Tag: Andrea Beltrão

  • Review | Hebe

    Review | Hebe

    Depois do lançamento do filme Hebe: A Estrela do Brasil, o canal de streaming Globoplay deu prosseguimento a história da apresentadora Hebe Camargo, tanto em questões positivas, quanto na mostra do que era a personalidade forte dela, passando pela defesa de minorias através de seu afeto e por questões polêmicas sobre sua vida pessoal, que geraram inclusive  reclamações por parte de sua família que, aparentemente, não gostaram de ver uma personagem humanizada em tela, sobretudo na versão em longa-metragem da história dirigida  por Maurício Farias.

    Diferente das minisséries lançadas normalmente na Globo, essa não é “apenas” o filme dividido em quatro ou cinco episódios, com pequenas cenas estendidas. A série expande bem a trajetória da mulher, mostra seu passado como cantora, vivida por Valentina Herszage, cuja caracterização visual é de uma semelhança assustadora especialmente na época em que Hebe ainda não pintava o cabelo de loiro. O seriado é produzido por Farias, e criada por Carolina Kotscho, escritora especialista em biografias como Não Pare na Pista – A Melhor História de Paulo Coelho, Flores Raras e Dois Filhos de Francisco.

    Hebe recria momentos do filme,aumentando a participação de pessoas que tinham a importância na vida de Camargo, como foi com Walter Clark de Danilo Grangheia, ou das amigas dela, Nair Bello e Lolita  Rodrigues. O começo do primeiro capítulo mostra Andréa Beltrão no programa De Frente Com Gabi, em uma entrevista, e esse artificio, de mostrá-la em outros programas, dando suas opiniões controversas é uma boa escolha narrativa, porque brinca com seu ofício de entrevistadora  e mostra o quão humana ela era, para além só do que era mostrado na frente das câmeras do programa que conduzia.

    Há  momentos piegas, como quando ela descobre seus bordões, quando lida com os empregados de produção e de sua mansão, mas até essa cafonice combina com a forma datada e bem pessoal que os seus programas tinham como caráter. Hebe gostava de brilho, isso é bem retratado, assim como sua personalidade tão particular. Ela ouve as pessoas, é grata, mas deliberadamente ignora as contradições que lhe são propostas, fato que pode fazer o público encará-la como uma megera. Mas o fato é que, tanto na realidade quanto na série, ela era adorada por todos que a cercavam, e isso se fortifica  demais no desempenho de Beltrão, que diferente da maioria dos atores, não imita sua personagem real, compensando isso com uma entrega emocional atroz. Já Valentina,  imita tão bem os trejeitos da Hebe jovem e ainda tímida que dribla até a falta de um sotaque paulista do interior que ela não possui (a atriz é carioca). A opção por não fazer imitações aliás  é bem sábia, embora  algumas versões sejam bem parecidas em tom, como a Nair Bello de Cláudia Missura.

    Os relacionamentos, amores e laços familiares da estrela são bem explorados, embora haja claro toda uma construção fantasiosa, o que é comum, afinal este Hebe não é um documentário. Se a vida pessoal é diferente do real, a presença dela no palco é quase idêntica, Camargo era muito espontânea e engraçada, não tinha receio em mostrar as próprias falhas no ar,  não é difícil achar vídeos históricos dela, como sua estreia no SBT em 1986 onde mesmo perdida entre os convidados ela impera, passa por cima dos cacos como quem desfila em um palco, fica a vontade mesmo tropeçando. Próximo do final a narrativa fica um pouco confusa, pois momentos importantes da vida dela se passam logo depois de outros: alguns a mostram tratando o câncer, outros a sua separação de Lélio. A escolha narrativa talvez mirasse os últimos momentos de Hebe Camargo, como se ela conversasse com uma entrevistadora, como foi nos programas de Jô Soares, Marília Gabriela ou no Roda Viva, completando não só o comentário de quebra de quarta parede com a entrevistadora estando no centro da roda, mas também justificando os lapsos de memórias e a mistura de fases bem diferentes de sua vida reunidas nessa edição, que às vezes, parece insana, mas que dentro dessa estética louca, retrata bem tanto a época, quanto a trajetória da apresentadora. Hebe é um seriado que passa longe da perfeição, mas causa muita curiosidade no público que não a conhece, e  ainda afaga os antigos fãs, colocando até alguns deles em tela. É um belo louvor a figura e um bom documento histórico a respeito de uma entidade importante da TV brasileira.

