Tag: Maria Flor

  • Crítica | Albatroz

    Crítica | Albatroz

    Dirigido pelo escritor Daniel Augusto (do livro Nem o Sol Nem a Morte), Albatroz traz Alexandre Nero no papel de Simão, um fotógrafo com uma vida pessoa bastante complicada. No início é mostrado uma situação limite, onde o protagonista dirige, aparentemente, para salvar sua mulher, Catarina (Maria Flor), que está com problemas de saúde, não se sabendo ainda o que ocorreu.

    Simão acorda no hospital, e nesse cenário percebe a intenção do filme, apresentando a possibilidade do acontecido ser fruto de seus delírios mentais. Os eventos que seguem envolvem personagens do passado do protagonista e o sumiço de sua esposa, mas tudo é apresentado da forma mais estranha e inesperada possível. O roteiro de Braulio Mantovani foge de fórmulas e métodos narrativos comuns ao cinema mainstream e se assemelham a Literatura Weird em vários momentos, e todo o drama mostrado em tela só funciona por conta da entrega de Nero já neste início.

    Em determinado ponto, é introduzida outra personagem, a escritora Alicia (Andrea Beltrão), que na primeira cena, aparece violenta e ameaçadora, para logo depois ser mostrada refém em sua própria casa, que foi cena de um crime, com um sujeito morto. Aparentemente, os eventos que ocorreram até aqui podem ou não ser parte da literatura da mulher, e o Delegado de Gustavo Machado conversa com ela sobre o rascunho do livro, seus envolvimentos emocionais e alguns sonhos homicidas.

    O filme é episódico, logo mostra Simão conhecendo Renée (Camila Morgado), com quem ele acaba tendo um caso amoroso. Em uma viagem à Jerusalém, ele registra um incidente: um homem linchado após tentar assassinar uma pessoa. As fotos que faz ganham prêmios e abre-se uma discussão ética do motivo dele não ter ajudado a evitar o linchamento. Toda essa celeuma faz Simão declarar que prefere registrar sonhos e não mais a realidade.

    Os tons de viagem ácida que o roteiro revela ocorrem de acordo com o par de Simão. Próximo dos trinta minutos finais, o filme dá uma guinada rumo ao surrealismo. As brincadeiras narrativas com questões relacionadas ao registro fotográfico dos sonhos se eleva a um nível inesperado, e muitas possibilidades de explicações para o conjunto de eventos estranhos são levantadas perto do fechamento do filme, fazendo dela um quebra-cabeça inteligente e inesperado. Abrilhantado pelas atuações de Flor, Nero, Morgado, Machado e Beltrão.

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  • Crítica | Pequeno Segredo

    Crítica | Pequeno Segredo

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    Histórias de superação e cinebiografias são sub gêneros bem populares no cinema mainstream, ainda que sejam normalmente mal vistos pela crítica em geral. Pequeno Segredo reúne não só esses elementos como também uma co-produção com a Nova Zelândia, um elenco global – incluindo Julia Lemmertz, Marcelo Anthony e Maria Flor – e participações de atores estrangeiros como Fionulla Flanagan. Repleto em polêmicas recentes, o segundo longa-metragem do diretor David Schurmann remete a um assunto com o qual ele está bastante familiarizado: a história de sua família.

    A trama acompanha três núcleos distintos que invariavelmente se aproximam, sendo o primeiro acompanhando o casal Robert (Erroll Sand) e Jeanne (Flor), o outro focado nos Schurmann, vividos por Lemmertz como a mãe Heloísa e Anthony como o Capitão e pai Vilfredo. O terceiro é protagonizado por Barbara (Flanagan), parente do outro personagem estrangeiro. O elo entre esses diferentes personagens é a pequena Kat, interpretada por Mariana Goulart, uma menina com sério problemas de socialização e que sofre de um mal desconhecido do público em um primeiro momento.

    Antes mesmo de chegar aos créditos iniciais há uma tentativa do filme em ser sensível, misturando cenas do cenário marítimo que monopolizaria grande parte do ideário dos personagens – uma vez que os Schurmann são conhecidos por serem os brasileiros que deram a volta ao mundo – acompanhado de uma música reflexiva. A união de imagens e sons compõem um quadro de melodrama que tomaria toda a feitoria do filme e essa tônica de apresentar a solução das mazelas mundanas por meio de um pensamento positivo se mantém em toda a história, não restando qualquer reflexão que ultrapasse o sentimentalismo barato e bobo.

