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  • Crítica | Uma Noite Não é Nada

    Crítica | Uma Noite Não é Nada

    Alain Fresnot é um diretor bastante polêmico, quando o seu Família Vende Tudo ganhou prêmios em alguns festivais nacionais causou uma certa comoção, em especial por parte dos detratores dele. Seu novo filme, Uma Noite Não é Nada também é bastante polêmico, embora por outros motivos, ligados a ética profissional e ao sexo.

    Protagonizado por Paulo Betti, mostra o dia a dia de um professor que tem uma vida pacata e monótona e tem isso mudado com a chegada de uma aluna fogosa e de passado e presente misteriosos, a jovem Márcia, interpretada por Luiza Braga. A relação dos dois é muito estranha, primeiro pela aparição repentina da moça, pedindo para fazer uma prova de segunda chamada e que é atendida pelo homem velho, pois ela teria que pagar uma taxa alta, segundo pelo descaso dela com prova, já que termina o exame sem responder boa parte das questões.

    Fresnot apresenta uma historia pouco convencional e que tenta chocar o tempo todo, mas nem sempre consegue esse intuito, soando sensacionalista em quase todo o decorrer do longa. O flerte entre Marcia e Agostinho (Betti) é estranho, a moça se insinua para ele basicamente porque pode, e ele, que não demonstrar ter qualquer problema com sua esposa, Januária (Claudia Mello) passa a  ceder a essa sedução, basicamente porque ele tem condições de manter uma relação assim. Não há desenvolvimento de moralidade, tampouco de culpa ou de demonstrações do mesmo ter tesão em algo que não seja essa relação proibida, sequer há reprimendas a ele por ceder a tal coisa, nada, há só a naturalização do afeiçoar do mesmo a uma troca de cariciar que jamais ganha maiores intimidades, uma vez que os dois não coabitam.

    A fotografia do filme por vezes retira a cor, mas sem sentido ou intenção alguma, só se faz isso de optar pelo sépia porque se quer. A historia passada em 1985 só se justifica por ter como pano de fundo a epidemia do vírus HIV, embora até isso seja suavizado, para dar vazão a estranha relação do professor com sua aluna. Para piorar essa situação os diálogos são de uma artificialidade gigantesca e as situações dentro da escola também são falsas, a exibição de uma banda de metal no pátio escolar não poderia ser mais forjada, pois as meninas que tocam música tem caixas de som pequenas mas parecem com o Metallica ou Iron Maiden tocando no Rock in Rio dado o esporro que o som dos instrumentos fazem – e é um Power trio apenas, de guitarra, baixo e bateria, em um lugar de aberto.

    A tentativa de mostrar uma historia onde a rotina deixa o homem mal acostumado e propensa a cair em qualquer tipo de aventura falha miseravelmente, não há absolutamente nenhum personagem nem para simpatizar e nem para odiar, todas as pessoas que aparecem são apenas estereótipos e mesmo os destinos delas são confusos. O modo a AIDS é tratada no filme não é responsável e as tentativas do roteiro de parecer com o clássico Lolita de Vladimir Nabokov são ofensivos, pois Uma Noite Não é Nada não tem inteligência textual para lidar com esse tipo de comparação. Além disso, toda a série de tentativas de chocar o público é gratuita, sem falar que o roteiro levanta questões como sexo forçado e não reflete sobre isso, só as menciona e isso torna ele mais complicado ainda.

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  • Crítica | O Paciente: O Caso Tancredo Neves

    Crítica | O Paciente: O Caso Tancredo Neves

    Sergio Rezende é um diretor que em sua filmografia fez questão de fazer muitas menções ao cenário político brasileiro, normalmente levando Paulo Betti a tira colo, para ou protagonizar ou ao menos estrelar como coadjuvante seus filmes. Ao longo dos anos fez Lamarca (94), Guerra de Canudos (97), Mauá – O Imperador e o Rei (99), Zuzu Angel (06) e o recente Em Nome da Lei onde ele beatifica a figura de Sergio Moro, sem cita-lo evidentemente. Em comum, nessas cine biografias há a tentativa de evocar heroísmos, ainda que se juntar todos esses personagens, claramente não haja uma linha ideológica única que os guie. Quando recaiu sobre si a responsabilidade de fazer um filme sobre Tancredo Neves, obviamente que houve uma preocupação por parte de crítica e público.