  • Crítica | Hebe: A Estrela do Brasil

    Crítica | Hebe: A Estrela do Brasil

    Co-produção da Warner Bros e Globo Filmes, o filme de Mauricio Farias busca fugir da pecha de cine biografia chapa branca. Hebe: A Estrela do Brasil tem muitos acertos e muito cuidado em retratar a vida controversa e divertida de Hebe Camargo, a apresentadora mais querida do Brasil, contando claro com uma interpretação muito bonita de Andrea Beltrão, que consegue encarnar bem a personagem-título sem jamais imitar a voz da personalidade.

    O início do filme se dá por uma gravação, do rádio, onde Hebe e Nair Bello (feita por Cláudia Missura, que está idêntica a humorista por sinal) conversam e são ouvidas por um censor, em uma época que em que a Ditadura Militar gostava de afirmar que não havia mais censura. Já nesse início se percebe o espírito do filme, e a sábia escolha do roteiro de Carolina Kotscho, que mira um episódio central da vida da biografada para contar sua historia, apelando para o ano de 1985 como centro das atenções. O se vê durante as duas horas, é a transição da apresentadora da Bandeirantes para o SBT.

    Hebe era uma pessoas de muita opinião, não levava desaforo para casa e isso é mostrado já no inicio, em um programa que recebe o Menudo, e onde briga com o produtor Walter Clark (Danilo Grangheia), é incrível como mesmo sendo curta essa sequência, a relação conflituosa entre  as duas personalidade é bem demarcada, assim como o ímpeto e espírito da apresentadora.

    O filme não deixa de lado discussões polêmicas, como o apoio dela as candidaturas de Paulo Maluf, ao passo que também reforça a ideia de inclusão dela, que vivia chamando transformistas e transgêneros famosos ao seu palco, levando pautas identitárias importante em uma época em que o conservadorismo imperava e essa dicotomia é muito bem apontada. Seu caráter episódico faz o filme lembrar um pouco Chacrinha: O Velho Guerreiro, embora esse seja mais corajoso, tendo um caráter bem mais dedo na ferida e se atenha a um tempo bem mais curto que o longa de Andrucha Waddington.

    Os personagens secundários são muito bem registrados, Marco Ricca faz o marido de Hebe, Lélio e compõe um sujeito complexo, ciumento e covarde de uma forma tão fidedigna em sua entrega, que quase faz o público entender seus rompantes emocionais, embora nada justifique sua violência. Caio Horowicz também funciona também como o filho Marcello, em detrimento do real filho da apresentadora, que reclamou de fatos pontuais do filme, em uma clara demonstração de que não entendeu que apesar de biografia, há claro um enchimento de ficção. Mesmo as reclamações dele não denigrem a historia final, pelos motivos óbvios de um filme baseado numa historia real não ter necessidade de agradar familiar qualquer de biografado e também por que suas críticas pesar de carregarem adjetivos duros, eram evasivas e não provavam nada.

    Beltrão tem um desempenho absurdo, sua participação é repleta de suor, lágrimas e veias saltando, ela parece uma mulher de verdade, uma mulher popular apesar das jóias, tal qual Hebe era, representa bem tanto o lado ícone quanto a humanidade da mesma, que despejava muita emoção nos programas ao vivo. É até  curioso como a Globo ajudou a produzir e financiar o filme, pois a emissora é duramente criticada por Hebe, como aliás é bem conhecido, mas em se tratando de um filme totalmente anti censura, faz sentido esse apelo.