    Schurmann em Desaparecidos se usou de uma técnica clichê – do found footage – para contar uma história de terror bastante corriqueira, mostrando personagens avulsos sendo atacados e mortos. Se essas pessoas sofriam ou não, para o público, pouco importava, já que não havia desenvolvimento algum dos sentimentos, anseios e sonhos daqueles jovens. Mesmo tratando de um assunto familiar, mesmo baseando seu roteiro no livro de sua mãe, Heloísa (Pequeno segredo – A lição de vida de Kat para a família Schürmann), e mesmo sendo especialista em mostrar seus parentes em tela, vide seus produtos anteriores, não há qualquer esforço do argumento para tornar palatável as motivações dos personagens. Todos em absoluto soam falsos, exceção talvez aos lampejos do elenco feminino, que se vale dos talentos de Lemmertz, Flor e Flanagan para ter algo digno de nota positiva.

    O modo como o Brasil é retratado e visto pelos estrangeiros é bastante preconceituoso, e na personagem Barbara é que vive a maioria das tentativas em tornar a controversa história em algo sério. O modo como ela se refere aos brasileiros é pejorativo e sua persona é terrível até com seus parentes. É fato que existem pessoas que preconceituosamente pensam daquele modo, mas ao apresentar todo esse quadro de problemas sem apresentar o mínimo de viés contestatório o texto erra de maneira muito mais grotesca do que qualquer pieguice anterior, por não penalizar a falácia deste pensamento puramente preconceituoso.

    Não há só um grave problema com o argumento do filme, mas também com a direção de atores. As sequências que deveriam ser graves são tão artificiais que causam comicidade ao invés de comoção. Mariana Goulart não consegue sustentar o filme, tanto por sua inexperiência como atriz, como pela completa falta de carisma de sua personagem. A pena que o espectador sente por ela não é por sua condição, mas sim pelas situações vexatórias e vergonhosas pelas quais passa a atriz mirim.

    Pequeno Segredo peca demais no quesito naturalidade, entrando facilmente no rol nada seleto de produções que prometem muito e entregam pouco, resultando em mais uma história triste e inspiradora sem qualquer textura, conteúdo ou reflexão mais aprofundada, além de ser um filme brasileiro que tenta ser do tipo exportação. Não conseguindo ser nem um bom produto para o cinema mundial nem um retrato profundo do clã do cineasta, apelando para um sentimentalismo banal e típico de histórias de autoajuda, sendo absolutamente genérico até neste subgênero  mal visto.

  • Crítica | Infância

    Crítica | Infância

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    Baseado nas memórias bastante antigas de seu diretor, Infância narra uma trajetória curiosamente multinuclear, apesar de se basear basicamente em uma família tradicional da capital fluminense. Domingos de Oliveira, além de assinar a direção, faz às vezes de narrador, remontando um ambiente bucólico e repleto de magia típica da nostalgia, fruto do pertencimento aos sentimentos do passado.

    O elenco é capitaneado por Fernanda Montenegro, que reúne em sua Dona Mocinha a maior parte das qualidades do filme, uma vez que sua persona é a mais complicada, intrigada e mais repleta de nuances, como a matriarca de um clã de desajustados e encostados, que basicamente dependem da herança do falecido avô para sobreviver. Em volta de Dona Mocinha orbitam seus filhos, empregados e netos, que além de sofrerem de dependência econômica, também demonstram uma dificuldade em desenvolver seus papéis dentro da trama, mesmo que representassem pessoas que existiram no pretérito de Domingos. A verborragia do argumento faz remeter muito mais ao humor escrachado típico das chanchadas e rádio-novelas antigas do que a seriedade que deveria predominar em alguns momentos. O tom caricatural é claramente um deboche da época em que o roteiro se passa.

    No entanto, a variação estilística se prova pouco competente, especialmente nas participações de Nanda Costa, que faz algumas interferências e quebras de quarta parede, o que faz desconcentrar o público para o real motivo do longa. A dedicação em denunciar o inferno presente na rotina se perde um bocado, resgatando-se talvez na ode ocorrida entre a personagem de Montenegro ao jornalista Carlos Lacerda, revelando uma devoção cega a figura do histórico comunicólogo.

    A ótica infantil garante humor e irrealidade, uma visão fantástica dos aspectos mais surreais de uma época contraditória, como é a fase da vida ligada a criança. Apesar de contar em seu elenco figuras como Paulo Betti, Ricardo Kosovski, Maria Flor e Priscilla Rozembaum, quase todo o talento dramatúrgico é concentrado na experiente Fernanda Montenegro, inclusive nos momentos de enriquecimento situacional da trama, uma vez que os melhores diálogos são dela.