    Mais até do que Rezende, em O Paciente – O Caso Tancredo Neves a figura mais exigida certamente é Othon Bastos, que faz o político que deveria subir ao poder após tantos anos de Regime Militar. Ao menos na construção da atmosfera e retorno a época de posse de Tancredo há um belo acerto do diretor, pois a Brasília daqui parece mesmo a da segunda metade dos anos oitenta.

    Tanto na luta por um regime democrático quanto na teimosia de não querer se tratar, o personagem de Tancredo soa  bastante fiel ao personagem histórico. Bastos acerta demais no tom, embora o elenco que o cerque como família não seja tão brilhante, sobretudo Lucas Drummond, que faz seu auxiliar, um jovem sobrinho que ao menos na construção do roteiro, ainda parecia ter alguma vida política viva. Seu Aécio Neves é um sujeito voluntarioso, indignado com o que fazem ao seu avô e desnecessariamente  falante, parece estar ali por motivos propagandista, ainda que fosse tarde demais para o (atual) senador mineiro, que nas eleições de 2018 foi eleito deputado federal e  com não muitos votos, graças a figura de paladino que foi desconstruída após os escândalos da Lava Jato.

    As conversas sobre os bastidores do planalto são muito boas, e apesar de muitos personagens conhecidos da política brasileira só tenham aparições em arquivos de vídeo como José Sarney, Ulysses Guimarães etc, há uma boa base para o entendimento de como a saúde de Tancredo era algo importante para manter o país nos trilhos democráticos e nesse ponto, todo o mérito é da atuação de Bastos.

    Há um gasto de tempo enorme no registros da briga da junta médica para decidir qual ação deveria ser tomada ou qual erro foi mais crasso para o agravamento da saúde do homem público e isso narrativamente acrescenta pouco a historia, o máximo que contribui é na construção de  thriller que o filme precisa.

    Apesar de mais uma vez Rezende incorrer em uma propaganda ideológica – dessa vez atrasada ao invés de adiantada como foi com Moro – O Paciente é um filme tenso, que mantém um suspense em aberto especialmente para o espectador que não sabe qual foi o destino final de Tancredo Neves, para plateias estrangeiras e desavisadas claramente há um mistério histórico ali muito bem construído e para quem obviamente conhece minimamente a historia do Brasil, é um prato cheio de boas referencias, em especial pelo desempenho de Bastos, que engole todo o resto do elenco, mesmo quando seu personagem está desacordado.

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  • Crítica | Zuzu Angel

    Crítica | Zuzu Angel

    zuzu-angel

    A trilha sonora de Zuzu Angel começa com a eletrizante música Dê Um Rolê dos Novos Baianos, interpretada por Pedro Luís e a Parede junto a Roberta Sá. Após uma apresentação enérgica dos créditos iniciais, o filme de Sergio Rezende já se insere no escopo novelístico típico do longa. O drama baseado na história real da personagem título mostra uma mulher da elite brasileira que vê seu filho sendo capturado pelos militares.

    A estilista de classe média goza de uma influência grande da sociedade naquela época. Os detalhes de toda a questão envolvendo ela e seu filho Stuart Angel (Daniel Oliveira) são interessantes e um bom retrato dos martírios que a ditadura causava em seus opositores, mas fora alguns poucos momentos, a abordagem do filme é sensacionalista e pasteurizada, lembrando muito com Olga, de Jayme Monjardim outro filme que fez sucesso comercial em tempos recentes.

    As ligações entre Stuart e Carlos Lamarca fizeram com que Rezende trouxesse novamente Paulo Betti para representar o guerrilheiro, como ele havia feito com o filme Lamarca de 1994. É curioso porque o escopo de realidade forçada é reprisada neste filme, ainda que seja relativizada pela modernidade com que é conduzido o cinema. Quase todas as interações são extremamente artificiais e feitas sob uma ótica com linguagem bem mais televisiva do que cinematográfica.