    Hebe A Estrela do Brasil tem a mesma coragem de sua personagem título, foge da chapa branca, não liga para convenções ou reclamações dos envolvidos na história real e é um trabalho dedicadíssimo de Beltrão e de Farias, em uma dobradinha que prima pelo entrosamento e perfeição, resultando em um filme tocante, engraçado e bem divertido, um libelo contra a censura e contra o preconceito desenfreado.

    https://www.youtube.com/watch?v=SHlNoL0w7gM

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  • Crítica | Albatroz

    Crítica | Albatroz

    Dirigido pelo escritor Daniel Augusto (do livro Nem o Sol Nem a Morte), Albatroz traz Alexandre Nero no papel de Simão, um fotógrafo com uma vida pessoa bastante complicada. No início é mostrado uma situação limite, onde o protagonista dirige, aparentemente, para salvar sua mulher, Catarina (Maria Flor), que está com problemas de saúde, não se sabendo ainda o que ocorreu.

    Simão acorda no hospital, e nesse cenário percebe a intenção do filme, apresentando a possibilidade do acontecido ser fruto de seus delírios mentais. Os eventos que seguem envolvem personagens do passado do protagonista e o sumiço de sua esposa, mas tudo é apresentado da forma mais estranha e inesperada possível. O roteiro de Braulio Mantovani foge de fórmulas e métodos narrativos comuns ao cinema mainstream e se assemelham a Literatura Weird em vários momentos, e todo o drama mostrado em tela só funciona por conta da entrega de Nero já neste início.

    Em determinado ponto, é introduzida outra personagem, a escritora Alicia (Andrea Beltrão), que na primeira cena, aparece violenta e ameaçadora, para logo depois ser mostrada refém em sua própria casa, que foi cena de um crime, com um sujeito morto. Aparentemente, os eventos que ocorreram até aqui podem ou não ser parte da literatura da mulher, e o Delegado de Gustavo Machado conversa com ela sobre o rascunho do livro, seus envolvimentos emocionais e alguns sonhos homicidas.

    O filme é episódico, logo mostra Simão conhecendo Renée (Camila Morgado), com quem ele acaba tendo um caso amoroso. Em uma viagem à Jerusalém, ele registra um incidente: um homem linchado após tentar assassinar uma pessoa. As fotos que faz ganham prêmios e abre-se uma discussão ética do motivo dele não ter ajudado a evitar o linchamento. Toda essa celeuma faz Simão declarar que prefere registrar sonhos e não mais a realidade.

    Os tons de viagem ácida que o roteiro revela ocorrem de acordo com o par de Simão. Próximo dos trinta minutos finais, o filme dá uma guinada rumo ao surrealismo. As brincadeiras narrativas com questões relacionadas ao registro fotográfico dos sonhos se eleva a um nível inesperado, e muitas possibilidades de explicações para o conjunto de eventos estranhos são levantadas perto do fechamento do filme, fazendo dela um quebra-cabeça inteligente e inesperado. Abrilhantado pelas atuações de Flor, Nero, Morgado, Machado e Beltrão.

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  • Crítica | Sueño Florianópolis

    Crítica | Sueño Florianópolis

    Coprodução argentino-brasileira, Sueño Florianopolis é um filme sobre encontros e reencontros, focado em um casal argentino, Pedro (Gustavo Garzón) e Lucrécia (Mercede Lorán), casados há mais de vinte anos e estão em meio a uma crise. No começo da década de 1990 eles viajam em um carro simples para o Brasil, atrás das praias, em uma tentativa de nas férias reavivar as paixões, e claro, curtir o tempo livre com a família. No caminho eles encontram uma família brasileira, chefiada pelo casal Marco (Marco Ricca) e Larissa (Andrea Beltrão).

    A família viajante não tem muita estrutura ou dinheiro, quando se hospedam no hotel pegam um quarto que cabe duas pessoas e colocam colchões no chão para os filhos, ao ponto de precisar fazer sexo no banheiro, a fim de ter alguma privacidade. Isso muda quando reencontram Marco, e se hospedam em uma casa que ele aluga próxima da praia.

    O modo como a diretora Ana Katz conduz o filme é leve, tal qual o estilo de vida que Marco tem, despreocupado com o tempo e com obrigações, onde o objetivo é só desfrutar das coisas boas da vida. O caráter do roteiro é de também não se preocupar com maiores discussões, uma viagem de férias que reflete sobre a vida exatamente contemplando e valorizando o nada.

    Até questões como choques culturais são tratado de maneira e abordagens levíssimas. Lucrécia observa o quanto os brasileiros que ficam nas margens das águas não tem tanto preocupação com o presente e com o futuro imediato, apesar de que trava com Marco uma conversa sobre o rumo acadêmico dos filhos de ambas famílias.