    Como filme-memória, talvez Infância funcione. Mas como espécime de análise fílmica, peca demasiado, já que não prova ser muito mais do que isso: um exercício de memória afetiva de seu realizador. Apesar de se mostrar bastante superior aos últimos exemplares da filmografia de Oliveira, Infância não logra êxito em causar em seu espectador uma sensação tão agradável quanto a que o diretor teria em relembrar os bons momentos de sua meninice, apesar dos grandes esforços de seus produtores.

     

  • Crítica | Quase Dois Irmãos

    Crítica | Quase Dois Irmãos

    Tencionando revisitar um assunto que lhe é muito caro, Lúcia Murat usa seu Quase Dois Irmãos para contar uma história de colisão de universos que seriam normalmente muito distintos, mas que, em tempos atípicos como eram os anos 70 no Brasil, teriam mais capacidade de se conectar, além de causar uma interseção entre um e outro. Os dois distantes lugares são ligados pelo mesmo pecado, a marginalidade, enquanto um tem no crime o papel de ação, o outro tem no reclame político a sua infração.

    A história de Murat e Paulo Lins é contada em três períodos crônicos distintos, mas sempre focados em Miguel, um respeitável político branco e de aparência aristocrata (vivido no último momento por Werner Schunemann), e no poderoso traficante Jorginho (Antônio Pompêo). Os dois se conheciam desde a infância, mas, com o tempo, foram separados por seus destinos. O reencontro entre ambos ocorre nos anos 70, na prisão onde Miguel (Caco Ciocler) é confinado por suas ações enquanto militante político, a exemplo de todos os outros brancos encarcerados. Jorge (Flavio Bauraqui) é mais um dos muitos negros presos graças às violações comuns da lei.

    O paralelo utilizado no roteiro para unir os dois personagens tão distintos é a ode ao samba herdada dos pais, que tinham uma estreita relação no anos de 1950. No entanto, são poucas as semelhanças, especialmente quando se analisa o senador que Miguel se tornou e o destino final de Jorginho. A filha do parlamentar se envolve em alguns problemas na Justiça, sendo resgatada por seu pai. Os motivos destes problemas são mostrados aos poucos.

    Incrível como o suspense e a ansiedade permeiam os dois principais núcleos temporais da trama. As perseguições políticas próprias e a guerra de sucessão são assuntos em comum entre os dois momentos, seja no cárcere ou no tráfico dentro do morro. A mensagem que o argumento quer passar é que, apesar do tempo ter passado, mesmo com algumas mudanças e vitórias parciais, a desigualdade prossegue e as separações econômica e de raça ainda se mantêm presentes. O muro montado de modo instantâneo na prisão não separa somente os dois lados díspares entre os dois coletivos, mas também entre os dois irmãos.

    O discurso de Juliana (Maria Flor) acaba por se parecer demais com a fala do traficante, que acusa o importante cidadão de ser um exclusivista, preconceituoso e reacionário, o exato contrário dos valores que ele defendia no passado. Ao mesmo tempo em que o roteiro retorna no tempo, mostrando os ideais do revolucionário e preso sendo postos à frente até mesmo de seu próprio bem-estar, a bronca conservadora que ele dá em sua herdeira, por esta se envolver com um tratante narcótico e negro, é contrastante, ainda que o seu julgamento não seja de todo errado.

    O anúncio de Dona Helena (Marieta Severo), mãe de Miguel, afirmando que, aos poucos, os presos políticos estavam se tornando iguais aos militares, vai se tornando real. Lucia Murat consegue realizar um filme saudosista, que toca na questão da repressão da ditadura militar, e ainda capta os clichês de um favela movie, atualizando os temas de marginalidade e luta contra o sistema, mas sem ignorar os óbvios exageros de todas as partes dos ditos bandidos, pondo todos em nível de relevância e em pé de igualdade.

    A tônica emocional dita o samba em partido alto, no último ato, trágica e irônica, com um destino agridoce para os dois personagens ligados pelos laços de quase sangue, em uma relação quase familiar, e que, como em toda a fita, quase dá certo para os dois lados. O tom poético assinala a efemeridade da política, das relações e principalmente da vida, sem fechar todas as pontas que abre, não por desatenção do roteiro, mas por concentrar os personagens na perturbação dos sentidos e na dor envolvida por todos na intrincada trama.