    Patrícia Pillar tem um bom desempenho, como é esperado, mas a irrealidade do roteiro e da condução comprometem inclusive seu trabalho. As situações em que é posta com Stuart, seja na infância ou juventude dele são quase sempre exibidas de uma maneira forçada e nada natural. O filme carece de verossimilhança ou de qualquer intervenção mais enérgica por parte de seu realizador.

    Apesar de tratar um tema complicado o modo como o filme é realizado é bastante desequilibrado, confundindo momentos leves com pesados e registrando as torturas com uma complicada estilização, quase glamourizando os momentos de sofrimento. Ao final da exibição, Zuzu Angel soa pueril e até oportunista, por explorar um tema histórico em um um roteiro engessado, que suaviza uma história forte apresentando-a como se fosse algo genérico, apesar de tentar prestar reverências e homenagens.

  • Crítica | Chatô: O Rei do Brasil

    Crítica | Chatô: O Rei do Brasil

    Chatô O Rei do Brasil 1

    Após uma longa espera, aproximadamente vinte anos depois do início da produção, Chatô: O Rei do Brasil chega as salas de cinema brasileiros com uma distribuição curta, fruto do óbvio descrédito que o seu diretor Guilherme Fontes tem após polêmicas que envolvem uso de verba pública, processos criminais e muitos outros espectros polêmicos. O corte de 102 minutos contém uma abordagem singular com um conjunto de influências que vai muito além do comum aos blockbusters brasileiros.

    A obra de Fernando Morais é muito completa, tanto na pesquisa histórica, quanto na construção fantasiosa da figura de Francisco Assis Chautebriand. E a vontade de Fontes – que primariamente sequer seria o diretor – em retratar o comunicólogo passa por óbvias comparações com Cidadão Kane de Orson Welles graças a temática, passando também por uma aura utópica que faz lembrar as viagens mentais de David Cronenberg e o hermetismo visto nos filmes de Jim Jamursch. Na primeira cena, Marco Ricca já aventa uma das origens de Chatô, reunindo elementos típicos do teatro em um dialeto metalinguístico.

    Chateubriand era um homem de excessos e, para representar tais extravagâncias, a fotografia de José Roberto Eliezer, a direção de arte e o roteiro andam lado a lado, em um trabalho primoroso que ajuda a construir o cenário político e midiático o qual o biografado vivia. Além da questão do deslumbre visual, os personagens são bem retratados, em especial Paulo Betti, com um jocoso Vargas (com muito mais alma que Tony Ramos, no filme recente Getúlio), Andrea Beltrão como o interesse amoroso de quase todos os homens, a Senhora Vivi, e até Gabriel de Braga Nunes, como o antigo pupilo e mais tarde rival Rosemberg, em uma performance que faz perguntar o que aconteceu com sua promissora carreira.

    No entanto, apesar das ótimas apresentações de coadjuvantes, que ainda contavam com Leandra Leal adolescente e com o esplendor de Leticia Sabatella, os holofotes estão todos sobre Marco Ricca que consegue como poucos representar o glamour, grosseria e carisma de sua personagem, que infelizmente será pouco visto, graças ao ínfimo número de salas em que será exibido – em torno de quarenta – somando Rio e São Paulo. Tal agouro e o trabalho de guerrilha de Fontes em fazer o filme circular é certamente atrelado ao salário de seus pecados enquanto administrador de verba e como cineasta.

    Muito se fala a respeito desta polêmica, e o conjunto de boatos faz as informações se desencontrarem. A reunião de Fontes com Francis Ford Coppola gerou uma comparação curiosa e bastante irônica, pois, em Apocalypse Now ocorreu também um problema como este com estouro de orçamento e produção demorada – sem verba pública, afinal, a máquina de Hollywood funciona com outros combustíveis. O processo no filme de guerra também se arrastou por anos e o resultado final é uma obra prima, comparável as melhores obras do cineasta. Curioso como um pecado de Copolla tem um peso e o de um inexperiente (e brasileiro) tem para parcela do público e crítica, analistas que se permitem ser tão criteriosos e exigentes, mas que apresentam dois pesos nestes diagnósticos.