    A parte final se torna um pouco mais dramática, mas a subida para tal modo é bastante fluída e a narrativa faz sentido, inclusive dentro dos pecados que cada um dos personagens comete. Katz apresenta um filme onde as pessoas que a sua lente registra são falhas, cometem equívocos, tem sonhos e são humanas, por mais clichê que isso possa soar numa descrição analítica como esta, Sueño Florianopolis é assertivo por mostrar gente real.

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  • Crítica | Sob Pressão (2016)

    Crítica | Sob Pressão (2016)

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    A carreira de Andrucha Waddington se confunde demais com a de seus familiares. Seu cunhado Cláudio Torres também é diretor de cinema e tem tido êxitos maiores na grande tela, e seu irmão Ricardo Waddington é um conhecido condutor de programas globais. O novo produto longa-metragem de Andrucha possui identidade própria, mas reúne elementos das carreiras dos parentes citados, com um clima de thriller muito intenso e urgente com um cunho emocional como em Redentor e a estrutura narrativa de tantos seriados médicos como House M.D. e ER – Plantão Médico.

    Sob Pressão possui também uma característica básica se comparado aos seus primos estrangeiros, uma vez que o drama do doutor Evandro (Júlio Andrade) reside na crua e precária situação de se tentar trabalhar em um hospital público brasileiro, agravado pela localidade de vizinhança com um morro que está em guerra entre tráfico e polícia. Evandro é um sujeito instável, que o tempo inteiro treme graças à enorme pressão psicológica que sofre, sendo mostrado mais tarde desdobramentos desse desequilíbrio emocional, denunciando inclusive a questão da auto medicação e dopagem auto induzida.

    O roteiro de Renato Fagundes e Leandro Assis se pauta em absoluto no sensacionalismo e moralismo exacerbado, pesando a mão em alguns momentos chave, em especial ao mostrar o personagem de Thelmo Fernandes, o Capitão Botelho, que leva até os cirurgiões dois feridos, um traficante e um companheiro de farda, exigindo do médico atenção para o seu amigo. Ali é estabelecido que já há uma conturbada relação entre ambos, que vez por outra, possui interferência da administradora do local Ana Lúcia (Andréa Beltrão) e o experiente e fundador pela Unidade Vermelha Samuel (Stepan Nercerssian). Da parte dos mais pragmáticos, há o desejo por encerrar o corpo cirúrgico ali e é nessa tensão que trabalha o outro plot do filme.

    Apesar do ótimo desempenho de um surpreendente Ícaro Silva, que executa o papel do Dr. Paulo, um jovem resoluto, competente e maduro bem diferente dos personagens mais famosos do ator e de uma participação interessante ainda que breve de Marjorie Estiano como a traumatizada Dra. Carolina, há um sério problema com clímax no filme, uma vez que os eventos de dificuldade grande se sobrepõe de maneira atropelada. A tentativa do texto é imitar no ritmo o estado débil de seu protagonista, mas a estrutura ao estilo telenovela mostra um plot multifocal em relação a personagens principais, uma vez que este não é uma biografia do personagem de Júlio Andrade não faz muito sentido justificar esse defeito com a pecha de narrativa estilística, ainda que o mote do livro baseado Sob Pressão A Rotina de Guerra de um Médico Brasileiro (de Márcio Maranhão em depoimento à Karla Monteiro) seja o de relato de um sujeito único.

    Não há espaço para digerir o choque de cada evento em si, tornando até banais as mortes que ocorrem normalmente aos pacientes. As condições precárias financeiras contaminam inclusive a formação dos personagens pacientes, que são puros arquétipos o que é uma pena. Mesmo bos funcionários há poucas nuances, exceção a Paulo, Carolina, Evandro e mais um ou outro personagem secundário. As lições de moral e a repetição de ciclo ao final fazem lembrar a mediocridade do argumento, que não acompanha infelizmente o arrojo com que Waddington conduz boa parte das cenas, fazendo desse Sob Pressão um filme que carece de harmonia em contar seu próprio drama.

