, pois as mentiras mais graves não vem de Miriam, e sim dos que a cercam, que fingem aceita-la mas que na primeira oportunidade de produzi-la para um baile, fazem questão de alisar seus cabelos, tentando torna-la uma menina branca, sem sequer perguntar a ela, e mesmo que perguntassem, dificilmente ela saberia verbalizar isso, pois em todos os 99 minutos da duração do filme ela não consegue dar vazão a nada. Miriam Mente é simples, mas extremamente poderoso e sufocante, por mostrar uma historia pesada e que é levada com uma atmosfera falsamente leve.

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  • Crítica | Palace II: Três Quartos e Vista Para o Mar

    Crítica | Palace II: Três Quartos e Vista Para o Mar

    Há  vinte anos atrás no começo do ano de 1998 uma tragédia chocou o Brasil inteiro. Lembro como se fosse hoje da implosão de um prédio na Barra da Tijuca e da já noção do quanto os engravatados de Brasília eram poderosos e mesquinhos. Palace II: Três Quartos e Vista Para o Mar é um documentário de Gabriel Corrêa e Castro, que dez anos atrás fez o curta Poeira nos Olhos, também sobre o prédio, e Rafael Machado, e resgata a memória de muitos moradores do Palace II.

    Apesar de toda a surpresa da população, o que se diz logo no início do filme é que essa tragédia já era anunciada, visto o histórico da falta de qualidade nos imóveis e moradias de Sérgio Naya, principal responsável pelo conjunto habitacional. O começo do registro se dá com tomadas aéreas mostrando como ficou o lugar onde já esteve o Palace.

    Talvez para quem não seja do Rio não haja a percepção real do que era morar na Barra naquela época, pois o bairro era a chance mais barata de ficar perto da praia, o paraíso dos emergentes. E da boca das vítimas vêm a notícia de que o prédio demorou a ser entregue e já com as pessoas habitando ali se notava que o lugar estava inacabado. Os últimos andares não tinham um tratamento básico, faltava porta, janela, tinta nas paredes, nada parecia estar realmente pronto. As imagens de arquivos hoje soam até engraçadas, embora ainda assim sejam trágicas, com moradores tentando bater nos empreiteiros que os acusavam de invasão, mas mesmo com esse tipo de atitude, o que se via era uma total blindagem em cima de Sérgio Naya, o real responsável por tudo aquilo.

    O material claramente era de péssima qualidade. Para os peritos que verificaram o local havia muito mais areia e barro do que cimento. Quando um morador pregava um quadro, o prego descia rasgando as paredes de quaisquer que fossem os cômodos. A fachada era linda, mas o interior era deplorável.

    O registro sobre o fatídico dia 22 de fevereiro de 1998, é bem detalhado. O prédio balançou bastante no meio do carnaval e se viam rachaduras enormes ao longo de todo o edifício, e sob ordens de um moderador que era engenheiro, começaram uma evacuação emergencial. Há cenas descritas dignas de filmes de horror, como o momento em que uma família espera o elevador, desesperada por conta das escadas não estarem mais transitáveis, e ao abrir a porta do elevador se dá conta que tijolos deslizaram lá para dentro. Outro momento marcante, esse já registrado em vídeo, foi a segunda queda, que produziu uma espécie de cachoeira, assim como a implosão, igualmente dantesca.

    O filme é um pouco burocrático, e tem um formato de reportagem televisiva, mas apesar disso dá para notar o quão sincero era o choro da perda de referencial das famílias. Os momentos de garimpo dos bens, onde cada andar do prédio parecia uma fatia de lugar com apenas vinte centímetros dá a dimensão de como aquelas pessoas se sentiam. Mas Naya era poderoso e muito generoso com seus colegas, emprestava imóveis quando eles não tinham onde morar tendo então um conjunto de favores prestados e que poderiam ser cobrados. A cassação demorou a ocorrer e o processo se arrastou. Em 2001 os moradores ainda estavam em quartos de hotel e alguns ficaram nessa condição por quase dez anos. A via crucis envolvia a tentativa de vencer pela cansaço, com ofertas ofensivas e argumentos fracos de que aquilo foi um erro de cálculo.

    O filme de Machado e Castro mesmo tendo bons depoimentos não consegue causar tanta comoção quanto pretende. Não há qualquer linguagem mais cinematográfica, remetendo a uma matéria de televisão editada com 84 minutos, que serve mais para rememorar do que emocionar com a sua triste história.

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