    A metalinguagem utilizada no programa de tribunal, aberto ao público é inteligentíssima, conseguindo atingir toda a megalomania e egocentrismo presentes no ideário de Chateubriand, exibindo de modo burlesco, curioso e colorido, ao mesmo tempo em que discute hipocrisia, jogo de poder e influência econômica e social. A harmonia entre o formato e o conteúdo de contestação é impressionante, com um poder pouco visto mesmo dentro do melhor dos cenários dos filmes nacionais.

    Chatô: O Rei do Brasil é fruto de seu meio e filho de sua própria história. A grandeza narrativa e dramatúrgica vista no filme que Fontes orquestrou só fazem sentido graças a atualidade e aos temas políticos discutidos nos anos 2010, em especial no que tange o monopólio midiático. Os paralelos com a manipulação da imprensa são atuais, mostrando que a demora em se definir enquanto filme fez amadurecer o texto do primeiro tratamento do roteiro, claramente modificado em essência, desde sua concepção até o resultado final exibido na tela grande. A política e a origem de Chatô são respeitadas, o que faz valer ainda mais o esforço em tornar real este belo quadro sobre um dos mais notáveis brasileiros que já existiu.

  • Crítica | Infância

    Crítica | Infância

    Infância 1

    Baseado nas memórias bastante antigas de seu diretor, Infância narra uma trajetória curiosamente multinuclear, apesar de se basear basicamente em uma família tradicional da capital fluminense. Domingos de Oliveira, além de assinar a direção, faz às vezes de narrador, remontando um ambiente bucólico e repleto de magia típica da nostalgia, fruto do pertencimento aos sentimentos do passado.

    O elenco é capitaneado por Fernanda Montenegro, que reúne em sua Dona Mocinha a maior parte das qualidades do filme, uma vez que sua persona é a mais complicada, intrigada e mais repleta de nuances, como a matriarca de um clã de desajustados e encostados, que basicamente dependem da herança do falecido avô para sobreviver. Em volta de Dona Mocinha orbitam seus filhos, empregados e netos, que além de sofrerem de dependência econômica, também demonstram uma dificuldade em desenvolver seus papéis dentro da trama, mesmo que representassem pessoas que existiram no pretérito de Domingos. A verborragia do argumento faz remeter muito mais ao humor escrachado típico das chanchadas e rádio-novelas antigas do que a seriedade que deveria predominar em alguns momentos. O tom caricatural é claramente um deboche da época em que o roteiro se passa.

    No entanto, a variação estilística se prova pouco competente, especialmente nas participações de Nanda Costa, que faz algumas interferências e quebras de quarta parede, o que faz desconcentrar o público para o real motivo do longa. A dedicação em denunciar o inferno presente na rotina se perde um bocado, resgatando-se talvez na ode ocorrida entre a personagem de Montenegro ao jornalista Carlos Lacerda, revelando uma devoção cega a figura do histórico comunicólogo.

    A ótica infantil garante humor e irrealidade, uma visão fantástica dos aspectos mais surreais de uma época contraditória, como é a fase da vida ligada a criança. Apesar de contar em seu elenco figuras como Paulo Betti, Ricardo Kosovski, Maria Flor e Priscilla Rozembaum, quase todo o talento dramatúrgico é concentrado na experiente Fernanda Montenegro, inclusive nos momentos de enriquecimento situacional da trama, uma vez que os melhores diálogos são dela.

    Como filme-memória, talvez Infância funcione. Mas como espécime de análise fílmica, peca demasiado, já que não prova ser muito mais do que isso: um exercício de memória afetiva de seu realizador. Apesar de se mostrar bastante superior aos últimos exemplares da filmografia de Oliveira, Infância não logra êxito em causar em seu espectador uma sensação tão agradável quanto a que o diretor teria em relembrar os bons momentos de sua meninice, apesar dos grandes esforços de seus produtores.