  • Crítica | Em Três Atos

    Crítica | Em Três Atos

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    Orquestrado a partir do seu nome de batismo, o novo longa-metragem da prolífica, talentosa e veterana diretora Lúcia Murat, Em Três Atos poetiza através da dança – e da persona da histórica bailarina Angel Vianna – sobre o inevitável da vida, a face idosa da existência sobrepondo a superestimada juventude, discorrendo sobre morte, espiritualidade, sensibilidade e emoção.

    A narração dos fatos é feita pela voz de Nathalia Timberg, que elucubra sobre a vida da mulher em um espetáculo ensaísta de dança contemporânea, com pedaços inteiros de textos da escritora e filósofa Simone de Beauvoir, intercalado por um drama de mãe e filha, por sua vez, contado por Andreia Beltrão. As situações em tela são tocantes e comuns, universais e cabíveis para a vida de qualquer mulher.

    A exposição do elenco é magnânima, primando por focar uma tranquilidade que não necessariamente remete à calmaria na vida. É como se o caos ocorresse internamente, e no superficial as mulheres tentassem expressar sem pudor toda a dor que sentem, mas sem “contaminar” o público com estado de espírito que lhes consome, ao menos não o tempo inteiro.

    O filme de Murat flerta com as duas vertentes de cinema que ela tanto se interessa, reunindo o documental e a dramaturgia sobre o feminismo, ainda que suas bandeiras passem longe de propagandear um ideal de modo gratuito. As mulheres que a diretora retrata são quase sempre profundas, plenas, reais e empáticas, e as personagens de Em Três Atos não fogem à regra. O estilo e modo de contar a história se aproximam em caráter do recente Pina, de Win Wenders, não quanto à forma, mas no mesmo estilo de focalizar em artistas que usam seus corpos como telas em branco, com propostas intimistas e bastante profundas.

    A performance de Maria Alice Poppe ajuda a tornar cada movimento de Angel Vianna em algo ainda mais precioso, e a união de Beauvoir com a temática de Qualquer Coisa A Gente Muda de João Saldanha produz uma incomum e funcional mistura ideológica e artística, que faz um sentido perfeito pelas mãos da cineasta, acrescentando conteúdo e sentimento ao drama universal da orfandade e do envelhecimento.

  • Crítica | O Pequeno Dicionário Amoroso

    Crítica | O Pequeno Dicionário Amoroso

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    Começando por uma paródia dos filmes de tribunal, a brincadeira em forma de longa-metragem O Pequeno Dicionário Amoroso representa o que deveria ser as comédias românticas, falando de forma leve de coisas graves, como a solidão.

    Com um estilo direto, mesmo dentro da proposta ensaísta de Sandra Werneck, que mistura documentário em formato de entrevistas com uma típica trama de romance, por vezes é refém no melhor dos sentidos do formato do filme. As personagens escolhidas pelo roteiro de José Roberto Torero e Paulo Halm para exemplificar as etapas do processo de paixão, sedução e sexo são Gabriel (Daniel Dantas) e Luiza (Andreia Beltrão), um carente casal que tem um encontro casual num cemitério, e que a partir deste lugar improvável começa uma estranha relação de mútuo querer, abarcando a questão sobre a identidade de quem seria a caça e quem seria o caçador.

    A estratégia de contar as etapas do convencimento amoroso por nomes e eufemismos de sensações inerentes ao comportamento humano e aos reflexos sexuais é uma das melhores

    As expectativas são mostradas gradativamente e sob uma ótica inteligente que privilegia nuances e sentimentos comuns, com uma estética que foge da obviedade e dos lugar comum dos romances populares, apelando para alguns clichês, mas sem abusar desses bordões, como se não houvesse o que explorar fora isso. A discussão a respeito das diferenças entre os órgãos genitais é bastante singela, apelando para diferenças e adjetivações que contêm bastante conteúdo sacana, mas que passam longe de qualquer vulgaridade que pudesse por ventura afastar quaisquer parcelas de público.

