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  • Crítica | BR 716

    Crítica | BR 716

    br-716

    Registro emocional da geração boemia carioca dos anos sessenta que vivia o período pouco anterior à Ditadura Militar, BR 716 é mais um experimento de Domingos Oliveira contando o passado, como havia sido em seu filme anterior Infância, onde o mesmo se colocou como protagonista biográfico do filme. Neste, o personagem principal é Felipe, um jovem vivido por Caio Blat que acaba de terminar seu casamento e narra a história vista em tela em um conto em que os homens e mulheres fazem uso indiscriminado de bebida e drogas leves, basicamente para manifestar sua contra-cultura.

    A jornada de Felipe também inclui sermões de seus pais, que se preocupam com a falta de dinheiro e de trabalho que ele sofre, uma vez que se dedica basicamente a escrever, não aceitando empregos nem mesmo na área de engenharia onde tem diploma. Sua mentalidade é de que não conseguirá escrever seus romances contos e peças se tiver alguma ocupação empregatícia.

    A solidão o faz confrontar seus medos, inclusive as figuras que o traíram, sua ex-mulher e seu melhor amigo, vividos por Maria Ribeiro e Álamo Facó, em um momento onde não fica claro se é apenas uma ilusão fruto do sonho que teria pós bebedeira ou se realmente havia ocorrido factualmente. A cena se finda de maneira cômica, vingativa e infantil, causando no espectador uma sensação de riso

    O longa faz um trajeto de reverência aos filmes de Federico Fellini semelhante ao exercício que Um Filme Francês faz com as películas de Jean Luc Godard. Há muito de Os Boas Vidas de 1953,  especialmente na necessidade que o protagonista tem em se auto destruir e a facilidade que tem em se apaixonar por belas mulheres, além de conseguir facilmente perdoar os amigos que o magoaram regando seu cotidiano basicamente à whisky e conversa prosaica.

    Uma das musas deste é vivida por Sophie Charlotte, a cantora Gilda, uma mulher bela, voluptuosa e que chama a atenção por onde passa, um verdadeiro furacão sexual e capaz de causar em quem se aproxima dela cenas de paixão e ciúmes intensos, tornando até as pessoas mais racionais em meros joguetes, remontando a ideia da construção de personagem inalcançável, típica das musas.

    O roteiro que Felipe escreve acaba por tornar-se um argumento de metalinguagem poderoso, lamentando então a perda do apartamento da Barata Ribeiro 716, e aliado a música Shame e Scandal de Peter Tosh, insistentemente reprisada nos 88 minutos de filme fazem lembrar o motivo de execução do filme em si, que busca ser nostálgico a respeito de uma geração que tinha boas intenções políticas mas pouco traquejo para lidar com a crise em si. BR 716 é um filme que tem problemas em assumir um lado, exatamente como seu protagonista Felipe, que insiste em ser pacifista, beirando uma pseudo neutralidade que obviamente não existe em discussões de esferas políticas tampouco em temática cinematográfica.

  • Crítica | Infância

    Crítica | Infância

    Infância 1

    Baseado nas memórias bastante antigas de seu diretor, Infância narra uma trajetória curiosamente multinuclear, apesar de se basear basicamente em uma família tradicional da capital fluminense. Domingos de Oliveira, além de assinar a direção, faz às vezes de narrador, remontando um ambiente bucólico e repleto de magia típica da nostalgia, fruto do pertencimento aos sentimentos do passado.

    O elenco é capitaneado por Fernanda Montenegro, que reúne em sua Dona Mocinha a maior parte das qualidades do filme, uma vez que sua persona é a mais complicada, intrigada e mais repleta de nuances, como a matriarca de um clã de desajustados e encostados, que basicamente dependem da herança do falecido avô para sobreviver. Em volta de Dona Mocinha orbitam seus filhos, empregados e netos, que além de sofrerem de dependência econômica, também demonstram uma dificuldade em desenvolver seus papéis dentro da trama, mesmo que representassem pessoas que existiram no pretérito de Domingos. A verborragia do argumento faz remeter muito mais ao humor escrachado típico das chanchadas e rádio-novelas antigas do que a seriedade que deveria predominar em alguns momentos. O tom caricatural é claramente um deboche da época em que o roteiro se passa.

    No entanto, a variação estilística se prova pouco competente, especialmente nas participações de Nanda Costa, que faz algumas interferências e quebras de quarta parede, o que faz desconcentrar o público para o real motivo do longa. A dedicação em denunciar o inferno presente na rotina se perde um bocado, resgatando-se talvez na ode ocorrida entre a personagem de Montenegro ao jornalista Carlos Lacerda, revelando uma devoção cega a figura do histórico comunicólogo.

    A ótica infantil garante humor e irrealidade, uma visão fantástica dos aspectos mais surreais de uma época contraditória, como é a fase da vida ligada a criança. Apesar de contar em seu elenco figuras como Paulo Betti, Ricardo Kosovski, Maria Flor e Priscilla Rozembaum, quase todo o talento dramatúrgico é concentrado na experiente Fernanda Montenegro, inclusive nos momentos de enriquecimento situacional da trama, uma vez que os melhores diálogos são dela.

    Como filme-memória, talvez Infância funcione. Mas como espécime de análise fílmica, peca demasiado, já que não prova ser muito mais do que isso: um exercício de memória afetiva de seu realizador. Apesar de se mostrar bastante superior aos últimos exemplares da filmografia de Oliveira, Infância não logra êxito em causar em seu espectador uma sensação tão agradável quanto a que o diretor teria em relembrar os bons momentos de sua meninice, apesar dos grandes esforços de seus produtores.