    Luiza e Gabriel passam por todas as etapas comuns de uma relação duradoura, tocando em detalhes de alguns namoros/matrimônios efêmeros, inclusive a fase decadente que envolve a proximidade do rompimento, levando poesia a esses momentos, com saídas inteligentes de roteiro e tiradas que claramente não condizem com o típico humor escrachado e bobo que predominava nos anos 1990. A melancolia presente no iminente fim é conduzida de um modo bastante sensível e cabível mesmo dentro da inusual proposta.

    A sensação de estar adentrando em uma peça dramatúrgica traz um frescor na comum filmografia brasileira da época, que infelizmente foi pouco imitada. O Pequeno Dicionário Amoroso flagra momentos de absoluto arroubo criativo no retratar dos amores perdidos e achados, de representar belamente o romantismo e a desilusão, reunindo grande parte das sensações que inevitavelmente habitam o ideário de homens e mulheres apaixonados e desolados, assim como os românticos incorrigíveis.

  • Crítica | O Pequeno Dicionário Amoroso 2

    Crítica | O Pequeno Dicionário Amoroso 2

    O Pequeno Dicionário Amoroso 2 A

    Dezesseis anos após o episódio original, O Pequeno Dicionário Amoroso 2 se inicia em um ambiente semelhante ao mostrado no primeiro, se valendo do pesar do luto para, mais uma vez, reviver sentimentos constrangedores e inexoráveis para os românticos. Sandra Werneck retorna à direção, somando forças com o co-realizador Mauro Lima, que reúne em si uma inspiração para contar dramas não vistos em sua filmografia desde Meu Nome Não é Johnny, sendo da parte dele uma boa parcela do mérito em retratar as tramas mais joviais.

    O roteiro de Paulo Halm, Rita Toledo e Werneck se vale novamente da química entre Gabriel (Daniel Dantas) e Luiza (Andrea Beltrão), que seguiram suas vidas, e que se encontram em pontos decadentes de suas atuais relações. A inquietude e insatisfação os fazem se reunir novamente em torno do saudosismo de uma relação que já havia se provado fracassada, mas que ainda assim é aludida graças a teimosia e a vontade de amar que ambos carregam. Ao mesmo tempo, o argumento faz troça com a modernidade, mostrando as gerações futuras lidando com seus próprios dramas, ainda que o cunho interessante esteja no casal primário.

    O desafio de Werneck era não repetir todo o formato do primeiro filme, e apesar de manter inúmeros aspectos inalterados, como as passagens de tempo que aludem as sensações e frustrações comuns ao viver, a fórmula de falar diretamente ao público é quebrada, sem grandes danos para a estrutura narrativa, já que o artifício abandonado pouco combina com a atual forma de contar uma história no cinema. A coragem dos realizadores proporciona um filme enxuto, interessante, que discute muitos temas sem deixar as pontas mais importantes soltas.

    O repaginar da temática é feito de modo delicado, com o esmero e cuidado que um artesão tem em retomar a sua obra-prima. O conjunto de eventos mostrados demonstra erros, acertos e atos comuns a todo e qualquer ser que precisa amar para se sentir completo. A complexidade do homem não precisa ser obviamente apontada como um aspecto único da espécie, já que isso já foi estabelecido antes, mas ao contrário: o texto não é condescendente com o expectador, algo bastante incomum dentro do mainstream do circuito de cinema brasileiro.

    Os planos fechados e closes ajudam a salientar a condição de hereditariedade presente no comportamento dúbio e não certeiro de Alice (Fernanda Vasconcelos), que repete as mesmas cismas de indecisão do pai. As falas somente fazem alusão ao que o visual já prevê , mas não cai no erro de ser redundante.

    O desfecho causa espanto, especialmente por não temer contorcer paradigmas e verdades ditas absolutas, tanto no gênero romance quanto nas comédias românticas. As mensagens compartilhadas pelas personagens têm sobriedade em demasia, não pecando sequer pelo excesso, mesmo quando se foge das convenções que costumam sagrar o matrimônio como a epítome do final alegre. A busca eterna pela felicidade não necessita ajustes moralistas para ocorrer, tampouco formulários de banalidade. Necessita-se somente de disposição para viver e de indisposição para reprisar os mesmos erros pretéritos, e em O Pequeno Dicionário Amoroso 2 a comunicação é praticamente perfeita entre interlocutor e receptor, sendo fluída do início ao desfecho.